Guarde seu coração escrita por Rômadri


Capítulo 4
Não permita


Notas iniciais do capítulo

Oi :)! Estamos na primeira fase da história, a parte mais animada vem depois. Espero que estejam gostando.



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Acordo com dor no pescoço. Olho ao redor, lembrando que dormi no quarto de Estevão. Corro para tomar banho e permito que a água quente relaxe minha musculatura. Mudo de roupa rapidamente e desço para tomar café. Charles foi dormir na casa de um amigo da banda ontem à noite. Sinto falta do meu irmão mais novo à mesa.

— Cadê Pietro? Não vai à escola hoje?                                                                  

Todos ficam em silêncio esperando que minha mãe responda. Ela faz cara de nada enquanto esfarela o pedaço de bolo em seu prato.

— Sua mãe acha melhor deixa-lo fazendo corpo mole, ao invés de ir à escola. – Meu pai responde ajeitando sua gravata.

— Ele está com febre. – A voz de Genevive é fria e cortante. Arrasto minha cadeira para trás, imaginando que Pietro não irá gostar de ficar sozinho.

— Sente-se. Não há nada de errado com seu irmão. Ele está dormindo como um anjo.

Volto para minha cadeira. Olavo não parece estar disposto a ser contrariado hoje. Estevão está me encarando há um tempo. Ele está com o aspecto cansado e abatido. É isso que remédios fortes fazem com você. Te tornam um vegetal.

— Passe a blusa antes de sair. Está toda amassada.

Não contesto, apenas sorrio para meu irmão e aceno positivamente com a cabeça. Se isso o faz sentir-se no controle, ótimo. Todas as vezes que nosso pai está em casa, Estevão sente a necessidade de mandar ainda mais em mim, por mais ridículo que seja. Desde cedo aprendi que se tratava de uma competição. Meu irmão não permitiria que a presença de Olavo diminuísse nem um dedo de sua autoridade sobre mim.

Como rapidamente e corro pra dispensa para pegar o ferro. Tiro a blusa da farda e a passo minunciosamente, me atentando a cada detalhe da manga. Estevão entra e toma o ferro da minha mão, passando a roupa com a destreza de uma dona de casa. Pergunto-me se tudo na sua mente trabalha em prol da perfeição. Temo que a resposta seja sim. Ele me entrega a blusa depois de satisfeito. Eu a visto, sem me importar em estar de sutiã na sua frente. Não há esse tipo de constrangimento entre nós, afinal, ele sempre foi um pai pra mim.

— Seu cabelo está bagunçado. Prenda-o direito. E passe alguma coisa na cara. Suas olheiras estão roxas.

Está bem. Ele definitivamente está passando dos limites esta manhã.

— Claro. – Respondo, subordinada. Subo para o meu quarto com Estevão ao meu encalço. Faço um rabo de cavalo firme e complemento com um pouco de gel para que nenhum fio saia do lugar. Pego minha nécessaire no banheiro e passo maquiagem. Base, corretivo, pó, blush, batom suave e pronto. Qualquer um que olhasse pra mim juraria que dormi ao menos oito horas de sono.

— Passe essa coisa no meu rosto.

— Hã? – Fico com cara de otária, imaginando se ouvi direito. Estevão aponta para a maquiagem em minha mão.

— Meu rosto está horrível. Passe logo essa porcaria em mim.

Saio do meu transe e caminho até ele. Peço que sente-se e feche os olhos. Disfarço suas olheiras com base.

— Pra quê tudo isso?

— Eles não podem achar que sou um fraco. – Responde-me num sussurro.

— Eles quem?

Estevão abre os olhos, sobressaltado, e eu afasto o pincel de seu rosto.

— Nunca deixe verem suas fraquezas, ouviu? – Meu irmão aperta meu braço com força, obrigando-me a olhá-lo nos olhos. – Se não fizer o que estou mandando, eles não te deixarão dormir. Vão pisar em você. Cuspir na sua cara com um só olhar. Te chamar de inútil. Não permita que eles vejam, Lisa, não permita, não permita, não permita...

Fico em choque. Um alerta soa em minha mente e eu relembro as exatas palavras ditas por um de seus psiquiatras há meses atrás. “Entendo que você e seu irmão são bem próximos, mas ele está passando por um momento difícil agora. Nós estamos no início do tratamento, testando quais medicamentos funcionam melhor pra ele, por isso alguns podem não ter o efeito desejado e outros, nenhum efeito. De modo que, por agora acho melhor evitar ficar sozinha com ele, principalmente quando notar sinais de estresse. No estágio de Estevão, é normal perder o controle e, bem, algumas coisas podem ser ditas e feitas sem que ele pense direito. Posso contar com você?”

Meu irmão está apertando meus dois braços agora e repetindo desesperadamente as mesmas palavras. Tento acalmá-lo, mas nada do que eu digo parece funcionar. Como todas as vezes, opto por concordar com ele.

— Tudo bem, tudo bem. Eu não vou permitir.

— Você precisa jurar para mim. Você precisa jurar agora, Lisa, porque eu não quero que você se machuque. Você é a única no mundo que confia em mim.

— E-eu...

Abruptamente, meu pai tira as mãos de Estevão de mim e me empurra levemente para porta. Não tenho a menor ideia do quanto ele ouviu ou quando chegou aqui. Meu irmão o encara com frieza.

— Eu a levo para escola.

— Tudo bem. – Estevão responde cinicamente, encarando-me ao dizer cada palavra. – Eu irei busca-la ao meio-dia.

— Não precisa. Eu mesmo o faço. – Olavo está na minha frente agora, na iminência de sair. Meu irmão se ergue da cama furiosamente, derrubando algumas de minhas maquiagens no chão.

— Eu faço isso todos os dias! Você não tem o direito de chegar aqui e roubar o pouco tempo que eu tenho com ela como se...

Meu pai o corta, irritado agora.

— Se ficar em casa e tomar os remédios que eu mandei, você poderá ficar com sua irmã no final de semana e voltar a leva-la ao colégio. Caso contrário, Estevão, o melhor é...

— Você não entende! Eu preciso protege-la! Eu...

— Protege-la de quem, meu filho?

Olavo o está encarando da pior forma possível: Com pena. O desespero no olhar de Estevão torna-se raiva e frustração. Ele sente-se incompreendido. Eu quero dizer que o entendo e que ele está certo e eu vou ouvi-lo e jurar o que for necessário para que tenha paz, mas o bolo que sinto em minha garganta impede que minha voz seja útil.

— Você não tomou os remédios ontem, não é? Fingiu pra mim. Eles vão te ajudar, filho, você...

Estevão passa as mãos pelo cabelo escuro com força, seus olhos claros cheios de lágrimas. Seu limite se esgota e ele cospe as palavras como se sempre quisera dizê-las, mas nunca teve coragem.

— Eles querem me envenenar, pai. Estão trocando os remédios todo dia!

Ficamos em silêncio por um tempo, na tentativa de absorver as palavras e o choro silencioso de Estevão. Meu pai me puxa pelo braço, até a sala. Eu permito ser guiada, chocada demais para protestar.

— Ligue para algum de seus colegas vir busca-la.

— Não! Eu quero ficar e ajudar...

— Ele precisa de ajuda profissional agora.

— O que você vai fazer? – Pergunto temerosa, porque pelo seu olhar sei que a resposta não será nada agradável.

— Vou providenciar a internação do seu irmão.


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