Unknown escrita por DreamingAboutLife


Capítulo 2
Capítulo 1 - Aeriell




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Acordou com a delicada luz dourada do sol da manhã que entrava pela enorme janela da divisão. Os seus olhos não tiveram dificuldade em adaptar-se à luz quente que banhava o local quando os abriu. Sentia-se descansado, como há semanas não se sentia. Quando fora a última vez que dormira mais do que apenas uma hora seguida, antes de ouvir um qualquer som que colocava a sua menta em alerta e o seu ser esmagado por medo?

Sentia-se confortavelmente quente. Sentou-se no sofá e deixou que a manta que o cobria escorrega-se pelo seu corpo. Olhou atentamente à sua volta. Tudo estava exatamente como na noite anterior, incluindo o quadro que encontrara pendurado numa parede e cuja fotografia antiga chamara a sua atenção. Tinha olhado para ela durante horas, sentado naquele mesmo sofá, antes de a exaustão finalmente reclamar o seu corpo, dando-lhe apenas tempo para pousar o quadro na baixa mesa à sua frente e para se colocar mais confortável antes de ser envolvido pela bem-vinda escuridão do sono. Tudo, menos a manta que o cobria.

O nevoeiro entorpecedor do pós acordar foi abandonando a sua mente, tornando-o mais alerta. Podia ouvir sons vindos da parte de trás da casa, a casa que supusera inabitada na noite anterior, enquanto um cheiro doce enchia o ar. A sua mão metálica tateou o tecido suave do sofá, desaparecendo por baixo da almofada. Os seus dedos fecharam-se em volta da arma que ali escondera. Puxando-a lentamente para si, premiu o pin de segurança e levantou-se silenciosamente do sofá. Saiu da sala em direção ao hall de entrada. À sua esquerda uma porta dupla de madeira branca e vidros translúcidos dava para a cozinha. Uma das portadas estava aberta. Elevando a glock à altura do seu rosto, dirigiu-se à divisão.

Na parede oposta à entrada, as massivas portadas duplas brancas estavam abertas, deixando entrar a suave brisa de início de Verão e dando uma visão clara e privilegiada para a floresta que crescia nas traseiras da casa. A divisão era forrada a tijoleira e azulejos brancos, as bancadas e armários de madeira branca e pedra mármore clara. A pequena mesa redonda que se situava em frente às portadas tinha flores frescas, bem como um jarro de sumo de laranja e dois pratos com ovos mexidos.

À sua esquerda, junto ao fogão, fazendo o que ele assumiu serem panquecas, estava uma jovem mulher. Os seus cabelos de um claro castanho batiam-lhe pelos ombros, mexendo-se levemente ao sabor de brisa que entrava e dos seus movimentos delicados. Vestia umas calças de ganga preta e uma blusa azul clara. Deveria ter-se sentido observada, pois virou-se repentinamente na sua direção, olhos azuis-claros arregalados com surpresa. Aqueles olhos

Olharam-se durante alguns segundos, arma treinada na mulher que engoliu em seco, mas os seus olhos nunca se desviaram para o perigoso objeto, optando antes por estudar atentamente a sua neutra expressão facial.

— Quem és tu? – perguntou numa voz baixa, rouca e fria.

Os olhos da mulher pareceram suavizar perante a pergunta, ou contrário do que esperara.

— A dona da casa que invadiste e do sofá em que dormiste. – respondeu-lhe com uma voz suave. – Não vais precisar disso. – disse-lhe, olhando pela primeira vez diretamente para a arma. Depois virou-se de novo para o fogão, deixando escapar um suspiro frustrado quando percebeu que a panqueca que tinha na frigideira começara a queimar. – Calculei que fosses ter fome quando acordasses. – continuou. – Para ser sincera tens aspeto de quem não tem uma refeição decente há mais de uma semana.

Viu-a descartar a panqueca que começara a queimar e despejar o resto do conteúdo de um recipiente de plástico azul que tinha ao lado na frigideira.

Apesar das palavras doces e da atitude casual ele permaneceu no mesmo sítio, olhos semicerrados treinados na mulher e arma erguida e pronta a disparar. Desconfiança e receio preenchiam-no, tornando a sua postura tensa e reta. Não havia reais indicações de que podia confiar nela. E se tudo na passa-se de uma armadilha?

— Porque não te sentas? – ouvia dizer, sem lhe dirigir o olhar. O modo como se mexia dizia-lhe que se sentia desconfortável. Ótimo, pensou. – Podes manter a glock contigo se isso te faz sentir mais confortável. As panquecas estarão prontas em menos de dois minutos.

Contemplou a oferta durante algum tempo. Acabou por começar a recuar em direção à mesa, arma ainda erguida. Ela continuou com as costas viradas para si, atenção voltada para a frigideira, mas ele podia perceber que ela trocava a perna que suportava o peso do seu corpo de poucos em poucos segundos de maneira nervosa. Sentou-se na cadeira de madeira branca, colocando a arma em cima da mesa redonda mas mantendo a mão sobre ela, pronto a responder a qualquer movimento ofensivo.

O delicioso aroma dos ovos mexidos entrou pelas suas narinas sem pedir licença, fazendo saliva acumular-se na sua boca e o seu estômago roncar. Quando fora a última vez que comera uma refeição quente? Semanas? Meses? Décadas talvez.

Uma risada baixa flutuou no ar. O som vindo diretamente de trás de si. A sua mão fechou-se sobre a arma, o seu corpo tenso para relaxar apenas ligeiramente quando um prato com panquecas e pedaços de morangos foi colocado à sua frente.

— Aqui está. – a voz da mulher entoou. Sentou-se na cadeira à sua frente colocando na mesa um prato com panquecas para si também, apesar de num número razoavelmente reduzido quando comparado com a montanha que estava no seu prato. – Já não faço panquecas há algum tempo, espero não ter perdido o jeito. – Ofereceu-lhe um sorriso que pareceu iluminar toda a sua face. –Vai em frente. Come. O teu estômago parece estar a pedir.

Pegou hesitantemente no garfo, remexendo os ovos mexidos no prato. Continuou a observá-la atentamente. Seria seguro comer? A expressão na face da mulher mostrou-lhe que ela entendera o motivo da sua hesitação. Viu-a pegar no jarro com sumo que estava no centro da mesa e encher os dois copos. Bebeu um golo do sumo antes de também ela pegar no seu garfo e afundá-lo no seu prato de panquecas. Levou um pedaço à boca e mastigou-o devagar, oferecendo-lhe depois um sorriso.

— Sem veneno.

E com isto ele colocou a desconfiança de lado e deixou a fome que o acometia ganhar. Obrigou-se a comer lentamente, por mais que quisesse inalar a comida que sabia tão bem quanto cheirava. O seu estômago pareceu apreciar igualmente a primeira refeição decente que recebia fazia muito tempo. Demasiado tempo.

Comeram ambos em silêncio. Apenas o som de talhares a baterem em pratos, copos a serem elevados e baixados e o ocasional som de pássaros a cantar que entrava na divisão juntamente com a brisa de final de Verão. Quando terminou os ovos puxou para si com avidez o prato das panquecas. O sabor doce explodiu agradavelmente na sua boca quando comeu o primeiro pedaço. Não se lembrava se comera panquecas antes, mas tinha a certeza que, se tal acontecera, deveria ter de certeza gostado. Ainda estavam mornas, o que reconfortou ainda mais o seu estômago. Metade do conteúdo do seu prato já havia desaparecido quando ouviu a mulher praguejar sob a sua respiração e levantar-se subitamente da cadeira em que se sentava. O movimento brusco colocou todos os seus sentidos em alerta. Endireitou-se rapidamente, as costas hirtas e rígidas enquanto a sua mão se fechava em volta da arma, pronto a elevá-la e disparar se necessário. Mas a mulher apenas pegou apressadamente na louça que tinha usado e colocou-a quase que desleixadamente no balcão da cozinha, olhando repetidamente para o relógio branco que lhe decorava o pulso esquerdo. Viu-a desaparecer pela porta da cozinha e retornar um minuto depois, de casaco clássico preto e mala também preta na mão enquanto tentava calçar um sapato de tacão alto no pé direito – o esquerdo já devidamente acomodado na peça de calçado.

Olhou-a de forma confusa, tentando fazer sentido das suas ações repentinas. A respiração da mulher estava acelerada e os seus olhos moviam-se freneticamente pela cozinha. Viu um grande sorriso de alivio – supos – aparecer-lhe na face quando o seu olhar caiu no balcão central. Quando conseguiu finalmente calçar o sapato dirigiu-se ao balcão e pegou nas chaves que ali estavam, colocando-as na mala e vestindo depois apressadamente o casaco. Estava com pressa para sair, finalmente percebeu. Isso significava que também ele tinha de ir? Um peso instalou-se no seu estômago perante o pensamento. A sua mente voltou-se rapidamente para a fotografia que encontrara. Não podia ir, não sem obter algumas respostas antes. A voz feminina cortou-lhe a linha de pensamento.

— Desculpa, mas estou atrasada e não é muito bom atrasarmo-nos para o nosso primeiro dia de trabalho. – ela disse com um sorriso apologético – Não posso vir à hora de almoço portanto deixei-te um prato já feito no micro-ondas e o tempo programado, é só carregar no botão. – um suspiro saiu-lhe pelos lábios quando, após alguma batalha, abotoou-o o único botão do casaco. – Há comida no frigorifico se sentires fome ao longo do dia. Estarei de volta por volta das dezoito. Sente-te em casa. Podes ficar o tempo que precisares. – Remexeu algumas vezes na mala e acabou por tirar o que ele reconheceu com as chaves de um automóvel. – Andar de cima, terceira porta à esquerda. Deixei algumas roupas em cima da cama que penso que te servirão. O quarto tem uma casa de banho, sente-te livre para tomar um banho e descansar um pouco.

E após o discurso mais longo e rápido que, ele tivesse recordação, tinha ouvido em toda a sua vida, viu-a sair rapidamente para a entrada. Os seus tacões clicaram na madeira rapidamente e a porta da entrada abriu. Ouve uma pausa de segundos, até ouvir os tacões clicarem na madeira ainda mais rapidamente que anteriormente. A cabeça de cabelos claros espreitou pela moldura branca.

— Que falta de educação a minha. Chamo-me Aeriell. Prazer.

E com isso foi-se de novo. A porta fechou. Ouviu a ignição de um carro e o veículo a afastar-se. Estava de novo sozinho.


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