Urano também é Planeta escrita por thaisadam


Capítulo 1
Capítulo 1 - Urano


Notas iniciais do capítulo

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O burburinho conhecido estava desagradavelmente alto hoje pela manhã assim que adentrei a sala de aula. O professor havia ido tomar um café na sala dos professores (com adoçante, pois ele estava acima do peso e alegava estar de dieta, mas todo o mundo sabia que ele ia ao banheiro ler artigos de tricô). Obviamente que, impondo vários questionamentos sobre sua sexualidade.
As carteiras estavam juntas de forma desordenada e os alunos tacavam bolinhas de papel uns nos outros, mas ainda assim em meio de todo aquele caos nada podia afetar ou perturbar aquela menina. Aquela menina tão intrigante que sempre estava sozinha, sempre parecia viver em seu próprio mundo ou se achando boa demais para compartilhar sua companhia com as outras pessoas. Ao mesmo tempo impenetrável  e deliciosamente misteriosa.
A claridade cercava a sala, fazendo projetar sombras distorcidas ao chão e paredes quando se chocavam com as carteiras e pessoas. A janela grande e espaçosa estava entreaberta e uma leve e fresca brisa se instalava. A menina estranha e atraente era tão peculiar como a sua aparência. Sua pele era tão alva quanto uma nuvem, mas seu semblante não era tão singelo e gentil. Seus cabelos curtos e negros, rebeldes combinavam mesmo que estranhamente com seu longo e fino pescoço. Suas sobrancelhas eram desenhadas perfeitamente iguais, seu nariz era grande e fino, levemente caído na pequenina ponta. Seus olhos eram de um castanho tão escuro que quase era da tonalidade preta. Delineado em seus olhos uma maquiagem forte tornando-a amedrontante. Em sua face um estranho sorriso torto, como se ela achasse graça de algo que só ela soubesse.
Ah! Aquele sorriso sempre se manifestava ali, permanecia. Ele se formava com um pequeno repuxado da boca pequena e fina para o lado direito, acompanhando ao seus olhos risonhos e irônicos. Isso de certa forma me incomodava, afinal qual era o seu problema?
Mas ao mesmo tempo eu a achava tão fascinante que a maior parte do meu tempo eu a observava. Eu gostava de tentar decifrá-la, mesmo sabendo que era quase impossível como se meu intelecto não fosse suficiente.
Dois anos, e nesse tempo ela nem sequer falou ou dialogou com ninguém e nem me fitou. Mas nada do que dissessem não poderiam negar ou omitir o fato de ela ser a pessoa mais inteligente da classe.
O professor havia entrado na sala com sua bolsa de couro, o zíper que estava danificado por muito tempo de uso a deixava um pouco aberta. Ao olhar atentamente pude notar a revista em que consistia em sua capa um novelho de lã lilás. Eu dei uma risadinha baixa.

O dia aconteceu tão remoto e nostálgico como todos os dias. O ponto de ônibus ficava bem próximo a escola e eu observava durante o caminho como ela caminhava bem à minha frente. O seu jeito de andar era bem diferente e único, seus passos eram curtos e rápidos. Seus membros compridos balançavam graciosamente quando impactavam a calçada de cimento. Ela pisava com precisão.Seus quadris se movimentavam no espaço de tempo entre um passo e outro, rebolando medianamente, mas ainda assim sensual.

Um barulho forte e surdo rompeu o silêncio dos meus pensamentos e grossos pingos de chuva caíram deliberadamente em todo o ambiente descoberto. As telhas de alumínio faziam um barulho assombroso pelo impacto da água, gotejava e escorria pelos cantos e meio fio. Em poucos segundos quase não se podia observar o ambiente, as ruas ou as casas. Só se podia observar a pequena e fina capa de água que a chuva formava dificultando a visão.

Estagnei em uma esquina, embaixo de uma telha rachada onde pequenas gotas gélidas caíam por cima de meus ombros descobertos, enquanto eu percebia que a menina estava em baixo de seu guarda chuva, e com seu habitual capuz negro em sua cabeça.

A chuva se apartou agilmente e as nuvens se tornaram tão brancas que era muito difícil distingui-las umas das outras e a luminosidade e a falta do azul anil de um dia de verão dificultava fitar o céu. O odor de chuva se esvaiu a cada canto enquanto eu continuava o meu percurso até o ponto de ônibus. "A "Alice" estava em seu país das maravilhas, esperando o coelho vir lhe buscar para levá-la até o chapeleiro maluco para tomarem um chá e comemorarem seu desaniversário." - eu ri com este pensamento. Parece que seu ônibus estava bem ali à frente. O típico sinal de ônibus foi executado com seus dedinhos finos e aparentemente frágeis, esticando o dedo indicador para frente. O ônibus andou próximo ao asfalto  e em seguida foi desviando das poças de água que se formaram nos buracos da pista durante a chuva, passando diretamente pela menina que já estava quase à porta do veículo. Seu rosto se contraiu em uma careta de raiva e ela praguejou totalmente irônica:
- Muito obrigada mesmo! - ela disse com a voz esganiçada, parecia que era pelo fato de ela não usá-la com tanta frequência.
Seu semblante era de raiva, mas eu não podia deixar de achar aquela situação cômica. Foi inevitável a gargalhada descontraída, rouca, saindo do fundo da garganta. Os dentes trincados para não executar aquilo de uma forma escandalosa ou inconveniente, mas acho que não foi o bastante pois notei cerca de milésimos de segundos depois aquele olhar sobre mim. Aquilo me deixou um pouco receoso, mas não deixei que transparecesse em minha face ao encará-la.
- Ah, claro, no mínimo você achou bem ilário não? - ela perguntou, num tom de voz hostil. Era a primeira vez em anos que ela se dirigia a mim, eu estava no mínimo embasbacado.
- Certamente. - eu disse ironicamente evasivo.
- Hum, bem fascinante não? Acho que, a partir de hoje eu serei uma típica artista de circo para te entreter sempre que você quiser dar umas boas risadas as custas de alguém. - ela disse fechando a expressão raivosa.
- Digo que é algo bem cativante. Você é claro, é muito gentil. Obviamente que eu aceito sua proposta. - eu disse segurando a ânsia de rir.
- Ah, sim é claro. Assim que eu me corresponder com meu ex-namorado contorcionista do circo em que eu trabalhava. Quem sabe amanhã eu não tenha uma resposta? - ela disse e eu não pude deixar de rir, abertamente. Ela riu, acompanhando minhas gargalhadas.
- Sabe...? Você não é tão amedrontante como todos dizem... - eu disse.
- E você não é tão idiota como todos os outros. Acho que talvez, só talvez você mereça um pouco de minha atenção. - ela disse com as sobrancelhas arqueadas.
- Hum... Fico realmente muito lisonjeado. Amanhã nos encontramos na escola? - perguntei animado.
- Acho que sim, te levarei um colan. - ela disse reprimindo um riso. A olhei com espanto.
- Um colan? - perguntei - ela balançou a cabeça afirmativamente. - Para quê?
- Acho que talvez você esteja pronto para as aulas de contorcionismo.
- Você não está dando em cima de mim não é? - perguntei com um meio sorriso em meus lábios.
- Acho que não, só estou tentando ser legal... Bom até amanhã, já vou indo. - ela disse e acenou para mim assim que o seu ônibus parou ao meio fio da calçada.
- Até. - eu acenei.

É estranho como as coisas acontecem, fiquei a encarar ela se indo pelas janelas de vidro transparente e seu cabelos curtos esvoaçando enquanto o veículo estava começando a se movimentar. Era incrível o quanto meu coração estava acelerado e eu estava coberto de uma inusitada sensação de felicidade.

É, talvez eu a chame pra sair, talvez. E também talvez eu me apaixone por ela.

 

 

 

FIM.


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Notas finais do capítulo

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