Todos os sonhos do mundo escrita por Marcia Litman


Capítulo 5
Capítulo V




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Marina estava com o cotovelo apoiado na mesa e o queixo sobre a mão. Ela segurava o celular com a outra mão e tentava lembrar que caminhos tinha trilhado para chegar naquela infeliz encruzilhada: faria uma ligação que seria desagradável, para dizer o mínimo, ou deixar Luciana com um problema que era complicado de resolver.

A moça se levantou e foi até a sala, o celular ainda em mãos. O notebook estava ainda sobre o sofá e ela sentou ao lado dele, puxando-o para seu colo. Mexeu no mouse, fazendo com que a tela se clareasse numa determinada página da internet que já estava aberta há algum tempo. Era um site onde se publicavam histórias online e gratuitamente, podendo ser contos, crônicas e até romances bem longos (ela se surpreendeu uma vez com o fato de ter gente capaz de criar uma história com mais de cem capítulos). Na página aberta em seu computador estava um dos contos que Luciana tinha enviado para uma antologia. Mas o nome da pessoa que publicava era outro (ela sequer tinha conta naquele site). O texto não só tinha sido publicado indevidamente por um terceiro como acabou desclassificando a autora original.

Marina tinha acabado de chegar da casa de Luciana e ainda pensava no desânimo demonstrado por ela ao dar a notícia e o derrotismo que deixavam os seus ombros baixos e os olhos lacrimejantes, ainda que a amiga tivesse segurado o choro o tempo todo.

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— Não é nada assim tão grave, Marina. Quero dizer, esse tipo de coisa é comum, não é?

Luciana estava sentada de frente para o computador, lugar comum para ela quando Marina estava ali. Os braços cruzados e o olhar fixo no monitor desligado mostrava que a mente da moça estava em qualquer outro lugar.

— É grave sim, muito grave — Marina andava de um lado para o outro. — Tem uma história sua rolando por aí e outra pessoa está com os créditos! — ela parou, as mãos na cintura. — Pode não ser a primeira vez que isso vai acontecer, você sabe disso. Precisamos fazer alguma coisa a respeito.

Marina parou e deixou que o corpo desabasse sobre o sofá, sentindo a exaustão que o estresse acabou impondo sobre ela. Luciana levantou e foi até onde ela estava, sentando na mesinha de centro, os ombros ainda baixos.

— Olha, é um texto só, e eu nem gostava tanto desse. Acho que não vale a pena o esforço.

Os olhos de Luciana diziam outra coisa e Marina se inclinou na direção dela, tomando as mãos da amiga.

— Você se afetou com isso, posso sentir.

— É o choque, só isso — Luciana soltou um riso fraco. — Preciso de um tempo pra absorver isso e então volto com tudo. Não se preocupe comigo.

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Pedir a Marina que ela não se preocupasse com Luciana era equivalente a aumentar o seu fluxo de pensamentos sobre ela. Desde que elas eram meninas as coisas tinham sido assim, e o fato de serem agora mulheres adultas não tinha suavizado nada. Na verdade Marina sentia que tinha que compensar todo o tempo em que ficaram separadas, como se temesse perder a amiga de vista a qualquer momento.

Marina respirou fundo e resolveu fazer a ligação antes que acabasse desistindo de vez. O telefone tocou três vezes e ela quase achou que não seria atendida. Mas então ela acabou ouvindo a voz tão familiar do outro lado da linha:

— Marina, é você mesmo?

Ela fechou os olhos, suspirando.

— Pedro, ei.

— Achei que nunca mais íamos nos falar.

Aquela era a intenção de Marina, mas infelizmente nem tudo acontecia como o planejado.

— A gente pode se encontrar no lugar de sempre? Eu preciso da sua ajuda com o problema de uma amiga.

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Marina sentiu todo o peso da estranheza ao perceber que estava ali, esperando por Pedro como antigamente. Na verdade não fazia tanto tempo assim e Luciana estava ao lado dela, o que deveria fazer com que tudo não lhe passasse uma incômoda sensação dedejá vù. Mas não tinha como escapar da garganta seca e da ansiedade que a deixava distraída.

— Eu disse que não precisava fazer nada, Marina — Luciana comentou, mexendo no guardanapo de papel sobre a mesa. — Você parece mais nervosa do que eu.

— Não se preocupe, estou bem. É só… ansiedade em poder resolver.

A quantidade de mentiras contidas naquela frase assustavam Marina.

— Ok — disse Luciana, uma interrogação na voz. — E aí, como você conheceu o Pedro?

— Bem… — Marina se ajeitou na cadeira. — Fizemos faculdade de Direito juntos.

Luciana sorriu.

— Uau, não sabia que você era formada em Direito. É que não trabalha na área, né?

O mundo de uma leve balançada e Marina sentiu como se estivesse em uma montanha russa, prestes a levantar os braços e pedir para sair.

— Não, não, eu não me formei. Desisti no meio do curso e fiz um de Gestão de RH pra poder trabalhar onde estou agora.

Marina respirou fundo, tentando encontrar o melhor sorriso para disfarçar seu nervosismo referente àquele assunto.

— Não rolou com Direito então?

— É, algo por aí.

O olhar de Luciana estava sobre Marina e ela imaginou que milhões de pensamentos cruzavam a mente da amiga. O silêncio foi quebrado quando Pedro apareceu.

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Marina comia o último pedaço de sua torta enquanto observava com atenção a Pedro, que lia algumas coisas que Luciana e ela tinham trazido para aquele encontro.

— E então? — Marina quis saber, assim que Pedro ergueu os olhos dos papeis.

Ele cruzou as mãos sobre a mesa.

— Direito autoral não é minha especialidade, você sabe disso. Ainda mais quando envolve esse terreno arenoso da internet.

Marina suspirou, lembrando-se do porquê detestava consultar Pedro sobre qualquer assunto.

— Não foi essa minha pergunta.

— Então você sabe que vou precisar consultar algumas coisas antes de retornar pra vocês.

Luciana colocou a mão no braço de Marina.

— Claro, leve o tempo que precisar pra achar a informação.

Marina gostava da educação demonstrada pela amiga. Fazia com que ela controlasse os próprios impulsos.

— Por um acaso vocês fizeram algum registro desses textos?

— Hum, não… — disse Luciana, olhando para Marina. — Só do meu original mesmo.

Pedro entornou a boca e Marina sentiu uma sensação queimar a boca do estômago. Devia ter pensado nisso antes e só naquele momento soube como tinha prejudicado Luciana.

— Ok, certo, procurem registrar todos então, para que isso não volte a acontecer. Por enquanto vou orientar vocês no seguinte: — pela primeira vez naquele dia Pedro se virou para Luciana. — Procure informações que mostre que esse texto era seu antes de ser publicado onlineE-mails com o texto em anexo podem servir. Esses registros podem ajudar a gente como prova, caso seja necessário.

— Caso seja necessário? — quis saber Luciana.

— Se estou entendendo a estratégia do Pedro, — interferiu Marina, quando o rapaz abriu a boca para dizer algo. — Vamos tentar assustar a pessoa que publicou o texto, antes de partir para algo mais efetivo.

— Bom saber que você ainda lê minha mente, Marina — ele se voltou para Luciana novamente. — Vou mandar uma mensagem modelo pra Marina e ela vai encaminhar pra você. Se quiser adicionar alguma coisa, fique à vontade, mas tente não tirar nada do que eu coloquei. Essa mensagem vai deixar a pessoa responsável pela publicação ciente de que você consultou seus direitos sobre o texto e que sabe que ele foi copiado. Isso pode resolver o problema ou, pelo menos, dar algum tempo pra gente.

Luciana olhou para Marina e sorriu.

— Gosto dessa ideia.

— Ótimo.

Pedro sorriu diante do triunfo do momento e Marina pensou que a presunção do rapaz não tinha mudado. p

— Quando você acha que vai ter alguma coisa pra gente, Pedro? — Marina quis saber.

— Ligo pra você em uma semana, pode deixar. Tenho um amigo que pode me passar algumas dicas.

— Ok.

Luciana se mexeu e Marina logo percebeu que era o celular da moça que tocava, enquanto ela se apressava para atender.

— É meu chefe, já volto — Luciana disse, indo para o lado de fora da cafeteria.

Marina sentiu o peso de estar a sós com Pedro e tratou de olhar para o prato vazio.

— Fala pra sua amiga que nós vamos resolver isso, Marina — disse Pedro, entregando os documentos à moça. — Ela vai ficar muito agradecida.

A moça levantou a sobrancelha.

— Você não faz o tipo dela. Caso esteja pensando em dar uma de conquistador, como você costuma fazer com todas as minhas amigas.

Ele soltou uma risada curta.

— Ah, isso eu já reparei, pelo jeito que ela olha pra você.

— Não entendi o que quis dizer.

Marina se arrependeu no mesmo segundo de suas palavras quando viu o sorriso torto do rapaz.

— Até que você superou rápido. Não que eu esteja surpreso.

Os ombros de Marina desceram com o peso da exaustão de falar com Pedro.

— Não está acontecendo nada entre a gente. E, mesmo que estivesse, isso não diz respeito a você.

Pedro jogou as mãos para cima.

— Ok, não estou dizendo nada — ele se levantou de repente. — Se não ‘tá acontecendo nada, você deveria pelo menos perceber que ela ‘tá caidinha por você. Ou talvez você esteja usando sua tática de se passar por inocente, como quando estávamos juntos.

Marina sentiu um aperto nos pulmões.

— Acho que você está de saída, não?

Ele olhou para trás, vendo que Luciana retornava da ligação.

— Você tem razão.

Luciana franziu a testa e Marina tentou ignorar as perguntas estampadas no rosto da amiga.

— Vamos manter contato só por telefone daqui pra frente. Tudo bem, Pedro?

— Você que manda, Marina. — ele olhou para Luciana mais uma vez. — Boa sorte. Vamos resolver seu problema.

— Obrigada, Pedro.

O rapaz se retirou e Marina soltou uma grande quantidade de ar que segurava.

— Desculpa por isso, Lu.

Marina não levantou o olhar, temendo encontrar o de Luciana. O peso sobre si diminuiu quando a amiga se sentou ao seu lado.

— Não vou perguntar nada, ok? Só… se você não gosta do cara, não precisava ter pedido ajuda a ele.

— Eu só consegui pensar nele como alguém pra nos orientar.

Luciana suspirou.

— Vou torcer então pra que dê certo essa mensagem que ele disse pra gente enviar. Assim você não vai precisar mais falar com ele. E, se não resolver, bem… deixa que eu procuro um advogado. E um que não seja estúpido ou faça você se sentir mal.

Marina levantou o rosto e sorriu para Luciana, sentindo um pouco mais de leveza. 


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