Everlong escrita por Guinha Aguilar


Capítulo 4
O último adeus


Notas iniciais do capítulo

E aí pessoassss, chegamos ao final!
Como se sentem sabendo disso? haha
Postarei um epílogo, mas esse é oficialmente o final.
Espero que gostem!
Obrigada por terem me acompanhado até aqui.
Nos vemos em breve!
Mil beijos,
Guinha.



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(...)

 

Cada lufada de ar que eu soltava pela boca fazia com que Nathan olhasse pra mim com uma expressão de tédio engraçada. Fazia horas que estávamos presos em uma reunião sem fundamento com minha mãe e um obstetra maluco que ficava tentando me convencer a abandonar a gravidez. Enquanto ele explicava de todas as formas possíveis as consequências de prosseguir com aquilo, eu ficava observando suas características. Não era muito velho, como deveria ser. A barba tinha poucos fios brancos, assim como o cabelo, o que me fazia pensar que ele estava na casa dos quarenta. A camisa branca era bem passada e dava para sentir o cheiro de limpeza ao chegar perto dele, em volta do seu pescoço descansava um estetoscópio inutilizado. Seus olhos castanhos conversavam comigo, tentando deixar claro tudo que eu estava arriscando por aquela criança.

Nate e eu tínhamos desistido de falar após cinco minutos de conversa. Era claro que, enquanto o Dr. Antony não falasse todas as suas teorias, nada poderíamos fazer. Minha mãe parecia extremamente satisfeita com o profissional que ela tinha escolhido para cuidar de mim, eu ficava imaginando quanto dinheiro ele deveria ter ganhado para se preocupar tanto assim com a minha vida. Geralmente os profissionais de saúde apenas avisavam e deixavam claro todos os riscos que determinado paciente poderia enfrentar, mas não havia tamanha insistência. Eu o encarava, mas meus pensamentos fugiam totalmente daquela conversa.

Como uma adolescente estúpida, eu ficava sonhando com a possibilidade de aquilo dar certo e eu poder ter uma chance de ser feliz com o garoto que eu amava. Era loucura querer montar uma família aos dezoito anos, mas depois de tantos erros, eu aprendera a amar as consequências. Eu não acreditava em milagres, porém tinha fé que karma existia, e talvez fosse ele brincando um pouco comigo. Olhei em volta, tentando demonstrar mais interesse.

— Senhorita Adellaide, por favor, preste atenção na minha explicação. – o doutor insistiu, dando um meio sorriso forçado. – Ainda não me parece que você tenha entendido a seriedade da situação.

— Doutor, será que agora eu posso falar? Já estamos aqui há duas horas e nada do que falou me fez mudar de ideia. Até quando vamos ficar nisso? – para demonstrar o meu cansaço, fingi um bocejo.

— Até você desistir dessa ideia maluca de ter um filho! – minha mãe disse, batendo as mãos nas pernas. – Filha, você não sabe cuidar nem de você. Como espera poder cuidar de uma criança? – encarei-a com um ar divertido.

— Não sei cuidar de mim? Então quem foi que cuidou nesses dois últimos anos? Porque, com certeza, não foi você e muito menos o papai. – eu previa que aquela conversa poderia gerar uma mini guerra sangrenta. Por isso cruzei as pernas e respirei fundo, olhando para as minhas unhas.

Desde que eu havia ido embora da casa dos meus pais, eu simplesmente não aceitava que eles dessem qualquer conselho sobre como eu deveria seguir a minha vida. Em todos os momentos que eu precisei de um apoio familiar, eles nunca estavam lá, em hora alguma agiram como deveriam. Toda a mágoa que eu guardava deles fazia com que eu não conseguisse trata-los com o devido carinho, eu apenas não queria vê-los ou conversar com eles, sentia que a minha vida tinha ficado muito melhor depois que me livrei das amarras opressoras deles.

Eu encarava minha mãe e não a reconhecia. Sempre que estávamos juntas, eu ficava me lembrando de quem ela era e de como eu deveria chama-la. Eu sabia que não deveria ser assim. Eu via todo o sentimento que transbordava de Nathan quando ele conversava comigo sobre a família dele, apesar dos erros, ali havia amor. Essa era uma das razões pelas quais eu tinha ouvido a mãe dele e tinha ido embora, eu não queria ser a culpada por destruir tudo o que eles tinham.

— Della, você não foi expulsa de casa, saiu porque quis. – ela praticamente cuspiu isso.

— Não, saí porque vocês não aceitavam o meu relacionamento. – ela deu de ombros, demonstrando que estava certa.

— Se você tivesse nos dado ouvidos, não estaria aí nessa situação. – levantei da cadeira, cansando-me de toda aquela palhaçada.

— Ouçam bem o que eu vou dizer agora: eu não vou abandonar essa criança, independente dos riscos que eu tenha que enfrentar. O Nathan já deixou claro que, caso algo aconteça comigo, ele cuidará da nossa filha e, sinceramente, pra mim, isso basta. – tentei deixar a tensão de lado. – Ninguém tem direito de decidir o que eu tenho que fazer da minha vida – virei-me para encarar minha mãe. –, muito menos você. – e saí da sala pisando forte e sem olhar pra trás.

(...)

 

Fazia duas semanas que eu tinha deixado o hospital e voltado pra casa. Nathan, por insistência minha, ainda estava na casa dos pais. Brooke ligava de vez em quando para saber como estavam as coisas, meus pais não tinham mais dado a cara e, apesar de ainda não ter chegado aos oito meses, eu sentia que o parto estava cada vez mais próximo de acontecer. Eu mal dormia, mal comia e nem saía de casa. Sentia dores horríveis por todo o corpo, principalmente nas costas e nos ombros. Meu humor ficava cada dia pior, eu não sabia se ria, chorava ou sentia raiva por tudo que tinha acontecido comigo. Ora eu amava aquela menina, ora eu a queria longe de mim, mesmo sabendo que não era possível. As contrações foram ficando cada vez mais fortes e, às vezes, eu chorava de dor e ficava tentada a gritar para afastar a agonia.

Eu tentava fingir que não, mas sentia falta de Nate todos os dias, como jamais havia sentido de alguém. Eu queria que ele estivesse comigo em todos os momentos, porque, afinal, a gravidez não era só minha. Se eu soubesse que iria voltar, eu jamais teria ido. Eram raros os momentos que eu pensava em outra coisa além de qual teria sido a reação dele ao sentir o primeiro chute da nossa garotinha, ou em como ele teria segurado meus cabelos em todas as vezes que eu saía correndo para vomitar. Ele fingia não se importar, mas nós dois sabíamos que ele não era assim, da mesma forma que nós dois estávamos sofrendo com todas as escolhas erradas, principalmente as minhas.

Eu passava os dias na internet vendo vídeos de partos naturais e navegando em lojas virtuais de roupas para crianças. Cada acessório ou roupa bonita era um clique e dinheiro a menos no banco, mas eu já não me importava. Eu sentia que estava chegando a hora da minha menina nascer, pois a forma que ela se remexia em mim demonstrava impaciência, como se ela não quisesse mais ficar no escuro. Meu corpo também não parecia querer aguentar mais um mês com outro ser humano dentro de mim e, a cada contração, parecia que eu ia quebrar ao meio e, sendo verdadeira, não era uma sensação boa.

Aos poucos eu ia me sentindo mais cansada, mais imponente e menos preparada para aquele momento. Ao mesmo tempo que eu queria vê-la, eu não queria enfrentar aquele desafio. Meus pensamentos ficavam rondando apenas as coisas negativas de ser mãe tão nova, eu não parecia ver nada positivo nessa minha escolha, mas eu sabia que não era arrependimento e sim medo. Medo do que poderia acontecer na hora do parto, medo do que o mundo guardava para a minha menininha. Eu acariciava minha barriga com lágrimas nos olhos e jurava que, não importa o que acontecesse, ela tinha que saber que eu tinha feito tudo por ela.

— Mesmo que você não possa enxergar a mamãe, saiba que eu estarei do seu lado, garotinha. E sempre se lembre que ninguém no mundo vai amar alguém como eu amo você! – e eu levava minha mão até os lábios e depois até a barriga, simbolizando um beijo que era impossível de ser dado no momento.

Eu temia por ela. Não era segredo que o mundo era cruel quando queria. Eu tinha medo do que ela poderia sofrer ao ficar nas mãos da família do Nathan e da minha família, porque eu sabia que, se algo acontecesse comigo, eles tentariam ajudar, mas ajuda demais sempre atrapalha, ainda mais de quem nunca quisera que a gravidez acontecesse. Todas as noites eu pedia a quem quer que estivesse me ouvindo, para que o mundo não judiasse muito dela caso eu não estivesse lá para protege-la. E um dia, durante uma conversa animada ao telefone com Brooke, eu anunciei, na maior calma do mundo.

— Brooke, minha bolsa estourou. – e como se o relógio tivesse parado, minha amiga desligou o telefone e ligou para o hospital, obrigando-os a deixar tudo preparado para a minha chegada.

A dor lancinante que me atingiu enquanto eu sentia o líquido escorrer pelas minhas pernas tornou impossível qualquer movimento brusco. Sem que eu quisesse, lágrimas escorriam dos meus olhos e eu gemia de dor, respirando fundo como o ginecologista tinha ensinado a fazer para casos como esses. Minutos depois Brooke me pegou pela mão e me encaminhou para a porta, enfiando-me delicadamente no carro e ultrapassando todos os limites de velocidade para chegarmos ao hospital.

 

(...)

 

A dor era infernal e tudo que eu queria era socar a cara de todos os enfermeiros que se aproximavam de mim. Eu fechava a cara pra tudo e agarrava-me com força aos lençóis da maca enquanto eles me encaminhavam para a maternidade. Ficavam repetindo, de cinco em cinco segundos, que era importante eu manter a calma, como se fosse fácil, mas mesmo assim eu tentava. Puxava todo o ar que eu conseguia e o soltava logo depois, tentando acalmar os meus batimentos cardíacos. Minha mente martelava junto com o meu coração e eu tentava me convencer de que toda dor é psicológica. Eu era forte. Eu poderia passar por aquilo sem grandes problemas.

Meus olhos enchiam-se de lágrimas constantemente, fazendo com que a minha visão ficasse turva. Uma mão quente apertou a minha com força e, mesmo com toda a caracterização de um enfermeiro, eu reconheci aqueles olhos. Os mesmos olhos que eu queria que minha filha tivesse, os mesmos olhos que tinham me olhado tantas vezes e sorrido, os mesmos que confirmavam, dia após dia, que me amavam. E ali, em meio à tanto caos, dor e confusão, eu consegui sorrir e perceber que, mesmo que não parecesse, eu chorava de felicidade, não de dor.

Ao vê-lo, eu tinha certeza que, mesmo que tudo desse errado, estaria certo. A minha vida tinha dado certo a partir do momento que Nathan entrou nela. Foi com ele, com um garoto tão mais novo que eu, que eu aprendi o que é realmente amar alguém e ser amada. E foi ele que me ensinou que jamais devemos abandonar quem nos ama, porque sem essas pessoas nunca seríamos felizes. Naquele momento, eu queria poder encontrar forças pra pedir desculpas por todos os meus erros, por ter tido ido embora sem me despedir e sem perguntar pra ele o que ele queria, ao em vez de ter decidido tudo sozinha. Quis que ele entendesse meu sorriso como jamais tinha entendido antes.

A velocidade da maca aumentou e ele apertou a minha mão, gesticulando que estaria comigo lá dentro, que era para eu esperar ele chegar. Eu assenti vagarosamente com a cabeça, afirmando que, a partir daquele momento, eu nunca mais faria algo sem ele.

— Já temos os dez centímetros, doutor! – gritou uma enfermeira que reconheci por ser Emma. Ela acariciou minha cabeça. – Vai dar tudo certo, linda. Boa sorte! – e ficou para trás enquanto passávamos por duas enormes portas.

— Tá doendo! – eu gritei, agarrando o colchão.

Rapidamente eles colocaram um lençol sobre os meus joelhos erguidos e abertos. O médico enfiou dois dedos na minha vagina e confirmou com a cabeça, demonstrando que eu já tinha os centímetros de dilatação necessárias. Comecei a sentir uma pressão estranha na região do ânus, mas antes de surtar, um dos enfermeiros explicou que era comum, pois era a pressão que o bebê estava fazendo para sair. Olhei para o teto, tentando ter paciência. Respirei fundo mais algumas vezes e tentei me concentrar em outra coisa, já que minha mente tinha criado um GIF em que eu matava todos naquela sala de forma lenta e dolorosa.

Senti uma mão gelada sobre meu ombro direito e olhei para ver quem era. Meu coração acalmou-se e a dor pareceu diminuir. Nathan estava ali. Eu já podia ter minha filha. Agarrei sua mão e a apertei, enquanto olhava fixamente em seus olhos. Ele depositou um beijo carinhoso na minha testa e ficou me observando, com um sorriso sincero e sereno nos lábios. Fechei os olhos para tentar manter a paz que a chegada dele tinha trazido, mas ela não durou por muito tempo. Logo uma nova contração chegou e eu fiquei com vontade de chutar alguém.

— Tudo bem, Adellaide...

— Della! – gritei, interrompendo-o.

— Certo, Della. – ele demonstrou hesitação. – Você já pode começar a fazer força para que a bebê nasça. Qualquer dor diferente das contrações comuns, por favor, nos comunique. – assenti com a cabeça, em desespero.

Eu sentia as gotas de suor escorrendo pelo meu rosto e pelas minhas costas enquanto eu fazia força. Cada movimento era um grito. A dor era simplesmente insuportável, como se estivessem tentando tirar uma coisa gigantesca de dentro de mim. Eu sentia que minhas pernas estavam sendo rasgadas e tudo parecia errado. A cama não era confortável o suficiente, isso se existe lugar confortável para parir uma criança. Eu respirava fundo e tentava de novo, mas nada parecia dar certo. Minha menina não queria sair, mesmo que já estivesse na hora.

— Força, amor. – eu ouvia Nathan dizendo baixinho. Cada vez que sua voz saía, eu dava um sorriso. – Você está quase lá!

E, novamente, tudo pareceu fugir do meu controle. Fiz uma força enorme e ouvi uma exclamação de que a cabeça dela já havia saído, então tudo começou a ficar escuro. Mantive a respiração e fiz mais força para que ela saísse por inteiro. Consegui olhar por cima das minhas pernas e vi a minha menina sendo erguida pelas enormes mãos do médico, então, após um leve tapa, seu choro manhoso invadiu todo o quarto, fazendo-me relaxar e chorar ao mesmo tempo. Eu sentia tudo girando e uma ânsia de vômito insuportável, mas estava feliz demais para atrapalhar aquele momento. Meus ouvidos começaram a apitar e eu não ouvia mais nada. Alguém trouxe ela para mim, mas eu mal conseguia enxerga-la com total nitidez e, mesmo assim, sorri. Apoiaram-na no meu tórax e eu fiquei olhando seus enormes olhos castanhos, ela tinha uma pele clara e cabelos claros, encarava-me enquanto balançava seus bracinhos. Aos poucos eu fui perdendo as forças e não conseguia mais manter meu braço erguido.

— Della, está tudo bem? – a enfermeira perguntou, demonstrando preocupação.

— Cuidem bem dela... – eu disse, baixinho. Procurei por Nathan, e o achei ao meu lado, confuso. Ele não era mais um, era dois. E tudo parecia bem melhor com ele sendo mais de um. – Deixe ela saber que meu amor por ela era incondicional. E saiba que eu também te amei assim... – falei, sentindo minha garganta secar. – obrigada por tudo, ninguém nunca foi tão feliz como eu fui com você. – a ânsia de vômito ficou pior, minha vista ficou ainda mais escura e eu já não sentia meu corpo.

A correria na sala aumentou, alguém disse para trazerem os aparelhos respiratórios, afastaram um Nathan desesperado de mim, eu sorri. Tudo estava exatamente do jeito que deveria estar. Eu não poderia pedir pra ser diferente. Minha filha estava viva, saudável. O amor da minha vida também me amava. Minha mãe estava errada, eu tinha conquistado o amor de alguém. Eu tinha sido amada e, ao contrário do que ela disse, eu não morri sozinha. Eu tinha muitas pessoas ao meu redor. Minha filha não ficaria desamparada e, no fundo, eu sabia que minha família se arrependeria de tudo, mesmo que demorasse.

— Della! – ouvi a voz do amor da minha vida tão alta que parecia estar ao meu lado, minha filha chorava e aparelhos apitavam. – Della! – ele repetiu. Eu tentei abrir a boca e dizer que tudo ficaria bem, mas era tarde demais. Tudo que eu poderia ter dito pra ele, eu já tinha dito.

Virei a cabeça para a direção da voz dele. Do lado de fora da sala, apoiado em uma parede de acrílico transparente, eu o via com a roupa do hospital, seu rosto molhado por lágrimas e exposto em confusão. Eu sorri, ele chorou. Li seus lábios ao dizer que me amava, meus olhos expulsaram lágrimas, o quarto rodou e eu tentei me acalmar, enquanto conversava comigo mesma. E foi à minha mente que eu agradeci por tudo que eu tinha vivido. Os segundos passaram e, aos poucos, a dor cessou, os barulhos ficaram mudos e eu já não estava mais no mesmo plano de antes.


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