Depois da Tempestade escrita por DrixySB


Capítulo 13
Capítulo XIII


Notas iniciais do capítulo

E finalmente uma conversa franca...



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Não foi sem certa relutância que ela procurou o Doutor Leonard Samson a princípio. Jemma estava frustrada, triste e irritada com tantas coisas, especialmente com seus sentimentos confusos, que agiu desdenhosamente em suas primeiras sessões. Ela continuava a negar seu stress pós-traumático e não evitou uma risada sardônica quando o doutor decidiu lançar mão do teste de Rorschach para avaliar sua saúde mental.

Ele não estranhou e sequer recriminou o comportamento dela. Sabia que havia procurado ajuda por recomendação de alguém. E entendia perfeitamente sua ira e frustração. De forma que, como o bom profissional que era, aliando a eficiência de seu trabalho a um jeito descontraído de encarar as coisas mais complexas (não era à toa que o próprio Hulk sentava em seu divã), ele apenas respondia ao desdém de Jemma com um sorriso enviesado e persistia com seus métodos, alegando que sua eficácia era altamente comprovada.

Aos poucos, ele foi ganhando a confiança de Simmons e ela também se deu conta de que estava agindo não só injustamente como de maneira imatura. Ela não deveria descarregar sua frustração nele. Samson estava apenas tentando ajudar. E seus esforços em auxiliá-la em sua reabilitação estavam bem acima da média. Dentro de algumas semanas, Jemma já percebia os benefícios de se tratar com ele, e tinha um pequeno orgulho do progresso que havia feito. Seus sentimentos foram se desembaralhando e ela foi situando cada coisa em seu devido lugar dentro de si; compreendendo suas lástimas e anseios, aprendendo a lidar com sua culpa e sua dor e apenas constatando o que já sabia acerca do papel de Fitz em sua vida.

Porém, naquele dia, mesmo tendo desenvolvido uma ótima relação entre doutor e paciente com Samson, ela foi contrariada vê-lo. Isso porque ela tinha tanto a conversar com Fitz que acabara de voltar e apenas queria colocar as coisas nos eixos de uma vez. Para completar, ele voltou a lhe mostrar as telas de Rorschach quando ela estava certa de que já tinham passado dessa fase.

— Antes de ir, eu gostaria de dizer que você progrediu muito, Jemma. Eu estou feliz com isso e acho que você deveria estar também. Só precisa mesmo aprender a lidar com a sua culpa.

Ela, que até então encarava Fitz através do vidro da janela – ele estava do outro lado da rua, esperando por ela – voltou seu olhar para Samson.

— Eu estou feliz, doutor – ela afirmou, categórica – e sobre lidar com minha culpa... Na verdade, eu já tomei uma providência – ela havia relutado em dizer a princípio, mas decidiu confessar.

— E qual seria?

— Eu não quero mais que as pessoas se arrisquem por mim. Arriscaram-se no passado por uma simples questão de saberem que eu não conseguia me defender sozinha. Isso está prestes a mudar.

Ele arqueou as sobrancelhas, em expectativa.

— Doutor Samson, já ouviu falar na Cavalaria?

Samson puxou pela memória de onde já tinha ouvido falar a respeito. Não tardou a se recordar.

— Sim, é uma história bem famosa.

— É, e não se trata de uma lenda. Pois bem, há alguns dias eu pedi a ela para me ajudar com isso.

— E de que forma seria?

Jemma respirou fundo antes de prosseguir.

— Pedi a ela que me ensine a me defender.

— Hmm... Se eu estou bem lembrado, Melinda May é seu nome, certo? Ela é uma agente altamente treinada e perita em combates físicos.

— Exatamente.

Um lampejo de compreensão cruzou o rosto do doutor Samson.

— Está certa disso, Jemma?

— Sim – disse, resoluta – além de eu aprender o necessário para garantir minha sobrevivência, deixando de parecer a garotinha em apuros, isso será um ótimo meio de libertar minha raiva e frustração.

O doutor avaliou suas palavras por um instante, o cenho franzido.

— Seus autodiagnósticos têm sido precisos.

Ela não evitou rir.

— E aí está o que eu espero que você volte a fazer com mais frequência: sorrir. Bem, doutora Simmons, acho que na posição em que se encontra, de agente de uma organização que tem atuado nas sombras, é até mesmo inteligente que pense em aprender a se defender.

— Eu nunca fui agente de campo. Fazia minha parte no laboratório. Minha habilidade é a ciência.

— Sim, e espero que continue sendo. Você tem uma mente brilhante. Mas acho interessante que queira aprender a lutar. Será bom para o time, para você, além de ser imprescindível. Todavia, deve ir com calma. Não vá além de seu limite.

— Pode deixar – ela lhe garantiu, mas guardou para si a informação de que sua professora escolhida se tratava de alguém cuja principal especialidade era desafiar limites.

*

Ela caminhou vacilante na direção dele. Fitz estava de óculos escuros, os braços cruzados em frente ao corpo, despreocupadamente recostado ao carro. Quem via sua postura relaxada e tranquila naquele momento, nem ousava imaginar que, por trás disso, encontrava-se um sujeito que digladiava consigo mesmo enquanto Jemma se aproximava. Internamente, seus sentimentos pareciam guerrear entre si, de modo que ele respirou fundo e esperou que ela chegasse até ele.

Jemma se sentiu momentaneamente enlevada pelo jeito obliquo com que ele sorria, apertando os lábios, como se quisesse contê-lo de se desenhar abertamente em seu rosto; como se seu sorriso fosse revelar todo o seu mundo interior. Ela levou uma mecha de cabelo para trás da orelha, disfarçando sua hesitação, sentindo como se tivesse 16 anos novamente e estivesse diante daquele garoto que parecia desafiá-la e por quem ela nutria um visível interesse.

— Estava ansiosa pra te ver – afirmou, não tomando cuidado em refrear suas palavras.

— Eu também. Por isso vim te buscar – ele falou com simplicidade – então... De volta à base?

Jemma desviou o olhar, torcendo os lábios.

— Eu não queria voltar pra lá...

Fitz franziu a testa, as sobrancelhas contraídas, não compreendendo.

— Quer dizer, não agora. Não nesse momento. Há muita gente por lá e... Tantos problemas a serem resolvidos. Podemos... – ela fechou os olhos, sacudindo ligeiramente a cabeça, como se espantasse algum pensamento inconveniente – ir para outro lugar?

— O que sugere?

— Não sei – ela deu de ombros – algum lugar calmo... Que seja bom para nós dois.

Ele ponderou por um instante, pensando em qual seria o local mais adequado para discutirem seus sentimentos.

— Eu acho que... Sei onde podemos ir. É um tanto incomum, mas o que não é quando se trata de nós dois?

Um sorriso divertido curvou os cantos dos lábios de Jemma antes de eles entrarem no carro e partirem ao tal lugar incomum pensado por Fitz.

 *

O planetário mais próximo estava longe de se comparar ao do Observatório Griffith, o favorito de ambos. Mas era o que mais se assemelhava a um dos lugares mais fascinantes que eles já haviam visitado juntos durante a adolescência. Fitz pensou em um local que trouxesse essa reminiscência do passado, a sensação de familiaridade e que fosse do agrado de ambos. Ele não poderia estar mais certo. Jemma ficou encantada com a escolha. Havia até mesmo algo de pueril em seu semblante.

Eles se recostaram nas confortáveis poltronas reclináveis voltadas para a parte superior da abóboda e observaram a projeção que simulava o espaço exterior. O local fora escolhido apenas por fins nostálgicos, uma vez que nem um nem outro estava realmente interessado na gravação em áudio explicativa sobre teorias da formação do universo e curiosidades acerca de cometas, constelações e buracos negros. Eram coisas que eles já estavam exaustos de saber e, depois de terem estado em outro planeta, aqueles comentários e teorias pareciam vagos e insignificantes.

— Eu senti sua falta – ela sussurrou, tocando a mão dele.

Fitz virou a palma da mão para cima, de modo a entrelaçar seus dedos, e manteve a mão dela na sua em um aperto suave e gentil.

— Várias vezes pensei em te ligar, mas... Não quis invadir seu espaço. Sua vida parecia estar indo bem... – Ela mordeu ligeiramente os lábios antes de continuar – Possivelmente, nem sentia minha falta.

Ele deu uma risada sem humor.

— Você acha que não senti sua falta? – indagou com certa ironia na voz – Senti. O tempo todo. Senti sua falta quando me vi em um laboratório sozinho. Sem você, com seu tom autoritário, para discutir comigo. Senti falta de seu otimismo diante de um desafio. De trabalhar ao seu lado. Senti falta... De dormir com o seu cabelo no meu rosto.

Fitaram um ao outro de maneira penetrante por segundos que pareceram intermináveis, até que Fitz desviou os olhos, quebrando seu contato ocular e tirando Jemma do súbito devaneio que a envolveu.

— Há, pelo menos, um abismo de palavras não ditas entre nós. Há tanto a falar... Tanto que já deveria ser dito.

Fitz não respondeu. Ainda que encarasse os corpos celestes acima de sua cabeça, ela a ouvia atentamente, ignorando o áudio que explicava o que soava óbvio para ele. Jemma prosseguiu.

— A começar pelo nosso primeiro beijo no laboratório – suas mãos permaneciam entrelaçadas e ela o sentiu tenso de repente – depois... Todas as noites que passamos juntos... O que eu sinto por você. E o que sentia por Will...

— Eu pensei bastante sobre isso enquanto estive fora – Fitz a cortou abruptamente – E cheguei à conclusão de que fico feliz por ele...

A confusão estampou o rosto de Jemma por um instante, aguardando que ele esclarecesse.

— Isto é, ele achou que iria morrer sozinho, depois de tanto tempo esquecido naquele planeta... E teve a sorte de encontrar e passar um tempo com a pessoa mais maravilhosa que ele poderia conhecer.

Jemma voltou seu olhar para ele novamente, surpresa e admirada com suas palavras, com o quão maravilhoso e nobre ele conseguia ser. Suspirou longamente antes de falar.

— Eu também pensei bastante sobre isso. Lembra-se do que me disse? Para tentar resolver minha confusão enquanto estivesse fora?

Fitz assentiu.

— Eu sei o que te disse no laboratório, antes do nosso primeiro beijo... Mas sinto que interpretei errado meus próprios sentimentos. A verdade é que eu amava o que ele representava para mim naquele momento, naquele espaço... A ideia que ele me passava de ter algo pelo qual ainda valia a pena viver. Então quando você diz que fica feliz por Will e que ele teve sorte... Não sei se foi bem isso. Afinal, ele merecia alguém que não tivesse o coração dividido... Alguém que o amasse plenamente. E isso eu não poderia lhe oferecer.

— Não era o que ele procurava. Ele queria apenas ter alguma esperança. E você oferecia isso a ele.

— Mas não era o suficiente para mim. Jamais seria – Jemma objetou – Havia tanto que eu queria partilhar com você. Tantas planos que eu queria realizar. Coisas que eu queria fazer com você, que eu queria viver ao seu lado... E tudo isso havia se esvaído. Mas, lá no fundo, eu ainda ansiava por isso. Pelo meu lar. E meu lar é onde...

— Você está.

Não houve como evitar o sorriso que surgiu em sua face ao ouvi-lo completar sua sentença. Novamente, partilhando o mesmo pensamento, como se conseguissem ler a mente um do outro. Lá estava sua sintonia perfeita se manifestando outra vez.

— Por isso que, sem você, eu fiquei desorientada. Primeiro naquele planeta e depois quando você deixou a base. Eu sei que, com o tempo, procurei me conformar com a sua ausência, mas sempre que estou sem você, é como se faltasse algo em mim... Como se eu nunca estivesse em casa. Não importa o lugar que seja, se você estiver lá... Eu posso chamá-lo de lar – ela proferiu as últimas palavras em um sussurro que pareceu vir direto de sua alma, doce e afável aos ouvidos e ao coração de Fitz.

Ele voltou o rosto na direção dela e ambos se encararam como se não existisse mais nada ao redor.

— Estava errado quando se referiu a si mesmo como segunda opção. Você tem que entender que nunca houve escolha, Fitz. Sempre foi você.

Uma nova chama se acendeu no peito de Fitz, afagando seu âmago. Era como se o mundo, repentinamente, começasse a fazer sentido para ele.

Ele moveu levemente o polegar, acariciando a lateral do dedo indicador dela. Naquele simples gesto, Jemma teve a certeza de que, pela primeira vez, ele confiava no sentimento que ela nutria por ele.

— Você se lembra da minha gravação para você? No outro planeta? De quando expressei meu desejo de viver com você em Perthshire?

Fitz apenas assentiu.

— Ainda é verdade. Eu ainda quero isso... E sinto muito se não ficou claro daquela vez... Quando vimos juntos o nascer do sol. Sinto muito se nunca deixei claro o que eu sinto... O que eu desejo.

Como ele não disse nada, ela continuou.

— Fitz, eu sei que você acha que nós somos, sei lá... Amaldiçoados – agora havia um tom de crítica e intransigência em sua voz – essa sua ideia de que o futuro não pode ser mudado...

— Hey, eu disse isso apenas uma vez. E, em minha defesa, saliento que os últimos meses foram apenas uma prova cabal de que o universo está contra nós – Fitz contrapôs, sentindo-se levemente ofendido.

Contrariada, Jemma apenas revirou os olhos.

— Dane-se o universo! – ela disse de maneira determinante, ainda que em um sussurro.

Fitz deu um longo suspiro antes de concordar com ela.

— Você está certa. Dane-se. Quem liga para o universo, afinal? Ainda mais quando se tem algo magnífico bem próximo de si – disse, olhando diretamente nos olhos de Jemma. A face da bioquímica iluminou-se com um amplo sorriso ao ouvir aquelas palavras – e quando digo algo magnífico, estou me referindo logicamente a essa projeção que simula o espaço – gracejou – o que deve ter custado uma fortuna e a verdade é que é bem mais seguro observar o universo daqui, mesmo que se trate apenas de uma reprodução...

Ela riu, percebendo o quanto sentira falta de seu senso de humor nos últimos meses.

— Acredita em mim? – ela finalmente perguntou.

Fitz encolheu os ombros antes de responder.

— Por que não acreditaria?

Jemma encarou suas mãos entrelaçadas uma na outra.

— Você quer o mesmo que eu?

— Claro que sim – ele respondeu prontamente, o olhar fixado nela.

— Então... O que acha que devemos fazer a respeito? E não me diga que, por ora, deveríamos apenas observar as estrelas, pois, se disser, assim que voltarmos para a base, eu juro que deixarei Daisy e Bobbi te darem a lição que elas queriam por você ter ido embora.

Ele sorriu, divertido.

— Na verdade, tenho algo melhor em mente... Para quando voltarmos para lá.


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