Talvez seja um sonho escrita por Lorde Saphe


Capítulo 8
One More Night




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Eis algumas conclusões que cheguei depois de passar duas semanas levando foras de duas garotas: Thalia, Annabeth e Luke possuíam um passado juntos. Algo tinha dado muito errado entre os três. Luke é o mesmo babaca que dormiu com Rachel no dia que conheci Annabeth, o que deveria ter sido o motivo pra ela ter terminado com ele.

Depois de ser ignorado pelas garotas por tantos anos, você deve pensar que duas semanas não era nada, mas aí é que você se engana. Thalia se recusava a falar comigo, nem mesmo pra dizer que não queria falar comigo. Foram duas semanas sem eu nem conseguir ver ela. Tentei visitar Annabeth diversas vezes, mas ela coincidentemente nunca estava quando eu tocava a campainha.

Minha mãe sempre estava disposta a conversar, mas ela parecia achar que eu deveria "deixar as coisas esfriarem", "deixar o tempo resolver". Se eu não sabia a causa daquilo tudo, como poderia aceitar uma solução dessa? Era como internar alguém com suspeitas de um resfriado. Eu precisava saber. Eu poderia pedir ajuda ao Grover, mas ele tinha começado a namorar a Juníper, e eu realmente não queria estragar a felicidade dele. Descobri também que quando você está triste e todo mundo ao seu redor está feliz, aquilo incomoda. Só uma pessoa parecia estar realmente me ajudando, o que era meio inusitado, já que a gente mal se conhecia. Nico estava sendo quase um anjo enviado pelos deuses, o que é engraçado, já que seu nome é Di Angelo. Isso, é claro, se os anjos usassem preto. Olhe, já estou fazendo humor, haha.

Todos os dias daquelas duas semanas tentei visitar Thalia, em nenhum dos dias cheguei a vê-la. Em vez disso, Nico sempre estava lá, na porta dela, como se soubesse que eu chegaria naquele horário. Na primeira vez que encontrei Nico, ele vestia um terno preto que combinava perfeitamente com ele, a primeira impressão que tive foi que ele era um riquinho com um gosto muito bom. Mas em todos os outros encontros naquela semana, ele parecia um adolescente comum. Magro, com olheiras destacando os olhos escuros, uma blusa preta de alguma banda que eu desconhecia e uma jaqueta de aviador grande demais para o tamanho dele. O típico adolescente que parece excluído da sociedade. Só que as aparências enganavam, e muito.

Naquela manhã, Nico estava sentado no chão, com as duas mãos atrás da cabeça. Eu já estava sem esperanças de ser recebido pela Thalia, então tinha ido ali simplesmente para falar com Nico. O garoto abriu um sorriso com seus dentes perfeitos.

— Até que enfim! Deuses, pareceu uma eternidade, pensei que finalmente tinha seguido em frente.

— Ela continua sem querer falar comigo, não é? — Suspirei. Minha voz não parecia mais desesperada ou chateada. Parecia apenas cansada. Nico levantou e limpou a calça que estava suja de areia. Ele colocou um braço ao redor do meu ombro e começou a andar.

— Você precisa entender ela. Thalia já sofreu muito no passado, e sofreu mais ainda tentando largar o passado. Quando ela decidiu deixar aquela parte da vida dela para trás, quando decidiu seguir com você, talvez tenha até começado a ansiar o futuro, o passado e o presente dela se juntam como uma grande bola de neve. Isso faz a pessoa pensar.

Tentei não discutir, sempre o assunto parecia voltar ao passado de Thalia. E sempre Nico dava a mesma resposta. Era uma droga, mas eu conseguia entender. Não conseguia tirar da cabeça que precisava ouvir Thalia dizer aquilo, não Nico, não Annabeth, com certeza não Luke, mas Thalia. Mas aparentemente ela tinha feito a escolha dela, iria me ignorar até o fim da minha vida mortal. A única coisa boa era que eu tinha conseguido tirar daquela bagunça toda uma amizade com Nico. O garoto dava ótimos conselhos sobre a vida, embora tivesse a mesma idade que eu.

Nico me arrastava em direção ao meu novo lugar preferido: o píer. Ele não era muito fã de água, mas eu tinha lhe dito que era meu lugar preferido do mundo. Onde tivesse um mar, eu estaria bem. O pai de Nico, dono das empresas Plutão, uma empresa que transformava os recursos naturais da Terra em ouro, tinha um navio ali. Ok, o navio não era bem um daqueles transportes de cargas, era quase uma mansão que flutuava na água. Eles estavam indo para lá todos os dias, fazia uma semana. Foi naquela mesma embarcação que Nico contou sua história de vida, eu sentia um pouco de pena do garoto.

— Terra chamando Percy Jackson. — Nico balançava a mão na frente do meu rosto.

Eu tinha perdido as contas de quantas vezes aquilo tinha acontecido. Ultimamente era muito difícil me concentrar, ficava perdido em pensamentos, em memórias, em ilusões. Estava dormindo tão mal que sempre que acordava eu me perguntava se realmente tinha fechado os olhos.

— Oi, desculpa. — Balancei a cabeça tentando focar os pensamentos.

Nico tentava ler meu rosto, então virei a cara para a paisagem que se abria na minha frente. O mar em camadas de cores e o céu tentando se juntar a ele. Em algum lugar o sol estava escondido atrás de lindas nuvens.

— Bem, meu pai vai dar uma festa amanhã. Um baile de máscaras. Gostaria que você fosse.

— É... Nico, eu não sei se eu teria uma roupa ou mesmo uma máscara elegante o suficiente para ir numa festa do seu pai. — Eu estava um pouco constrangido. Eu não tinha vergonha em ser pobre, ou algo do tipo, mas sempre que surgia uma oportunidade de ir em um evento, uma festa ou passeio e eu tinha que recusar o convite por não ter dinheiro, eu ficava vermelho automaticamente.

— Então isso é um sim. Excelente. —  Ele pareceu ver a confusão em meu rosto. Eu tinha dito claramente que não podia ir na festa. Quer dizer, tinha sido o mais claro possível sem ser rude ou algo do tipo.

— Não se preocupe com a roupa e a máscara, Percy. Eu já os enviei para sua casa.

— En-Enviou?

— Sim, sim. Eu odeio bailes de máscaras, mas se você estiver lá, então vai ser bem legal. Panem et circenses, sabe? Pão e circo. Quando você quer que alguém esqueça algo, é só dar entretenimento e comida, funciona sempre. E já que estamos querendo que você sossegue um pouco, então acho que vai ser ótimo. Fora que meu pai ama simbolismo, sabe? Amanhã a empresa dele vai se expandir mais ainda, então ele convidou todos aqueles empresários, rivais e pessoas que adorariam vê-lo cair. O baile é a forma do meu pai mostrar que ele pode enxergar através das máscaras de todos eles. Ele também escolheu Plutão para o nome da empresa, já que Plutão era o deus mais rico que existia, dono de todas as riquezas embaixo da terra.

— Parece ser um cara legal. Não acho que o convidaria para tomar um café no meio da tarde. Na verdade, não o convidaria para lugar nenhum. — Nico conseguiu sorrir.

— Na verdade, ele não é tão ruim.

Sabia que ele estava dizendo aquilo só porquê o cara era pai dele. Ainda se lembrava das palavras do Nico sobre a infância: Não posso dizer que tive uma infância ruim, Percy. Eu tinha tudo que queria, bem, quase tudo. Mas, foi difícil. Um pai sempre ausente, uma mãe envenenada e sendo lentamente tragada pela morte. Ela estava amargurada. Era difícil até de lembrar. Nico disse que eu fui a primeira pessoa que ouviu aquela história. Não sei bem como eu me sentia sobre isso.

Aquela tarde só não foi melhor do que o dia dos namorados com Thalia. Nico fez chocolate numa panela e nós comemos sentados no chão vendo um filme de comédia clichê. Depois, o capitão, um cara enorme que usava um lindo terno italiano, me ajudou a aprimorar minhas habilidades em conduzir um navio. A gente tinha se afastado tanto da costa que era quase impossível ver algo além de água ao nosso redor. Passamos o restante da viagem jogando Call of Duty numa TV que era do tamanho da minha casa. Como sempre, eu perdi. Nunca tive a oportunidade de ter um playstation em casa, mas eu fiquei feliz de estar na companhia de Nico e de poder ser a companhia dele.

Já ia anoitecendo quando o barco voltou ao píer. Acima de nós as estrelas piscavam e sussurravam entre si. Nico e eu caminhamos em silêncio por alguns minutos. O olhar dele estava distante. Ele parou na esquina em que tomaríamos caminhos separados para nossas casas.

—  Você pensa na morte, Percy? — Seu rosto assumiu uma expressão estranha.

— Não sei, as vezes, acho. Acho que é impossível estar vivo sem pensar alguma vez na morte.

— E o que você acha? — Ele falava tão calmo, como se perguntasse o que eu achava do clima.

— Bem, eu não tenho medo dela. Acho que não resta muito a não ser aceitar o fardo dela.

— É... As pessoas normais sempre pensam assim não é? A morte é apenas o fim da vida, ou então, a morte é o começo dos prazeres ou punições eternas. Nós temos esse significado sobre o que é viver, mas para a morte, tudo que podemos atribuir é que ela é o fim da vida. A vida é tão...frágil. Somos tão insignificantes. Vivemos sob esse conceito de que devemos aproveitar a vida ao máximo, já que a morte virá para todos. Costumamos pensar que a vida é uma redoma mágica que nos protege, nos dá sentido. Mas e se a vida for a gaiola? E se a vida for o sofrimento e a morte a liberdade? Passamos todo o nosso tempo aqui tentando melhorar e a vida continua tentando ao máximo nos destruir. A vida pode ser a punição. Em algum lugar fora dessa gaiola os pássaros voam cheios de pesar. — Naquele momento Nico não chorava, ele sustentava meu olhar de uma maneira muito madura. Mas ele nunca pareceu tanto com um garotinho. Aquele menino precisava de suporte, de apoio, de amigos. Ele estava se afogando em sua própria vida, em erros e infortúnios que ele não foi o responsável. Eu nunca tive um irmão, mas ali, senti um imenso amor fraternal por Nico.

— Nico, olha. Amor, morte, vida. Essas coisas que superam a razão e bagunçam os nossos sentimentos, elas não podem nos levar a uma certeza. Eu não posso dizer como você se sente, não posso dizer o quanto você sofreu. Eu sei que aqueles garotos do seu passado achavam que você não poderia estar triste, apenas porque você tinha dinheiro. Mas você não pode mais esconder teus sentimentos, não pode enganar você mesmo. Acho que o primeiro passo para encontrar a felicidade é parar de se esconder. Depois disso é só seguir o rastro. — Depois que as palavras saíram da minha boca, percebi o quão hipócrita eu estava sendo. Como poderia pedir pra alguém não se esconder, quando eu estava fazendo a mesma coisa? Me escondendo atrás de uma história de tristeza e me impedindo de ser quem eu sou e fazer o que eu quero. Brincando de escolher entre duas garotas quando no fundo eu sei quem meu coração quer.

Eu abracei o garoto. Nico deu um leve sorriso para mim e saiu pela rua ao lado. Como ele conseguia caminhar como um verdadeiro modelo com toda aquela confusão sentimental? Eu provavelmente estava parecendo uma foca depois de brincar no lixo. As estrelas pareciam estar rindo. Em algum lugar da minha cabeça eu pude ouvir uma vozinha dizendo: Escolhas e Amor, essa é uma combinação perigosa.


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Notas finais do capítulo

Em um baile de máscaras, o que cai primeiro? A máscara da dor ou a do amor?



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