Como combinado, Ethan apareceu no dia seguinte para brincar com Sophia. Distraiu a menina enquanto a mãe dela arrumava a área das crianças para a hora da historinha. Quando esta começou, ele acabou se sentando junto aos pequenos para ouvi-la.

Carol iniciou, como prometido, a leitura do conto “O Gato de Botas”. A voz hipnotizante da mulher transportou o menino para um passado inglês muito, muito distante, onde cavaleiros e exploradores vagavam destemidos pelos parágrafos nas páginas.

Lá pelo meio da história, Sophia tirou os braços de Ethan da frente dele, e se sentou em seu colo. Ele esperou um olhar de permissão de Carol e, quando o recebeu, pôs os braços em volta da menina, envolvendo-a num abraço paterno.

O entusiasmo com o qual Carol lia o conto agradava Ethan. Ela claramente tinha o dom para lidar com os pequenos. Talvez o charme natural que cobria cada milímetro de seu ser também pudesse ser percebido através dos inocentes olhos das crianças.

Ethan foi tirado de seu transe por mais um “felizes para sempre”, e esperou que as outras crianças se fossem dali antes de se levantar e pegar Sophia no colo, caminhando em direção à mulher.

— Bom trabalho – ele elogiou, sorrindo – Quando eu era menor, ficava colocando botinhas na minha tartaruga por causa desse conto – isso a fez rir – Mas ela nunca foi muito heroica – ele riu junto com ela.

— Obrigada por tomar conta dela outa vez – ela sorriu, timidamente – Tem algo que eu possa fazer para recompensá-lo? Sinto que incomodo você fazendo-o ficar aqui com as crianças.

— Que nada – ele sorriu de lado – Não se preocupe, não. Eu gosto de ficar aqui. Além do mais, Sophia e eu estamos nos dando tão bem. Somos melhores amigos – disse, piscando para ela.

— Amigos! – a pequenina gritou, provocando risos nos dois.

— Eu gosto daqui – ele disse, por fim.

— Bem, você de fato leva jeito com as crianças – ela comentou – Se quiser, pode vir mais. Sophia gosta da sua companhia, aposto que os outros vão gostar também – Carol sorriu, deixando à mostra as pequenas marcas da idade em seu rosto.

Os olhos de Ethan brilharam, entusiasmados. Sem hesitar ou pensar duas vezes, ele respondeu que adoraria ficar e ajudar com o que precisasse. Carol se mostrou preocupada com os estudos do menino, sobre os quais ele havia comentado no dia anterior, mas ele insistiu que não havia problema, que podia muito bem conciliar as duas atividades.

O garoto passou a comparecer à hora da historinha todos os dias a partir dali. Sentia-se honrado por ter sido convidado a participar, e muito mais do que feliz por poder passar tanto tempo ao lado da mulher.

Passadas umas semanas, certo dia, logo que Ethan chegou, ele e Carol deixaram Sophia brincando com o Senhor Bigodes, o coelho de pelúcia, e Carol levou o garoto para uma salinha na parte de trás da biblioteca. Lá, mostrou-lhe um quadro com os horários dos contadores de histórias, e fez questão de deixar bem claro que ele não era obrigado de forma alguma a comparecer todos os dias, e que ela era muitíssimo grata por ele fazer companhia à filha dela. Carol explicou que estava lhe exibindo aquilo para que o jovem pudesse organizar melhor seu horário de estudos, já que aparecia todos os dias para ver a menina.

A mulher mal sabia que era sua musa. Ele a admirava em segredo, analisava cada traço seu como se seu rosto houvesse sido pintado por um artista romântico. Todos os dias, enquanto cuidava de sua filha e ouvia seus contos, era como se todos os seus sonhos se realizassem, bem ali, naqueles momentos de serenidade.

Certo dia, enquanto Ethan a ajudava a recolher a bagunça das crianças e organizar os livros nas prateleiras, ela não pôde deixar de comentar o afinco com o qual o garoto a auxiliava.

— Eu gosto de ajudar – ele respondeu, modestamente, colocando gibis em uma caixa – E gosto daqui.

— Você é um amor, isso sim – ela elogiou, sem a intenção de acelerar tanto o coração do menino como aconteceu – Muito prestativo, gentil. Muito maduro para a sua idade. Isso é bom, filho, não deixe que tirem isso de você nunca.

— Pode deixar – ele engoliu em seco, tentando mandar para dentro todos os sentimentos que ela despertara nele – Sexo com estranhos, drogas, bebidas e festas não são muito o meu estilo.

— E cuidar de crianças ouvindo contos de fadas é? – ela riu, debochando educadamente, fazendo-o rir também.

— Se isso significa passar tempo com gente interessante como você, então sim – ele pôs os últimos livros nas prateleiras mais altas e se virou para ela – Além do mais, gosto de histórias.

Carol o encarou por um instante, e hesitou, muito insegura em lhe propor isso, porque não tinha certeza de que o garoto gostaria de fazer tal coisa, mas resolveu perguntar de qualquer forma:

— Eu estou aceitando um assistente por aqui, se você...

— Eu adoraria!

Os dias se passaram, e Ethan religiosamente cumpria todos os horários, dotado de uma pontualidade britânica. Tornou-se conhecido da bibliotecária que trabalhava na entrada, a dona do lugar, e também pareceu agradar às crianças, que o chamavam de tio Ethan, assim como Sophia – quem, por sinal, morria de ciúmes.

Ethan e Carol se tornaram muito próximos nesse vai e vem de páginas, brinquedos e histórias. O garoto encontrara um lugar feliz, enfim. Finalmente, Carol considerava aquele misterioso garoto dos cabelos pretos e olhos azuis um amigo.