— Anjo! Anjo! – A voz de Christine ecoava pelas pedras frias, enquanto ela tropeçava na barra do vestido, tentando caminhar dentro da água rasa. Em meio à confusão que se seguira ao incêndio, conseguira esquivar-se de Raoul sob o pretexto de tentar achar Madame Giry e Meg, mas suas intenções eram outras... Pois ela mentira. Mentira ao ir embora com Raoul. Mentira para salvar a vida de Erik e do próprio Visconde, que acabariam por se confrontar, se permanecessem no mesmo lugar. Mas, por outro lado, também fora sincera: fora sincera ao escolher Erik, ao beijá-lo, de repente compreendendo todo o mal que fizera àquele pobre homem. Pois nos olhos dele ela vira toda a tristeza do mundo, todo o medo, todo o abandono, e compreendeu então o terrível engano que cometera, ao julgar que ele poderia mata-la. Erik não era um assassino por gostar disso... Era um assassino porque a vida o obrigara a isso, e em Christine vira sua salvação, sua redenção! E ela estragara tudo, por ser incapaz de compreender a alma torturada de seu Anjo. Mas não mais! Não mais! Ela ia encontra-lo! Ia dizer que o amava, ia remediar tudo aquilo! Eles podiam fugir de Paris, e ser felizes bem longe de todos que os conhecessem! Mudariam de nome, até de país, e ficariam juntos!

                Contudo, sua voz era respondida apenas pelo próprio eco. Ninguém lhe respondia coisa alguma. É claro que ele não responderia... Estava magoado, ferido no coração, na alma, e por causa dela. Ela o expusera em público, mesmo sabendo o quanto ele sofria com a própria deformação... Ela o deixara, por Raoul... Como esperar que ele respondesse? Mas, ao mesmo tempo, a jovem sentia que seu amado estava ali. Sentia a presença dele, como sempre sentira desde menina. E foi por isso que, com lágrimas de arrependimento a cair dos olhos, falou:

                - Eu escolhi você, Anjo. – mais silêncio – Eu escolhi você. Sei que fiz muitas coisas erradas, e não há desculpa para isso. Mas eu estava confusa, e com medo... – ela firmou a voz – mas não estou mais. Não estou mais! Eu te escolhi, Anjo da Música, poque você é meu mestre, meu guia... Meu amado! Eu te amo! – Ela aumentou a voz – EU TE AMO!!!

                Ela gritou aquelas três últimas palavras com toda a sua sinceridade, mas, outra vez, só o eco lhe respondeu. Sabendo que talvez houvesse passado um ponto sem retorno, declarou:

                - Meu amor, eu sei que o magoei, e jamais me perdoarei por isso. Eu o traí, não fui capaz de compreendê-lo, e compreendo se você me odiar, neste exato momento. Não peço seu perdão, porque as coisas que fiz são imperdoáveis, mas... Mas eu preciso que você saiba, Anjo: mesmo que cem anos se passem, mesmo que você nunca mais me queira ver... Eu te amei, enquanto ainda era imatura demais para compreender isso; eu te amo, agora, e irei amar por toda a minha vida. Você é o meu Anjo da Música, e não haverá um dia em que eu não me culpe por tudo o que lhe fiz. – Ela girou no dedo o anel que Erik lhe dera – este anel ficará comigo para sempre, e a cada vez que o olhar, lembrarei seus olhos e de sua voz. – Ela se virou, pronta para sair, e então lançou suas últimas palavras – aqui fica meu coração. Da hora em que puser os pés fora deste lugar, meu amor, já não haverá um coração em meu peito, pois ele, e sempre será, inteiramente seu.

                Com lágrimas de dor profunda a escorrer de seus olhos – embora sentisse que merecia aquela dor – a soprano deixou os subterrâneos, sabendo que deixava para trás, também, uma parte de sua alma. Ela não viu os olhos azuis que a fitavam da escuridão, nem as lágrimas que dele escorreram. Tampouco ouviu a voz que sussurrou, tão baixo que sequer eco produziu:

                - Adeus, meu Anjo da Música.