Guardião escrita por Jafs


Capítulo 6
Capítulo 6




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Ainda era escuro, mas flashes de luz atravessavam o painel de papel do quarto, seguido pelo som do trovão.

Apesar disso, a determinação de Gin não se abalava. Ela juntava seus poucos pertences pessoais sobre um pano, do qual ela pretendia formar uma bolsa. Aquela seria sua última noite em Arashimura.

Ela carregaria saudades também. O lugar, as pessoas, foram sua casa e família respectivamente. Não estava longe de considerar que Nariko fora uma vó, enquanto...

Izumi.

Gin parou o que fazia e suspirou. Havia um motivo para ter vivido todos esses anos no vilarejo, um objetivo. O tempo não apagaria isso, nem as palavras de sua mestra. Havia um mundo lá fora que ela não esqueceria, um futuro.

Fechou os olhos, procurando que o véu escuro fosse preenchido pelo sonho.

“Eu irei a trazer à vida as pessoas que eu amei, não, que eu amo.”

Um novo estrondo, mais forte que os anteriores, fez a casa vibrar. O ruído aos poucos foi diminuindo, revelando que existia outro som.

Um grito desesperado e distante.

Gin abriu os olhos, surpresa. Os gritos continuavam e ela estava certa de que vinham do santuário. Ela se levantou e caminhou depressa pelos corredores. Seu coração já estava pesado pela angústia, ainda mais que percebeu que estava sozinha na casa.

Um grito, mais alto e inumano, e então apenas o som das folhagens balançando com o vento.

Não se importando por estar de camisola, Gin saiu da casa. Mesmo com seus olhos já acostumados com a escuridão, era difícil de enxergar longe, exceto quando a tempestade, caprichosa, iluminava tudo com os seus raios.

Lutando contra o vento, ela correu até o santuário. Ao chegar no jardim, se deparou com algo inusitado.

Em frente a construção estava Izumi, caída. Acima dela flutuava sua gema da alma, completamente negra e que emitia faíscas.

Então ela explodiu.

A onda de choque empurrou Gin para trás, quase a derrubando. Ainda que protegesse os olhos, conseguiu notar que o mundo a sua volta estava mudando.

O vento parou e o som dos trovões fora substituído pelo o do fluxo da água. A garota se viu cercada por painéis de papel. Ela quase achou que estava novamente na casa, mas o chão composto de tábuas de madeira claramente indicava que não.

Assim como o teto, ou a ausência dele. Em seu lugar havia um céu tomado por um emaranhado de aquedutos de madeira, de onde vinha o som da água.

Gin então se deu conta que corredor onde ela estava era bem iluminado, apesar de não haver nenhuma fonte de luz aparente, exceto o que vinha através dos painéis.

De repente, sombras se projetaram nos painéis. Eram vários seres saltitantes, podia se ouvir e sentir a madeira vibrar com a marcha deles.

A princípio, Gin não havia conseguido discernir a forma deles, mas logo ficou claro.

Eram pernas humanas, pernas sem corpo.

Gin correu pelo corredor, agora ciente de onde ela se encontrava. Ela chegou até uma bifurcação e rapidamente decidiu por qual caminho iria. Contudo, logo ela encontrou outra bifurcação. Dessa vez hesitou, mas só por um instante, pois mais sombras apareciam. Ela decidiu e continuou a fuga, mas outra bifurcação se encontrava em seu caminho.

Antes que tivesse tempo de avaliar se seria melhor voltar. Gin sentiu um baque sob as tábuas de madeira que ela pisava, a derrubando.

Levantando a cabeça, ela viu que entre as tábuas estava vertendo lama em um padrão pulsante. Os painéis de papel, então, foram sendo manchados por inúmeras bolas de lama que eram atirados do outro lado.

Gin se arrastou pelo chão, se afastando da lama que estava ocupando o corredor, até que aquilo se ergueu e começou a ganhar alguma forma...

Era como um tornado, foi o melhor que Gin pode presumir. A superfície da abominação brotava braços e pernas, sem um aparente padrão ou uso. Ela continuava a ganhar altura, até que a lama se dividiu em partes menores e entrou nos aquedutos.

Gin testemunhou, espantada, aquele gigante de lama aos poucos desaparecendo, sendo escoado pelos aquedutos. Com isso, o mundo onde estava também começou a mudar.

Quando se levantou, tudo estava escuro e vento voltara a soprar, balançando seus longos cabelos assim como as plantas do jardim envolta do santuário.

Izumi ainda estava lá, caída.

Sem pensar muito com o que havia acabado de transcorrer, Gin correu até a sacerdotisa. A mulher estava de olhos abertos e boca escancarada em um terrível semblante de pavor, porém ela não fazia um movimento sequer.

Até quando a chuva fria começou a cair.

A garota se ajoelhou e passou a mão na face dela. “I-Izumi...” A pele estava fria e rija. “Izumi... -sensei...” Sem receber resposta alguma, ela sacudiu o corpo. “Izumi-sensei!”

[Não gaste suas energias, ela está morta.]

Gin se virou e viu a criatura. “Kyuubey?! O que aconteceu? Eu vi a gema da alma dela explodir e... e então apareceu uma bruxa...”

A água da chuva encharcava a pelagem dele. [Aconteceu exatamente o que você testemunhou.]

“O quê...?” Gin se abraçou, em parte por causa do frio. “Essa...Essa bruxa veio... da gema dela?”

[Exatamente.] Afirmou Kyuubey. [Uma bruxa pode nascer de uma gema da alma que não fora devidamente purificada.]

A garota olhou mais uma vez para a terrível face de Izumi. As imagens da bruxa voltavam a permear sua mente e a angústia cresceu dentro de si. “Por que você não avisou ela?!”

[Mas eu avisei.] O olhar fixo de Kyuubey focou no corpo. [Izumi negligenciou seu papel como garota mágica, isso acarreta em conseqüências.]

“Quer dizer que...” Gin ficou de pé. “... bruxas originam de garotas mágicas que falharam?”

[Eu diria que uma parte sim.]

Ela levou a mão ao rosto, tinha quase certeza que estava chorando, mas chuva levava embora as suas lágrimas.

[Eu posso sentir a bruxa.] Kyuubey disse. [Ela parece que está indo em direção a barragem.]

“A barragem?!” Gin arregalou os olhos.

[Acredito que a bruxa tem interesse por grandes massas de água.] Kyuubey se virou e começou a se afastar. [Talvez seja por isso que ela não notou você. Esse lugar é mais alto, se você se esconder até que tudo isso acabe, provavelmente sobreviverá.]

Gin franziu a testa. “P-Para aonde você está indo?”

[A garota mágica que havia aqui está morta. Não vejo motivos para ficar.]

“M-Mas... E as pessoas?”

Kyuubey continuava a andar. [Seria inútil arriscar sua vida, considerando essa chuva e a idade deles. Eu acredito que você não salvaria nenhum deles a tem-]

“Não!” exclamou Gin. “Eu digo... Nós precisamos parar essa bruxa!”

Kyuubey parou e se virou. [Apenas uma garota mágica tem esse poder.]

Gin ficou em silêncio, abaixando a cabeça.

[Eu esperei.] Kyuubey sacudiu da cabeça até a ponta da cauda, removendo o excesso de água. [Eu achei que seria um ano, talvez dois, mas continuei esperando. No entanto, agora você está velha demais, seu potencial diminuiu muito, talvez logo você nem possa mais se comunicar comigo. Eu suspeitava que Izumi nunca quisesse que você se tornasse uma garota mágica.] A criatura então fez menção que iria partir novamente. [Agora que você testemunhou o fim dela, creio que ela conseguiu tornar isso um fato. Adeus, Gin Nakayama.]

“Espere!” Ela estendeu mão. “Eu... Eu ainda quero me tornar uma garota mágica! Eu me preparei para esse momento!”

Kyuubey ergueu suas orelhas. [Bem... talvez possamos aproveitar essa determinação. Qual seria o seu desejo?]

Gin chegou mais perto da criatura. “Se eu desejasse meus pais de volta, eu... poderia incluir Izumi também?”

[Se você conseguir trazer seus pais, não vejo o porquê de não poder incluir mais uma pessoa.]

“Então...” Gin olhou para a sacerdotisa caída.

... eu odeio essa vida...

Ela deslizou seu polegar sobre o dedo do meio da mão esquerda. Levantou a sua cabeça e fechou os olhos diante da chuva que caía sobre sua face.

[Não falta muito para que a bruxa alcance a barragem. Se quer fazer esse contrato, faça rápido.]

Ela já fora uma boa pessoa. Gin avistou os telhados do vilarejo além do portão do santuário. Esse será o meu destino? Tudo parecia ter ficado mais frio. Ela arcou o seu corpo para frente e rangeu os dentes. “Não... não será...”

[Gin!]

A garota voltou a olhar para a criatura.

Kyuubey notou que era um olhar diferente. [Agora eu posso ver que está pronta para o seu desejo.]

“Sim...” Gin sentia uma força dentro de si, dentro de seu peito.

Kyuubey ergueu sua cabeça levemente, parecia que ele podia sentir também.

Pai, mãe... me desculpe...

Dessa vez, Gin pôde sentir suas lágrimas descerem. Respirou fundo e se concentrou na chuva, no vento... na fúria daquela tempestade.

“Kyuubey, eu desejo...”

Um raio cortou o céu, com sua luz e estralo.

“... que garotas mágicas e bruxas nunca tivessem existido!”

As grandes orelhas de Kyuubey começaram a subir. [Esse desejo... Você tem idéia do que está fazendo? Você apagará a sua própria existência.]

Aquela força parecia que queria sair, trazendo grande dor em seu peito. Mesmo assim, Gin sorriu. “Gin Nakayama... não existe. Ela morreu... anos atrás em um acidente de carro, junto a sua família.” Seu peito estava prestes a explodir, ela se arcou para trás. O céu tempestuoso parecia tão perto ao ponto de ser tocado. “Mas essa menina aprendeu bem. Aprendeu que se há garotas mágicas como Izumi-sensei, então ela precisa por um fim nisso!”

As orelhas de Kyuubey estavam de pé, balançando violentamente com o poder. [Isso é... impossível.]

“ESSE É O MEU DESEJO! AAAAHHHHH!” A dor tomou todo o seu corpo, Gin viu momentaneamente uma luz amarela e... a dor se foi.

Tudo estava escuro. Ela lentamente abriu os olhos, sentindo seu corpo tremendo. Estava deitada no chão molhado, sem lembranças de ter caído. Sua ansiedade cresceu e ela levantou a sua mão esquerda para ver.

Não havia nada ali.

Ela então procurou em seu corpo por uma gema, mas nada encontrou. “Onde?”

A criatura estava mais próxima, acenando com a cabeça. [Era óbvio. Isso é impossível.]

“Kyuubey?!” Gin arregalou os olhos. “Você não concedeu o meu desejo?!”

[Eu não concedo, apenas trago a tona o desejo em você.] Ele circulava envolta da garota caída. [Você não tem consciência do absurdo que quis cometer.]

“Absurdo?” Gin questionou, confusa.

[Você ousou desafiar o desejo de todas as outras garotas mágicas, além da distância e do tempo. Subjugá-las.] Kyuubey então parou, seu olhar penetrando fundo na alma dela. [Apenas um ser de patamar divino teria o direito de um ato tão malevolente.]

Com tais palavras, Gin abaixou o olhar e contraiu a face.

Kyuubey olhou em direção a vila. [A bruxa está longe demais para eu poder senti-la. Ela já deve estar na barragem.]

“Não!” Gin se desesperou.

[Você ainda pode fazer um desejo, mas não tem mais tempo a perder.]

Ela se levantou rapidamente e acabou se deparando novamente com o corpo de Izumi.

O seu desejo não pode ser em vão.

Kyuubey já se posicionava na frente dela. [E então? O que vai ser?]

Eu prometo a você que serei uma boa garota mágica, a melhor. Farei com que você esteja errada sobre o que disse. Gin juntou as mãos ao peito que voltava a queimar. “POR FAVOR! OUÇA-ME! Faça que esse desejo seja real!”

Raios se cruzaram entre si e a trovoada fez o chão tremer em resposta.

“Eu quero ser uma garota mágica que jamais será derrotada!”

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GUARDIÃO

A tempestade não dava sinais que iria enfraquecer. A água escorria vigorosamente na superfície negra do capuz e da capa de Gin. Vários filetes do líquido caíam a partir da ponta do capuz, mas isso não escondia o seu intenso olhar.

A água também escorria pelo bastão da lança de Kyouko, encharcando seus dedos. Sem tirar os olhos da mulher a sua frente, ela levemente virou a cabeça para sua companheira. “Traz as suas espadas.”

“Não! Eu não vou fazer isso!” Sayaka exclamou.

“Droga!” Kyouko respondeu, irritada, “não é hora de bancar a idiota!”

“Sayaka Miki...”

As duas garotas prestaram atenção no que Gin estava prestes a dizer.

“Você acha que com tal ato eu baixaria a minha guarda? Eu estou ciente de seus planos,” ela continuou com a sua voz abafada pelo tecido sobre a sua boca, “farei vocês duas de exemplo para as outras que virão.”

Kyouko franziu as sobrancelhas, “Mas de que merda tu tá falando?”

“Eu fui ingênua em alimentar essa esperança... mas nada muda,” Gin semicerrou seus olhos amarelos, “pois eu não sou como vocês.” Ela então saltou alto, desaparecendo sob a pesada chuva.

“NAKAYAMA-SAN!” Sayaka estendeu a mão para o céu e não havia percebido que sua companheira correu em sua direção. “HÃ?!”

Kyouko a agarrou, colocando-a em seu ombro e deu um longo salto.

Sayaka viu que elas estavam passando sobre um arrozal. “O que está fazendo? Me solta! Me sol-” Um flash de luz a cegou momentaneamente, seguido de um terrível estralo. “Ah!” Um raio havia caído onde elas estavam anteriormente. Logo outros caíram pelo trajeto por onde elas passaram.

Kyouko olhou para trás. “Mas que droga!” Ela saltava novamente assim que pousava.

Contudo, a garota em seus ombros estava certa de que isso não seria o suficiente. “Ah! Eles estão caindo cada vez mais perto!”

A ruiva pousou na frente de uma casa. Sem pensar duas vezes, usou de sua lança para entrar, estourando a porta. As duas acabaram caindo e rolando pelo hall de entrada, terminando em uma sala escura com uma mesa no centro.

Quando Sayaka se levantou, viu que sua companheira já se aproveitava da mesa para criar uma barricada, enquanto apontava a lança em direção a entrada.

Flashes de luz e estrondos se seguiram por mais alguns momentos, até que pudessem novamente ouvir apenas a chuva.

“Ela não deve conseguir ver a gente direito nessa tempestade, só precisamos camuflar nossa magia,” comentou Kyouko enquanto olhava para o teto, “se ela só usa raios, devemos ficar seguras aqui.”

Mas Sayaka tinha outros planos. “Nós precisamos convencer Nakayama-san que ela foi enganada!”

“Acabou, sacou?” respondeu Kyouko, “ACABOU!”

Sayaka segurou a lança da outra garota. “Não estamos aqui para lutar contra garotas mágicas!”

“Aham...” Kyouko puxou a lança para ela. “Fala isso pra ela enquanto ela te frita.”

“Eu sei disso.” Sayaka assentiu. “Mas acho que tem um jeito de parar ela sem machucá-la.”

“Fala aí.”

“Se lembra da noite que ela enfrentou as bruxas?” indagou Sayaka, “de como ela chamava os raios?”

Kyouko abaixou o olhar e a voz. “Ela fazia gestos com os braços.”

“Isso!” Sayaka sorriu. “Se prendermos ela com as suas correntes, nós poderemos resolver essa situação.”

A garota mágica vermelha dividiu o bastão de sua lança, observando a corrente que conectava as duas. “Hmmm... E como pretende fazer isso? Ela não vai ficar parada esperando.”

“Bem... Eu sou mais rápida que você e sabemos que ela precisa mirar seus ataques. Se ela aparecer, eu posso distraí-la enquanto você age.”

Kyouko coçou a cabeça. “Até que isso soa como um plano, mas...”

“Mas o quê?” Sayaka franziu a testa.

“Eu me sentiria mais segura se você estivesse armada,” afirmou a ruiva, olhando para ela.

Sayaka revirou os olhos e suspirou, enquanto invocava uma espada. “Está satisfeita ago-”

Uma grande explosão e parte do teto veio abaixo.

Quando Sayaka se deu conta, ela já estava caída no chão e sentia a chuva em suas costas. Kyouko estava na sua frente, puxando seu braço, abrindo e fechando a boca em uma expressão de desespero.

“... vant... ka! ...”

Ela não conseguia compreender o que outra dizia, havia um assobio contínuo em seus ouvidos que aos poucos se dissipava.

“... mos! Sai da chuva!”

Zonza, ela se levantou apenas para cair sobre o peito de Kyouko. Ela olhou para trás para ter uma noção do que havia acontecido.

Havia agora um grande buraco no teto por onde a água da chuva descia. O buraco se estendia na forma de uma rachadura na parede, onde a mobília próxima estava em chamas.

“Isso foi um raio?!” Kyouko estava abismada. “Ela não tá de brincadeira!”

Sayaka se afastou de sua companheira, enquanto firmava os pés.

“Ei! Tudo bem?”

“Sim...” Ela pegou a espada do chão.

Kyouko então tirou a mesa do caminho. “Nós temos que continuar nos movendo. Vamos!”

As duas saíram da casa. Com toda aquela chuva, ficava difícil saber em que parte do vilarejo elas estavam.

Porém, antes mesmo que pudessem decidir por onde ir, uma sombra desceu do céu, pousando no outro lado da rua.

“Ela nem esperou, hein?” Kyouko apontou a lança.

A silhueta revelou seus braços cobertos de borracha sob o seu manto. Suas mãos estavam juntas e, quando as separou, a partir da abertura criada no manto, um brilho amarelo surgiu em meio à escuridão, na altura da cintura.

“Será que aquilo é a...” Outra luz, agora azul, banhou a face de Kyouko.

Uma aura havia se formado sob Sayaka. “Siga o plano.” Então a garota saiu em disparada.

A súbita aproximação da espadachim surpreendeu Gin, que escondeu seus braços, se fechando sob seu manto novamente.

No entanto, Sayaka mudou sua rota, passando apenas próxima dela.

Os olhos amarelos da mulher se encontraram com os azuis da garota. Gin notou nesse momento que a garota havia olhado para onde estava a sua companheira.

Uma peça de metal com corrente passou entre as duas.

Sayaka parou e observou aquilo circular a outra.

Gin viu que as correntes haviam lhe cercado, então ela fitou a garota mágica vermelha.

“Hora de tu ficar quieta.” Kyouko puxou a corrente conectada a base de sua lança.

As correntes se fecharam em Gin, que não fez um movimento sequer. Elas caíram no chão, envolta de seus pés.

Kyouko ficou parada, ainda tentando processar o que havia acabado de acontecer.

Assim como Sayaka, vendo que Gin não parecia estar surpresa quanto aquilo. A mulher novamente mostrava seus braços, apontando um para ela e outro para o céu.

“Sayaka!”

A chamada de atenção de Kyouko alertou ela do perigo eminente. Ela saltou sem rumo, apenas longe de onde ela estava.

No mesmo momento que sua amiga pousou, um raio cegou a ruiva e o trovão fez seu corpo retrair. Suas pernas formigavam enquanto ela tentava avistar a outra.

Sob a pesada chuva, Sayaka estava caída de bruços, imóvel.

Kyouko ficou boquiaberta.

Gin também viu aquela cena. Sem dizer uma palavra, ela se virou para a garota mágica que ainda estava de pé.

A expressão de terror da garota passou para a raiva. Segurando o bastão com ambas as mãos, ela apontou a lança para a sua oponente. “Maldita!”

O bastão se estendeu e a ponteira da lança foi em direção a Gin, que não se moveu. A lâmina atravessou ela e também atingiu o muro que havia atrás. Pedras voaram, caindo sobre as plantações de arroz.

Mesmo com o tamanho poder do ataque, Gin continuava ali, de pé.

“O quê...” Kyouko arregalou os olhos.

O local onde o bastão atravessava o corpo de Gin estava borrado, emanando uma névoa negra. A mulher deu um passo para o lado sem dificuldade alguma, como se bastão simplesmente não estivesse ali. Com mais nada atravessando aquele ponto, o borrão foi se desfazendo, voltando a ser novamente o tecido liso do manto.

O momento de estupefação de Kyouko fora curto. Ela recobrou seu foco e brandiu sua comprida lança.

O bastão entrou novamente no corpo etéreo de Gin. Seu olhar tinha certa surpresa.

Para a garota veterana, aquilo tinha um significado. “Então é isso. Ou você ataca, ou você defende. Não pode fazer ambos.”

Gin semicerrou seu olhar e deu um grande salto, novamente desaparecendo na chuva.

“Merda...” Kyouko puxou sua lança para que ela retornasse para a forma original e sem esperar deu um salto, sabendo o que viria.

Pousando sobre telhados, muros, plantações... A garota mágica era perseguida através do vilarejo por uma chuva de raios, sem idéia de como poderia lidar com a sua adversária. Em contrapartida, havia algo muito claro em sua mente.

Eu preciso deixar ela longe da Sayaka. Se ela ainda estiver...

A ruiva balançou a cabeça em negação, se recompondo. “Pelo menos essa vadia tem mira ruim.”

Pousando em uma rua, ela sentiu familiaridade quanto ao local. Não era por menos, pois viu que estava próxima do galpão.

Gin apareceu, também pousando no meio da rua.

Kyouko levantou a voz de raiva. “Cansou de destruir a vila? Sua idiota!”

“Comparado com o que vocês podem fazer...” Gin abria a sua capa.

“Não tão rápido!”

Paredes de correntes vermelhas entrelaçadas cercaram a mulher, formando uma gaiola.

“Você vai pagar pelo o que fez com Sayaka!” Kyouko ergueu sua lança, que apontava para baixo.

Gin rapidamente abaixou a cabeça, escondendo-a sob seu capuz, e correu em direção as correntes.

A garota perfurou o solo e ao mesmo tempo emergiram ponteiras de lanças a partir do chão da gaiola, empalando tudo o que estivesse ali dentro.

Não era o caso de Gin, pois ela atravessara as correntes da gaiola como se fosse um espectro.

Para o descrédito de Kyouko. “Isso é ridículo!”

Gin revelou seus braços, apontando um para o céu e outro para a ruiva.

“Ferrou!” Kyouko golpeou o chão com a base de sua lança e duas grandes muralhas de correntes se formaram na sua frente.

Segundos depois, Gin testemunhou os flashes de luz de raios, que dispersaram ao atingir as muralhas. Sua maior surpresa foi que a cegueira momentânea fora o suficiente para que a garota sumisse de vista.

Tanto as muralhas, assim como a gaiola e as lanças, evaporaram. A mulher de capa e capuz conseguiu sentir uma fonte de magia antes de esta desaparecer. Ela vinha a partir do galpão.

Na fachada da construção, uma das janelas estava quebrada.

“Ela se escondeu novamente, mas esse lugar é muito maior. Será que terei que pôr tudo abaixo?” Gin questionava para si mesma, quando então notou um movimento na rua.

O que vinha era longe de ser natural. Uma perna de lama saltitante parou próxima da mulher. A coisa se virou, mostrando o ponto onde aquele membro se conectaria com um corpo, agora apenas um espaço oco e escuro.

Gin só teve tempo de arregalar os olhos.

A perna inchou e do buraco disparou um bolha de água.

Do qual atingiu Gin em cheio. “Agh!” Com a força do impacto, ela voou longe e só parou quando deu contra a parede de uma casa. Ela caiu no chão, com o seu manto completamente borrado por alguns instantes.

Sentindo o gosto de sangue, ela se levantou mais alerta, procurando por qualquer coisa a espreita na escuridão chuvosa.

Agraciada com a luz de um raio, ela viu um braço de lama rastejante. Assim como a perna, o membro já apontava o seu buraco em direção a ela.

Gin saltou para o lado, escapando de um poderoso jato de água que fora capaz de cortar a parede. Ela caiu em uma das esquinas do vilarejo, enquanto testemunhava parte da casa desabar.

Já de pé, ela revelou suas mãos com luvas de borrachas e as juntou, aguardando pelo o que viesse.

Torrentes de lama vinham de todas as direções em grande velocidade.

Gin saltou em direção ao céu, olhando para mar de lama que se formava logo abaixo.

Mas o mar se tornou um morro e então uma torre. Subindo e subindo, aquilo abriu sua gigantesca boca para a sua presa. Não havia dentes, era algo muito mais aterrorizante. Uma infinidade de mãos e pernas estavam em suas paredes de lama, tentando desesperadamente alcançar qualquer coisa. No fundo daquele abominável poço havia uma piscina de lama pulsante, onde qualquer coisa que caísse ali estava fadada a estar perdida para sempre.

Quando Gin sentiu que a gravidade clamava por ela, a mulher jogou uma mão para o céu e a outra direta para a monstruosidade e uma forte luz amarela saía por onde o manto permitia.

As nuvens negras brilharam, vindo do horizonte até o ponto onde ela estava. Então raios caíram, adentrando naquele túnel infernal, atingindo o núcleo da criatura.

O titã de lama agonizou, mas não sucumbia e Gin começou a cair. Ela estava ciente que seu tempo esgotava.

Sua luz irradiou com ainda mais força.

A freqüência de raios aumentou, tanto que passaram a ser correntes contínuas. Elas se uniram, se tornando um obelisco de luz e aniquilação.

Gin já se adentrava na boca quando o monstro explodiu, espalhando suas entranhas de lama ao longo do vilarejo.

Ela pousou em segurança sobre o chão lamacento e suas vestes sujas aos poucos eram lavadas pela chuva. Enquanto respirava fundo para recuperar a calma, ela abriu seu manto.

Sobre o seu traje preto colante, logo abaixo de seus seios, se encontrava sua gema na forma de um triângulo invertido. Os tons amarelos do objeto haviam perdido seu brilho, uma mancha escura cobria a parte superior.

Como se por instinto, Gin localizou a semente da aflição em pé em meio a lama. Não era uma, mas várias agrupadas. Ela andou em direção a elas.

“Nakayama-san!”

Mas parou no caminho quando ouviu uma garota.

Sayaka estava a certa distância da mulher, clamando, “Pare, por favor! Não vê que o vilarejo corre perigo se continuarmos assim? Nenhuma de nós quer isso!”

Gin não se movia, apenas examinava as sementes, todas com a mesma aparência, todas com motivo em anel.

Sem receber uma resposta, Sayaka continuou. “Eu... Eu entendo!”

Gin cerrou tanto seus olhos quanto seus punhos de borracha.

“Todos esses anos sozinha, ainda tendo que lutar contra essa bruxa.” A garota mágica azul levou a mão ao peito e baixou a cabeça. “É natural que você considere Kyuubey seu amigo, o único com quem você podia compartilhar sobre essa vida. Existe uma pessoa que eu respeito muito que tamb-”

“KYUUBEY NÃO É MEU AMIGO!”

Ela ergueu a cabeça com o grito da mulher.

“Eu sei disso!” Gin juntou as mãos e levantou elas em direção as nuvens, antes de separá-las. “Ao menos, ele não é meu inimigo...”

Sayaka protegeu os olhos do raio que caiu sobre a outra. Quando voltou a enxergar, Gin não estava mais ali. “O que é isso?”

A resposta veio na forma de outro raio que caiu na sua frente. A forte descarga que percorreu seu corpo não permitiu que ela gritasse e jamais ouviria se pudesse, devido ao terrível estrondo que estourou seus tímpanos.

Sayaka caiu em convulsão sobre a lama, onde então um círculo negro se formou em sua volta. Ele lentamente subiu, atravessando o corpo dela. Quando terminou, a convulsão parou e ela permaneceu imóvel sobre a chuva.

De repente, como se fosse um segundo choque, ela escancarou seus olhos e boca, inflando o peito. A visão e audição de Sayaka retornavam, assim como sensação de cada um de seus músculos. O alívio, no entanto, fora curto, pois se deu conta que Gin estava próxima.

“Então é assim que sobreviveu,” disse a sombra, “vejo que não há outra forma.”

Talvez fosse desespero, talvez fosse desgosto. Sayaka pegou um punhado de lama e lançou contra aqueles olhos amarelos.

“Ah!” Gin recuou enquanto limpava o seu rosto.

Apesar de ter sido rápida, ela viu que a garota já estava fugindo.

A tempestade continuava.

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A chuva parecia mais pesada com som que era ouvido dentro da sala escura. Kyouko, escondida atrás de caixas e com a lança em mãos, observava a água escorrer pelo vidro das janelas.

“Esses últimos trovões pareceram que vieram de mais longe,” ela comentou para si mesma em voz baixa, “será que é a Sayaka?”

Com essa esperança em mente, mas ainda com muita cautela, a garota mágica lentamente saiu de seu esconderijo. Ela levou a mão até gema em seu peito, que começou a emitir um brilho vermelho. “Ok... Vamos ver se tem um jeito de sair daqui sem chamar muita atenção.”

A luz banhou o ambiente, revelando pilhas de carteiras escolares encostadas nas paredes, além da porta que ela havia utilizado para entrar.

Esse lugar deve ter uma saída pelos fundos. Ainda que estivesse pensativa, algo chamou atenção de Kyouko quando pôs a mão na maçaneta. “Hã? O que é isso?”

Ela removeu uma das finas agulhas que estavam em seu braço, que brilhavam diante da luz vermelha. Em sua cabeça havia um longo fio prateado igualmente fino e que estava cortado.

A garota semicerrou o olhar. “Hmmm... Então esse é o seu truque...” Depois de tirar as outras agulhas, ela adentrou-se no corredor principal.

O lugar não era muito grande, mas havia no caminho caixas, sacos e detritos que eram obstáculos naquele momento. Kyouko chegou a um espaço maior, que já deve ter sido um refeitório, onde havia uma porta. “Deve ser essa.”

Com maestria, ela usou sua lança como pé de cabra e a arrombou sem alarde. Após isso, ela abriu apenas um pouco a porta para ver o que havia e sentiu o vento soprar em sua face.

Como esperava, não havia nada além do furioso céu e a parede sombria que as árvores da floresta formavam logo adiante. Sentindo novamente o frio das gotas de chuva, Kyouko caminhou rente a parede até um dos cantos para observar o vilarejo.

De repente, além do farfalhar das folhagens, ela ouviu o som constante de galhos se partindo. A garota apontou sua lança para a floresta, ciente dos horrores que se encontravam ali.

Mas não era o caso.

Kyouko deixou seu queixo cair, assim como sua lança.

Com sua pelagem encharcada, o cavalo surgiu das sombras, segurando em sua boca as alças de todas as bolsas. O animal as deixou no chão e chacoalhou seu corpo.

A ruiva não pôde deixar de dar um sorriso de lado. “Garota... Você tá me assustando agora.”

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Sayaka corria pelo vilarejo, trocando de rua sempre que possível e evitando os lugares com postes de iluminação. Tudo isso usando o mínimo de magia possível na esperança de despistá-la.

No entanto, um vulto que de vez em quando aparecia nos telhados das casas comprovava que ela não conseguiria fazer isso contra alguém que morava nesse lugar há anos.

Após entrar em mais uma rua, Sayaka percebeu que não tinha saída, com um muro de pedra delimitando uma plantação em seu final. Contudo, ela não parou, vendo ali a oportunidade para tentar outra coisa.

Pequenas plataformas circulares azuis surgiram, formando uma escada.

A garota mágica subiu por ela para passar o muro e novas plataformas surgiam à frente. Correndo em pleno ar, ela apertou o passo, fazendo a sua capa esvoaçar. Enquanto atravessava a plantação, ela olhou para trás para encontrar a sua perseguidora.

Um flash e um estalo fizeram seu coração pular, chamando imediatamente a sua atenção para o que estava adiante.

No telhado de uma casa, entre a plantação e a rua principal com os seus postes de luz, estava Gin. Seu manto e capuz pareciam ser uma fumaça negra que soltavam faíscas, como se a mulher fosse uma nuvem tempestuosa. A fumaça logo se solidificou, retornando a sua aparência impermeável.

Sayaka puxou sua capa, se escondendo momentaneamente sob ela. Ao liberá-la, já estava com duas espadas em mãos, lançando uma logo em seguida.

A lâmina foi em direção as pernas de Gin, mas simplesmente atravessou ela como se ela fosse apenas ar.

Apesar disso, Sayaka ganhou tempo suficiente para passar por ela.

Gin se virou, abrindo seu manto.

A espadachim também se virou, dando um último impulso para poder pousar na casa que estava no outro lado da rua. Nesse meio tempo, ela lançou sua outra espada, mas dessa fez a fez rodopiar.

A mulher se fechou em seu manto, esperando a lâmina que voava em um arco. Ela viu a espada atravessar horizontalmente seu peito, sem feri-la, e seguir caminho.

Sayaka então fez um gesto.

Gin já abria seu manto quando notou que a lâmina voadora fez uma curva abrupta e estava retornando. Ela conseguiu se proteger a tempo, vendo a espada novamente a atravessá-la.

A espada fez uma nova curva.

A garota viu a mulher encará-la intensamente, enquanto a lâmina atacava sem tréguas.

Então, quando mais uma vez a espada veio em sua direção, Gin deu um passo para trás. Quando passou na sua frente, ela rapidamente abriu seu manto e deu tapa no cabo da arma, forte o bastante para fazê-la perder a direção e se chocar contra o solo.

Tomando vantagem daquele momento de distração, Sayaka desceu do telhado até a área atrás da casa. Ela grudou as costas contra a parede e suspirou.

“O manto... Definitivamente é o manto, eu pude sentir ela usando magia.”

Ela invocou outra espada.

“Então a minha chance são os olhos dela...” A garota de cabelos azuis balançou a cabeça. “Não! O que você está pensando Sayaka?”

Alguém havia pousado no telhado da casa.

Sayaka se preparava para fugir de novo, ainda falando consigo mesma, “Eu preciso encontrar a Kyouko. Se conseguirmos fazer ela usar toda a sua magia, ela terá que se render... Onde estavam aquelas sementes que eu vira antes?” De repente, uma forte neblina se formou. “Hã?”

Gin, que estava sobre a casa, tinha mesmo ar de surpresa. “O que é isso?” Ela ouviu o relinchar de um cavalo, que chamou a sua atenção para a rua principal. Na espessa neblina, além das luzes que vinham dos postes, ela enxergou uma luz maior e tremulante.

Era uma chama que se movia. Quando ela ficou mais próxima, a sua portadora se revelou. Era um cavaleiro gigante de manto vermelho, portando uma lança igualmente massiva, sobre um cavalo de cinzas. Uma vela era seu corpo, com a chama como sua cabeça.

“Outra bruxa?!” Gin deu um passo para trás. “Será que...”

“Kyouko...?” Sayaka ficou apreensiva, incerta do que fazer diante daquela situação.

O cavaleiro empinou o cavalo e então galopou ao longo da rua principal.

“Ela está indo em direção ao santuário!” Gin deu um grande salto. No ar, ela juntou as mãos e sua gema brilhou. Quando as separou, suas luvas continham agulhas acopladas a orifícios entre os seus dedos, elas estavam conectadas as agulhas correspondentes na outra mão através de finos fios de prata.

Ao chegar ao ápice, ela ergueu uma das mãos e sua luva disparou as agulhas em direção as nuvens. A outra ela apontou contra a bruxa e fez o mesmo.

Luzes no céu ainda podiam ser vistos através da neblina e poderosas corrente elétricas percorram os fios. Gin começou a cair, satisfeita que a chama havia desaparecido entre um flash e outro.

Inúmeras lanças surgiram na neblina, voando velozmente em direção a ela.

A mulher só teve tempo de prender a respiração enquanto algumas delas atingiram a parte interna de seu manto, rasgando-a. A neblina logo se dissipou e ela descobriu quem era a responsável.

Kyouko estava na rua principal sobre o cavalo, galopando velozmente. Com fogo em seus olhos, ela ficou de pé sobre o lombo do animal e saltou. Sua lança se desmontou em vários segmentos conectados por correntes.

Em plena queda, Gin estava sem opções. Ela juntou suas mãos e depois apontou uma para a ruiva e a outra para o céu. Contudo, suas pífias esperanças se desfizeram por completo quando a lâmina da lança serpenteou pelo ar, passando justamente aonde estava os fios e os cortando.

“N... Não...” A mulher se segurou ao que havia sobrado de seu manto negro, mas não era o bastante para impedir que os segmentos da lança amarrassem seu corpo.

Ainda no ar, Kyouko puxou e rodopiou. “IIIIEEEAAAHHHH!” E, com toda a força, a lançou.

As correntes afrouxaram e Gin voou, tentando desesperadamente em se agarrar a alguma coisa.

Era tarde demais.

Ela caiu com as costas no topo de um muro de pedra. Seu corpo se arcou e estralou. “Agh-” O impacto foi tão forte que parte do muro cedeu e pedras rolaram pela rua assim como ela.

Estirada no chão, as gotas de chuva que irritavam seus olhos deixavam claro que ela estava consciente. Então uma sensação de afogamento lhe acometeu e Gin tossiu, acompanhada de muita dor. Ela removeu o pano que cobria a boca e viu tons rubros nas pontas negras de seus dedos de borracha.

Ela aprendeu bem. Com sua magia, ela reduziu as sensações de seu corpo, porém havia algo errado, pois ela não precisou fazer isso para as suas pernas.

Ela não podia movê-las.

Gin se assustou a ver seu corpo retorcido. Sua veste colante estava rasgada juntamente com o seu abdômen, onde uma mancha vermelha ganhava diâmetro sobre a lama. “Não... Como...”

Havia algo pior. Sua gema havia sumido. Ela olhou para pedras que estavam espalhadas a sua volta.

Um pouco mais distante, mergulhada na lama, existia uma fraca luz amarelada.

Ignorando as novas pontadas de dores, Gin usou de seus braços para se arrastar pela lama. “Eu não estava pronta... Eu não estava pronta... Eu não estava pronta...” Finalmente, ela tateou a gema triangular, tão escura que quase se confundia com as outras rochas. Ela não chegou a segurá-la, contudo, pois havia um par de botas azuis logo a frente.

A água escorria pelo semblante assustado de Sayaka diante da situação deplorável que Gin se encontrava.

Logo Kyouko apareceu, pousando na rua, com uma expressão mais impassiva.

Sayaka olhou para ela, com uma bronca, “Por que você fez isso?!”

A ruiva virou a face. “Ela tá viva, não tá?”

“Eu... não estava... pronta...” Gin pegou uma pedra que estava próxima e a ergueu para a sua gema.

Notando aquilo, Sayaka esclamou, “Nakayama-san! Não faça isso!”

“Vocês venceram...” A mão de Gin que segurava a pedra estremeceu. “Esse é o fim.”

“Não... Não é...” Sayaka balançou a cabeça, sorrindo levemente. “Olha! Eu me lembro daquelas sementes, nós podemos achá-las e purificar você. Então conversaremos.”

“Ah... Me dando falsas esperanças?” Gin sorriu. “Entendo... Vocês querem que o tempo passe e eu me torne uma bruxa. Mais uma semente para vocês...”

“Está completamente enganada. Nós-” Sayaka arregalou os olhos quando o sangue espirrou em sua face.

A mão de Gin com a pedra fora decepada pela lança de Kyouko, que havia se estendido.

Colocando as mãos na cabeça, Sayaka gritou, “O QUE ESTÁ FAZENDO?!”

“Salvando a vida dela, imbecil!” Kyouko respondeu, “Olhe para a gema dela. Ela não vai dar ouvidos a ninguém!”

“Você não ter certeza disso!” Sayaka retrucou.

Enquanto as duas discutiam, Gin observava seu braço amputado que jorrava sangue. “Salvando... a minha vida? Seria... verdade?”

As garotas pararam ao ouvirem a mulher.

“Mas é tarde... muito tarde...” Gin olhou para a sua gema que estava ainda mais escura. “Eu falhei com todos... até comigo mesma.”

“Nakayama-san...”

Ela ergueu a cabeça, com lágrimas nos olhos. “Miki-san, você sempre me chamou assim, com respeito. Talvez eu não esteja somente cega, mas surda também. Talvez insensível a tudo. Vamos acreditar nisso.” Ela contraiu a face, segurando o choro. “Se vocês realmente têm um pingo de compaixão, então peço que façam o que eu não posso. Traga paz a esse lugar e deixe-os viver. Façam isso por ela.” Então ela jogou a cabeça contra a gema, mergulhando na lama. Ela ergueu novamente, com pedra triangular em sua testa perfurada.

Sayaka estendeu a mão. “NÃO!”

“AAAAHHH!” Gin lançou novamente sua cabeça contra o chão e algo trincou. Ela novamente levantou, agora com apenas alguns estilhaços da gema colados em sua ferida.

Sayaka ficou em silêncio, assim como Kyouko já estava. Até mesmo a tempestade parecia ter se silenciado.

Não para Gin, que observava sua gema quebrada mergulhada na lama. Ela usou a mão que lhe restava para tocar nos pedaços. Cada um deles foi ficando completamente escuro. Diante daquilo, o desespero tomou conta e ela começou a espalhar freneticamente os fragmentos. “Ah... Aaah... AH!”

“O que é isso...” Kyouko se manifestou, ainda estupefata.

Gin olhou para uma Sayaka sem palavras, buscando uma resposta. “O-O quê... isso... não pode... Como... Como?”

[Então acabou.]

As três olharam para a criatura que se delineava na chuva.

“K-Kyuubey?” Gin passou a mão em sua testa ensangüentada. “A gema... Eu fui enganada?”

[Infelizmente nós dois sabemos que isso não é verdade.] Kyuubey se aproximou. [Você já deve estar sentido, não é? Não importa a desculpa, não importa a teoria que você invente, todas elas irão ruir e você só encontrará uma resposta em meios aos destroços.]

Os olhos de Gin cresceram e seus dentes rangeram. “Sob as águas...” Sua cabeça, tronco e braços ficaram rijos. “Não... Não pode ser! AaaaaAAAAAHHHH!”

O grito da mulher era tão desesperador, que conseguiu mexer com Kyouko. “Credo!”

[Eu fiz de tudo ao meu alcance para impedir que isso acontecesse.] Kyuubey fechou os olhos. [Mas não pude prever a natureza dessas criaturas invasoras.]

“Todos... Todos... Eles estão... uuuuu...” Gin estendeu a mão para a criatura. “O desejo dela! O desejo dela! IZU-”

Um raio caiu onde elas estavam.

“AAAH!” Sayaka pulou de susto, mas dessa vez não sentiu descarga elétrica alguma. Quando se recuperou do flash e do som alto, presenciou algo horrível.

Uma corrente elétrica contínua descia dos céus até o corpo de Gin. Ela se debatia sem controle, seus olhos esbugalhados.

Kyuubey baixou suas orelhas e a cauda. [Eu falhei em protegê-la.]

A corrente parou de súbito, deixando o corpo já sem vida da mulher na lama. Uma coluna de fumaça subia e suas feridas estavam cauterizadas.

Apesar da chuva, Sayaka sentiu o cheiro forte da carne queimada.

Kyouko também. Ela tampou o nariz, enquanto via a criatura se aproximar mais do corpo.

[É triste.] Kyuubey usou suas orelhas grandes para remover o capuz da mulher e acariciar seus longos cabelos negros. [Viver todo esse tempo contigo sabendo que esse seria único momento que eu poderia demonstrar meus sentimentos.]

A ruiva franziu as sobrancelhas. “Quem...” Mas antes que completasse a sentença, movimentos chamaram sua atenção.

O vilarejo inteiro estava ficando borrado.

[E o milagre morre com ela.] Kyuubey recostou sua face sobre a de Gin. “Desculpe, minha mestra.”

“Hã?” Sayaka viu o corpo de Kyuubey se descascar em inúmeras faíscas. Embaixo de sua agora inexistente pele, não havia carne, mas uma gama de pequenas pirâmides prateadas. Elas estavam de um jeito que lembrava a forma felina.

“S-Sem chance!” Kyouko olhou para aquela coisa e para mundo que desaparecia.

As pirâmides começaram a se mover e flutuar. Sua voz soava como se viesse de um rádio, com um ruído de fundo. “Kyouko Sakura, Sayaka Miki... Eu devo me desculpar, mas eu precisava protegê-la. Sua crença e ambição. Esse é o meu dever.”

As peças prateadas se rearranjaram, formando uma pirâmide invertida de maior tamanho.

“Eu poder ver minha mestra dormindo em paz agora... O seu pesadelo chegou ao fim...” A pirâmide começou a emitir um brilho muito forte. “Obrigado...”

Kyouko se viu obrigada a proteger os olhos. De repente, a chuva parou, mas em contrapartida se sentiu ainda mais molhada. Quando pôde enxergar novamente, a água batia na altura de sua cintura. “O quê?!”

A pirâmide, Gin, a rua e as casas... Tudo deu lugar para escuridão e mata fechada.

A única coisa que a garota mágica vermelha reconheceu foi sua amiga, que estava caminhando com dificuldade em direção a uma luz amarelada e difusa que havia sob a água parada. “Sayaka! O-Onde nós estamos? O que esse bastardo fez?”

“Não Kyouko.” A garota colocou a mão dentro da água, até removê-la segurando um objeto. Então sua gema brilhou. “O que nós fizemos...”

A luz azulada revelou uma semente da aflição. No equador de seu globo negro havia vários triângulos justapostos.

/人 ‿‿ 人\

O amanhecer anunciava com os seus raios de sol despontando através das nuvens. Pássaros alegremente cantavam para essa cena.

Bem diferente de Kyouko. Sentada sobre uma escada de pedra tomada pela vegetação, ela pôde ver melhor o pântano abaixo.

A égua ao seu lado fez um grunhido.

“É... Eu sei que vai ser uma merda de atravessar.” Ela olhou para o seu outro lado, onde estavam as bolsas abertas e notas de dinheiro esticadas para que pudessem secar melhor. Ao ouvir passos, ela se virou.

Sayaka descia as escadas. “Não há ninguém lá encima, apenas algumas colunas de madeira podre e... ainda há flores crescendo.”

Kyouko assentiu e voltou a olhar para o horizonte. “Quantas?”

“Oi?”

“Quantas vidas, vilas, cidades, nações... pereceram por causa desse canalha.” Ela suspirou.

“Pelo estado do lugar, o que aconteceu por aqui foi há muito tempo atrás,” Sayaka comentou. “Nariko e os outros... Só podemos acreditar que alguém sobreviveu.”

“E eu não pude ver através das ilusões, se elas foram uma. Que tipo poder pôde conceber isso?” Kyouko se levantou e começou a colocar as coisas dentro das bolsas. “Certo. Vamos sair desse inferno antes que a gente desapareça também.”

As garotas montaram no cavalo e entraram no pântano. Kyouko com sua lança abria caminho pela vegetação. De vez em quando, avistavam algumas ruínas parcialmente submersas.

Elas alcançaram um corredor onde havia poucas árvores e o solo era mais firme. Seguindo por esse caminho, elas deixaram as águas lamacentas para trás e logo encontraram o rio.

Na verdade, havia voltado a ser um modesto córrego, mas não havia ponte. Kyouko aproveitou a oportunidade e fez o animal circular na água para lavar suas pernas.

Foi então que Sayaka decidiu quebrar aquele silêncio lúgubre. “Mas você deve estar feliz, não é?”

“Com o quê?” indagou a ruiva.

“Com o cavalo,” respondeu a outra, “por ela estar bem.”

Kyouko passou a mão na pelagem do animal, demorando um pouco para dizer. “É... um tanto...”

Sayaka sorriu. “Nós deveríamos dar um nome para ela.”

“Um nome?” Kyouko franziu a testa. “Ela precisa de um?”

“Claro! Ela tem nos acompanhado, não é justo que continue sem um.” A garota de cabelos azuis insistiu. “Se não quer dar, eu faço. Vamos chamá-la de Pêssego.”

“NÃO!”

Sayaka recuou com a reação da outra. “P-Por quê?! É um bom nome. Combina com a-”

“Vamos...” Kyouko a interrompeu. “Vamos chamá-la de Homura! Isso! Homura! É...”

“Homura?!” Agora quem estava irritada era a Sayaka. “Por que chamá-la assim?”

“Por que ela tem o costume de aparecer do nada e a gente não sabe se é pra ajudar ou incomodar. Heh.” Kyouko chegou mais próxima do ouvido do animal. “É isso! Seu nome será Homura de agora em diante, sacou?”

O cavalo chacoalhou sua cabeça, não que isso significasse alguma coisa.

“Ok...” Sayaka revirou os olhos “Vamos ficar com esse nome até achar um melhor.”

“Nada disso! Vai ser esse! Não foi você que veio com essa idéia de nome?”

“Não idéia! É algo natural. Você é que está louca. Se a Akemi descobre...”

“Ela vai me agradecer pela homenagem.”

“Isso não é homenagem!”

“É sim.”

“Não é!”

“É sim!”

Elas atravessaram o rio e seguiram viagem, com o Sol em suas costas e o céu limpo a frente.


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