— Só me diz olhando nos meus olhos, que não sente mais nada por mim – Ele pediu me encarando novamente, penetrando seus olhos castanhos nos meus, minhas pernas bambearam.

— Eu.... – Tentei pronunciar, mas as palavras não saíram da minha boca.

Aos poucos e lentamente fomos nos aproximando mais, num ato falho me permiti fechar os olhos para sentir o cheiro do seu perfume que por tantas noites chorei sentindo falta, e quando me dei conta sua respiração já se fundia a minha. Não foi preciso mais raciocinar, nem sequer explicar, ele segurou com uma das suas mãos minha nuca, e com a outra me aproximou pela cintura, eu enlacei meus braços pelos seus ombros e senti mais uma vez aquele beijo, no qual nunca havia esquecido.

Não saberia dizer por quanto tempo ficamos naquele enlaço, mas eu sei que nunca mais havia sentido algo como o que seu toque me causava..

—-

Acordei confusa, senti um frio imediato devido a brisa que entrava pela fresta da sacada entre aberta, um barulho incessante invadiu meus ouvidos e assim que abri os olhos identifiquei que vinha da porta. Com muito sono e ainda de roupão me arrastei até o local e a destranquei voltando para me jogar de cara na cama.

Minha cabeça doía levemente, e meus olhos estavam pesados, mesmo sem olhá-los no espelho, podia os sentir inchados. Meu corpo pedia por mais horas de sono, porém a Magali não parecia estar preocupada com isso.

— Amiga, você está viva? Está bem?- Ela perguntou checando todos os cantos do quarto para se certificar de que eu estivesse sozinha.

— Com você berrando na minha porta de manhã, definitivamente não! – Reclamei em resposta afundando mais ainda minha cabeça no travesseiro fofo.

— Monica, eu juro que tentei impedir essa loucura, mas os dois me convenceram, você conhece meu coração, ele é mole – Ela se desculpou rapidamente chacoalhando as pernas, mania que tinha quando estava aflita.

— Não foi um sonho então? – Questionei mais para mim do que para ela sentindo uma pontada em minha cabeça.

— Claro que não, era umas duas da manhã se não me engano quando meu interfone tocou. – Ela contou estalando os dedos.

— Ah... Então foi assim que o Cebola entrou sem ser anunciado, anunciaram o Cascão para você? – Questionei com a voz abafada pelo estofado da cama.

— Sim, exatamente, ele disse coisas tão lindas, e eu tenho te notado tão triste. Não devia ter permitido isso não é? Arrependi-me no instante seguinte, só que o Cascão não me deixou atrapalhar...  Agora me diz, por favor, que não aconteceu nada, só conversaram e ele foi embora – Ela disparou a falar um tanto agoniada.

— ... – Permaneci muda.

— Não vai me contar? – Tornou a perguntar me olhando mais preocupada.

— Eu, não queria falar disso agora, por favor, amiga, podemos ter esse papo em outra hora? – Virei novamente em direção a ela – Minha cabeça está estourando.

— Você chorou não é? Seus olhos estão um pouco inchados. – Ela lamentou chateada – Eu sou uma péssima amiga!

— Não você não é... Só não foi fácil Maga, cada coisa que ele me dizia, fazia cair um pedaço do meu coração – Respondi sentando de perna de índio, abraçando meu travesseiro.

— Eu posso imaginar, na verdade percebi depois que vocês se reencontraram na nossa primeira noite em São Paulo, que algo mudou... Depois que se olharam, nada continuou igual ao que era na época da faculdade, você e o DC, e tudo que haviam combinado, os planos que haviam feito. – Ela concluiu deitando ao meu lado.

— Ficou tão na cara que vê-lo mexeu comigo? – Questionei preocupada me olhando no reflexo da janela.

— Ficou, mas só pra quem conhece a história de vocês, já o DC nunca nem deve ter sonhado – Ela me acalmou.

— Mesmo assim eu sei que não posso Maga – Analisei o anel de noivado em minha mão.

— Não pode mesmo, não pode casar gostando de outro Mo – Ela rebateu fazendo meu estomago embrulhar ao ouvir a frase.

— Não posso desistir agora amiga, está tudo pronto, minha mãe empolgadíssima com a prova de vestido, meu pai orgulhoso, e eu quis isso, eu que aceitei – Expliquei lembrando-a das etapas de preparação.

— Ta bom, e daí? E sua felicidade? Porque na época da faculdade sim eu cheguei a acreditar que você tinha superado, estava feliz e o DC era um príncipe, agora não tenho mais certeza de nadinha disso. Tudo mudou, você amadureceu, muitas coisas aconteceram, inclusive o fato do Cebola existir e ser amigo do seu irmão – Concluiu dando ênfase a ultima parte.

— Acha que já não pensei em tudo isso? Mas também não é simples, não é terminar um namoro Maga, é um noivado, 5 anos juntos, 1 ano inteiro de preparativos, expectativas e sonhos... Temos que ter cuidado ao lidar com isso. Sei que não estamos em uma fase legal, mas quando eu estava sofrendo e muito, ele ficou ao meu lado e entendeu o meu tempo – Comentei chorosa.

— Eu sei... Eu sei que vai muito alem de você e seus sentimentos, mas envolve a escolha de uma pessoa para passar o resto da vida ao seu lado, em dias felizes, em dias tristes... – Argumentou atenciosa. – E o Cebola só não permaneceu com você, porque as circunstancias não deixaram...

— É... Eu sei – Murmurei passando as mãos sobre meu cabelo.

— Eu vou te deixar sozinha, acho que precisa tomar um banho, vestir seu biquíni, e curtir um dia de praia, sua palestra é só de noite, e hoje ó – Abriu a cortina mostrando um Sol fraco de inverno – Abriu até um Solzinho para te distrair.

— A gente se beijou! – Contei rapidamente como se as palavras me machucassem.

— Ai não amiga, não acredito – Ela levou as mãos à boca, tirando rapidamente o sorriso que segundos antes estampava seu rosto.

— Eu sei, eu não devia, eu estou noiva – Comecei a limpar as lágrimas que vieram descontroladas – Mas não agüentei, eu não sei onde estava com a cabeça, e agora não estou sabendo lidar com isso, eu fico pensando no DC, fico pensando no Cebola, e embola tudo aqui na minha mente... Eu queria ter conseguido segurar, mas você sabe Maga quando a gente se encontra rola todo aquele lance de saudade! Não sei o que faço!

— Calma amiga, respira, estou aqui com você, vamos passar por isso juntas – Ela me abraçou fazendo com que eu chorasse mais ainda. – Vai ficar tudo bem.

— Obrigada! – Agradeci a abraçando com mais força.

—-

Posso dizer com toda certeza que o resto da minha viagem foi totalmente recheado de complicações devido minha falta de foco, minha distração e meus sentimentos revirados. Concentrar-me nas palestras foi extremamente difícil e responder a algumas ligações do DC pior ainda. Eu simplesmente não tinha coragem de dirigir a palavra a ele, muito menos de desejá-lo boa noite, ou dizer que sentia saudades sem que o peso na consciência caísse sobre mim.

Não sabia dizer até onde havia me arrependido, mas tinha ciência de que havia sido muito errado e que toda aquela confusão de sentimentos me impedia de raciocinar com clareza, para assim decidir o que era melhor a se fazer.  

Foi um único beijo, mas com a força de mil, com um tamanho arrebatador, reativando saudades, trazendo a tona momentos guardados a sete chaves. E era ali, exatamente naquele ponto que minhas noites de sono se perdiam e transformavam-se em um mar de lágrimas.

Assim que separamos nossas bocas, somente e tão somente para recuperarmos o fôlego, eu percebi o quão perdida eu estava. Ele se desculpou imediatamente, e eu fiquei sem reação por alguns segundos, me dividia entre a razão e a emoção. Após todo um minuto de pensamentos silenciosos, conclui que o melhor seria ele ir embora, ele não discordou, olhou um pouco mais para dentro dos meus olhos e se despediu sumindo porta afora. Não estava brava, longe disso, mas eu me conhecia, conhecia meus limites, e naquele momento era incapaz de impor algum.

Imediatamente após ele sair, eu levei as mãos aos meus lábios e chorei, chorei exatamente igual ao último beijo dado na minha festa, no cair da madrugada. Chorei até ser vencida pelo cansaço, pegando no sono leve e conturbado.

—-

Não encontrei mais o Cebola depois daquele beijo, e mesmo tentando fugir de todo jeito desse assunto, na última noite em que estávamos no Rio a Magali sorrateiramente me contou que ele havia ido embora, no dia que se seguiu ao episódio, me deixando ainda mais confusa a respeito de tudo aquilo.

Não mandei mensagens, e também não recebi nenhuma, o que me fez criar uma teoria na mente que me dava calafrios no corpo. Era inevitável, não conseguia tirar da cabeça a idéia de que aquele beijo havia sido mais uma despedida, igual a da minha festa, anos atrás. Que ele tinha aceitado o falto de que eu iria casar em breve, e ido embora, decidido a apagar todo o nosso passado.

A Magali respeitou meu silencio que se seguiu durante os outros três dias que ficamos por lá, meu humor estava péssimo, nem eu me aguentava então permanecia muda, o máximo que conseguia.

Os eventos em contra partida foram ótimos, eles me tiraram um pouco da zona de instabilidade que entrei após a visita inesperada em meu quarto. Lá eu abstraia os problemas, para dar a devida atenção ao meu trabalho, e somente então quando retornava ao local do crime que sentava na varanda pensativa observando cada estrela do céu nublado, as poucas que apareciam, aquelas que brilhavam mesmo em meio a imensidão de nuvens carregadas.

Não tive coragem de ligar para o DC, acho que envolvia um pouco de medo de encarar a realidade, era péssima em mentir ou omitir as coisas, principalmente depois de tudo que havia passado e tudo que uma mentira tinha causado na minha vida.

Antes mesmo de eu perceber  já era sexta feira, dia de voltar e encarar a realidade, minha mãe estava eufórica pelo sábado, já havia comprado plaquinhas e mais um monte de coisas para opinarem a respeito do vestido, meu irmão ansioso para me ver, a Maria e a Denise me esperando no aeroporto e pensando assim, me sentia péssima por permitir que a dúvida a respeito do que queria da minha vida ainda permanecesse em mim.