Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 2
II


Notas iniciais do capítulo

Se encontrarem erros, me avisem. Caso tenham headcanons legais, também me falem.
Amo headcanons, tipo esse que o Gavião põe nomes femininos nos arcos dele.



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Sua respiração saiu com um leve sopro, ar quente condensando-se na atmosfera fria. As manhãs de Wakanda poderiam ser frias devido a altitude, ainda mais perto do inverno. De resto, o clima poderia chegar fácil aos 30°C. Junto com seu suspiro evocado pelo diafragma, os dedos pálidos soltaram a tensão da corda.

O zunido da flecha raspando na madeira do arco preencheu a madrugada. O som de um baque oco não veio em seguida.

Clint soltou um assovio exasperado.

— Ok, agora você está me decepcionando.

Wanda abaixou o arco devagar, com o alvo completamente desfocado em sua visão. Era um círculo grande e pintado, por volta de trinta ou quarenta metros a sua frente, muito menos do que a capacidade do arco poderia alcançar. Parado e vulnerável, lá estava, esperando apenas para ser atingido.

Ela errara de novo.

— Aqui. – Algo atravessou o ar, algo pequeno. Mesmo sem enxergar bem com um dos olhos, os reflexos dela bastaram para que suas mãos pegassem o objeto. Uma barra de cereais. – Coma.

Não falou nada enquanto Clint desembrulhava uma barra para si próprio, comendo metade dela em apenas uma abocanhada. O alvo dele estava inteiro alvejado por suas flechas, e a cada nova disparada ele dizia:

“Vou acertar a parte amarela, em cima. Agora o centro. E também aquele outro alvo, a mais cinquenta metros.”

Ele pedira que não usasse seus poderes, e tal pedido fora desnecessário. Por quê se incomodar de usá-los quando ainda não conseguia dominá-los bem? Na sede dos Vingadores, ela se lembrou, os treinamentos ficavam cada vez mais simples, quase infantis. Podia estourar, entortar, explodir metal, concreto. Podia afastar inimigos com somente um movimento das mãos. Conjurava sua aura rubra para esmagá-los ou sufocá-los.

Suas íris também tornavam-se escarlates e o mundo adquiria o tom quente do sangue.

Fácil, tão fácil.

Tão fácil sair do controle. Sair de si.

— Você não vai comer?

Ela não respondeu, mas logo o barulho do plástico sendo rasgado veio de seus dedos. Deu uma mordida pequena, mastigou devagar. Seus olhos saíram do horizonte escuro e voltaram para a figura de Clint, sentado em cima de um monólito retangular de pedra, que servia de banco.

Quem o visse, diria que estava relaxado, talvez passando seu tempo tentando ensinar uma garota esquisita a usar um arco e flecha. Mas ele era Clint Barton, o Gavião Arqueiro. Embora sua expressão fosse enviesada de desdém, suas íris azuis capturavam toda e qualquer informação para dentro das pupilas negras. Não, ele não queria passar a madrugada dando lições de arquearia.

Ele estava a observando.

— Eu já disse que não consigo. Não consigo acertar, nem que o alvo esteja na minha frente. Não posso treinar com algo menor? Com algo mais moderno?

Um bafejo saiu de sua boca quando ele se levantou, apoiando-se com o arco fincado ao chão.

— Pensei que gostava de praticar. Parecia bem empolgada no começo. – Amassou a embalagem e colocou no bolso, enquanto com o braço oposto lançava a mão para as costas, em busca da última flecha na aljava. Em menos de um segundo, mais um acerto há cem metros. – E você já passou da fase de treinar com algo menor. Consegue domar Agneta.

Wanda segurou o riso, por mais histérico que fosse. Não ousou perguntar como arranjara um arco inglês tradicional em plena Wakanda, demasiado arcaico para onde estavam, ou o porquê diabos a arma tinha um nome feminino.

— Isso foi há um ano e meio atrás.

Depois de Ultron. Depois de seis meses da morte de Pietro. Depois que Barton voltou de seu ninho, a fazenda. Eles praticavam e riam no começo, em Nova York, tirando sarro da falta de jeito da garota. Ela acertava algumas flechadas, embora não se importasse tanto com isso.
As vezes, Wanda desejava ir com ele para sua fazenda. Desejava que ele a convidasse para conhecer seu filho mais novo pessoalmente, Nathaniel Pietro. Mas sabia que isso não passava de um devaneio tolo, egoísta e ilusório. Wanda poderia ir para qualquer lugar, no entanto, diferente de Barton, não havia ninguém mais a esperando. Ninguém mais para quem voltar.

Mas isso foi antes daquela tarde em Lagos, antes de Ossos-Cruzados, Rumlow. Antes de ser temida por um tolo deslize, de onde veio a Lei do Registro.

O Acordo de Sokovia.

— Nós já terminamos aqui?

Clint não rebateu suas palavras, não de imediato. A encarou por alguns segundos a mais, alternando seu olhar atento entre o corte recém-aberto e o olho roxo ainda levemente inchado. Teve a decência de não mencionar nada sobre as Dora Milaje, nada sobre seus ferimentos. A encontrara na varanda de seu quarto, perto das cinco da manhã. Sabia que ela estava acordada. Sabia que logo dariam seis horas, e que logo a garota desceria as escadarias para encontrar as guerreiras de Wakanda.

Steve, ocupado, não procuraria por ela, não até que fossem onze horas de novo e ela estivesse na enfermaria mais uma vez. Ou então sobre uma das guerreiras na arena, finalmente vitoriosa sem seus poderes, fato pouco provável.

— Não. E coma essa barra de cereal.

Ela não precisou entrar em sua mente para sentir o que o Gavião pensara. Sua expressão resoluta dizia o bastante, bem como o gracejo forçado em suas palavras. Havia temor nele. Temor por causa de uma garota apática que tomava uma ou outra decisão estúpida. Seus ouvidos esperaram por outra reprimenda. Seus olhos aguardaram a explosão de frustração que logo o incendiaria.

— Certo, esqueça a comida. – Apanhou a barrinha das mãos dela. – Pegue outra flecha. Puxe-a, não, não. – Segurou seu cotovelo, impedindo que soltasse a corda. A voz era firme, bem como sua seus dedos sobre sua pele. – Não quero que solte ainda. Mantenha tensionado.

Seus ombros e cotovelos tremeram inteiros, de forma que sua mira também saia e voltava de foco.

— Eu estou cansada. Eu não aguento mais.

— Ancore a mira.

— Por favor, Clint. – Wanda lutava para que sua voz saísse da maneira mais cordata e baixa o possível. Algo dentro dela, porém, resistia selvagem e violento ao seu intuito. Queria gritar porque estava com dor, porque sentia frio. Queria admitir que sua visão do olho esquerdo estava uma droga e não podia enxergar mais que um borrão à distância. Queria dizer também que...

Queria dizer também que ele partiria. De novo.

— Inspire devagar.

Ela soltou um grunhido.

— A tensão da corda e do arco é aquilo que lhe dá impulso. Puxe mais. – Em último esforço e à despeito de todas as súplicas de seus músculos, ela o fez. – A flecha vai para trás para então atingir seu alvo. Solte.

O sibilo da flecha a raspar no arco; o som surrado de algo sendo atingido logo a frente.

Se passara menos do que um piscar de olhos.

— Bom, – Gavião soltou um suspiro. – Pelo menos acertou alguma coisa.

O centro do alvo permaneceu intacto e vermelho, mas sua lateral fora raspada pela flecha, a qual perdera velocidade e caiu pouco depois.
Apesar do suor nas têmporas e na nuca, os lábios de Wanda foram capazes de esboçar um  fraco sorriso.

— Pensei que estava ficando velho demais pra te ensinar alguma coisa. – Ele apertou de novo o seu ombro, puxando para um abraço.

— Você está velho.

— Oh, então mal consegue atingir o alvo e já está toda falastrona, bruxinha?

Aquele apelido. Bruxa.

Por que a forma como ele disse não libertou aquela sua ira dentro de si?

Por que, na verdade... Riu disso?

— Agora coma. Começamos cedo e você está cansada. – Clint devolveu a barra de cereais, trocando-a pelo arco. Transpassou a corda em seu próprio corpo e conduziu Wanda para fora da pequena e distante arena, próxima à mata. Andava ao seu lado daquele jeito despreocupado e ao mesmo tempo silencioso, como se o chão fosse o céu e ele planasse sozinho.

E naquele momento, Wanda estava bem.


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Notas finais do capítulo

Comentários são sempre bem-vindos.