Connected | BTS Fanfic escrita por Choi Jinhee


Capítulo 9
Ambrosia


Notas iniciais do capítulo

Cinco minutos a mais e eu estaria atrasada.



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JINHEE P.O.V.

Coloquei um potinho de vidro com salada de frutas na minha bandeja, dando um passo à frente na fila. O refeitório estava particularmente barulhento naquela tarde, com um burburinho de conversas preenchendo o espaço. O cheiro quente de café predominava sobre o dos outros alimentos; ou talvez só para mim, que já estava na quarta xícara daquele dia. Deveria parar de tomar tanta cafeína; já estava com enxaqueca. O ambiente claro do refeitório fazia a minha cabeça palpitar.

As mesas de pallet estavam organizadas em filas uma ao lado da outra, espaçadas o suficiente para as pessoas andarem pelos corredores entre elas. Sentavam seis pessoas em cada mesa – oito, se trouxessem mais cadeiras -, e o refeitório era bem largo, e, embora a quantidade de alunos naquele horário fosse grande, nunca havia faltado lugar para ninguém.

Vasculhei ao redor, procurando por Yuri. Avistei-a no momento que passou pelas portas de vidro da entrada para o ambiente climatizado. Ela andou na direção da cantina, próxima a parede, mas logo parou – percebendo o tamanho demorado da fila - e se virou para o outro lado, procurando por um lugar para sentar.

Meu telefone estremeceu pouco depois.

Yuri: Guardei uma mesa para nós. Onde você está?

Jinhee: Na fila da cantina. Quer alguma coisa?

Yuri: Quero que as pessoas parem de me encarar >n< E um Doritos.

 Franzi a testa. Não pensei que alguém questionaria a nacionalidade de Yuri, sendo a sua aparência tipicamente coreana. E não era incomum os alunos mudarem de cursos no meio do semestre. Então, se as pessoas a encaravam – mesmo sem saber quem eram seus pais -, era porque algo que ela fizera ou dissera havia chamado atenção. Talvez tenham a visto conversando comigo, mas, segundo os rumores que eu escutara no banheiro feminino, ela estava causando uma impressão e tanto sentando ao lado de SeokJin durante as aulas. Só que, como ele era o membro menos perigoso do F4, eu ainda não tinha visto necessidade de intervir.

Guardei o celular na bolsa e voltei minha atenção para a fila, que tinha parado de andar. As cabeças das pessoas estavam viradas para trás – por um momento pensei que estivessem olhando para mim, mas não -, para a porta do refeitório.

Segui com o olhar naquela direção, onde um grupo de amigos caminhava alegremente. Um sentimento nostálgico me invadiu, lembrando a época em que andava ao lado deles. Woobin seguia na frente, alto e risonho, olhando ao redor. Os outros garotos – cinco deles – dos quais eu não recordava os nomes (somente sobrenomes) carregavam dois baldes verdes, cheios de algo que eu não conseguia identificar daquela distância.

Foi então que percebi para onde – para quem— ele estava olhando, e meu coração acelerou. Lembrei porque não andava mais ao seu lado. De ímpeto, abandonei minha bandeja na mesa da cantina e dei um passo para fora da fila. Hesitei brevemente, meus olhos caindo sobre Yuri a algumas mesas de distância, antes de ignorar a incerteza que me afligiu e caminhar com passos largos na direção do garoto com o moletom cinza.

Woobin andava a algumas mesas de distância de Jimin – alheio ao que acontecia, olhando para seu celular -, e por isso apressei meu passo. Aos poucos os murmúrios cessaram, os alunos percebendo o que o grupo de garotos planejava fazer: Woobin tinha uma punição nova para o garoto com o cartão vermelho.

Ao redor de Jimin, as pessoas se cutucavam e apontavam para trás, para que se afastassem do que aconteceria a seguir. Ninguém nem cogitou avisar a ele, é claro. Ninguém queria assumir a responsabilidade, e eu não podia condena-los. Normalmente, não faria o que estava fazendo agora, mas já era tarde demais; ele não era mais Park Jimin, o garoto com o cartão vermelho. Ele era Jimin, o filho gentil da Sra. Park.

Eu podia lidar com a amargura que sentia pelo F4, mas não com a culpa de virar as costas para um amigo. Ou pelo menos o mais próximo que eu tinha de uma amizade além dos irmãos Kim e da Yuri.

Andando rapidamente, cruzei o caminho do grupo de Woobin e então desacelerei o passo – sabia que eles não chegariam perto de mim.

Naquele momento, Jimin olhou ao redor. Talvez tivesse percebido como o refeitório de repente estava imerso em silêncio, ou notado os olhares sobre ele. De qualquer forma, o cutuquei nos ombros. Ele olhou para trás, e seus olhos se arregalaram. Olhou de mim para Woobin, e então para os baldes que os meninos seguravam – cheios de ovos e de farinha – e para mim de novo.

— Pode me emprestar dinheiro? – perguntei, soando tão calma quanto conseguia.

— Perdão?

— Dinheiro – repeti. – Esqueci minha bolsa em casa. – falei, embora estivesse segurando uma bolsa naquele momento. No final do dia, não importava o que eu dissesse; minhas intenções eram mais do que claras.

— Ah, claro – ele puxou sua carteira do bolso, seus olhos ainda focados em quem estava atrás de mim. – De quanto você precisa?

— Ainda estou na fila. Você pode esperar lá comigo? – estendi a mão, esperando que a proposta ali inclusa estivesse clara. A escolha de se envolver comigo seria dele.

Ele hesitou, olhando para mim.

— Talvez seja melhor você pedir para outra pessoa - sorriu; como ele podia sorrir naquela situação?! - Me ajudar vai te deixar encrencada – sussurrou.

— Eu sou a Raposa, não vão mexer comigo – sussurrei de volta. – Preocupe-se consigo mesmo.

— Preocupe-se você consigo mesma. – respondeu – Vão te machucar se você ficar aqui.

Num ímpeto de coragem, peguei seu braço e me virei, puxando-o comigo. Parei de frente para Woobin, que não olhou diretamente para mim; seus olhos estavam em Jimin, fulminando de raiva.

Finalmente, após cinco longos segundos, ele se virou para mim.

— Choi Jinhee. – seu tom de voz era um aviso, quase uma ameaça.

— Woobinssi, com licença. – pedi.

Ele cerrou os olhos, mas abriu espaço para que passássemos. De cabeça erguida (aprendi em algum lugar que controlar a postura ajudava a não demonstrar o que sentia por dentro), andei em frente num passo normal - embora a vontade fosse de correr - até a cantina, e recuperei minha bandeja em cima da mesa. As pessoas apenas abriram espaço para que eu retornasse ao meu lugar na fila.

— Você já se adaptou ao novo horário? – perguntei.

Ele não respondeu, olhando por cima do meu ombro na direção de onde estávamos antes; mudei de lugar para impedir sua visão.

— Jimin-sii, como está a Sra. Park?

— Ela está bem. – ele apertou as alças da sua mochila – Quero dizer, ontem a peguei comendo uns biscoitos fora da dieta, e passou a noite sentindo náuseas. Mas já está melhor.

— Oh – mordi o lábio -, é difícil parar de comer tudo aquilo que está acostumada, de uma hora para a outra. Deve estar sendo uma dureza.

— Na verdade, ela está reagindo bem melhor do que pensei que fosse – ele olhou ao redor, e então se inclinou para mais perto de mim, cochichando: - Como consegue agir tão normalmente com todo mundo encarando?

— Anos de prática.

— Mais alguma coisa? – o ajushi do caixa perguntou.

Peguei um Doritos na prateleira e Jimin puxou a carteira do bolso.

— Não precisa pagar, era só uma desculpa.

— Agora já era – ele deu de ombros. – Vai ter que superar que eu paguei algo pra você, assim como eu estou superando a consulta grátis com a sua irmã.

Ele pegou a bandeja e esperou que eu andasse. Não sabia bem como responder, então apenas assenti. Juntos, andamos até a mesa onde Yuri estava sentada – com os fones de ouvido, mexendo no celular. Ela estava rígida demais, então suspeitei que tivesse notado o ocorrido.

Sentei-me de frente para ela na mesa, com Jimin ao meu lado. Yuri deu um pulo quando estendi o Doritos na frente da tela do celular.

— Desculpe, não queria te assustar.

— Hai, hai – ela abriu o pacote. – Obrigada, Jinheeah. Jiminssi, como estão os seus machucados?

— Curados – ele sorriu. – A Sunhee-nuna me deu uma pomada que aliviou até o que não estava doendo.

Ela nos ofereceu Doritos, mas recusamos. Mordisquei minha salada de frutas e Jimin pegou um sanduíche da mochila.

— Eca, pessoas saudáveis – ela fez uma carranca.

— Jimin! – Jungkook correu até nossa mesa, puxando a cadeira do amigo para trás. - Ouvi o que aconteceu vindo para cá. Você está bem?

— Ah, cara – ele fez um muxoxo magoado -, você derrubou o meu lanche. Eu estou bem.

Passei minha bandeja para ele, oferecendo a gelatina que tinha comprado. Ele agradeceu, embrulhando seu sanduíche depois de pegá-lo do chão. Jungkook hesitou antes de puxar uma cadeira.

— Pode sentar – Yuri falou.

Ele assentiu. Fingi não saber por que ele hesitara em se sentar na mesma mesa que eu.

— O que aconteceu, exatamente? – perguntou. – Escutei o seu nome e Woobin na mesma frase, e saí correndo.

— Resumão de tudo – Jimin enumerou com os dedos: - cartão vermelho, Woobin, servos, ovos, farinha e Jinhee salvando o dia. Só tivemos uma fatalidade.

— Quem?

— Meu lanche – ele suspirou, de luto.

— Como você consegue falar como se nada tivesse acontecido?

— Minha dignidade está esmagada no fundo do poço, hyung – ele deu de ombros. – Tenho que agir normalmente pra pelo menos não transparecer a derrota.

— Talvez não tenha sido boa ideia você ter mudado de turno, afinal – Jungkook apoiou a cabeça nas mãos. – Desculpe por ter insistido tanto.

— Ei, não fique assim – Jimin inclinou a cabeça, fazendo bico. – Prefiro ovos e farinha a óleo de anchova. Tive que lavar minha camisa três vezes antes de o cheiro sequer pensar em sair.

— O que aconteceu, exatamente? – Jungkook se virou para mim. – Você o ajudou?

Mexi no meu cabelo, reprimindo uma careta.

— Na verdade, posso ter atrapalhado mais do que ajudado. Você sabe o que acontece quando eu intervenho.

— Não se preocupe – tentou me consolar -, pior do que está não fica. Quero dizer, ele já tem um cartão vermelho. E ninguém mexeu com a Yuri até agora, não é? E ela esta sempre ao seu lado.

— Não subestime o meu nome de Raposa – suspirei. – Ninguém sabe ainda o histórico de Yuri para saber se podem ou não mexer com ela. Provavelmente pensam que é alguma prima.

A última pessoa que se aproximara de mim – uma novata estrangeira procurando fazer amizades, pouco familiarizada com a hierarquia daquele lugar – aprendera sua lição depois que rasparam seu cabelo no vestiário feminino (eu enviara o contato de um dermatologista do hospital Choi na esperança de me redimir pelo ocorrido, mas ela se recusou a aceitar a consulta).

— Eu posso ter te ajudado agora – falei -, mas isso não os impede de atacarem depois.

— Parece que estamos discutindo táticas de guerra. – Yuri comeu um Doritos.

— Eu faço parkour, da próxima vez – Jimin mexeu as sobrancelhas, sorrindo.

— Você é horrível em parkour, idiota. Foi assim que torceu o tornozelo ano passado – Jungkook o repreendeu. – Vai acabar se machucando mais do que se eles te pegarem.

— Eu andei praticando – ele mostrou a língua para o amigo.

— Se você estiver comigo, eles não vão poder chegar até você – falei. – Vamos nos encontrar no refeitório durante este intervalo. No outro, você pode ficar na sala de aula. Eles não farão nada com algum professor por perto – concluí. – Quero dizer, se você quiser. Não quero te obrigar ter que ficar perto de mim por causa disso – acrescentei.

Jimin sorriu, embora hesitante.

— Eu realmente não gosto ter que aceitar essa proposta – falou, dando uma colherada na gelatina -, mas acho que farei o sacrifício de passar um ou dois intervalos sob a sua tutela.

— Ótimo – Yuri sorriu -, porque esta mesa é grande demais pra só duas pessoas.

***

Saí trôpega do restaurante da Sra. Park, com o coração disparado.

Sentia-me mal; o nervosismo embrulhando minha barriga e fazendo-me suar frio. Como se houvesse uma coroa de espinhos de gelo na cabeça, espetando a nuca. Apertei as mãos suadas nas laterais do corpo para impedi-las de tremer. Não importava quanto eu me esforçasse para respirar, o ar parecia não penetrar meus pulmões – minha garganta tão apertada que parecia que havia mãos me sufocando. Minha visão estava começando a ficar turva.

A realização de que eu estivera caminhando sem rumo se deu quando percebi o barulho apressado dos meus saltos na calçada. Olhei ao redor, sem saber ao certo por quanto tempo estivera caminhando; por um momento de pânico, pensei que estivesse perdida. Aquele céu azul não me parecia familiar; mas logo reconheci a praça, com o som suave de risos de crianças, de skates batendo no chão e de um garoto que tocava violão. O ambiente tranquilo parecia errado, descompassado em relação à confusão que sentia por dentro. Sentia-me exposta demais ali e queria correr logo para casa, mas minhas pernas me desobedeciam. Temi que fosse desmaiar, então sentei em um dos bancos de madeira ali perto. Reprimi a vontade de me encolher em posição fetal e abracei minha barriga, fechando os olhos.

Se pedissem para que eu explicasse, não encontraria palavras para descrever o que sentia. Sabia apenas que estava prestes a ter um ataque de ansiedade – ou talvez ele já tivesse começado, não sei. O gatilho fora a mensagem de um colega de classe avisando que o aluno a apresentar o seminário antes do meu se acidentara, logo minha apresentação fora adiada para o dia seguinte. E não estava preparada. Nem um pouco. O trabalho escrito precisava ser revisado e eu ainda não havia começado a fazer os slides da apresentação. Precisava de tempo para aprimorar meu discurso e decorar as falas, mas não conseguiria em apenas uma noite.

A Sra. Choi descobriria sobre a minha falha. Ficaria desapontada. Talvez brigasse comigo, ou me punisse – eu nunca havia a desobedecido antes para saber qual seria a sua reação. Normalmente, não me preocupava tanto com o Sr. Choi – ele nunca falava comigo nem opinava sobre as minhas notas (ou sobre qualquer outra coisa que remetesse a mim) -, mas naquele momento tinha certeza de que iria passar a me odiar. Meu professor ficaria desapontado, também. Havia dado um prazo de duas semanas para apresentar o seminário e eu nem havia o terminado. Além de que iria constranger os outros alunos, apresentando algo inacabado e desorganizado.

Contraditoriamente às lagrimas que desciam pelas minhas bochechas, senti vontade de rir. Não uma risada saudável, de achar graça em algo. Uma risada de pena. Tentei me acalmar, com medo de chamar a atenção das pessoas. Tentei lembrar o que meu psicólogo dissera para fazer caso essa situação voltasse a se repitir.

Respirei fundo, contando a respiração. Inspirei (um, dois, três, quatro, cinco), segurei o ar (um, dois), expirei (um, dois, três, quatro, cinco). Abri os olhos, lembrando que eu deveria focar no ambiente ao redor – algo que me convencesse de que não estava em perigo. O que mais o doutor Wu dissera? Algo que me acalmasse, que fizesse pensar em outra coisa. Música. Peguei meu celular, mas meus dedos trêmulos não acertaram a senha para desbloquear a tela. Deixei o aparelho de lado e me concentrei no som do violão em algum lugar ali perto – um garoto tocava e cantava uma música indie serena. Não consegui entender a letra – algo sobre sonhos.

Tudo bem. Eu já estava mais calma. Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado – pareciam minutos, mas o céu anunciava o alaranjar do entardecer. Sentia-me cansada, suada como tivesse feito esforço físico. Estava tremendo de frio.

A Sra. Choi não saberia daquela falha; ela não monitorava minhas notas, pelo menos. E eu poderia repetir aquela cadeira no próximo semestre; esforçar-me-ia mais e passaria. Não sairia prejudicada. Ou então eu poderia virar a noite lutando contra o tempo e aprimorando o seminário; com certeza aquela não seria a primeira vez. Mas só de pensar em estudar mais senti meus olhos se encherem de lágrimas, o desespero afligindo o peito. Desistir. Eu iria desistir daquela matéria por agora, e então me forçaria a passar depois. É, parecia um bom plano.

Um, dois três quatro cinco. Um dois. Um, dois, três -

— Choi Jinhee? – uma voz masculina interrompeu meu monólogo interno.

Fingi um bocejo, limpando as lágrimas do rosto antes de levantar a cabeça.

— Park Jimin – o bolo na minha garganta denunciou meu choro.

Ele vestia uma calça jeans clara e uma camisa verde larga – a estampa da blusa era uma letra de música. Seu cabelo estava escondido em um gorro cinza e carregava uma mochila nas costas, parte de um skate do lado de fora. Sua expressão foi de surpresa ao olhar para meu rosto, e ele hesitou antes de se aproximar.

— Estou interrompendo algo? – sugeriu.

Neguei com a cabeça – mais por hábito do que por opção. Eu poderia dispensá-lo se quisesse, ele com certeza não insistiria. Mas sua presença ali serviria como distração, não é? Eu não o queria ali, mas tampouco queria ficar sozinha.

Jimin assentiu e se aproximou lentamente. Tirou a mochila e sentou-se do meu lado, deixando uma distância segura de três palmos entre nós dois. Ofereceu-me uma garrafa d’agua, e eu rejeitei.

— Tem certeza? Eu ainda não bebi, não se preocupe.

— Não é isso. – falei, tão baixo que provavelmente não fui escutada.

De qualquer jeito, peguei a garrafa e dei alguns goles, grata que ele havia tirado a tampa para mim. Quando percebi já havia entornado quase metade da água. Não devolvi a garrafa, pois era reconfortante segurar algo com as palmas das mãos.

Limpei a garganta, pensando no que falar. O silêncio não era desconfortável, mas era estranho. O educado seria conversar com ele, certo? Assegurá-lo de que estava tudo bem comigo?

Ele olhava para longe, os braços apoiados no encosto do banco. Cantarolava baixinho uma música – a mesma que um garoto tocara mais cedo no violão.

— Esse parque é bonito – falei.

Ele não escutou. Limpei a garganta mais uma vez.

— Você vem muito aqui? – perguntei, desta vez mais alto.

Ele virou a cabeça para mim e sorriu, sempre gentil – aquele era o adjetivo certo para descrever Jimin.

— Venho quase todo dia – respondeu. – Hoje só dei uma caminhada, já que a Sunhee-nuna me mandou ficar em repouso por alguns dias por causa dos machucados. Mas normalmente venho andar de skate. Ou estudar.

Assenti.

Percebi que caímos num silêncio sereno de novo, observando uma criança de patins sendo puxada por um cachorro. Ele balançava o rabo enquanto corria.

— Você já se adaptou ao novo horário na universidade?

— Sim – assentiu. – Já que o planejamento dos professores da manhã é o mesmo do dos da tarde durante todo o semestre, não tive nenhum problema. Vou ter que apresentar alguns trabalhos sozinho, mas eu já esperava por isso, de qualquer jeito.

Assenti, dando mais alguns goles na água.

De repente, Jimin mudou sua postura no banco com um pulo, ficando tenso. Segui seu olhar atento até a criança que andava de patins – estava caída na grama, com o cachorro a rodeando saltitante. Após um momento deitada, ela se levantou, limpou a grama do corpo e balançou os braços e as pernas antes de voltar a patinar. Ele relaxou, sorrindo para a cena.

Que garoto curioso. Era interessante olhar para o seu rosto perdido em pensamentos. Cada detalhe seu parecia contar algo; seu lábio ora sorria ou fazia careta, seus olhos de alguma forma eram extremamente comunicativos – como se falassem mais do que meras palavras -, sua sobrancelha se curvava em dúvida em alguns momentos. Não sabia no que estava pensando, mas conseguia ler o que estava sentindo como se fosse um livro.

— Jiminssi, você me faria um favor? – peguei os pacotinhos transparentes com os muffins dentro da bolsa. – Esqueci que tinha que entregar isso para a sua mãe.

— Oh, você quem faz esses biscoitos?

— Bem, sim. Mas são muffins.

— Da última vez foram biscoitos – ele sorriu. – São muito bons.

— Obrigada. Eles são para a dieta da sua mãe.

Ele assentiu, medindo os pacotinhos com o olhar.

— Por que você sempre faz três?

— Um para a Sra. Park, um para você e um para o seu irmão – respondi. – Ela disse que vocês se alimentam muito mal, e como eles são relativamente saudáveis, pensei que fosse agrada-la se vocês também comessem.

— Oh – ele abriu um sorriso largo, fazendo seus olhos desaparecerem entre as bochechas-, minha mãe fez uma amiga tão carinhosa. Posso comer o meu agora?

— Vá em frente – gesticulei com a mão.

Ele avaliou atentamente os muffins – todos eram iguais, mas escolheu o que tinha o laço amarelo. Fez um show antes de morder o primeiro pedaço; o avaliou diante do Sol, cheirou e, lentamente, deu uma mordida. Encenou um pequeno teatro, em extremo prazer com o sabor, fazendo uma cara de satisfação.

— Ambrosia – concluiu.

— É feito de batata doce – não contive o sorriso.

— Por que você não vende? – perguntou, mordendo mais um pedaço.

— Vender? Pra quem?

— No restaurante da mamãe – ele parecia falar sério. – Tenho certeza de que ela adoraria. Quero dizer, é saudável, gostoso e prazeroso de fazer. Pelo menos, acho que você deve gostar de cozinhar, já que faz o curso de culinária e tal.

— É, bem, sim – cogitei a ideia. – Mas não sei se tenho tempo para fazer uma fornada grande todo dia.

— Por que você não conversa com ela sobre isso? – ele falou, terminando de comer seu muffin. – Vocês podem acertar um dia da semana para venderem no balcão do caixa. Assim vai ter uma boa visibilidade e, se pegar, as pessoas vão acabar voltando por eles. O que acha?

Pensei sobre aquilo.

— É. Não prometo nada ainda, mas acho que gostei de ideia – levantei os olhos para ele. – Ei, você já comeu o seu.

— Esse é o do Jihyeon – respondeu. – Ele viajou com uns tios e só voltará na terça que vem. Quando você começar a vender, compro outro para ele – piscou o olho.

Cerrei os olhos, desconfiada. Dei de ombros, voltando para meu lugar na cadeira. Ficamos em silêncio enquanto ele comia o muffin do laço verde, observando a criança tirar os patins, afastando com a mão o cachorro que pulava nela balançando o rabo, querendo brincar mais.

Jimin bateu as mãos uma na outra, limpando-as.

— Jinheessi, posso fazer uma pergunta?

Assenti, pesarosa. Levantando minha guarda.

— Você quer ser minha amiga?

Pisquei, surpresa. Realmente, não era aquilo que eu esperava que dissesse. Um déjà-vu ocorreu-me naquele momento, lembrando-me de uma cena há muito esquecida durante o jardim de infância. Uma criança me perguntando se eu gostaria de ser sua amiga – Nami. A lembrança calorosa acalmou meu coração.

Você quer ser meu amigo? – perguntei, minha voz soando mais dura do que pretendia.

Temi que ele tivesse entendido errado minhas palavras, como que eu estivesse o inferiorizando, mas sua resposta foi imediata:

— Quero.

Pisquei os olhos mais uma vez, confusa. Eu deveria responder que sim, nem que por educação, mas optei por ser sincera.

— Você terá problemas se envolvendo comigo.

— Isso não te impediu de confrontar o Woobin por mim.

— Fiz aquilo sem pensar.

— Quer dizer que se arrependeu?

— Eu- bem, acho que não. Mas deveria ter pensado nas consequências das minhas ações. Eu não te dei escolha sobre a minha intervenção ou não, e quem paga pelas minhas ações nunca sou eu.

Ele assentiu. Estremeci de frio; o inverno estava chegando.

— Isso parece um fardo pior do que o meu – ele falou. – Quero dizer, eu sou punido pelo cartão que eu tenho. Mas, com você, são as pessoas ao seu redor que são punidas.

— Por isso você não deve ser meu amigo.

Jimin abriu sua mochila, tirando de dentro um cachecol de lã preto.

— Eu admito que está numa situação um tanto delicada – começou, um tanto hesitante, e então abriu um sorriso gentil, oferecendo-me o cachecol -, mas quem deve escolher se envolver ou não é a pessoa, não acha? No final, quem irá correr o risco será ela, e não você.

Envolvi meu pescoço com o cachecol. Cobri meu nariz congelado, agradecida pelo calor – proporcionado tanto pelo agasalho quanto pelas palavras.

— Você não vai ganhar nada sendo meu amigo.

— Vou ganhar muffins de graça – ele me cutucou no ombro. – E então?

Eu sorri involuntariamente, mas ele não viu – o cachecol cobria metade do meu rosto.

— Estou acostumada a ficar sozinha – suspirei, mas meu tom de voz me entregou.

— Desacostume-se – Jimin sorriu. – Gosto de companhia. E eu falo muito.

Ficamos em silêncio; e, desta vez, não foi estranho. Jimin estendeu a mão para tocar meu rabo de cavalo.

— Eu quase não te reconheci de longe; nunca tinha te visto de cabelo preso.

— Oppa? – uma voz feminina se aproximou de nós.

— Rená! – ele se levantou, indo a cumprimentar.

— Sua mãe falou que você talvez estivesse aqui – ela sorriu.

— Porque não avisou que viria visitar? Eu teria te esperado no restaurante.

Naquele momento, meu celular estremeceu.

Yuri: Você está chegando em casa? Sua mãe já está aqui. Daqui a pouco vamos sair.

Meu sangue gelou. Telefonei para ela, que atendeu no primeiro toque.

— Jinheeah?

— Yuri, por que a Sra. Choi está aí?

— Quem?

— A Sra. Choi. Minha mãe.

— Ah, sim. Nós vamos sair para jantar. Você não lembra?

— Ninguém me avisou – hesitei. - Era isso que você quis dizer quando perguntou para aonde iríamos hoje?

— Era. Jinhee, me desculpa mesmo, eu realmente pensei que você soubesse. Você já tem planos para hoje?

— Não se preocupe, eu estou perto de casa. Se vocês saírem antes de eu chegar, mande-me o endereço, okay?

— Okay. Vou separar uma roupa para você.

Desliguei e logo em seguida chamei por um taxi.

— Está tudo bem? – Jimin perguntou.

— Está, é só que ocorreu um imprevisto – não tirei os olhos do celular (o taxi chegaria em menos de três minutos, estando perto dali). – E agora estou atrasada.

— Você veio a pé? Quer carona?

— Eu já chamei um taxi.

— Tem certeza? Posso ir correndo pegar o carro.

— Você não deveria correr machucado – falei -, mas obrigada. O taxi já está chegando.

— O meu carro é aquele – apontou para não muito longe dali -, vai ser mais rápido.

— Você oferece carona pra todo mundo?

— Só para os meus amigos – ele piscou.

Eu ri, levantando do banco e guardando o celular na bolsa.

— Tem um taxi ali, será que é ele? – a menina perguntou.

— Deve ser – assenti. – Obrigada, Jiminssi. Foi um prazer – me despedi da garota cujo nome me era desconhecido.

Virei de costas e saí correndo para o taxi, acenando. Na metade do caminho, percebi que ainda estava com o cachecol de Jimin.

No dia seguinte, na universidade, iria devolvê-lo para o meu amigo.


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Notas finais do capítulo

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