Talvez seja um sonho escrita por Lorde Saphe


Capítulo 4
All I want


Notas iniciais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=mtf7hC17IBM (Kodaline - All I want)



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Eu percebi que quando eu não tinha sonhos esquisitos eu conseguia chegar na escola no horário certo. Eu ligava aquela ótima noite de sono com o aparecimento da Annabeth, ou seja, enquanto eu continuasse vendo ela, minha mente ficaria em paz. Talvez até minhas notas aumentasse. Ou talvez isso fosse uma desculpa para eu continuar indo vê-la.  Minha mãe notou meu ótimo humor quando acordou e me viu fazendo o café. Ela sorriu como se aprovasse e começou a preparar ovos e algumas torradas. Nós comemos tudo em um silêncio confortável. Ela se despediu de mim com um beijo na bochecha e desejando uma boa manhã de aula.

O caminho para a escola foi diferente. As pessoas pareciam mais gentis, as árvores mais verdes; a brisa fria da manhã era acolhedora. O sorriso em meu rosto parecia ditar aos meus olhos o modo de ver as coisas. Nada tinha realmente mudado na minha vida, os medos, os pensamentos, as dúvidas, tudo ainda estava lá, mas eu tinha conhecido uma garota. E melhor, essa garota gostara de mim e eu dela. Talvez fosse impressão minha, mas minha sorte poderia estar mudando.

A primeira aula daquele dia era matemática. A Sr. Dodds era quem ensinava essa matéria. Ela era uma senhora de uns sessenta anos, de baixa estatura e pele enrugada. Ela sempre estava usando um rabo de cavalo e um colar que deveria ser tão velho quanto ela. No colégio não existe um uniforme padrão, os alunos podem vestir o que eles quiserem, menos é claro, na aula dessa bruxa velha. Ela fazia uma inspeção antes dos alunos entrarem na sala. Os garotos deveriam usar calças ou bermudas jeans, e só eram permitidas as bermudas que passavam do joelho. As garotas podiam usar calças ou shorts jeans, os shorts deveriam cobrir pelo menos metade da coxa, e saias longas. Eu simplesmente odiava aquela inspeção. Ela me olha dos pés a cabeça e eu sabia que ela não aprovava o cabelo despenteado, as unhas mal feitas e outros pequenos defeitos que eu vinha há anos acumulando.

Sentei no final da sala, como sempre, tentando evitar aqueles olhos marrons de águia velha. Grover e eu geralmente conversávamos em sala de aula, mas desde que essa megera velha veio ensinar aqui, temos criado várias outras formas de nos comunicar na presença dela. Papeis amassados em borracha, papeis colocados dentro dos tubos das canetas ou dentro das tampas e tantos outros que fica realmente difícil duvidar de que estamos conversando e não apenas trocando materiais de aula. Passei aquela aula quase toda contando para ele sobre Annabeth. Tentei não sorrir, embora fosse difícil. Quando contei que conheci a mãe dela, Grover deu uma risadinha, e eu abri um sorriso.

 — Sr. Jackson. Já que o senhor está rindo, creio que já tenha terminado o exercício. Poderia vir resolvê-lo no quadro? — O olhar da professora era de puro ódio, como se ela se perguntasse como eu tinha a coragem de sorrir em uma aula dela. 

— Exercício?— Sim, Sr. Jackson, o do livro. Toda a classe está fazendo. 

— De que livro? — Sempre que eu me metia em uma enrascada, eu me fingia de bobo(o que não era tão difícil). Aquilo deixava as pessoas com raiva e me dava tempo para pensar. Os olhos da Sr. Dodds faiscavam, se alguém abrisse um gás ali, todos nós morreríamos.

— Venha até aqui. E traga todos os seus livros. — Puxei minha mochila, que só tinha a bola de basquete dentro e meu caderno de desenhos. Peguei os livros em cima da mesa e caminhei até ela. Ela tinha uma expressão assassina no rosto enquanto procurava o livro de matemática nas minhas coisas. O livro não estava lá, óbvio.

— Isso parece um livro de matemática,  Sr. Jackson? — Ela levantou o meu livro de história para toda a classe ver. Se outro professor tivesse feito aquilo, todo mundo estaria rindo, mas a classe permaneceu em silêncio. 

— Olhe para a quadro e me diga se isso é história. — Algumas semanas atrás eu tinha feito um desenho da Sr. Dodds. Ela tinha garras nas mãos e nos pés. Segurava um chicote energizado. Eu tinha colocado ela como uma das torturadoras do senhor do submundo, Hades. Eu nunca tinha achado ela tão má assim, mas ali, ao ver aquele rosto cruel tão próximo de mim, quase fiquei esperado que ela se transformasse e me transformasse em picadinho.

— Não sei, talvez seja a história da matemática. A senhora que deveria nos dizer. A senhora que é a professora aqui. — Ok, eu sei, isso não foi nada prudente da minha parte. Eu deveria ter pedido desculpas e ter ido sentar, ter pedido desculpas, blablabla, etc. Mas eu odeio abaixar a cabeça. 

— Suma da minha frente. VÁ. Fale com o diretor o que aconteceu aqui. Se você mentir, eu saberei e farei da sua vida um inferno. Não vou tolerar um garotinho tentando ser esperto pra me fazer de boba. — Eu não precisei que ela dissesse uma segunda vez.

Sempre que eu tinha que ir ver o diretor, ele estava jogando cartas com alguém na sala dos professores. 

— Ah, Jason. O que você fez dessa vez? — O diretor contava os pontos do seu jogo, parecia bastante feliz. Dois professores e uma garota estavam na mesa, Quíron e o professor de educação física. Eu não conhecia a garota, mas ela batia o pé nervosa.

— Ah senhor, o de sempre. A Sr. Dodds me expulsou de sala por não ter o livro de matemática. Como o senhor sabe, eu não recebi meu livro da escola ainda. Acho bastante injusto ser retirado de sala por causa disso. — A verdade é que eu tenho o livro, mas quando eu o recebi, acidentalmente esqueci de preencher a lista com minha assinatura, então eu fingia que nunca tinha recebido.

— Truco, truco, truco. — Ele comemorou por alguns segundos por ter ganho a partida. — Ah sim, sim. Falarei com ela. Ela fica tirando os garotos das salas e enviando-os a mim. Como se eu precisasse de mais trabalho! 

— Bem, não faz mais sentido eu voltar para a aula agora, posso ir? 

— Não. Eu vou falar com a Sra. Dodds, enquanto isso por que você não vai fazer um tour com a senhorita Tamara aqui. Nós três saímos da sala, o Sr. D se encaminhou para onde a Sra. Dodds estava dando aula.

— Olha, eu adoraria fazer um tour com você pelo colégio, mas eu preciso sair daqui agora. — A garota me olhou com seus dois olhos azuis elétricos.

— Eu vou com você. — Eu não estava esperando por aquilo, mas não havia muito tempo. A qualquer segundo o Sr. D voltaria com a Sra. Dodds e a verdadeira história viria a tona. Talvez eu fosse até expulso por desrespeitar um professor. 

Nós caminhamos por um tempo, lado a lado, sem falar muito. Ela era alta, talvez uns cinco centímetros maior do que eu, acho. Ela estava toda de preto, mas não parecia estranho, na verdade lhe caía muito bem. O preto destacava seus olhos azuis elétricos e sua pele branca. O cabelo curto era um charme a mais.

— Então, seu nome é Jason?

— Percy Jackson. E acredito que o seu não seja Tamara.

— Thalia Grace. O que fez você fugir da escola tão rápido? — Ela estava com o rosto descontraído, mas os olhos pareciam cintilar. Ela tinha uma aura de liderança que era quase visível. Disse a mim mesmo para nunca irritar aquela garota, e soube que se ela perguntasse algo, eu deveria responder. Contei toda a história e ela pareceu achar graça.

— Você mente bem.

— É, bem, desculpa arrastar você pra isso. Vou ter que inventar uma história para te livrar.

— Ah, não se preocupe. Eu sei me virar. Já que você deveria me mostrar a escola, que tal me mostrar a cidade no lugar? Eu meio que acabei de me mudar.

— Suponho que é o minimo que posso fazer, vamos lá.

Durante toda minha vida, eu sempre fui impertinente. Os professores me odiavam, eu respondia, batia o pé e não aceitava, se não quisesse, o que eles queriam. Mas quando o assunto eram garotas, meu cérebro se embaralhava. Eu sabia o que queria dizer, mas minha boca simplesmente não dizia. Chegava um ponto que o assunto acabava, ou nem começava, e ficava aquele silêncio incomodo de duas pessoas querendo dizer algo. Mas com a Thalia não foi assim. Ela era a alma da conversa. Ela falava, ria, contava piadas, exigia respostas. Ela fazia perguntas pessoais, mas também falava sobre coisas aleatórias, o que era legal, já que o assunto não ficava tão sério, nem tão banal. Nós estávamos andando por um pequeno parque, que não era tão longe da escola.

— Então, o quê diabos você carrega na bolsa, se você leva os livros na mão? — Ela tinha parado e sentado em um pequeno banco de pedra. Eu tirei a bolsa das costas e sentei próximo a ela. Ela revirou os olhos para a bola de basquete.

— Vocês, garotos só pensam em esportes? Mais tarde irei mostrar a você como se joga. E o que é isso? — Ela pegou o pesado caderno de desenhos e começou a passar folha por folha. Geralmente eu não deixo ninguém olhar meus desenhos. Tenho a impressão de que vão me achar maluco. Ele está recheado de desenhos sobre a mitologia grega e romana. Monstros, heróis, deuses e templos.

— Bem, eles não são tão bons, mas acho que pelo menos dá pra diferenciar uma pessoa de um monstro.

— Cala a boca, eles são ótimos. Esse é Zeus? — Um enorme Zeus estava sentado em seu trono, segurava um raio que estalava em seus dedos. Um herói menor estava ajoelhado no chão.

— Ah. Bem, sim, mas eu não gostei desse aí. O raio não parece real.

— Como não parece real? Você realmente acredita nisso? Digo, deuses e monstros?

— Ah, eu não descarto a possibilidade, sabe?

— Você é louco. O que seus pais acham sobre isso?

— Bem, meu pai está em alto mar, então não sei. Minha mãe gosta, acha que eu sou criativo ou algo do tipo.

— Está explicado, seu pai é pescador e sua cabeça está cheia de algas.

Mostrei a Thalia alguns lugares, incluindo o meu preferido, que era a quadra próximo ao rio. Nós também jogamos basquete lá, e tenho que admitir, ela era boa. Ela tinha acabado de marcar um ponto quando o Grover apareceu. Apresentei eles e Grover fingiu estar ofendido por eu ter ido jogar com outra pessoa. Eu perdi o jogo e fiquei observando enquanto os dois jogavam. No começo Grover pareceu querer brincar, talvez porquê ele não acreditasse que ela sabia jogar, ou talvez acreditando que eu peguei leve por ela ser uma garota, mas logo ele assumiu uma expressão séria. O jogo foi apertado, mas Grover ganhou no final.

— Jesus, garota. Você joga melhor que metade do time da escola. — Thalia sorriu.

— Bem, você me pegou fora de forma. Me dê um mês e aposto que você nem se mexe nessa quadra.

Nós brincamos mais um pouco, até que percebi o quão tarde estava. Grover deu uma piscadela e disse que tinha que ir. Então ficamos apenas a Thalia e eu. Nós caminhamos até sua casa em silêncio. Talvez estivéssemos cansados demais para falar.

— É aqui. — A casa era relativamente pequena. Tinha um jardim selvagem na frente, parecia meio abandonado, a grama estava mais alta do que deveria. As luzes da casa estavam apagadas, mas era possível ver algumas caixas ainda fechadas através das janelas.
    — Sabe, Percy. Quando soube que teria que me mudar, fiquei relativamente triste. Eu cometi alguns erros onde eu morava, afastei quem gostava de mim e de quem eu gostava. E me mudar pareceu destruir as chances de consertar isso. Hoje foi um dia maravilhoso, fez eu me lembrar de uma sensação boa, de quando eu não estragava as coisas. Eu realmente quero ser sua amiga, Percy, mas acho que você não deva me permitir. Eu vou acabar te decepcionando. — Enquanto ela falava eu pensei sobre o nosso dia. Thalia tinha falado, rido e conversado, mas todo o tempo tinha evitado falar sobre ela. Ela era extrovertida, mas tinha uma barreira enorme resguardando sua vida pessoal. 

— Não se preocupe com isso, sério. E só pra constar, você já é minha amiga. Eu te mostrei meu lugar favorito, não foi? Bem, e sobre a decepção, eu sou tipo o homem mais rápido do mundo em decepcionar quem gosta de mim. Então, se você me desculpar, eu lhe desculparei.

— Você é um idiota, Jackson. Você não pode me vencer nem no basquete nem na decepção.

— Acho que vamos ter que ver, não é?

— Então, te vejo amanhã na primeira aula?

— Bem, talvez na segunda, eu sempre gosto de decepcionar o primeiro professor.

Minha ultima visão dela foi a porta se fechando e um pequeno sorriso no seu rosto. No caminho para casa eu fiquei com medo. As coisas estavam indo tão bem que tudo aquilo parecia um sonho.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, postei antes do que eu esperava por motivos de: sou ansioso.



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