A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 55
Costurar sonhos e bordar histórias


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!

Desde que comecei a escrever, tenho uma grande preocupação com capítulos com muitas palavras. Mas ultimamente estou me preocupando apenas em não deixar nenhuma ideia de fora.

Chegou o momento de usar algumas dessas ideias, que só funcionam antes de entrarmos na última fase da fic.

Por isso, os próximos capítulos serão um pouco movimentados e, inevitavelmente, extensos.
Esse capítulo é sobre a amizade, basicamente. Nos bons e maus momentos. 

Nele, eu incluí uma singela homenagem a um dos meus autores preferidos de fanfics THG, LeoFic. Ele escreveu "Cicatrizes", uma das continuações pós-rebelião mais lindas que eu já li no Wattpad.
Recomendo muito mesmo!

E, no mesmo embalo, vou homenagear meu filhote Lucas também! 

Só mais um aviso rápido: o casamento Hayffie é o último da leva de casórios dessa fase... Ufa!



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Por Peeta

ALGUNS ANOS DEPOIS...

 

A cidade está lotada de pessoas de fora, devido à proximidade do casamento de Effie e Haymitch. A grande festa será na Capital, mas Effie está tão inquieta e atarefada, que muitos profissionais estão participando dos preparativos aqui no Distrito 12 mesmo.

Ao sair da padaria, noto vários rostos desconhecidos perambulando pelas ruas, a maioria certamente da Capital. Suas figuras, vestidas de modo estranho para nossos padrões, enchem as calçadas de um colorido diferente nessa transição entre o inverno e a primavera.

Toda essa alegre movimentação prova para todos que Haymitch, apesar de controverso, é admirado pela grande maioria dos habitantes de Panem. Effie, por outro lado, é uma das poucas personalidades da Capital que conquistou a simpatia dos Distritos sem muito esforço. A Presidente Paylor foi mesmo muito sábia ao escolhê-la para ser sua escolta.

O evento está sendo bastante divulgado pela imprensa e, na entrada da Aldeia dos Vitoriosos, acumulam-se cartas e presentes vindos de todas as partes do país. Isso costuma acontecer em datas como o aniversário de Katniss ou o dia em que se comemora a libertação de Panem.

Não preciso nem dizer que Katniss não incentiva nem um pouco esse tipo de atenção, porém, em todos os anos, após a inspeção feita pela Guarda Distrital por precaução, ela abre com carinho caixa por caixa, reserva alguns dos objetos, especialmente os feitos por crianças, e faz doação de outros.

Desvio dos pacotes de diversos tamanhos na entrada da Aldeia e fecho o portão atrás de mim. Apesar de concordar que Haymitch e Effie merecem todo esse carinho, só consigo pensar na dor de cabeça de ter que atender a todas as exigências dela em cada mínimo detalhe da tão esperada festa.

Antes mesmo de me aproximar da porta da minha casa, sei que temos visitas, pois o sotaque diferente nas vozes infantis de Leo e Luke é inconfundível. Misturadas às risadas de Katniss, o som delas fica ainda mais encantador.

Leo e Luke são os filhos adotivos de Delly e Thom. Logo depois de perderem o segundo bebê, eles acolheram os dois meninos, irmãos órfãos oriundos do Distrito 6, que tinham na época 6 e 5 anos.

Foram muitas as dificuldades que os quatro enfrentaram juntos. As crianças não eram uma página em branco, como seria um bebê recém-nascido e, mesmo sendo tão novos, já haviam percorrido uma trajetória com muitos momentos difíceis, sendo o principal deles a perda dos pais durante a rebelião.

No entanto, foram recebidos com tanto amor em seu novo lar, que logo Delly e Thom conseguiram ouvir pela primeira vez algo que, a princípio, parecia impossível: as palavras mamãe e papai sendo ditas espontaneamente pelos meninos.

Essa bela e corajosa decisão devolveu à Delly o seu sorriso de sempre e, pouco mais de um ano depois da adoção, a família se prepara para ficar ainda maior, pois minha amiga está grávida de uma menina.

Desta vez, já cientes da causa das dificuldades que ela teve de levar as gestações anteriores até o fim, foram tomadas as precauções médicas necessárias para eliminar o principal risco de perda da bebê. Então, ao que tudo indica, daqui a alguns meses, Lily nascerá saudável e cercada de carinhos e cuidados de seus pais e seus irmãos mais velhos, ansiosos por sua chegada.

Giro a maçaneta e me deparo com uma pista de carros pintada no chão da sala, enquanto Katniss, Leo e Luke simulam uma corrida com caixas de fósforo. Buttercup, instalado solenemente no percurso desenhado, é o principal obstáculo.

A adoração dos meninos por tudo o que envolve veículos não nega que nasceram no distrito dedicado aos meios de transporte.

— A que devo a honra da visita de vocês dois? – cumprimento a ambos e eles correm em minha direção, falando sem parar.

— A mamãe precisou ir ao hospital com o papai! – Leo explica.

— E ela trouxe a gente para ficar com o tio Blaine – complementa Luke. — Aí a tia Katniss passou no caminho e disse que a gente podia brincar de corrida de carros.

— Ela tentou fazer uma pista com palitos, mas Buttercup tirou tudo do lugar. Aí o meu irmão teve a ideia de pintar o chão.

— Mas nós vamos ajudar a limpar tudo, porque a mamãe ensina que temos que arrumar a bagunça.

Eles se alternam para dar as notícias, mas minha mente se fixa na primeira informação.

— O que houve com a mãe de vocês?

— Não foi com a mamãe. – Leo balança a cabeça. — Foi o papai que levou um tombo.

— Ele também não consegue mais correr com a gente. Fica sem ar de tão cansado.

Franzo a testa e olho para Katniss, que parece ter as respostas para minhas dúvidas sobre o que está acontecendo.

— Crianças, aproveitem que Buttercup liberou a pista e venham fazer o circuito completo – sugere ela.

Katniss se levanta do chão e me dá um abraço, sussurrando em meu ouvido:

— Eu também não sabia, mas Thom sofreu alguns desmaios recentemente e hoje ele e Delly foram buscar o resultado dos exames que ele fez no hospital. Eu vi quando Delly trouxe os meninos para ficar com Blaine e Violet, mas os dois estão tão atarefados com a faculdade e o trabalho, que eu me ofereci para cuidar das crianças…

— Céus, você é perfeita – elogio, enquanto afasto alguns fios de cabelo de sua testa.

— E você nem esperou eu contar que me reuni com a Effie e anotei pacientemente todos os detalhes que ela pediu. Ou melhor, exigiu. Ainda tomei a iniciativa de ligar para os fornecedores, para que a entrega do material necessário seja feita a tempo. – Ela desliza seus dedos entre os meus.

— Perfeita é pouco, muito pouco para descrever o que você é.

— Eu sei. – Ela sorri de lado, cruzando os braços com um falso ar presunçoso. — Ainda bem que você reconheceu isso antes de ver a desordem que deixamos em seu ateliê de pintura.

A maneira como Katniss prende o riso ao confessar isso me indica que ela acha a situação mais divertida do que inconveniente. Seu olhar travesso está combinando exatamente com o que os meninos me lançam também.

— Eu confirmo cada palavra. Você está além da perfeição.

Os três finalmente riem e eu ganho um beijo de Katniss.

— Fica um pouco com eles? – pede ela antes de se afastar. — Vou ligar pra Delly, pra saber se já está em casa.

Sento-me ao lado dos meninos e brinco com eles por alguns minutos. Depois que Katniss confirma que já podemos levá-los de volta, colocamos tudo em seus devidos lugares e saímos.

Luke caminha de mãos dadas com Katniss e Leo vai comigo, contornando os arbustos ao longo da calçada com um graveto. Os botões dos dentes-de-leão já estão visíveis. Dentro de pouco tempo, vão desabrochar.

— Quem será que vai ver o primeiro dente-de-leão da primavera? – questiono.

Essa se tornou uma espécie de disputa entre mim e Katniss. Uma disputa saudável, em que ela, por motivos óbvios, está em vantagem ao longo dos anos. Ela olha pra mim e sorri, antes de os meninos iniciarem um debate sobre qual deles será o primeiro a vê-los florescer, provocando nossas risadas.

Katniss está entretida com as crianças e não vê que, quando nos aproximamos do centro da cidade, alguns repórteres que estão cobrindo os preparativos para o casamento fazem fotos nossas. Quando ela finalmente percebe e começa a ficar indócil, chegamos ao portão de Delly e Thom.

Após muitas batidas na porta, Delly gira a chave na fechadura. Ela está com uma tonalidade pálida nada saudável e o sorriso que tenta esboçar traz uma marca de preocupação ou de dor.

As crianças não reparam de imediato e envolvem sua barriga proeminente, dando beijos e chamando o nome da irmã. Delly afaga seus cabelos cor de mel. Em seguida, eles correm para os outros cômodos, em busca de Thom.

— O papai não está…— Delly tenta avisar, mas sua voz quebrada não os alcança.

O interior da sala de estar reflete a aparência dela, o que é muito estranho, já que conheço bem o quanto é cuidadosa com a casa.

Pratos e copos sobre a mesa de jantar, uma pilha de correspondências na poltrona, uma caixa de biscoitos virada e cercada de farelos no balcão.

— Eu estava… Endireitando as coisas fora de lugar – gagueja ela, fechando a caixa de biscoitos e varrendo alguns flocos do balcão para a palma da mão.

Eu vejo que Delly segue meus olhos e, percebendo meu estranhamento, decifra meus pensamentos.

— Eu sei. Está tudo meio confuso. Foi um dia cheio.

Há um momento de silêncio e minúsculas lágrimas surgem no canto de seus olhos, porém ela logo as enxuga.

— Por quantos dias cheios você passou ultimamente? E por que não nos contou nada, Dell? – indago.

— Vocês estão tão envolvidos com o casamento de Effie e Haymitch. Não foi por mal. E, pra falar a verdade, eu ainda não sabia o que estava causando os desmaios do Thom e a falta de ar.

— Afinal, o que está havendo?

Sem me responder, Delly olha em direção ao corredor para onde Leo e Luke foram. Katniss entende a possível gravidade do que está para ser dito e se adianta:

— Vou distrair as crianças enquanto vocês conversam.

— Obrigada por ficar com os meninos, Katniss – Delly agradece antes que Katniss saia e ela responde com um aceno de mão.

O rosto de Delly agora está manchado pelas lágrimas. Eu me aproximo para abraçá-la e ela aceita ser confortada por alguns instantes.

Em seguida, Delly se senta onde acredito que estava antes, no sofá onde há uma embalagem de lenços de papel.

Eu me acomodo em uma cadeira à sua frente, depois de pegar um copo d'água e colocá-lo ao lado dela sobre a mesa de canto.

— Como está o Thom?

— Os exames mostraram que ele tem um tumor no pulmão direito. – A última palavra é abafada por seus soluços. — Mas há a esperança de tudo se resolver com a cirurgia. Thom e eu estamos muito otimistas.

— Sei que estão. – Eu me ajoelho perto do sofá e coloco a mão sobre o braço dela, quando as lágrimas escorrem abundantemente por seu rosto.

É desorientador vê-la assim, já que é sempre tão alegre. Não consigo pensar em nenhuma palavra de consolação. Em vez disso, pergunto de modo desconcertado:

— Já fizeram todos os exames para a cirurgia?

Ela seca os olhos com os polegares e murmura:

— Ele já está pronto. – Delly pausa para firmar a voz. Seguro sua mão, esperando que o gesto seja consolador. — Eu é que não estou preparada. Mas tenho que estar.

— Onde ele está agora?

— No hospital. Os médicos querem fazer o procedimento o quanto antes. Apesar de eu estar confiante, conheço os riscos. – Delly suspira. — E quando penso nas crianças… Se algo acontecer com o Thom, eles vão sofrer mais uma perda. Estou tomando coragem para contar aos dois.

A escalada de risadas infantis devido à aproximação dos meninos, que retornam para a sala seguidos por Katniss, é o alerta para Delly enxugar o rosto com um lenço para se recompor. No entanto, sua tristeza fica evidente para os filhos, que se sentam um de cada lado dela para acariciar seu rosto avermelhado pelo choro recente.

Delly segura suas mãozinhas junto à sua face e balbucia:

— A mamãe precisa conversar com vocês.

Sua fala é interrompida por batidas na porta. Delly se levanta para receber os novos visitantes: Blaine, Violet, Haymitch, Effie e os gêmeos.

Depois da algazarra inicial provocada pelo reencontro das crianças, que parece que não se veem há séculos, mas certamente se encontraram hoje na escola, Haymitch explica a presença dele e de sua família:

— Blaine nos disse o que houve e viemos saber notícias também.

— Eu já ia contar aos meninos – Delly anuncia e pede novamente a atenção dos filhos, para desta vez dar a notícia a todos.

Delly se policia para manter certa leveza em suas palavras e isso é tão doloroso quanto o que ela realmente deve estar sentindo. No entanto, é a única maneira de preservar os pequenos. Ela relata da forma mais casual possível que Thom tem um nódulo no pulmão e o médico precisa retirá-lo.

— É igual a abrir o motor do carro pra trocar as peças com defeito? – Leo ilustra à sua maneira o que entendeu.

— É mais ou menos isso, garotão – Blaine bagunça o cabelo do menino.

— Então, vai ficar tudo bem quando o papai sair da oficina de pulmão – Luke completa.

— Vocês dois não deixam dúvidas de que são do Distrito 6 mesmo – Haymitch observa e eles sorriem, envergonhados.

— Por que vocês não vão mostrar ao Elli e à May os brinquedos que o papai fez para vocês? – Delly opina.

— Eu quero ver – avisa Elliot.

— O que o tio Thom fez? – Maysilee pergunta.

— Caminhões de madeira! – Leo e Luke gritam juntos e levam os amigos para o quarto deles.

Demora algum tempo para alguém se manifestar depois que as crianças saem.

— Eu não sei se há alguma ligação, mas a antiga casa do Thom era a mais próxima das minas de carvão e, mesmo antes de ter idade para deixar a escola, alguns meninos trabalhavam clandestinamente nas minas, para não morrerem de fome. Thom devia ser um deles— Katniss comenta, atordoada.

Haymitch balança a cabeça, confirmando a informação de Katniss. Effie quebra o silêncio, despertando nosso lado prático.

— Temos que pensar no que podemos fazer por vocês, Delly. Nós precisamos nos organizar. Vamos fazer escalas para ficar com os meninos e acompanhar você no hospital. Podem contar comigo e com Haymitch.

— Mas, Effie, o casamento é daqui a uma semana! – Delly pontua e todos nós nos manifestamos ao mesmo tempo, confirmando nosso apoio à proposta de Effie.

— Delly, querida — Effie ergue a voz uma oitava. Um sorriso se estende através de seu rosto, quando as atenções estão sobre ela novamente. — Eu quero o casamento perfeito e ele somente será perfeito com a presença de nossos amigos. Todos eles. E isso inclui você e Thom.

Delly olha para baixo, a boca ligeiramente curvada para cima.

— Não sei como agradecer, Effie.

— Ora! Não há o que agradecer. Todos os envolvidos ficarão satisfeitos, por terem mais tempo para se prepararem para a grandiosidade do evento. Estou ansiosa para espalhar a notícia do adiamento por aí. E mais ansiosa ainda para ver você e sua família bem novamente.

— Adiamento? Effie, a sua decisão é tão…— começo a dizer, mas me faltam palavras.

— Inesperada – Katniss completa.

— Podem contar com a gente! – Violet, que parecia bastante abalada até então, também se engaja.

— Sim. A faculdade e o trabalho ficam em segundo plano – confirma Blaine.

Nós imediatamente elaboramos um cronograma de divisão de tarefas e Katniss assume boa parte delas, liberando Blaine e Violet, que estão às voltas com várias provas, e também Effie e Haymitch, que também têm toda uma rotina com os filhos e seus compromissos. Hoje os meninos irão dormir em nossa casa e eu vou com Delly ao hospital. Depois que os outros vão embora, eu, Katniss e Delly continuamos conversando, enquanto Leo e Luke arrumam suas mochilas com seus pertences.

— O que você está planejando fazer nos próximos dias, Delly? – pergunto.

— Minha vontade é ficar com Thom no hospital o máximo de tempo possível, até ele ter alta.

— Pode deixar que eu e Katniss nos revezamos para fazer isso. Você tem que se poupar. Os meninos precisam de você. Lily precisa de você.

— Peeta, deixe-me ser um pouco egoísta agora. No momento, sou eu que estou precisando do Thom. É só nisso em que consigo pensar. E eu prometi a ele meu sorriso, mesmo nos momentos difíceis.

— Dell, você não está sendo egoísta. – Eu a abraço ternamente, já convencido a apoiar sua decisão, mas Katniss discorda.

— Pense bem, Delly, você deveria estar de repouso. Sua gestação ainda é de risco – alerta ela.

— Está tudo em risco, Katniss. Meus sonhos, tudo o que eu projetei… Tudo está em risco. Talvez eu não consiga administrar tanto amor de uma só vez. Então, o destino me prega essas peças. – Delly sorri tristemente. — Não tive a oportunidade de viver o amor pelos meus pais junto com o amor pelo meu marido. Agora, acho que não terei a chance de viver o amor pelos meus filhos junto com o amor que sinto pelo pai deles. E eu quero tanto… — Sua voz se torna cada vez mais falha, até sumir com a última palavra.

Delly se esforça para expressar seu justo receio com suavidade. A voz que fraqueja é um contraste com a fortaleza que vejo diante de mim. A resignação de Delly e sua coragem mesmo ante as piores expectativas mexem profundamente com Katniss e ela apenas tem tempo de dizer com a voz embargada que vai ajudar os meninos e sai da sala, antes de derramar as lágrimas que está segurando.

Aguardo enquanto Delly reúne alguns objetos pessoais para levar consigo e, em seguida, ela se despede dos filhos com um longo abraço e muitas recomendações para esses dias em que não estará com eles. Katniss toma o rumo de casa ao lado das crianças e eu e Delly seguimos na outra direção.

— E como os meninos se comportaram essa tarde?

— Muito bem. Leo e Luke são crianças maravilhosas. Katniss adora estar com eles.

— Ela é ótima com os pequenos. Eu simplesmente não entendo o que é que ainda impede vocês de terem os seus…

— Quando vejo Katniss cuidando deles, eu também não entendo. Mas ela tem seus motivos.

— Acho que meu histórico familiar não ajuda muito. Eu me lembro do olhar dela quando soube que eu havia perdido o bebê pela primeira vez. Era algo muito além de compaixão. Era pura dor. E quando ela me reencontrou depois que aconteceu pela segunda vez…

Suspiro profundamente. Eu me recordo desse dia com muita tristeza também. Foi quando eu vi desaparecer pela última vez aquela promessa que surgiu nos olhos de Katniss em nossa visita ao Distrito 11. Em todas as ocasiões em que alimentei minhas esperanças, aconteceu algo que a fez desistir da maternidade. Hoje também não foi um dia com muitos estímulos para que ela mude de ideia algum dia.

Ficamos em silêncio pelo restante do percurso e, chegando ao hospital, caminhamos lentamente pelo corredor onde está o quarto em que Thom ficará até a hora da cirurgia.

Abro a porta para Delly, que se desfaz num abraço em seu marido. Eu me afasto um pouco, sem saber como lidar com a situação, e encontro um banco do lado de fora do quarto. No entanto, continuo ouvindo suas vozes.

Thom pede que ela tente marcar uma ultrassonografia da bebê antes da cirurgia. Escuto os passos de Delly e fico de pé, para guiá-la até a recepção, mas ela recusa minha companhia.

— Acho que Thom quer falar com você.

Ela espera até que eu entre e feche a porta, mas posso ouvi-la chorar enquanto se afasta.

— Olá, Thom, como se sente?

— Oi, Peeta. Posso dizer honestamente que esta semana eu estava me sentindo muito melhor. Trabalhei normalmente, até tive mais disposição para brincar com os meninos. Eu não imaginava que eu tivesse um problema tão grave. – Ele está ofegante quando termina de falar e apoia a mão em seu peito. — Eu só penso neles, em Delly, em Lily… Minha filha ainda nem nasceu. Ela precisa de um pai para cuidar dela.

— Lily já tem um pai que cuida dela.

— Vou ser franco, Peeta. – Thom para por um momento, talvez para me permitir absorver o que ele está dizendo, antes de despejar diretamente. — O tumor é bastante grande e não se sabe de que tipo é. Pode ser benigno e esse seria o melhor resultado. No entanto, pode ser maligno.

— Então… então…— Eu não consigo formular a frase de imediato. — Esse seria o pior cenário?

— Não. Esse não é pior cenário – Thom reproduz minhas palavras. — Como todas as cirurgias, esta pode ser fatal. Mas a operação não é realmente uma escolha, pois é a única opção viável. Por essa razão, eu tenho que pedir uma coisa.

— Acho que sei o que quer me pedir, Thom. Mas você não precisa fazer isso.

E, sem necessitar dizer mais nada, transmito a ele a confiança que tenho de que nada de ruim acontecerá, assim como assumo o compromisso silencioso de sempre estar ao lado da família dele.

— E os meninos? – pergunta. — Vocês contaram a eles?

— Sim. Eles são muito maduros para a idade deles, mas ainda são crianças. Leo comparou a sua cirurgia com o conserto do motor de um carro. Por causa disso, Luke acha que você está na oficina de pulmão para trocar uma peça.

Thom sorri com lágrimas nos olhos, sacudindo a cabeça para os lados, talvez repassando em sua mente momentos alegres com seus filhos. Depois de uns minutos de silêncio, ele comenta:

— Delly está demorando. Você pode checar se está tudo bem?

Atendendo ao seu pedido, dou meia volta e ando até o corredor, onde Delly surge na extremidade oposta, em passos lentos. Ela espera que eu me aproxime para dizer:

— Amanhã, antes da cirurgia, Thom vai poder acompanhar a minha ultrassonografia. – Delly passa a mão por seu ventre e abaixa a cabeça. — Você também está ansiosa, Lily? É a primeira vez que o papai vai ver você assim tão crescida.

Ela ergue o olhar para mim e não precisa verbalizar o que está pensando, pois leio em sua expressão o medo de que seja não só a primeira, mas também a última.

— Dell, nem pense nisso. – Eu puxo-a para junto de mim. — Vamos. Você precisa descansar.

Delly passa pela porta do quarto e eu me apoio no batente, gesticulando um adeus para o casal.

— Amanhã, depois da escola, trarei os meninos e talvez eles possam participar da ultrassonografia também.

Os dois repetem meu aceno, aparentemente aprovando a ideia de fazerem o exame na companhia dos filhos.

No caminho de volta para a Aldeia dos Vitoriosos, vejo o broto de um dente-de-leão. As pétalas já visíveis na extremidade do caule, prontas para se abrirem completamente em flor.

Quando chego em casa, Leo e Luke já estão em seus pijamas e Katniss está colocando-os para dormir. Dou uma espiada pela fresta na porta do quarto de hóspedes e eles me desejam boa noite entre bocejos.

Abro a porta do nosso quarto e nem mesmo acendo a luz. Apenas dou alguns passos e apoio a cabeça no armário de roupas. Estou cansado e apreensivo por causa da cirurgia de Thom, mas tenho que estar presente. Afasto-me do móvel, recusando-me a me abater.

Nesse momento, Katniss entra no cômodo e estende a mão para mim, tateando cegamente até encontrar meu braço.

— O que está havendo? – pergunto.

— Só preciso ter certeza de que você está aqui.

— Estou aqui. Sempre.

— Peeta, se alguma coisa acontecesse com você, acho que eu desmoronaria como a minha mãe. Se nós tivéssemos filhos pequenos, como Delly e Thom, não sobraria ninguém para cuidar deles.

Eu discordo dela. Há um milhão de coisas que eu quero dizer para rebater isso, porque sei o quanto é forte, determinada e protetora, mas não o faço. Em vez disso, envolvo-a em meus braços e ela se aninha em meu peito. Eu não posso confrontá-la nesse momento e a solução é mudar de assunto.

— Sabe o que eu vi ainda há pouco? – chamo a atenção de Katniss com a questão e ela ergue a cabeça. — O primeiro dente-de-leão da primavera.

— Mas sou eu que vejo o mais lindo deles, todos os dias. – Katniss ri, não admitindo a derrota em nossa disputa este ano.

— Você está se referindo a mim?

Ela me puxa para o beijo mais doce que já trocamos.

— Eu amo você, meu dente-de-leão na primavera – sussurra. — Você significa absolutamente tudo pra mim.

— Eu também amo você. E você significa tudo e muito mais.

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Na manhã seguinte, eu e Katniss acordamos mais cedo que de costume para aprontar Leo e Luke para irem ao colégio.

— Vou deixá-los na escola e, depois, irei para a padaria – informo.

— Pode deixar que eu busco os dois e levo até o hospital – Katniss avisa e se vira para os meninos. — Crianças, hoje vamos almoçar com a Greasy Sae!

Eles comemoram a novidade e deixam a mesa para escovar os dentes antes de sairmos.

— Luke e Leo, vocês arrumaram as mochilas e as chaves do aerodeslizador? – pergunto de modo brincalhão. — Qual de vocês é o piloto?

Os meninos levam o comentário a sério e tentam inocentemente me corrigir.

— Tio Peeta, não vamos de aerodeslizador para a escola! – Leo exclama.

— Como não? Vocês vão andando até lá? – questiono e eles confirmam. — Já que é assim, digam adeus à tia Katniss e pé na estrada.

Eu estou mais do que agradecido a Katniss por manter tudo organizado para eles, num clima de tranquilidade. Ela se ajoelha para dar-lhes um abraço e eles correm até ela com os braços bem abertos.

Ainda estamos na soleira da porta, quando Luke formula uma pergunta difícil de responder:

— Será que o papai volta logo pra casa com seu pulmão consertado? – Ele aperta firmemente a mão do irmão. — Estou com saudade dele. E da mamãe e da Lily também.

Leo olha para mim com uma expressão triste e ele não precisa dizer nada para me fazer entender que os dois compreendem mais os fatos do que eu poderia imaginar. Tento mudar o foco.

— Certo, garotos. O aerodeslizador já deve estar partindo.

— Tio Peeta, nós vamos andando mesmo! Já esqueceu? – Luke reage imediatamente, antes de saltar os degraus para chegar à calçada.

Katniss nos observa enquanto seguimos nosso caminho e nós três jogamos beijos entusiasmados para ela, quando nos viramos antes de atravessarmos o portão da Aldeia dos Vitoriosos.

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Mais tarde, encontro Katniss no hospital. Ela e os meninos chegaram a tempo de eles participarem da ultrassonografia com os pais. Depois do exame, ela os leva de volta para a nossa casa.

Delly fica ao lado de Thom até a hora da cirurgia e eu aguardo também, do lado de fora do quarto. Entro apenas quando os maqueiros chegam para levá-lo. Delly segura o choro enquanto pode.

— Meu amor…— Thom hesita. — Você ainda vai ter que me aturar por muito tempo.

— Eu sei. – Delly funga, piscando para evitar a descida das lágrimas

— Então, não chore – pede ele e se vira para mim. — Obrigado por estar aqui, Peeta.

Nós acompanhamos a maca até a entrada do centro cirúrgico. As horas que passam parecem uma eternidade.

Cuido para que Delly não fique desconfortável durante tanto tempo, ajudando-a a caminhar de vez em quando e trazendo para ela água e lanches leves.

Depois de muito tempo, nós simplesmente nos sentamos em um sofá próximo e ela cochila em meu ombro. Finalmente, uma enfermeira abre a porta e diz que a cirurgia terminou. Thom agora está na sala de recuperação e estão esperando o fim dos efeitos da anestesia.

— Tudo correu bem? – Delly pergunta, mas não obtém respostas, apenas ​​sorrisos discretos e promessas de que o médico conversará conosco em breve.

— Ele vai ficar bem – afirmo. — A gente devia descer. Você vai querer estar lá quando ele for levado ao quarto, não é?

Ela aquiesce e eu a conduzo até lá.

Quando a porta finalmente se abre, Thom parece debilitado e pálido, envolto em ataduras, das quais pende um dreno. Seus olhos estão fechados.

De pé, Delly cambaleia ligeiramente e eu a seguro pelos ombros até que recupere as forças para se acercar à maca na qual Thom foi trazido. Ela abre a boca algumas vezes, sem conseguir emitir som algum.

— Como foi a cirurgia, doutor? Ele pode falar? – indago, sem ter certeza se o que estou perguntando tem algum nexo.

— Estou vivo e respirando – murmura Thom com alguma dificuldade, mas sorrindo de lado, ainda sem abrir os olhos. — Não estou mudo, meu amigo.

Delly olha pra mim e o alívio é nítido em sua expressão. Ela leva a mão até o rosto do marido, quando ele pisca até focar seu olhar no dela. Como quando se reencontraram quando Delly retornou ao Distrito 12, ambos trocam entre si uma bela declaração de amor, que não necessita de palavras.

— Sim, vivo e respirando. – O médico que o acompanha sufoca uma risada. — Que bom que percebeu esses detalhes, Thom, pois são os principais pontos positivos. Além disso, retiramos tudo o que podíamos ver do tumor. O material já foi enviado ao laboratório, mas os resultados podem demorar até uma semana para sair.

— E quando ele vai poder ir pra casa? – Delly questiona, enquanto Thom é transferido para a cama.

— Se tudo correr bem com a recuperação, o tempo de internação é de cinco dias a uma semana. Depois, haverá consultas para acompanhamento e para discutir os resultados da biópsia. Por enquanto, vamos nos concentrar em seu restabelecimento.

— Obrigado, doutor – Thom agradece.

— Em breve, você estará tão bem que só precisará voltar ao hospital quando sua filha nascer.

Emocionado, Thom estica o braço para tocar a barriga de Delly. O médico se despede e sai.

— Como você está se sentindo? – pergunta ela.

— Parece que um peso foi tirado do meu peito – brinca ele.

— Como diriam nossos pequenos mecânicos, retiraram a peça defeituosa e consertaram você. – Delly sorri genuinamente pela primeira vez desde o dia em que nos contou sobre a doença do marido.

— Vou fechar a porta para vocês terem alguma privacidade. E vou verificar se posso trazer alguma coisa da padaria pra você, Thom.

— Quem me dera – lamenta ele.

Do lado de fora, há o vai e vem de médicos e enfermeiros e alguns visitantes para os pacientes nos outros quartos, carregando flores e presentes. É a vida seguindo seu curso.

No trajeto até em casa, o que ontem era apenas um broto de dente-de-leão já floresceu. E lá está o amarelo vívido que significa o renascimento e a promessa de que a vida pode mesmo continuar.

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As semanas passam e Thom não tem complicações pós-operatórias. O tumor era benigno e, aos poucos, ele retoma suas atividades normais.

Assim, Effie volta a considerar a realização do casamento em plena primavera. Ao menos, este é o tema da conversa que ela e Haymitch estão tendo em frente à nossa casa, enquanto as crianças colhem algumas prímulas em nosso canteiro, para uma atividade na escola.

— Na verdade, eu não preciso de nada extravagante, você precisa? – pergunta ela a Haymitch.

— Eu não. – Ele balança a cabeça. — Mas tenho minhas dúvidas em relação a você.

— Dou minha palavra que não!

— De extravagante, já basta a sua pessoa – Katniss graceja, enquanto auxilia Maysilee a manusear a tesoura para cortar os caules das flores.

— As melhores coisas da vida são mesmo as mais simples – admito.

— Por mim, garoto, eu e Effie nos casaríamos hoje, na Campina, apenas na presença de nossos filhos e amigos.

Effie faz uma pausa e parece considerar a ideia.

— Parece bom… Melhor que isso! É maravilhoso! Mas não dá pra ser hoje. Eu preciso de um pouquinho mais de tempo – Effie diz tranquilamente. — Nada de extravagâncias, mas ainda sou Effie Trinket!

Haymitch arregala os olhos em incredulidade, como se não reconhecesse a pessoa à sua frente. Depois, sopra uma risada e pressiona os lábios contra os dela.

— Ainda! Em breve, será uma Abernathy. Eu não queria esperar muito mais para isso, porém vou fazer o que posso. – Ele examina o rosto de Effie mais uma vez. — Você é surpreendente.

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Na manhã da data marcada, sou acordado ao raiar do dia pela algazarra dos gansos do lado de fora e pelo falatório dos meus convidados do lado de dentro de casa, Max e Haymitch.

No dia anterior, preparei o bolo, que será levado para o local da festa por meus funcionários Casper e Lionel, num carro alugado por Effie para isso.

Mais uma vez, as despedidas de solteiro foram feitas separadamente. As mulheres se reuniram na casa de Haymitch e os homens, em nossa casa. Flavius, sabiamente, preferiu a companhia feminina, com a desculpa de que estava escalado para arrumá-las para o casamento logo cedo, e se livrou dos nossos discursos inflamados, que descambaram para uma ode às mulheres de nossas vidas, com direito à seresta ao pé das janelas da casa de Haymitch.

Tomo um banho frio para despertar e, em seguida, eu me visto. Ao descer as escadas, Max também já está pronto, mas Haymitch ainda está usando um roupão.

Katniss abre a porta e entra em casa, trazendo Maysilee.

— May queria muito ajudar você a se arrumar, Haymitch – ela comunica e a menina corre para os braços do pai.

Meus olhos pousam na bela figura de Katniss, num vestido amarelo-claro e de cabelos soltos, o que me lembra o dia que eu a reencontrei depois de escaparmos da primeira arena.

— Como você consegue ser tão linda assim pela manhã?

Ela sorri e ajeita a gola da minha camisa.

— Você também não está nada mal.

A porta se abre mais uma vez, para a entrada de Annie e Johanna, acompanhadas de Finn e Elliot. Todas as crianças estão absolutamente adoráveis em suas roupas de festa.

— Por que nós somos os únicos que vão poder ir ao casamento dos pais? – Maysilee indaga.

— É mesmo – confirma Elliot. — Nenhum amigo da escola foi. Todos nasceram depois.

— A dinda Johanna me disse que não é preciso esperar o casamento para esfregar os gravetos e fazer fogo – Finn se apressa em oferecer uma explicação.

— Johanna, como você diz essas coisas para as crianças? – Katniss pergunta horrorizada.

— Vai me dizer que não é verdade? Logo você, a rainha da floresta! Como é que você faz fogo, desmiolada?

Todos começam a rir e Katniss revira os olhos, corada de vergonha.

— Continue rolando seus olhos. Pode ser que você encontre um cérebro aí dentro da sua cabeça – resmunga Johanna, mas logo recomeça a rir.

O som de passos apressados e vozes esbaforidas do lado de fora fazem com que nossa atenção se volte para quem está chegando. Octavia e Venia invadem a sala de estar logo depois.

— Effie está quase pronta e está linda… Não! Ela está mais do que linda! Está fantástica, sensacional! Acho que terá que se esforçar mais pra ficar à altura dela, Haymitch – Venia dispara.

— Eu sei que minha noiva é linda, fantástica, sensacional. Eu teria que nascer de novo pra ficar à altura dela. Como isso não pode acontecer, equipe de preparação, prepare-se!

Então, Haymitch deixa cair o roupão que está usando, fazendo com que Octavia tape o rosto com as mãos, gritando:

— Oh, meus olhos, meus olhos!

— Calma! Está tudo bem, ele está vestido – digo a ela entre gargalhadas. — Parcialmente, pelo menos.

Haymitch sobe as escadas, usando apenas a bermuda de seu pijama, e desce depois de alguns minutos, em um terno impecavelmente ajustado. Venia tenta passar um pente em seus cabelos, mas ele impede.

— Os cabelos desgrenhados são a minha marca registrada.

Com todos prontos, partimos em comboio para a cerimônia.

Mesmo que todos os detalhes do casamento já estivessem planejados, boa parte do que foi preparado previamente, de certa maneira, perdeu-se nos últimos três meses.

O figurino criado pelo mais renomado estilista da atualidade não combinava mais com a temperatura elevada do fim da primavera. Por outro lado, o local anteriormente escolhido na Capital abrigaria uma grande exposição de arte e estaria alugado por uma longa temporada, de modo que Effie teve mesmo que desistir de realizar o casamento lá.

Então, alinhavamos os ajustes necessários e deixamos simplesmente tudo fluir, esperando o melhor, e certamente não teríamos um resultado mais satisfatório.

Antes de subirmos a pequena elevação onde foi montado o altar, eu e Katniss avistamos Delly, Thom e os meninos andando com cautela. Katniss ampara Delly e eu faço o mesmo com Thom pelo caminho de pedras colina acima, enquanto Luke e Leo pulam e correm à nossa frente.

Nós nos sentamos debaixo da sombra do salgueiro preferido de Katniss. O clima ameno da manhã ensolarada deixa o horizonte ainda mais fascinante e o amplo espaço se torna pequeno pelo enorme afluxo de pessoas que prestigiam o evento.

O violinista inicia a música suave e todos se erguem ao avistar Haymitch se posicionando de pé no altar, sem vestígios de nervosismo, com Maysilee de um lado e Elliot do outro.

Indo em direção a ele, Effie irradia satisfação e alegria e está mesmo deslumbrante, com seu jeito exagerado, porém elegante de se vestir. Fica claro que, mesmo com as mudanças de planos, esta é a festa que ela sonhava realizar. Agora, a antiga escolta do Distrito 12 está emocionada por isso estar finalmente acontecendo.

No entanto, não está como ela queria. Está melhor.

As flores naturais da paisagem da Campina são muito mais bonitas que arranjos artificiais. O trinado dos pássaros pela folhagem das árvores é tão harmonioso quanto um coral e uma orquestra. O cenário da Campina, com a vegetação renovada, irrompendo em flores após o rigor do inverno, supera qualquer decoração.

Assim, o casamento de Effie e Haymitch será para sempre lembrado, não por ser a festa monumental inicialmente projetada, mas por ter cheiro de grama recém-cortada, em vez da frieza de pisos polidos, e a vista aberta do céu azul, no lugar de altos muros e arranha-céus nos cercando.

Effie exigiu apenas um belo tapete vermelho, para que seus saltos não afundassem no chão de terra, como aconteceu com Johanna em seu casamento.

Timothy não é mais o prefeito da cidade, mas continua a presidir os casórios. Ele faz a introdução e segue em frente com a cerimônia. Os noivos repetem as tradicionais palavras e promessas. Quando dizem “sim”, Maysilee e Elliot explodem em aplausos animados, espalhando risos entre os convidados.

Na hora dos votos, Haymitch sacode a cabeça para afastar os cabelos dos olhos, antes de começar a falar. Ou tentar:

— Ok. Então... Vamos lá. – Ele pigarreia. — A questão é, quando encontrei você e, mesmo depois, Effie, eu estava bem perdido. Poucas vezes, escolhi o caminho certo e, nessas poucas vezes, eu consegui sobreviver a partir dessas escolhas. Mas sobreviver não é o mesmo que viver. Foi você que mudou tudo. Você abriu meu coração a um sentimento que eu pensei ter perdido há muito tempo. Você me fez sorrir novamente e me fez querer viver de novo. Você pode ser a pessoa mais irritante que já conheci, mas não gostaria de passar o resto dos meus dias com mais ninguém. Eu adoro a bagunça organizada e a organização bagunçada que você faz na minha casa, que você fez na minha vida. Nada ao seu lado é preto e branco, nada é apagado. A vida com você é simplesmente cheia de cores… E, literalmente, brilha.

Haymitch olha para Effie como se a estivesse vendo pela primeira vez, quando chega a sua hora de recitar:

— Eu planejei tanta coisa para este grande, grande, grande dia e muitas delas não deram certo. No entanto, o essencial está aqui. Não preciso de mais nada, a não ser me sentir amada e a mulher mais sortuda que existe ao me tornar a mãe de seus filhos e a sua esposa. – Ela faz uma pausa para recuperar o fôlego e exclama: — Feliz casamento para nós! A sorte está a nosso favor!

Haymitch segura Maysilee no colo e Effie levanta Elliot. Então, Timothy anuncia:

— E eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva!

— Eca! – Elliot entorta o nariz ao presenciar o beijo de seus pais.

Está equivocado quem acha que um felizes para sempre não poderia acontecer pra pessoas como nós. E as razões estão diante de todos.

Há o sentimento que une Effie e Haymitch. Há a amizade que nos conecta. Há promessas, comprometimento, entrega e compaixão. Há sonhos costurados em nossos remendos e histórias bordadas na colcha de retalhos que formamos juntos.

É certo que houve um tempo em que não foi assim. Antes da colheita em que fui sorteado, eu sentia pena ao ver Haymitch bêbado, mal se mantendo em suas pernas. Além disso, a visão da Effie em nosso distrito era aterrorizante. 

Nove anos atrás, falei com estas duas pessoas pela primeira vez, esperando o pior para a minha vida. Desta vez, eu os aplaudo depois do beijo final, desejando e tendo a certeza de que há, sim, o felizes para sempre.

 

 


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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

O título do capítulo foi inspirado numa mensagem enviada pela RêEvansDarcy (*). Essa mensagem continha a seguinte frase, atribuída à Cidinha Campos:

"E o bonito desta vida é poder costurar sonhos, bordar histórias e desatar os nós de nossos dias".

Obrigada, Sel! Era a inspiração que eu precisava para fechar o capítulo!

Vocês acabaram de ler a parte de costurar sonhos e bordar histórias.

Já a parte de desatar os nós ficará para o próximo capítulo... Estou planejando alguns momentos emocionantes entre Katniss e Finn.  É a única coisa que está faltando para eu partir para a nova e última fase!

Quem vem comigo? ✋

(*) Aproveito para divulgar a fic Peetniss da Sel também, romântica e divertida: "O Tempo, a distância e a SOGRA".

Beijos!

Isabela