A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 52
Sr. e Sra. Mellark


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Demorei, mas voltei!

E a demora teve um motivo bem legal...

Fui convidada para participar de um desafio de one-shots com várias autoras aqui do Nyah! e tive que dedicar bastante tempo pra escrever a minha OS. Ela está fazendo parte de uma coletânea bem interessante de fics THG e a que escrevi foi minha primeira fanfic em Universo Alternativo.

Então, a quem interessar, o link da one-shot Peetniss/Everlark que escrevi está no meu perfil.
O nome da coletânea no Nyah! é "Encontros, Acasos e Amores". A one-shot que eu escrevi está no capitulo dois e se chama "Blind date". O texto ficou bem-humorado e muito romântico.

Recomendo também as outras OS já publicadas e as que ainda serão!

Confiram lá!

Agora, ao capítulo...

Boa leitura!



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Por Katniss

Ouço alguém chamar meu nome, mas estou no fundo de algo que se assemelha a uma cisterna, amordaçada e amarrada, e não consigo me mover. Os sons ao meu redor desaparecem e tudo que posso escutar são as batidas do meu próprio coração, pulsando em meu ouvido, e o ritmo constante da água congelante que enche o tanque devagar e devagar… E me paralisa até os ossos.

Arregalo os olhos assustada, quando a baixa temperatura se torna real e o desconforto não é apenas decorrente do meu pesadelo. Ainda estou sonolenta quando uma brisa ainda mais gelada me acorda de vez, arrepiando minha pele.

Desvendo o motivo ao observar o que está à minha volta. As chamas da lareira já estão quase se extinguindo e Peeta ressona serenamente, com todas as mantas sobre ele, depois de ter se enrolado por completo, a ponto de me deixar descoberta.

A sensação de frio me fez acordar antes que algo pior acontecesse comigo em meu sonho ruim.

— Você me livra dos meus pesadelos mesmo sem querer — sussurro em seu ouvido e ele resmunga, ainda inconsciente.

Eu me visto depressa e reúno um pouco de lenha para alimentar o fogo. As labaredas renovadas lançam minúsculos pedaços de madeira em brasa ao redor da pequena fogueira e esses fragmentos se tornam cinzas ainda pairando no ar. Fixo meu olhar em alguns deles, observando a fuligem flutuar até se alojar no interior da lareira, desaparecendo da minha vista.

Tudo é tão passageiro. Como a frase que Peeta ficou repetindo ontem, tudo é por enquanto

Em que contexto ele me escutou falando isso? E por que essa expressão o marcou tão profundamente?

Vasculho a memória, mas não encontro a resposta.

Fico velando o sono tranquilo de Peeta até aparecerem os primeiros raios de sol. Busco os meus remédios na mochila dele e, somente quando vejo o medicamento cuja fórmula o Dr. Aurelius cogitou alterar, alguns lampejos de lembranças do que aconteceu no hospital me dão uma dica sobre a minha dúvida.

Eu disse ao Dr. Aurelius que gostaria de deixar as coisas como estão por enquanto.

Mas como Peeta pode ter me ouvido falar isso? E se ele, de fato, escutou essa parte da conversa, pode ter ficado ciente de tudo o que desabafei com a Dra. Ceres no consultório dela.

Através da janela, vejo que a neve de ontem foi intensa e formou um manto claro na paisagem. As árvores e o chão estão cobertos por uma fina camada de gelo.

Apenas uma porção de terra ao redor do tronco do salgueiro não foi tomada pela cor alva que agora predomina no lugar. As lâmpadas que Peeta instalou dançam nas ramificações da árvore.

Abro a porta com cuidado, mas ela range um pouco de qualquer forma. Minha bota suja de barro tinge de marrom o tapete de flocos brancos e me recordo de como a pele clara de Peeta estava manchada de tinta azul em nossa última visita ao hospital.

"Tinta de caneta", foi o que ele disse distraidamente.

A neve deixa a floresta mais quieta que o normal, mas mesmo o silêncio parece perturbador, enquanto meus pensamentos dão voltas e mais voltas e algumas peças vão se encaixando em minha mente.

O som da porta se movendo me deixa alerta e abandono minhas divagações.

A figura bem agasalhada de Peeta surge no vão aberto. O vento cortante bagunça seu cabelo e faz o semblante dele ficar levemente rosado.

Peeta se aproxima para um beijo em meu rosto, mantendo as mãos escondidas nos bolsos do casaco. Não percebo que minhas bochechas estão geladas até sentir o doce alívio do calor dele invadindo a minha pele.

— Bom dia! Sempre tão linda pela manhã… E pelo resto do dia. — Ele beija minha outra face. — E da noite — conclui Peeta com um beijo na minha testa.

— Bom dia — respondo seu elogio com um sorriso discreto.

— Está tudo bem? — Seus dedos quentes passeiam por meu rosto, enquanto seus olhos me estudam.

— Tirando o fato de que você roubou todas as cobertas durante a noite, está sim. — Coloco o capuz dele sobre sua cabeça e puxo os cordões, apertando levemente, enquanto me aproximo para um beijo em seus lábios. — Friorento!

Peeta faz uma careta de indignação e ri, mas não se dá por vencido com a minha explicação.

— Você parece preocupada — comenta ele e eu balanço a cabeça para afastar a ideia. Peeta esfrega as mãos uma na outra e sopra dentro delas para se aquecer. — Vou lá dentro pegar luvas e algo pra gente comer.

Ele me dá as costas para ir até a casa, porém, antes que se afaste muito, eu começo:

— A Dra. Ceres havia perdido uma caneta… Sua mão estava com uma mancha azul e, quando perguntei, você me disse que era tinta de caneta.

Peeta gira a cabeça para o lado e vejo seu perfil. Ele leva a mão ao queixo, incomodado com a revelação inesperada e com o que há por trás dela. Peeta não parece querer me encarar, então sou obrigada a continuar.

— Você havia dito que deixaria um bilhete no consultório dela, avisando que precisava ir ao refeitório… Onde lavou as mãos?

Seus olhos estão na paisagem, mas eu posso dizer que ele está de volta aos acontecimentos.

— Katniss, eu queria ter contado sobre ouvir o que vocês conversaram no consultório da Dra. Ceres, mas não sabia como não estragar tudo. Acabei dando uma pista ontem com aquele comentário antes de você dormir. Já era o meu inconsciente denunciando que o que fiz não foi certo. — Peeta se vira para mim de modo relutante, como se estivesse decidindo se deveria se aproximar ou permanecer longe. Ele resolve dar alguns passos e segurar minha mão, baixando a voz. — Eu ouvi a sua conversa com a Dra. Ceres, a sua dúvida sobre o que significa o amor familiar na minha visão, o fato de considerar que você é alguém idealizado por mim, o seu medo de me decepcionar, o seu remorso por pensar que não foi honesta comigo… E eu escutei você dizer que não é preciso alterar a fórmula do remédio, por enquanto. Você me perdoa?

Peeta aperta meus dedos para disfarçar seu tremor e eu seguro sua mão com mais firmeza. Ele deve estar pensando que estou aborrecida, mas não estou. Sinto-me aliviada.

— Não estou chateada. Eu gostaria que aquela conversa tivesse sido mesmo com você, Peeta.

— Eu também — concorda ele. — Sempre fale pra mim tudo o que quiser e o que precisar. As coisas não ditas já nos fizeram bastante mal no passado.

— Você pode me dar algumas respostas para as perguntas que tenho medo de fazer?

— Claro que sim. E não precisa temer nenhuma delas. — Peeta solta minha mão e acaricia meu rosto.

— Eu sei que não — declaro com convicção.

— Posso começar? — Ele circunda minha cintura e eu confirmo. — Então… O amor familiar que eu quero é um casamento duradouro, é o nosso amadurecimento juntos. O que vier a mais é lucro.

— Peeta, o por enquanto continua sendo algo incerto.

Ele olha pra mim e pode decifrar que não quero fazer uma promessa que não tenho certeza se posso ou não cumprir. Então, simplesmente assente com a cabeça.

— Já que você tocou no assunto… — Peeta fica sério e forma uma linha reta com os lábios. — Não quero que pense que não foi honesta comigo, porque você é, Katniss. Até demais! Além disso, o fato de estarmos juntos é o suficiente para mim.

Eu quero dizer que gostaria de proporcionar a ele mais do que o suficiente, porém não consigo pronunciar uma sílaba sequer.

Peeta limpa a garganta, depois de alguns segundos de hesitação.

— Você quer saber o motivo da minha insistência? — Ele pergunta e eu consinto, firmando meu olhar no dele. — Pois bem. Naquela vez em que tive uma crise, pouco depois que retornei ao Distrito 12, e me tranquei em casa, você e Haymitch usaram a chave reserva dele para me socorrer. Os dois ficaram conversando depois que me deixaram deitado no sofá. Então, eu ouvi quando ele perguntou se você não amaria seus filhos, caso engravidasse. Você disse que os amaria mais que tudo… Que seria louca por eles.

Engulo em seco e, em seguida, é a vez dele de hesitar em fazer uma promessa que não deseja manter:

— Você não vai ouvir nenhum pedido ou insinuação minha por bastante tempo, mas saiba que eu não desisti. Não só por mim, mas por você também. — Seus olhos se desviam dos meus.

— Não quero que desista. Foi esse o nosso acordo. E eu também preciso que você me conte tudo, sempre. Mesmo que seja algo que não quero ouvir. — Seguro seu rosto com carinho para poder capturar seu olhar de novo.

Peeta me encara brevemente, sorri com tristeza e doçura ao mesmo tempo, mas fixa seus olhos no chão.

— Queria que tudo fosse mais fácil — lamento.

— Se fosse mais fácil, não seríamos nós dois. Os amantes desafortunados! — Peeta dá uma entonação engraçada, imitando Caesar Flickerman. — Ainda assim, é tudo o que sempre sonhei… E isso não significa que tenho uma imagem idealizada sua. Eu conheço você e seus limites.

— Você pode chamar meus limites de defeitos mesmo. — Sorrio, quando ele revira os olhos. — Está vendo? É por isso que tenho medo de decepcionar você. Medo de que algo dê errado…

— Prefiro que as coisas deem errado ao seu lado do que deem certo com qualquer outra pessoa. Além disso, você não tem que se preocupar em fazer com que nossa relação seja perfeita.

— Bom saber! Você acabou de me aliviar de um grande fardo — brinco e ele acompanha a minha risada.

— Não foi isso o que eu quis dizer. Você não tem que se preocupar, pois não precisa ser perfeita. Já é perfeita.

Suspiro alto e ponho uma das mãos na testa.

— Quando penso que você está deixando a razão falar mais alto que a emoção…

Peeta cala minhas palavras tolas com um beijo intenso que me faz perder o fôlego. Sua boca se move contra a minha e, antes que eu tente resistir, já estou perdida nele, jogando meus braços ao redor de seu pescoço e deixando-o me puxar contra seu casaco.

A neve volta a cair em torno de nós e eu posso experimentar os flocos congelados junto com seus lábios deliciosos e quentes. Ele afasta seu rosto o suficiente para que nossos narizes se toquem e sussurra:

— Eu tinha que usar esse argumento. — Seu sorriso travesso desmonta minha contra-argumentação. — Agora, quero que me beije assim também e, só então, você pode negar o quanto quiser que isso é perfeito — pede ele e eu o beijo com a mesma paixão que demonstrou antes.

E Peeta prova que está certo, pois eu não posso negar nada.

Depois que a verdade toda é exposta, sinto certa plenitude… Finalmente, eu relaxo, agora consciente do quanto estava tensa.

No momento, meu mundo se resume a uma casa à beira do lago, ao chão sagrado da floresta sob meus pés, e à pessoa incrível que está à minha frente. Peeta Mellark. Honesto, amável, forte, verdadeiro, lindo e… Meu.

— Gostei de você não ter inventado uma desculpa para me despistar — digo contra os lábios dele.

Peeta encosta sua testa na minha, também mais tranquilo por conta de tudo o que veio à tona.

— É impossível fugir da verdade com você. Enfim… — Ele encolhe os ombros, um pouco envergonhado.

— Gostei de saber disso também. Aliás, gostei mais ainda.

— Eu costumava ser muito bom em criar histórias, principalmente para proteger você. Como naquela vez em que eu disse que Delly se parecia com Lavinia, a Avox ruiva.

— É mesmo. — Eu me recordo, com um aperto no peito.

— E na entrevista do Massacre Quaternário.

— E na primeira entrevista? — pergunto e Peeta faz uma pausa, confuso.

— Naquela eu não menti. Por quê?

— Nem na parte em que você disse que muitos garotos gostavam de mim?

— Infelizmente, nem nessa parte. Eu detestava ouvir os outros caras falando de como você era bonita, valente, misteriosa… Eu ficava tentando adivinhar qual deles conseguiria se declarar pra você antes que eu tomasse coragem.

— Pelo visto, eu amedrontava a todos. Ou era o Gale que fazia isso.

— Acho que ambos — murmura Peeta, quase para si mesmo, olhando fixamente para algum ponto, como se estivesse passando um filme em sua cabeça, e só desperta quando eu dou risada. — Estou me lembrando de quantos planos eu fiz pra falar com você.

— A Delly me contou alguns. Agora é a sua vez! — Continuo rindo da cara de apavorado que ele faz.

— Tudo bem. Só que você não pode rir.

Minha risada se desvanece e eu apenas sorrio para ele, implorando com os olhos para incentivá-lo a falar.

— Vou revelar tudo, mas quero sair desse frio! — Ele esconde as mãos sob os braços cruzados.

— Quantas exigências! — Eu me enrosco ao redor do seu corpo e puxo Peeta para dentro da casa.

Antes que eu feche a porta, ele já está esticando as mãos à frente da lareira para esquentá-las. Depois de um tempo observando a cena adorável, eu me posiciono ao seu lado.

Peeta toca meu rosto, correndo o dedo ao longo do meu maxilar.

— Você tem certeza de que não está chateada?

Mordo o lábio inferior, olhando para sua expressão ansiosa.

— Peeta, você ouviu tudo aquilo que eu falei com a Dra. Ceres e ainda quer se casar comigo no papel. Você já viu demais do meu lado negativo e me ama mesmo assim… Como eu poderia estar chateada?

Ele examina meu rosto e suspira fundo, colando seus lábios nos meus.

Depois, permanecemos calados, de mãos unidas, num silêncio confortável, que eu quebro apenas para insistir que ele me conte suas histórias de menino apaixonado.

Peeta se afasta para encher duas canecas com o chá que deve ter deixado em infusão antes de ir me encontrar do lado de fora. Ele põe açúcar apenas numa delas, que é a que me entrega.

— Vamos começar a minha humilhação com uma poesia de gosto duvidoso… Preparada?

Bebo um pouco do chá, segurando a caneca com as duas mãos, e confirmo animada.

— Bela Katniss 
Eu sou o Peeta
Decoro bolos e asso pão
Quer ficar comigo?
Sim ou não?

Torço o nariz e sufoco uma risada, quase derramando o chá.

— Isso é sério? Acho que você não ouviria nada parecido com um "sempre" como resposta.

— É brincadeira. Inventei essa cantada infalível agora. — Ele ri, pressionando seu nariz em meu pescoço.

— Bobo! — Eu o empurro de lado, usando meu ombro. — Então, você sempre foi bom com as palavras?

— Vamos ver… Na verdade, eu imaginava confessar a você como aprendi a amar a sua voz e também o seu silêncio, o fato de ser forte e, ao mesmo tempo, tão delicada… Eu queria declarar que, observando você junto com Prim, descobri que, por trás da sua seriedade e distância, havia carinho e calor… E, por fim, dizer com todas as letras que você era, como ainda é, a criatura mais linda que já vi na vida.

Estava a ponto de levar a caneca aos lábios novamente, mas minhas mãos ficam na metade do caminho até minha boca. Eu o fito meio desnorteada, meio admirada, e ele beija a minha testa.

Esta capacidade de me enxergar claramente e, ainda assim, filtrar o que há de melhor em mim, pelo visto, sempre foi um dom de Peeta.

— O que foi? — indaga ele.

— Uau. Isso foi intenso. Seu pedido de namoro só não seria mais emocionante que os pedidos de casamento que recebi.

— Você recebeu muitos, é? — Peeta pergunta de modo brincalhão, virado de costas, enquanto distribui torradas e pedaços de queijo em um prato.

Eu me recosto na parede em frente a ele e pego uma fatia de cada coisa para dar uma mordida, acenando com a cabeça.

— Ontem, foi o terceiro que recebi… Do mesmo rapaz, acredita? Sem contar que eu também fiz um pedido de casamento a ele. Então, no total, foram quatro!

— Esse rapaz é mesmo insistente.

— Ele definitivamente ganhou nota máxima pelo esforço. E, além de tudo, ele decora bolos e assa pão

Peeta solta uma gargalhada longa e gostosa, enxugando as lágrimas que brotam depois de tanto rir.

— Quer tomar um café da manhã reforçado na padaria? Talvez dê tempo de fazer alguns pães de queijo antes da correria dos preparativos para o casamento de Delly e Thom.

— Seria perfeito!

— Ótimo — diz ele, antes de abocanhar uma torrada.

Depois de uma rápida arrumação, nós nos dirigimos para a cidade.

Peeta se encolhe ao toque gelado do ar da manhã de inverno durante todo o percurso.

Ponho as costas da mão em sua testa e tenho a impressão de que ele está com um pouco de febre, mas não perdeu a disposição de caminhar, nem o bom humor.

Chegando à cidade, retiro a aljava de flechas das costas e andamos de mãos dadas até a padaria.

O estabelecimento de Greasy Sae ainda está fechado, pois ela deve estar adiantando tudo para a refeição que será servida amanhã aos convidados dos noivos. Já a padaria está funcionando a pleno vapor.

Os flocos de neve adicionam à calçada da frente uma colcha branca, retalhada pelas pegadas dos clientes que vêm e vão.

Ao cruzarmos a entrada, Violet festeja a nossa chegada.

— Vocês parecem tão bem! — Ela exclama e eu e Peeta a abraçamos afetuosamente.

Então, eu me recordo que Peeta pode não estar tão bem assim.

— Violet, você tem um remédio antitérmico, por acaso? — pergunto, escovando a neve do meu cabelo com as pontas dos dedos.

— Eu não, mas a Amelie deve ter sim. — Ela aponta para a bela moça ao seu lado, que se assusta um pouco ao ser mencionada, mas confirma com um meneio de cabeça o comentário de Violet.

Peeta se adianta para apresentá-la a mim.

— Esta é a Amelie Candid, a nova funcionária. Amelie, esta é a Katniss Everdeen Mellark… Minha esposa.

Enquanto retiro as luvas para apertar a mão dela, Peeta murmura em meu ouvido:

— Não vou cansar de dizer seu nome atual tão cedo.

Sorrio para mim mesma e minhas bochechas se aquecem, mas Amelie não nota. Afinal, ela admira cada gesto e cada palavra de Peeta, com seus olhos verdes claros e maravilhados, tanto que demora em perceber que eu oferecia a ela a minha mão.

— Muito… Muito prazer, Sra. Mellark. — Ela finalmente retribui o gesto. — Vou pegar o remédio, com licença. — Antes de ir, no entanto, ela questiona. — É para a senhora?

— Não. Para o Peeta — digo e reparo como a informação a abala.

Cumprimento os rapazes de longe mesmo, pois eles já estão preparando as massas, e Peeta se afasta para separar alguns pães de queijo que já estão na bancada.

Amelie volta para me entregar a cartela de comprimidos no mesmo momento em que Peeta me estende o pacote com os pães.

— Obrigada — agradeço a ambos.

Todos voltam a se dedicar às suas atividades, com exceção de Amelie. Ela continua virada para mim, observando-me com certo fascínio, mas sem hostilidade. De vez em quando, seus olhos escapam na direção de Peeta, que havia ido buscar alguns guardanapos.

— Você é de qual Distrito, Amelie? — indago.

— Distrito 5.

— Sua família veio pra cá também? — Peeta se interessa em participar da conversa, quando vem me entregar os guardanapos.

— Não. Estou sozinha. Meu noivo se voluntariou para lutar e não voltou pra casa desde o fim da rebelião.

— Sinto muito por sua perda. — Eu me compadeço.

— Oh! Não. Ele está vivo… A última informação que tive é de que estaria aqui no Distrito 12. Achei que, vindo para cá, eu poderia refazer a vida e conseguir mais informações sobre o paradeiro dele. Fico imaginando se ele está doente ou sem memória… Ou se não quis mesmo voltar.

— Boa sorte em sua busca. — Peeta apoia brevemente a mão no ombro dela como forma de conforto e Amelie olha para o ponto em que foi tocada, sem acreditar. O telefone soa no escritório. — Agora, se me der licença, preciso ir.

Faço sinal para indicar a Peeta que ele pode se adiantar sem mim. Então, ele caminha até a sua sala e Amelie o acompanha com os olhos, com uma expressão que eu reconheço como a de quem começa a nutrir sentimentos por alguém.

Quando eu e ela fazemos contato visual de novo, há um momento compartilhado de compreensão, ficando evidente como a situação é desconfortável.

Ao menos, o seu embaraço com a minha percepção do que está se passando com ela faz transparecer que não me enxerga como uma rival. 

— Meu noivo tem um pouco do porte físico do Peeta, quer dizer, do Sr. Mellark. — Ela tenta se explicar, abaixando a cabeça. — Ele ajudava ao tio, que é o padeiro do Distrito 5… Mas a semelhança é só essa. Ele não é nem de longe tão gentil quanto o Sr. Mellark.

Quando Amelie faz tal confissão, penso que a situação dela já é muito triste. E é ainda pior, se quem ela espera reencontrar é alguém por quem não vale a pena tanto sacrifício. 

Não tenho uma explicação para o fato de confiar nela, como Rue confiou em mim, mesmo sem me conhecer, mesmo estando numa arena.

E, para solidificar esta ligação que acaba de se formar silenciosamente, Amelie me lança um olhar expressivo como o da pequena Rue, quando já estava ferida e me perguntou se eu poderia cantar para ela.

— Se for de algum auxílio, eu conheço algumas pessoas da Guarda Nacional e de outros Distritos…

— Obrigada, Sra. Mellark! — Ela me corta rapidamente, nervosa demais para um comentário tão trivial, e eu entendo que o que ela pretende fazer parecer uma busca é, na verdade, a oportunidade que ela está tendo de fugir de sua antiga realidade. — Não precisa se preocupar.

— De qualquer modo, a oferta de ajuda fica de pé… E me chame de Katniss, por favor.

Ela sorri, assentindo.

— Eu torci por sua vitória, desde o momento em que se voluntariou por sua irmã.

Agora é a minha vez de sorrir agradecida para ela, que logo se dirige ao balcão para atender a um cliente.

Vou até o bebedouro encher um copo com água e me encaminho ao escritório.

Fecho a porta atrás de mim e meus olhos se fixam em Peeta, que ainda está ao telefone. Não é difícil identificar as qualidades que o fazem diferente de outros homens.

Há algo tão sólido a respeito dele, que inspira segurança e respeito, mas ele não conquista isso sendo severo nem ríspido. Peeta tem uma maneira de ocupar o espaço ao seu redor com sua amabilidade acolhedora, com sua preocupação com as outras pessoas, com sua natureza doce. Ele é sempre caloroso e atencioso, mesmo com estranhos, de uma forma que sempre me cativou. E, pelo visto, cativa outras pessoas também.

— O que você está pensando? — pergunta ele de repente, depois que a ligação termina.

Eu me aproximo e lhe entrego o copo e o medicamento para febre.

— A Amelie gosta de você — despejo de uma vez.

— Que bom que teve essa impressão. É menos uma preocupação pra mim, por ser mais uma pessoa de confiança aqui na padaria.

— Não desse jeito. Ela gosta num sentido romântico mesmo.

Ele arregala os olhos e balança a cabeça. Depois, leva a pílula à boca, bebendo a água que lhe servi.

— De onde tirou essa ideia?

— Não é só uma ideia. É verdade.

Os lábios de Peeta tocam minha testa e percebo que ainda estão bastante quentes.

— Você quer que eu a demita? — Ele limpa a rouquidão de sua voz. — Amelie está indo muito bem.

— Não, isso não seria justo. Só gostaria que tivesse cuidado para não partir o coração dela. Mais do que já foi.

— Pode deixar, mas… O que houve com a Katniss que queria o raio-X completo da pessoa que eu ia contratar para trabalhar na padaria?

— Aquela era a Katniss Everdeen. Esta aqui à sua frente é a Katniss Everdeen Mellark — digo de bom humor.

— Está explicado! — Peeta exclama e eu envolvo meus braços em seu pescoço.

Ele já estava se inclinando para frente quando um pensamento o interrompe.

— Ei! Espera… Está faltando uma coisa! — Peeta nem termina de falar. Ele pega minha mão e um envelope sobre a mesa e sai porta afora sem dar explicações, deixando para trás miradas curiosas.

Seus passos só não são mais apressados por causa do chão escorregadio deixado pela neve.

Ele me conduz até as escadas do Palácio da Justiça, subindo cautelosamente os degraus.

— Última chance para mudar de ideia. Vou entregar os papéis agora — brinca ele, enquanto se dirige ao local para sermos atendidos. Eu não digo nada, fazendo suspense. — E então? Serei obrigado a apelar para o meu talento com as palavras?

Cubro o rosto com as mãos, quando seu tom divertido começa a chamar a atenção das pessoas do setor e, sem se fazer de rogado, ele declama:

— Bela Katniss,
Eu sou o Peeta,
Decoro bolos e asso pão.
Quer casar comigo?
Sim ou não?

Os funcionários já não conseguem disfarçar o interesse no desenrolar da situação. Aperto os olhos na direção dele, que prossegue com a rima:

— Se você não disser nada, 
vai partir meu pobre coração.

Ele segura o envelope contra o peito, fechando os olhos de modo dramático.

— Peeta Mellark! Sua cantada é mesmo infalível! — Pego os formulários das mãos dele e entrego no balcão. — Feito. Sou sua esposa oficialmente.

A senhora que nos atende confere os documentos, carimba as folhas e desliza um livro de registros em nossa direção.

— Sr. e Sra. Mellark, assinem aqui, por favor.

Pego a caneta que ela oferece e firmo meu novo nome com todo o cuidado. Peeta repete o gesto na linha logo abaixo.

— Sr. e Sra. Mellark. Isso soa bem. — Peeta me puxa para junto dele e me rodopia no ar.

As palmas que se iniciam ao nosso redor abafam meu sussurro:

— Assim você me mata de vergonha… E de felicidade.

— Não é perfeito, Sra. Mellark?

— Não… É mais que perfeito!


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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

Para quem me perguntou se ainda falta muito para a Katniss engravidar: pelos meus cálculos, se tudo sair como estou planejando, isso está muito perto de acontecer...

Daqui a uns quatro ou cinco capítulos, pois vou escrever sobre os casamentos de Delly e Thom, Johanna e Max, Effie e Haymitch, e... Pimba!

Vou aproveitar a nota final pra voltar a divulgar a coletânea de one-shots... O link está no meu perfil.

Gostaria de pedir um favorzinho para quem quiser conferir a OS:
Leiam e me digam se querem uma continuação, pois estou pensando seriamente em transformá-la numa short-fic. Grata!

Beijos!

Isabela