"Como é que algumas vezes, ao sermos afastados de algumas coisas, ficamos ainda mais próximos delas?"

Coraline e o Mundo Secreto

           Seguindo pelo corredor barulhento da escola, Ariel balançava sua saia suavemente. A insegurança a tomava por inteiro, apesar de não demonstrar.
          Seus passos rápidos expressavam sua ansiedade. As vozes, os acontecimentos, tudo a deixava nervosa.
         Tempo? Ela tinha todo do mundo. Ou não, o tempo se esvai mais rápido daqueles que pensam tê-lo em excesso.
           A garota sorriu de maneira psicótica quando seus olhos foram dominados pela escuridão. Aquela parte de Arielle não sentia medo do escuro. Muito pelo contrário, a falta de luz a fortalecia.
       A visão voltou após alguns segundos, revelando mudanças significativas no cenário. As paredes se transformaram em um túnel preto, caracterizado por criaturas fantásticas e demoníacas pregadas ali. Elas possuíam corpos de morcegos, mas seus rostos eram flores, os quais expressavam pequenos olhos e bocas grandes.
          O chão parecia uma almofada, pois seus passos se tornaram tão leves quanto penas, mas não uma almofada comum. Aquela era diferente, afinal quase não sentia seus pés. 
         Sunshine estava maravilhada, portanto decidiu se aproximar das paredes, ignorando qualquer perigo e até mesmo ter chegado ali em tão pouco tempo sem realmente sair do lugar. Ela estava na escola há poucos minutos atrás, mas isso não importava já que aquele túnel parecia interessante.
          Esse sempre fora seu maior defeito, um problema, enxergar apenas as coisas boas. Até as piores coisas tinham seu lado bom.
         As criaturas abriram seus olhos rapidamente ao sentirem a presença de Ariel. Não só as próximas, mas todas, do final do túnel ao início. O maravilhoso delas era que agiam, riam, gritavam e respiravam juntas. Ou deixavam de respirar.
          Antes mesmo de querer tocá-las, ela sentiu uma presença a suas costas. Uma respiração quente e controlada.
       Sunshine rodopiou vagarosamente, e se deparou com um menino gato. À alguns centímetros, maior que ela, os olhos esverdeados e os pelos pretos, às vezes azul, em alguns momentos até mesmo alternando entre roxo e caramelo. Ele não sorriu, nem deixou no ar qualquer vestígio de seus sentimentos, sua expressão.
— Se o tempo acabar, Ele necessariamente não estaria acabando, não é mesmo? — ele esticou as mãos e prendeu o frágil corpo de Arielle contra a parede áspera. — Afinal, o relógio sempre estaria correto mais de cinco vezes ao dia, pelo menos, portanto, qual a importância do Tempo nessa história toda?
           Ela tremia, evitando e temendo a todo custo se mover. Agora via os pelos de perto,suas orelhas e seu focinho.
          Ele arqueou as sobrancelhas de maneira impaciente, fazendo Ariel deduzir que ele queria uma resposta.
— Eu...não sei. Talvez seja o Tempo que controla o relógio.
           Ele sorriu e fez crescer no coração da garota certa confiança. Certa vontade de permanecer ali. 
            O gato se aproximou de seu ouvido e sussurrou:
— Essa é a sua liberdade. Ou a sua prisão.
      As mãos pequenas e quentes da pequena sereia foram envolvidas pelas mãos frias e grandes dele, formando uma concha.
      Eles estavam presos por meio dos olhares, procurando profundamente desvendar a alma e o universo um do outro. Por isso não me viram.
          Ele beijou a testa de Sunshine, se tornou um pó azul e foi levado pelo vento, logo após desaparecendo.
      Ao abrir sua mão, Ariel observou atentamente a um chaveiro gelado. De um lado, uma chave pequena e em formato de concha brilhava azulada. Do outro, uma chave um pouco maior em formato de botão, delicada que brilhava amarelada. As guardou no bolso branco estampado na parte da frente de sua saia. 
           Ela queria entender o que acontecera ali, mas já havia se acostumado com os acontecimentos estranhos sem resposta, por isso resolveu esquecer, naquele momento, o menino e a chave.
             Aproximou sua mão devagar, com o objetivo de tocar um dos morcegos com cabeça de rosa. O tempo parou o suficiente para que o morcego se desviasse sem a garota perceber, já que essa se encontrava petrificada. Quando tudo voltou ao normal, a mão delicada avançou e tocou levemente a extremidade do túnel. Uma pedra de gelo saiu dali, tocando sua pele e a fazendo se afastar por impulso. 
            Sunshine piscou os olhos rapidamente, várias e várias vezes, enquanto o gelo cobria o túnel por inteiro, como um cobertor. Mal acreditava no que via.
               Um barulho forte de um ponteiro fez o chão tremer e o teto ameaçar a desabar.
               Tic
               Tac
             Arielle não pensou duas vezes antes de começar a correr, com os olhos arregalados. Agora que estava sozinha ali, seus dois maiores medos  dominaram. 
                A almofada deu lugar a um chão duro, que começara a se desmanchar após os passos fortes de Ariel. A menina arfava e queria chegar logo ao fim, uma luz rosa que parecia ficar mais longe a cada passo.
                Uma figura deformada apareceu a alguns metros dali, mas isso não impediu Sunshine. Ela avançou, com lágrimas nos olhos, esperando que quando passasse por ela, ela desapareceria, afinal isso havia acontecido com as criaturas.
              Quando se aproximou o suficiente, percebeu alguns ossos e canos enfiados sobre a pele escura do animal. Ou talvez seriam parte dele? Aquilo se virou e olhou intensamente para Arielle quando ela esbarrou em seu corpo. O rosto era caracterizado por uma boca esquelética e sorridente, apesar de seus olhos, amarelo e caramelizado, expressarem malícia e perigo.
                Arielle se descontrolou e sentiu seu corpo se chocar com o chão, frio e rachado, e em menos de um segundo, ela estava de volta à escola, com aquela menina, que ameaçou a ela e a suas amigas no primeiro dia de aula, parada a sua frente, espantada. 
               Todos a sua volta riam descontroladamente e ela se sentia perdida.
Quem é ela? Ela é louca!