Nuvens escrita por Alice Pereira


Capítulo 4
Citação


Notas iniciais do capítulo

Eu cheguei nas Semifinais! Nem tô acreditando :3 Mas esse é o capítulo dessa rodada e o tema foi um trecho de "Deus, me dê a coragem", da Clarisse Lispector:
"...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."



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Acordei repentinamente com uma luz forte, como se minha mãe tivesse aberto as cortinas do meu quarto do jeito que costumava fazer todos os dias. Mas quando olhei ao meu redor não vi o teto que minha irmã manchou de tinta quando dormia aqui. O que vi foi o Sol brilhando no céu de um azul claro vibrante sem nenhuma nuvem.

Tentei me sentar, mas uma das minhas mãos se apoiou no vazio, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio e caísse deitada de lado, o meu rosto a alguns centímetros de uma falha no que achei que fosse o chão. Fiquei observando os fiapos brancos se desmanchando até perceber que o buraco estava crescendo na minha direção. Nuvens! Eu estava sentada em nuvens. Imagino que elas não deviam conseguir sustentar o meu peso, mas naquela hora tudo o que consegui pensar foi que seria ótimo se elas fossem um pouco mais sólidas. Cada local em que me apoiava cedia um pouco e várias vezes acabei com uma perna ou braço pendendo a quilômetros da terra, mas por fim consegui achar um local mais firme e me sentei, ciente de que logo ele também se desmancharia.

A imensidão branca me assustava. As nuvens, ou a nuvem, se estendiam até onde eu era capaz de ver, se desmanchando pouco a pouco e deixando frestas pelas quais se via o mar. Ao passo que o tempo se passava, cada vez mais perguntas se formavam em minha cabeça, me fazendo esquecer de prestar atenção no movimento do gigante branco. “Como isso é possível?”, “Como vim parar aqui?”, “Por quê?” eram as mais frequentes, especialmente a última. Afinal, já que parecia ser possível aquilo acontecer, uma pessoa não acabaria em cima de uma nuvem sem motivos!

Desisti de achar respostas para as minhas perguntas e percebi que a nuvem na minha frente estava se dissolvendo, mas de uma forma diferente, mais parecida com um desenho. Depois de um tempo comecei a distinguir letras, até que uma frase se formou:

“...Que minha solidão me sirva de companhia.”

— Você está me dizendo que estou aqui para ficar sozinha? – Apesar do meu tom de voz irritado, ela não respondeu. Muito pelo contrário! A citação foi levada pelo vento, assim como boa parte da nuvem ao meu redor.

Com um suspiro, me encolhi no pequeno pedaço que ainda me restava e observei a Nuvem se afastar, deixando para trás um pedaço dela. Comecei a sentir um enorme aperto no peito quando ela se tornou apenas uma fina linha à distância. Até aquele ponto, eu estava intrigada, mas saber que estava só fez com que eu me sentisse abandonada por todos: a Nuvem, a Terra, o Mar. Eles estavam tão distantes!

— Tenho certeza de que essa frase não deve ser interpretada de forma tão literal, Nuvem. Não sei se eu, ou minha solidão, sou uma boa companhia. – Murmuro numa última tentativa de fazê-la voltar.

O Vento continuava a soprar, dissipando o que restava da Nuvem que ele tinha levado para longe.

— Bem, senhor Vento, só você continuou comigo, mas parece que é uma companhia pior ainda que a Solidão. – Alguns instantes depois ele terminou o seu serviço e eu despenquei em direção ao mar. Antes mesmo de eu atingir a água uma espécie de casulo do que aparentava serem algas marinhas me envolveu, impedindo que eu me afogasse.

Só dentro do mar percebi que gritava e quando parei um silêncio profundo me envolveu.

— Eu devia ter morrido. ­– Conto para o Mar, do qual uma parede de algas me separava. O espaço que eu tinha era bem pequeno e cheguei à conclusão de que, sendo que nenhuma das coisas que deviam ter me matado até ali não o fizeram, eu acabaria morrendo sufocada.

Passei alguns minutos tentando achar uma posição confortável, até que me canso e simplesmente abraço os meus joelhos na posição fetal. Fiquei analisando o casulo tentando entender como ele podia impedir a entrada da água e não se partir com o meu peso, mas percebi que, assim como com as nuvens, não havia explicação.

— Acho que eu ter caído foi como um castigo por não ter aceitado o conselho da Nuvem. Estou certa? Eu posso ficar aqui, conversando sozinha. Afinal, o Mar não é alguém, ele é só... O mar. Então eu estou sozinha! Tudo bem que a minha companhia é a criatividade, não a solidão, mas conta, né? – A minha calma nas primeiras frases logo se tornou uma fala frenética e desesperada.

Em resposta às minhas perguntas, as mesmas letras que eu tinha visto nas nuvens começaram a ser escritas na parede de alga, dessa vez formando uma frase diferente:

“...que eu tenha a coragem de me enfrentar”

Ao invés da frase sumir, como aconteceu nas nuvens, ela começou a ser escrita em todo o casulo, até que mal se via as algas que o formavam.

Tenho a impressão de que o Mar não ficou muito feliz com a minha resposta, pois o casulo se desmanchou. Se não fosse o medo de morrer afogada teria sido bem bonito ver as algas se soltando uma a uma e sendo levadas para longe, até que não houvesse mais sinal delas. Mas não foi. Não foi nem um pouco bonito ver a minha chance de sobrevivência se afastando.

Já era certo que eu ia morrer, mas naquele momento fui levada à superfície em poucos instantes e fiquei boiando até chegar a uma praia. Parece que quem quer que estivesse fazendo aquilo ainda queria terminar de falar, pois assim que me arrastei para areia e me recuperei do “susto” apareceu na areia:

“...que eu saiba ficar com o nada

e mesmo assim me sentir

como se estivesse plena de tudo”

Deus, me dê a coragem – Clarisse Lispector

— Hora de acordar! – Alguém exclamou. Olhei em volta, mas não vi ninguém antes de uma luz forte me cegar. Quando abri os olhos estava em meu quarto, deitada na cama, e minha mãe acabara de abrir as cortinas.


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Notas finais do capítulo

Juro que entendi o trecho da Clarisse! Mas não deu pra escrever algo baseado nele, então fiz meio que sobre ele, mesmo...