Crônicas de uma galáxia escrita por Mrs Dewitt


Capítulo 21
Mudança




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           Nós nos mudamos para outra cidade no início de junho. Era uma casa verde, com cinco quartos, dois banheiros e uma sala de estar espaçosa.  Ficava a vinte minutos a pé da minha escola, cinco minutos do centro e a trinta da rodoviária.

            Era perto de tudo, tinha um quintal diminuto – mesmo que não fosse comparado com a fazenda onde eu morava -, e um balanço de metal pequeno demais pra que eu pudesse me sentar nele. Mas consegui usar a armação para pendurar uma rede, e eu podia ler ao sol.

            Meu quarto parecia ser o mesmo de sempre, só um pouco maior. Continuava com as paredes pintadas de branco e cobertas de desenhos e frases que eu mesma colocara, pinturas que fizera ou ganhara e fotos das bandas preferidas.  Eu aprendi muito cedo que aquele quarto seria onde eu passaria nove décimos de todo o meu tempo.

            Era quieto. Eu podia me concentrar no que queria fazer. Na verdade, parecia ser quase a prova de som. Conseguia cantar o que quisesse alto e sem ser ouvida. E podia ler sem ser interrompida.

            A rua era tranquila, quase em silêncio absoluto. E às seis e meia, ouvíamos o sino da igreja tocar todos os dias. Eu ia e voltava da escola sozinha pela primeira vez na vida, e também fazia todas as compras no centro que alguém da família precisasse.

            Não que eu quisesse, mas era mais fácil simplesmente ir bater perna pelas ruas da cidade do que ficar ouvido que eu era uma inútil que nunca ajudava em casa – independente de tudo que eu fizesse.

            E minha cachorra, Maia, parecia estar gostando do Lugar. Era pequeno pra ela, mas o quintal dos fundos vivia cheio de buracos e mesmo sendo considerada uma adulta pelos veterinários, ela continuava enterrando os sapatos da família, e seu pelo branco estava sempre sujo de terra.

            Maia costumava me fazer companhia, quando eu me permitia sair do quarto. Sentava na grama e ficava brincando com ela. Era, praticamente, o único ser vivo daquela casa que não parecia ter nenhum problema comigo.

            Faltavam cinco semanas para as férias de inverno.

            Ás vezes, eu me sentava em um canto do quarto, e me ocupava em reler todas as cartas que ele já tinha me mandado, e todas as memórias que tínhamos juntos. A minha camiseta de uniforme do antigo colégio, o livro de poesia escrita em guardanapos por um semi-bêbado – que fora presente de seis meses de namoro -, o último livro de Harry Potter que ele me dera, e era o único que faltava para que eu pudesse completar a coleção, além de ter uma dedicatória linda. Lembrava do dia que, apesar dos meus pais, tínhamos decidido assumir nosso namoro publicamente, e de todos os comentários lindos que nossos amigos fizeram.

            E eu escrevia, também.

            Não me restavam muitas coisas para fazer.

            Às vezes, nós nos ligávamos, e eu podia ouvir a voz dele mais uma vez. Não era como ouvir pessoalmente, mas era o mais próximo que eu conseguia chegar.

            Ele tinha deixado a barba crescer, e era mais lindo ainda assim. Cada uma das fotos que eu recebia dele eram estudadas minuciosamente, e eu sentia a saudade doendo como lâminas, colocadas no meu coração uma a uma.

            Por um tempo, o relacionamento com os meus pais foi diferente. Foi um glorioso mês em que a minha presença era completamente ignorada, minha voz não era ouvida, e eu tinha paz. Podia comer sem ouvir nenhuma piadinha, podia cortar o cabelo curto como sempre fiz sem ouvir nenhuma indireta, e podia passar o resto do dia no meu quarto sem que minha falta parecesse ser realmente sentida. Ou criticada.

            Não durou tanto quanto eu gostaria, mas foi bom. Um dia, a coisa toda explodiu mais uma vez, e a batalha recomeçara.


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