Pan, venha me buscar escrita por Maga Clari


Capítulo 1
Apenas uma carta




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Querido Peter Pan,

O tempo aqui em Londres está como sempre foi. Nublado, frio e sem graça. Um pouco solitário também, ouso dizer. As pessoas ficam dentro de casa, aquecendo-se em seus cobertores, e tomando chocolate quente.

Eu, entretanto, prefiro chá. E enquanto o espero esfriar, escrevo estas palavras para matar o tempo. Não que eu consiga fazê-lo de verdade, é claro. Mas a tarde de inverno aqui é chata e entediante. Aguardo ansiosamente pelo dia que você aparecerá de novo.

Alguma vez você chegou a se perguntar? Sabe, sobre tudo que vivemos anos atrás? Quantos segundos dura um segundo na Terra do Nunca? Quero dizer... Aqui em Londres, se passaram cinco anos. Mas não deixo de pensar em nossas aventuras a cada inverno que chega.

Sonho acordada todas as noites. Esperando que alguma coisa, qualquer coisa, me faça voltar à famosa Terra do Nunca. Preciso saber que tudo é real. Eu realmente acredito.

Tenho a estúpida mania de sentar sobre o parapeito da janela, assistindo às estrelas piscarem e voarem para além do céu. Estrelas cadentes, quero dizer. Já vi muitas passarem por mim aqui.

Em alguma destas era você? Voando, salpicado de pó de fada? Aliás, por falar em fada, como está Sininho? Está bem? Por favor, diga que está. Assim, ficarei um pouco melhor. Sei o quanto ela é importante pra você.

Sabe... Miguel costuma me pedir para contar histórias para ele. Qualquer uma sobre piratas, donzelas e finais felizes. Já contei inúmeras vezes a história da Cinderela, mas ele não para de pedir por esta. Sei que é uma forma de manter você vivo, já que você gostava tanto desta história. 

Mas já adotei uma estratégia, sabia? Agora, mudo alguns fatos aqui e ali, e crio várias versões minhas sobre a gata borralheira que vira Cinderela.

Gosto de dizer que ela era amiga da Bucaneira Dil, e, juntas, derrotavam o mais perigoso dos mares, o horrendo Capitão Gancho. Com sua mão metálica, avançava sobre elas, mas certamente não era páreo para tamanha destreza com que as donzelas esgrimavam com ele. As duas atacavam, esmurravam, empurravam.

E tenho certeza, Pan, que você gostaria de ouvi-las qualquer dia. Você sabe... Ouvir estas histórias contadas por mim, com a entonação correta. E com uma interpretação divertidamente engraçada.

Não é que eu esteja me gabando, entenda bem. Mas você me mostrou que sou uma boa contadora de histórias, não foi? Até mesmo o Gancho me queria a bordo para entretê-lo. Até mesmo o mais horrendo dos piratas gosta de histórias. Por que você não? É claro que gostaria. Entende o meu raciocínio?

Perdoe-me, caso eu esteja me perdendo nesta carta. Como disse, queria matar o tempo. E creio estar conseguindo. 

Preciso dizê-lo, também, que seus amigos estão adorando morar aqui. Construímos um andar inferior, bem depois do porão, e agora todos têm onde dormir. É uma grande pena que você tenha preferido ir embora.

Sei que não devo julgá-lo. Deus nos diz para termos paciência e misericórdia. Mamãe repete isso sempre que vamos à missa. Mas eu não consigo parar de pensar no quanto seria maravilhoso tê-lo aqui conosco.

Seus amigos, os antigos menino-perdidos, passaram todos estes anos correndo atrás da Nana. Lembra-se dela? Nossa babá-cachorro? Pois então. Eles se divertiram muito com ela, até terem crescido um pouco mais. Agora, estão mais compenetrados nos estudos. Querem ser alguém.

Mas na verdade, o que significa ser alguém, afinal? Até hoje não sei. Seus meninos querem se tornar homens de negócios. Daqueles importantes, com um bom salário. Não estou achando ruim, compreenda. Mas será que isso é tão melhor mesmo? Como seria um emprego na Terra do Nunca?

Pan, meus pais e minha tia querem que eu vire uma dama da nobreza. Eles me enchem de maquiagem e vestidos bonitos. Eu não gosto disso. Preferia saltitar pelas ruas trajando camisolas e meias. Entende o que eu digo? Gosto de me sentir confortável.

Eu já lhes disse que me tornaria uma contadora de histórias. Que ao tomar o curso de literatura, certamente seria influente. Não é que eles não acreditem em mim, mas estão loucos para me arrumar um bom marido. Um bom dote.

Por favor, Peter Pan, salve-me disto. Venha com seu pó mágico, Pan. Venha me buscar para a Terra do Nunca. Serei eternamente cidadã deste lugar. Eu nunca quis ir embora de verdade. Pelo menos, não tinha consciência disto.

Eu sempre quis crescer. Mas vi que crescer não era o bastante. Quero derrotar piratas, Pan. Correr e me sujar na areia pedregosa. Andar e me jogar da prancha. Quero voar e dançar a música das fadas, e conhecer toda a sua família dourada.

Você ainda está bravo comigo? Porque resolvi ficar em Londres? Por favor, esqueça isso. Vamos começar tudo de novo, peço com carinho.

Posso ser esperta para não cair de meu carrinho quando era bebê. Mas sou ainda mais esperta para lhe ajudar nas estratégias de suas aventuras.

Já disse.

Serei sempre cidadã do Nunca.

Pan, só venha me buscar.

Com amor,

Wendy Darling.


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