Crônicas de uma galáxia escrita por Mrs Dewitt


Capítulo 6
A montanha russa mais mágica de todas




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Quando cheguei à escola de manhã cedo, não achava ninguém em Lugar nenhum. Quer dizer, o Lugar estava cheio de constelações, mas as duas que mais me interessavam estavam completamente sumidas.

Arrastei minha mochila cheia de coisas úteis em passeios, como garrafa d’água e documentos, até a minha sala, e felizmente encontrei Marco e Isabella conversando lá dentro.

— Oi. Ansiosa? – Ela me perguntou. Levei três segundos para responder, enquanto esperava meu coração parar de bater e acostumava a estar perto daquela constelação novamente.

— Com medo, um pouco.

— Já fui lá três ou quatro vezes, não tem com o que se preocupar Malfoy. – Marco comentou. Sorri pra ele, aliviada que ele fosse. – Daqui alguns minutos vamos botar todo mundo nos ônibus, vou descer para ver se precisam da minha ajuda na secretaria, nos vemos lá embaixo.

            E ele saiu. Não ficamos mais muito tempo lá, logo nos juntamos a todos os Alunos na calçada da escola. E então fomos chamados um a um, marcamos presença, recebemos pulseiras de papel fluorescente que nos permitiriam entrar no parque e, finalmente, entramos nos ônibus.

            Foi nesse dia que conheci o melhor amigo do Marco, Pablo. Alto, magro e lembrando vagamente uma garça. Tinha sido arrastado para o passeio e eu não sabia dizer o quão confortável com isso ele estava.

            Isabella colocou-nos todos sentados numa mesma fileira de poltronas, e a viagem foi embalada por uma seleção bastante eclética de músicas que não deve ter agradado nenhuma das pessoas do ônibus.

            Assim que estacionamos, consegui ver pela primeira vez as dimensões do parque e do estacionamento. O sol escaldante não parecia combinar muito com a minha camiseta preta, e as milhares de pessoas correndo de um lado para o outro pareciam não combinar muito comigo. Eu e minhas estrelas ficamos tentadas a voltarmos para o ônibus e ficarmos o resto do dia lá.

            - Ei, tá indo aonde? – Gritei para Marco, passos a minha frente conversando com o melhor amigo, no meio dos Alunos.

            - Pra entrada? – Ele respondeu, parando. Consegui alcança-lo, respirando fundo. Eu e Isabella não tínhamos óculos escuros, diferente deles, e eu estava com dificuldade a mais de ver qualquer coisa, além da minha miopia.

            - Achei que vocês fossem ficar com a gente. – Eu disse, andando ao lado deles, as mãos nas alças da mochila.

            - Nós vamos? – Mais uma vez, resposta em forma de pergunta. Eu não sabia se ficava brava ou apavorada.

            - É né, por isso pedi pra ti vir. –Resmunguei.

            - Tudo bem então. – Ele deu de ombros e reduziu o passo. -Vamos?

            Caminhamos lado a lado, enquanto o Marco e Isabella relembravam suas vindas ao parque. A mim, e pelo que parecia ao Pablo também, ficou reservado o direito do silêncio e observação.

            Assim que botei os pés lá dentro, logo após ser revistada, senti minha cabeça começar a girar. Vai ficar tudo bem, repetia pra mim mesma, nada vai acontecer.

            Na verdade, muitas coisas aconteceram.

            Todos os brinquedos do parque tinham uma fila gigantesca, e gastávamos pelo menos uma hora em cada uma delas. Eram grades de metal cheias de pessoas se espremendo, suadas e falando alto. Tinha a sensação de que, do meio da multidão e a qualquer segundo, alguém poderia aparecer e me matar sem que eu nem visse se aproximar, e isso me assustava. Não sei exatamente como aconteceu, mas quando percebi Marco estava parado ao meu lado, com um dos braços apoiado na parede atrás de mim, Isabella barrava todas as pessoas a minha frente e Pablo do outro lado. Eu estava completamente segura dentro de uma gaiola humana, e me senti grata a eles por isso.

            Em boa parte do dia, Marco estava muito perto de mim, evitando que outras pessoas pudessem interagir comigo, e eu me sentia muito bem. Confiava nele, e ficava animada com a ideia dele estar perto de mim por vontade própria. Ele se sentava ao meu lado em todos os brinquedos, e colocava o braço nos meus ombros enquanto caminhávamos pela multidão de constelações.

            Passei a admirar ainda mais seu senso de humor e capacidade de ter discussões sobre assuntos sérios ou envolventes em meio a milhares de pessoas como se elas nem estivessem ali.

            Mais para o fim de tarde e início da noite, ele e o Pablo nos pediram licença para irem a algum Lugar enquanto nós garotas ficaríamos esperando em frente a um barco viking.

            Eu achei que poderia lidar com aquilo tudo sozinha, e foi com tranquilidade que disse que ‘tudo bem’. Mas não ficou tudo bem. Menos de dez minutos depois, eu senti minha cabeça começar a girar e a multidão começar a aumentar – mesmo que só na minha mente. Um pouco depois, tive ânsia de vômito e sugeri a Isabella que fossemos procurar o Marco ou um banheiro.

            Não achamos nenhum dos dois.

            Sentei num muro que separava uma área do parque da outra, enquanto Isabella continuava procurando os dois. Minha visão alterava entre turva e rodopiante, e ás vezes eu perdia o senso de profundidade. Fechei os olhos e esperei que passasse, as mãos no rosto bloqueando qualquer interação que um ser humano pudesse vir a ter comigo.  Depois de uns minutos, ouvi os três conversando e caminhando na minha direção, e suspirei aliviada.

            - Tá tudo bem? – A voz que eu mais prezada no momento me perguntou, quebrando o torpor dos meus ouvidos.

            - Vontade de vomitar. – Resmunguei. Uma das estrelas me disse ter sido muito romântica, mas eu a ignorei. Balancei a cabeça, e percebi ter sido uma péssima ideia.

            - Vamos à enfermaria, eles devem ter alguma coisa pra ti. – Ele esperou que eu me levantasse, e andou ao meu lado até lá. Isabella foi caminhando alegremente até uma das lanchonetes do parque e voltou de lá com um pedaço muito gorduroso de pizza. O cheiro só piorou a situação. Ela e Pablo se sentaram em frente à enfermaria, enquanto eu e Marco entramos.

            Pedi um remédio para enjoo e senti meu coração bater mais rápido quando, ao me perguntarem “Responsável?”, o ouvi dizer “Marco Antônio de Oliveira”.

            Sei que tecnicamente ele era mesmo meu responsável, meu e de todos os Alunos da escola, mas foi como ouvir que ele não via problema em se responsabilizar por mim, e tomei o remédio com gosto de cereja sorrindo.

            Quando saímos de lá, senti frio.

            - Alguém tem algum casaco? – Perguntei, enquanto me sentava no muro e observava os rapazes irem atrás de algo para comer.

            - Na mochila. – Isabella respondeu, empurrando o prato de plástico da pizza para longe dela. Abri a mochila e tirei um suéter preto. Como parecia servir em mim, o vesti.

            - Esse não é meu. – Ela murmurou, me observando. – Mas ficou bonito.

            - Ah não? – Procurei por algum nome no casaco, por mais infantil que isso parecesse. – De quem deve ser?

            - É meu. – Marco disse, aparecendo do nada com outro pedaço de pizza na mão, e se sentando ao meu lado. O cheiro parecia menos ruim agora, e quase pude sentir fome.

            - Desculpe, quer que eu tire?

            - Pode usar, nem estou com frio. – E continuou comendo sua pizza. Observei Pablo tirar um cigarro do bolso e dei uma tossida falsa, indireta que eu tinha dado o dia inteiro. – Quer ir à montanha russa depois?

            - Pode ser. – Respondi, cruzando os braços contra o peito e tentando me esquentar. – Acha que dá tempo?

            - Dá sim, têm umas três horas ainda. Vamos embora às dez.

            O crepúsculo já tinha caído, e eu sentia um vento frio correndo pela multidão, brincando com os pedaços de papéis pelo chão e jogando cabelo no rosto das meninas. Observei as constelações de verdade, e percebi que eu me sentia feliz. Ali, sentada num muro de pedra de um parque de diversões, com o cara que eu gostava, minha melhor amiga e um semiestranho fumando cigarro, eu estava feliz.

            Percebi que eles falavam um pouco sobre amizades, e absolutamente do nada perguntei.

            - Quem é a tua melhor amiga?

             Ele pareceu pensar um pouco.

            - Não tenho melhor amiga.

            - Bem, agora tem. – Soltei, sorrindo. – Prazer, sua melhor amiga. – E estendi a mão. Ele a apertou, parecendo rir.

            - Prazer, Marco. – Depois, colocando o prato de pizza no muro. – Tem certeza que não vai comer nada?

            - Tenho.  Não quero vomitar nada. – Disse, cruzando novamente os braços. Ele desenrolou as mangas da camisa até o pulso, e se virou pra mim.

            - Vamos? Agora é a melhor hora pra ir. Todo mundo para pra comer e a fila está menor.

            Eu me levantei, pronta para acompanhá-lo onde ele fosse, mas a Isabella e o Pablo pareciam não pensar assim.

            - Nós vamos ficar. – Ela disse. Santa Isabella. Pablo pareceu concordar, e nós seguimos sozinhos até a montanha russa.

            Conversamos mais um pouco sobre várias coisas, enquanto dávamos voltas e voltas na fila. Falamos sobre nossas infâncias, recitei alguns fatos astronômicos enquanto olhava a Lua cheia nos iluminando, e observei o sorriso dele.

            Em alguma parte do dia ele deve ter dado o primeiro sorriso, mas eu não percebi. Agora, porém, eu tinha percebido. Vi seus olhos, e como o sorriso combinava com eles. Durou poucos segundos, mas naqueles poucos segundos eu percebi que realmente estava apaixonada por ele.

            Quando finalmente entramos no brinquedo, sentamos num dos carrinhos do meio – apesar dele querer sentar no primeiro, eu tinha medo -, tirei meus óculos e pedi para que ele guardasse no bolso do próprio casaco, abaixei a tranca e o carrinho começou a se mexer.

            A verdade é que eu não gritei, não me assustei e achei que foi rápido demais. Mal deu tempo de pensar, e nós já estávamos desacelerando para pararmos.

            Meu cabelo estava completamente bagunçado, e, antes de arrumar, eu me voltei para ele e disse isso.

             E foi aí que ele riu.

            Se minutos atrás eu tinha certeza de que estava apaixonada, ao ouvir aquela risada eu tive certeza de que era a risada que eu queria ouvir para o resto da minha vida.

            Foi a risada mais linda, pura e sincera que eu já tinha ouvido. Foi uma risada perfeita. E eu soube que queria ouvir de novo. E de novo, e de novo, para sempre.

            Fiquei olhando para ele sem ligar para mais nada, até que o carrinho parou e nós descemos.

 Andamos lado a lado até a lanchonete em frente à enfermaria, e as estrelas brilhavam mais fortes, e a Lua parecia sorrir, e eu sentia que finalmente tinha achado alguém para formar uma galáxia comigo. E mesmo que essa constelação não tivesse ideia disso, eu já sabia que faria tudo pra dar certo.


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