Connected | BTS Fanfic escrita por Choi Jinhee


Capítulo 16
Ao Ídolo, As Calcinhas.


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas! Como vocês estão?
Aqui vai mais um capítulo feito com todo o carinho do mundo pra vocês. Esperamos que gostem~~
Boa Leitura ❤



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P.O.V Kim Nami

 

Eu não tinha certeza se em todas as empresas era assim, mas na YG Entertainment os idols eram instruídos a seguir uma espécie de rotina matinal que incluía higiene pessoal, cuidados com a pele e com o cabelo, maquiagem e alimentação regrada. Sabia disso porque, quando eu ainda fazia parte do girlgroup, meu manager conversara comigo sobre me adequar às imposições estéticas da indústria do entretenimento.

Mesmo após abandonar o grupo, continuei seguindo a rotina – adaptando-a para a minha realidade. Depois de acordar, eu passava alguns minutos olhando o meu reflexo no espelho (se tivesse tempo). Avaliava o que queria melhorar e o que estava ao meu alcance para melhorá-lo. Achava aquele meu ritual mais vantajoso do que comer folhas em todas as refeições do dia e ficar com a cara cheia de cremes caros que eu ainda não podia bancar sem precisar de ajuda financeira de Namjoon.

Meu irmão uma vez dissera que eu sempre seria a melhor solução para os meus problemas; ações externas amenizam, mas não os resolvem. Aquilo não se limitava somente aos fatores estéticos; abrangia também os obstáculos da minha vida. Pensar, debater internamente as possibilidades do futuro, procurar por soluções – tudo aquilo fazia parte da rotina que eu criara para tomar coragem e encarar meus problemas de frente. E, na maioria das vezes, funcionava.

Por isso, todas as manhãs eu levantava um muro dentro de mim. Aquilo me impedia de transparecer nervosismo e evitava choros súbitos. Se algo desestabilizasse a minha fachada, eu corria para o primeiro lugar vazio que encontrasse e repetia os mesmos passos: “Qual é o problema”? ’’, “Por que isso é um problema? ’’, “Como posso resolvê-lo?’’.

Naquela manhã, porém, eu estava com tanto sono devido à noite mal dormida que dedicara menos que um minuto na frente do espelho. As olheiras estavam tão pesadas que já conseguia imaginar o quanto aquele maquiador desgraçado da YG gritaria comigo.

Se eu ainda estivesse no girlgroup, claro. Trainees não precisavam de maquiadores.

De qualquer forma, apesar de ter faltado provas e apresentações de trabalhos e de não assistir a aulas há mais de um mês, por algum motivo eu me encontrava esperançosa de que aquele dia fosse promissor. Não sei exatamente o que me levou a crer que meus problemas não eram tão sérios quanto realmente eram.

Mesmo após um rápido banho gelado, sentia-me sonolenta e exausta. Recarreguei minha mochila com barras de cereal e parti para a estação. Claro que eu peguei no sono no metrô assim que me sentei, e uma ligação de Namjoon me acordou – perguntando se eu já estava na Shinhwa. ‘’A caminho’’, respondi. Tive que correr meio quilômetro e ainda assim cheguei atrasada na sala, sem fôlego e com um gosto de bile na boca.

Bem, pelo menos a primeira aula era prática de laboratório, e não teórica – não tinha nem perigo de eu conseguir manter meus olhos abertos se tivesse que escutar a canção de ninar que era a voz dos professores explicando o assunto. O que precisava naquele momento era de algo que me motivasse a ficar acordada. Se bem que identificar e esquematizar as organelas de uma célula vegetal não eram atividades propriamente motivadoras.

Bati levemente na porta antes de abri-la. A Sra. Kwon, a professora de botânica, recepcionou-me com uma reverência não mais do que automática e não tardei em fazer o mesmo – permanecendo mais tempo naquela posição em sinal de arrependimento.

— Peço desculpas pelo atraso, Seongsaenim.

Ela assentiu com a cabeça e disse-me para procurar um assento.

Engoli em seco, ainda tentando estabilizar o coração, e me virei para o restante da sala – mesas quadradas dispostas em grupos de quatro, diversos alunos ainda arrumando seus materiais. Lá no final, Jaegun, sentado sozinho em uma das bancadas, acenou para mim freneticamente. Ele tinha um pouco mais de 1,90 e vestia um moletom colorido de algum super-herói, então era meio impossível de não vê-lo.

Além de que havia pintado o cabelo de rosa.

O que fez com o seu cabelo? — cochichei.

— Sério, Nami? — bufou. — Você faltou trinta e sete dias de aula, perdeu cinco provas, dois trabalhos e esqueceu da palestra sobre pinguins que prometeu ir comigo. Entre tanto assunto atrasado, você se preocupa com o meu cabelo?

— Ficou fabuloso.

Ele fez uma carranca, ajeitando os óculos enormes no rosto.

Jaegun era como um irmão. Eu o conhecia desde a infância, quando ele e Namjoon tinham uma banda amadora na garagem de casa. Meus pais sempre foram receptivos com os amigos dos seus filhos; Jinhee costumava chegar pela manhã e geralmente ia embora ao final da tarde. Jaegun vinha durante a noite; ele e meu irmão se isolavam na garagem para estudar, compor músicas e discutir sobre a vida. Jaegun tinha uma bateria e Namjoon, uma guitarra; os dois passavam a maior parte do tempo cantando e tocando. Eu e meus pais nunca nos incomodamos com isso, mas os vizinhos reclamavam bastante e chegaram a chamar a polícia umas três vezes.

— Ainda estou bravo com você. — ele esboçou uma feição aborrecida.

— Mesmo depois de ter mandando aquele áudio de cinco minutos no Kakao?

— A gravação original tem quinze, mas a franquia de dados acabou no meio do caminho. Agradeça à minha operadora — ele fez uma careta zangada quando comecei a rir. — Ya! Não ria! Os meus pais acham que internet vai atrapalhar os meus estudos e se recusam a pagar uma wifi lá pra casa. Eu não tenho dinheiro para pagar um pacote de dados minimamente decente. Você bem que poderia fazer isso por mim, já que é uma celebridade agora.

— A) ser uma celebridade não remete a ter dinheiro, e B) eu não sou famosa.

— Não é? Em que mundo você vive? A internet sul-coreana foi à loucura querendo saber quem é a garota que cantou ao lado de Rap Monster. Você não viu os trending topics?

— Não tive tempo. O que estão falando de mim? 

Jaegun não teve tempo para responder; duas garotas se aproximaram da nossa mesa, sorrindo. Pareciam simpáticas. Eram gêmeas, constatei, embora uma fosse loira e outra morena.

— Com licença — a loira colocou sua bolsa sobre a mesa —, você é Kim Nami, certo? — perguntou, continuando logo em seguida, sem dar espaço para que eu confirmasse ou perguntasse como sabia o meu nome: — Sou Ahn Chaera e esta é Ahn Hara, minha irmã. Nossos pais são CEOs da franquia Calvin Klein na Coreia do Sul.

— Ah, claro — assenti, ainda sem fazer ideia de quem fossem.

Duvidava muito que saísse boa coisa daquilo. Quando alguém se apresentava informando o patamar da família, era como se dissesse “É bom que saiba com quem está lidando e pense duas vezes antes de me contrariar”. E, depois de algum tempo na Shinhwa, me acostumara; aquela forma de introdução era padrão.

Eu e Jaegun trocamos um olhar desconfiado antes que a Ahn de cabelo preto continuasse. 

— Você e Rap Monster são amigos? — foi direto ao ponto. — Sei que é trainee na YG e que cantou com ele na festa. Devem ser muito próximos para fazerem uma apresentação juntos.

— Não, não somos próximos — menti. — Eu só substituí a cantora original. Ele e Dara, do 2NE1, fariam um dueto, mas ela adoeceu dias antes da apresentação e, como eu já faria a segunda voz, me escolheram para cantar no seu lugar.

Elas refletiram sobre aquilo, desapontadas. A loira — Chaera — pareceu se irritar.

— Agh, Dara — pronunciou o nome como se fosse uma maldição. — Por que ela tem que ser a queridinha dos idols? Ela e o Namjoon-oppa não têm nada em comum, mas é incrível como a YG continua forçando. 

— Se um dia eles anunciarem namoro — a outra continuou —, com certeza vai ser uma só uma estratégia da empresa para gerar marketing, porque, sinceramente, não tem nenhuma química entre os dois. Vocês não concordam?

Eu e Jaegun assentimos, automaticamente.

— Ah, estresse acaba com a minha pele. — Chaera massageou o rosto.

Tive que dar um beliscão na perna de Jaegun para que ele não começasse a rir.

— Caso encontre o oppa pela YG, entregue isto, por favor — Hara me entregou uma caixa retangular fina, fechada com um laço e acompanhada de um bilhete. — Diga que é o presente que as gêmeas Ahn não conseguiram entregar no show em Busan. Ele vai saber do que se trata.

Mantive uma expressão neutra por fora, tendo mais ou menos uma ideia do que havia dentro daquela caixa. Além de ter certeza de que não, o meu irmão em hipótese alguma se lembraria das ‘’gêmeas Ahn’’ – ele conhecia tantas pessoas todos os dias que era muito improvável que lembrasse.

— E diga também que a Calvin Klein Korea adoraria tê-lo como modelo. Seria uma honra recebê-lo na nossa... empresa — ela falou aquilo com um tom um tanto questionável, sorrindo maliciosamente. — Até mais, Kim Nami. Foi um prazer conhecê-la.

Discretamente, elas voltaram para os seus lugares.

— Quando penso que não tinha coisa mais ridícula do que o cara do PPAP, essas duas me aparecem — Jaegun sussurrou, abafando o riso na mão. — Aliás, substituta da Dara? É isso o que está fazendo o mundo acreditar?

— É isso ou nunca mais terei paz. Não quero passar o resto dos meus dias agindo como um pombo correio do meu irmão.

— É — assentiu. — No seu lugar, eu também não gostaria. Prepare-se porque muita gente vai aparecer procurando “amizade sincera” com você. Percebeu que o “foi um prazer conhecê-la” estava tão falso quando aqueles peitos? 

Fiz uma careta, tentando não rir alto da cara que ele fez.

— É como a mamãe diz: peitos são como amigos; é melhor que sejam poucos, mas que sejam verdadeiros.

Jaegun engasgou e teve que afundar a cabeça na mochila para não chamar atenção com o barulho. Por debaixo da mesa, avaliei a o presente das Ahn. Balancei a caixa; seu conteúdo fez um ruído abafado. Arqueei a sobrancelha, vendo o que tinha lá dentro.

— Cadê o bom senso para não presentear o ídolo com calcinhas? Qual o problema das fãs do Namjoon? Tanta coisa boa pra dar. Bombons, cartas, fanarts, mas calcinhas?! Namjoon tem tantas que não vou estranhar se um dia ele começar a usá-las.

Jaegun forçou uma tosse.

 — Não queira saber como.

Olhei para ele, horrorizada.

— Namjoon e eu teremos uma conversa sobre o que ele anda fazendo nos bastidores dos shows.

Jaegun riu, pegando a caixa da minha mão.

— Provavelmente nada — deu de ombros, enfiando a mão dentro do presente. — Namjoon é bem sensato, você conhece ele. 

— Ele até pode ser sensato, mas elas não são. Francamente, calcinhas!

— Sabe o que é irônico? — ele riu, mostrando a etiqueta. — São da Victoria’s Secrets. Imaginei que fosse ser da Calvin Klein, não de uma concorrência.

Bufei, tirando a caixa de suas mãos e jogando-a na minha bolsa. Jaegun era uma pessoa muito fácil e agradável de conviver, embora frequentemente tivesse que suportá-lo explicar a razão pela qual o Super X ou o Super Y não eram heróis de verdade.

Continuamos a realizar a prática, vez ou outra fazendo piadas sobre os distúrbios mentais das fãs do meu irmão. Agradeci silenciosamente por Jaegun ter se sentado tão longe do resto da turma, pois poderíamos falar do que quiséssemos sem que ninguém nos escutasse.

O episódio com as Ahn me fez refletir sobre o assédio que eu sofreria se o deixasse contar que somos parentes. Mesmo tendo mentido, alegando que eu não era nada além de uma mera substituta, sentia os olhares me cercando como abutres.

As outras aulas do dia eram todas teóricas, e eu acabei dormindo na maioria – não acordei nem para o intervalo. Quem diria que uma mera carteira de universidade proporcionaria o melhor sono que tivera nos últimos meses? Jaegun de tempos em tempos me cutucava para falar palavras de incentivo como “Você ronca como um trator” ou “Feche a boca, você está babando”, mas, depois da terceira aula, eu realmente apaguei. Só acordei no finalzinho da quinta, quando um professor, cujo rosto não me recordo, empurrou uma apostila gigantesca de Citologia na minha carteira e disse que queria que todos fizessem uma dissertação para a próxima semana sobre os mecanismos de permeabilidade celular. Franzi o cenho, analisando o tamanho daquilo. Se alguém organizasse todas as linhas daquele caderno uma na frente da outra, daria três voltas no mundo de distância.

Aborrecida, empurrei aquele monte de papel para dentro da minha bolsa e me levantei da carteira, ainda cambaleando de sono.

— Vamos embora. Quero dormir, mas antes preciso de comida.

— Por que está tão triste? — Jaegun perguntou. — Você ganhou calcinhas novas.

— E vou queimar todas. Sabe-se lá o que aquelas Ahn fizeram com essas coisas.

— Outras pessoas tentaram se aproximar com mais presentes enquanto você dormia, mas eu não deixei que te acordassem.

— Você é um anjo, querido — apertei sua bochecha.

Quando estávamos prestes a sair da sala, alguém tocou no meu ombro. Um garoto – menor e mais novo que eu, provavelmente no primeiro período da universidade – falou, tímido:

— Desculpa, mas você é amiga do Rap Monster? — seu rosto enrubesceu.

— Não — menti. — Eu sou só uma trainee na YG.

— Mas vocês cantaram juntos — insistiu.

— Era para ser um dueto com a Dara, mas ela adoeceu e não pode se apresentar. Eu apenas a substituí.

Ele assentiu, olhando para baixo.

— Ah. É uma pena. Mas, se o encontrar na YG, pode entregar este livro pra ele? É O Lobo da Estepe. Namjoon-hyung mencionou num programa que queria ter a versão impressa, mas não havia mais exemplares na Coreia do Sul. Espero que ele não se importe com o fato de estar escrito em alemão.

Essa sim era uma loucura que fãs poderiam fazer sem manchar a imagem do fandom e do Idol. Sorri, pegando o livro.

— Pode deixar. Vou fazer o possível para encontrá-lo

— Muito obrigado — seu rosto ficou ainda mais vermelho e ele curvou-se em agradecimento, fazendo o mesmo com Jaegun, antes de sair.

E, apesar da boa intenção, olhei para os presentes em minhas mãos com desânimo. Eu havia virado um pombo correio.

— Veja pelo lado bom, pelo menos não são calcinhas — Jaegun sugeriu, ao ver a minha reação.

— Pelo menos isso.

Abri o livro e tentei ler o título. Eu sabia identificar e ler o alfabeto greco-romano, mas a combinação das letras no alemão confundia a minha cabeça. Passando o olhar rapidamente sobre a página, notei uma sequência de números no rodapé e fiquei pasma quando percebi o que era.

— Mas, em compensação, ele deixou o número de telefone na contracapa!

Mostrei-o para Jaegun, que exibiu um largo sorriso no rosto. 

— Eu avisei que o número de pretendentes triplicaria depois que Namjoon se assumisse pansexual. Mas, se ele não ligar pra esse garoto, eu mesmo ligo. Não é todo dia que se encontra uma pessoa tão dedicada. E, convenhamos, ele foi tão adorável. Saiu daqui tão vermelhinho.

— Meus dois irmãos escandalizando a família tradicional coreana. Que orgulho.

— Se não for pra abalar eu nem vou — ele estalou o dedo no ar.

Rimos e caminhamos em direção às saídas. Entretanto, parei, no meio do caminho, me lembrando do meu compromisso.

— Ah, droga. Estou indo para o caminho errado.

— Como assim? Você não vai voltar pra casa de metrô? — Jaegun indagou.

— Ainda não — neguei com a cabeça. — Tenho que ir ao departamento de música resolver alguns problemas.

Jaegun arqueou a sobrancelha. 

— Quem é que você conhece do departamento de música? Lá é tão isolado do resto da universidade.

Mordi o lábio, me arrependendo de ter tocado naquele assunto. Jaegun podia ser meu amigo, mas, assim como Namjoon, ele também agia como se fosse meu irmão. Isso incluía brigas, sermões, ciúmes e atitudes desnecessariamente superprotetoras. Entre Jaegun e Namjoon, não sabia qual dos dois teria a pior reação caso soubessem que estava planejando um debut escondido da YG, e, ainda, patrocinado pelo Suga. Talvez Jae reclamasse menos, por estar alheio à maneira que Suga agira comigo quando nos conhecemos.

— Não é ninguém importante, não se preocupe.

Ele assentiu, olhando para frente.

— Então não vai se importar se eu for com você. 

— Você não precisa-

— Nami — ele me interrompeu —, nós crescemos juntos. Você não consegue esconder algo de mim.

Hesitei.

— Desembucha.

— Pode guardar segredo?

— Depende. A minha amizade com Namjoon está em jogo aqui. Não se esqueça de que eu também sou seu irmão mais velho. 

Fiz uma carranca. Eu não conseguiria impedir que ele me acompanhasse até lá, então precisava que ele ao menos não contasse ao meu irmão.

— Abre o jogo, Nami. O que vai fazer no departamento de música?  

— Não é como se eu fosse contrabandear drogas ou assaltar civis inocentes, Jae. Pode ir, se quiser.

Nós caminhamos em direção ao departamento de música. Jaegun foi à frente, eventualmente chutando uma pedrinha que encontrara no caminho.

Às vezes eu me surpreendia diante das semelhanças entre Namjoon e Jaegun. Acredito que, por Jae ter praticamente vivido dentro da nossa casa, os dois dividiam da mesma responsabilidade de serem “meus irmãos”.  Tinham a mesma idade, mas Jaegun começou a frequentar a universidade mais tarde porque decidiu ir para o exército assim que completou 18. A idade um pouco avançada para um universitário do segundo período e o fato de ser bolsista, tatuado e gay eram alguns dos motivos para que outros estudantes olhassem torto para ele. Jaegun não merecia os olhares nem os comentários que faziam – ele era a pessoa mais amável que eu conhecia. Era esforçado, inteligente e tirava notas altíssimas; ninguém que tivesse um bom juízo ousaria incomodar o menino prodígio favorito dos professores. 

Diminuímos o passo, observando a fachada construção bege arquitetada num estilo clássico todo rebuscado, com pilares dóricos e arcos de mármore. Em uma pedra larga de quartzo branco, fincada no solo, destacava-se: Campus de Música e Performances Artísticas. Não era maior do que o de biologia, mas havia muito mais alunos do que na área de ciências. O que, de certa forma, não era de se admirar. A indústria do entretenimento na Coreia crescia cada vez mais e incitava uma disputa entre Idols para determinar quem conseguiria ficar mais tempo no foco dos holofotes e nos topo dos charts. Ao contrário da minha pessoa, que nem nome artístico tinha, os estudantes de música da Shinhwa já ostentavam um fandom sem nem mesmo terem sido escalados para uma empresa.

Algumas pessoas me reconheceram – a garota que cantara com Rap Monster. Ignorei-os como pude, decidida a focar a minha concentração no meu objetivo.

A discrepância era gritante entre os alunos de música e os da minha turma. Eles ostentavam um ar diferente. De alguma forma, pareciam ser... jovens. Autoconfiantes e cheios de energia. Não estava acostumada àquele ambiente, já que no meu departamento as pessoas tinham olheiras permanentes embaixo dos olhos.

Empurrei a porta de vidro da entrada do prédio. O teto do salão principal era altíssimo. As paredes eram decoradas por retratos dos músicos famosos que se formaram na Shinhwa. Havia círculos de puffs distribuídos pelo espaço, a maioria ocupada por alunos. Os sons de instrumentos e de risadas preenchiam a sala.

Olhei para o meu relógio; chegara pontualmente. Procurei ao redor, analisando os grupos de pessoas. Nos puffs perto das escadas que levavam aos outros andares, um grupo de alunos rodeava um garoto de cabelo loiro claro, quase branco. Quase não o reconheci por causa da nova cor. 

Era Suga. Dei alguns passo em sua direção, ansiosa.

— Kim Nami — alguém falou, fazendo-me virar o rosto em sua direção. — Aquela é a garota que cantou com o Rap Monster!

Uma garota apontou para mim, caminhando na minha direção com dois amigos. Olhares curiosos se viraram em minha direção, paralisada em frente à porta, tendo acabado de entrar no salão. Pessoas se aproximaram, fazendo perguntas, e, em questão de segundos, uma pequena multidão me rodeava. O som das vozes se misturou, tornando impossível distinguir as frases – fazendo com que aumentassem o tom de voz na tentativa de serem escutados.

Um círculo que se formou ao meu redor bloqueou a minha passagem. Jaegun foi empurrado para longe.

— Você e o Rap Monster são muito amigos?

— Não, vocês entenderam errado, nós não-

— Vocês namoram?!

— O quê? Claro que não, ele é-

— As Ahn disseram que você está levando o presente delas. Quero que leve o meu também!

— Eu posso te pagar muito dinheiro pelo número de telefone dele.

— Eu não tenho-

— Peguem o celular dela!

— Esperem! Escutem! Já disse que-

Minha bolsa foi puxada para trás, quase torcendo meu ombro com a força. Por reflexo, agarrei a alça e a puxei de volta, desesperada. Meu computador, caderno de música, anotações da universidade; iriam estragar tudo! Alguém enfiou a mão no meu bolso e pegou meu celular. Virei-me imediatamente, puxando-o da mão da garota que o segurava.

— Me dá! — ela gritou.

— Não me faça chutar você. Solte o meu celular agora.

Ela soltou, abruptamente, e eu acabei caindo para trás em cima da bolsa. Senti um calafrio na minha coluna; meu computador. Virei de costas, sentando sob os joelhos, apalpando para ver se algo dentro dela parecia quebrado com o impacto, e alguém a puxou pela alça, tirando-a de minhas mãos.

— Ei!

Levantei e procurei pelas minhas coisas, avistando tudo jogado no chão — meus livros, a maldita apostila, meu computador!, e uma pasta azul com as minhas composições. Sem nem pensar duas vezes, engatinhei por entre as pernas que rodeavam as minhas coisas e me joguei em cima de tudo, numa tentativa ridícula de proteger minhas músicas.

— Chega! — uma voz grossa reverberou pela sala.

 Não era a voz rouca de Suga, como cogitei a princípio, mas sim a de um jovem de pé ao seu lado. Woobin.

Da mesma maneira que eu me virei para identificar o dono da voz, as pessoas ao meu redor também se distraíram.

— Vocês são crianças? — ele estava irritado. — Animais? Ficam causando furdunço por qualquer coisa! Cresçam.

— Cala a boca, Woobin — Suga se levantou do puff. — Você nem deve saber o que “furdunço” significa.

Um súbito silêncio invadiu a sala. Aproveitei para puxar minha bolsa da mão do garoto que a segurava, que a entregou sem resistir.

— Aproveitando a fama, Kim Nami? — a voz de Suga falou, aproximando-se de mim.

Respirei fundo, tentando estabilizar minha respiração.

Uma série de murmúrios se alastrou pelo salão. Não virei a cabeça, mas percebi com o canto do olho quando ele se agachou ao meu lado.

— Você deu um show e tanto, hein? — Suga me entregou a minha pasta de composições.

— Fui treinada para isso — funguei, me levantando.

— Você a conhece, oppa? — alguém perguntou.

— Não é problema seu — Suga cuspiu.

A menina, a princípio, pareceu ficar ofendida, mas então olhou para alguém que estava ao seu lado e destacou com euforia: “Ele falou comigo!”.

Ao dar uma olhada ao redor da sala, a porta de vidro refletiu o meu estado. Não havia percebido até agora, mas alguém tinha puxado o meu cabelo. Uma das minhas tranças estava desfeita. Desfiz a outra, deixando meu cabelo preto solto, ondulado depois de tanto tempo com o penteado.

— Ãh, com licença, querida — Jaegun perfurou a multidão que nos rodeada, chegando até mim. — Namiah, você está bem?

Não tirei os olhos de Suga, que semicerrou os dele, sorrindo de lado.

— Estou bem.

— Ótimo — Suga se virou. — Agora vamos trabalhar.

Ele caminhou em direção à escadaria para o próximo andar. Jaegun segurou o meu braço.

— É ele a pessoa que você veio encontrar?

Com o afastamento de Suga e de Woobin, o círculo de pessoas começou a se fechar novamente, impedindo a minha passagem.

— Você é amiga do Rap Monster e do Suga?! Como assim?

— “Amiga” não é o tempo que eu usaria. Agora, se vocês me derem licença, eu preciso-

— Você está namorando algum dos dois? Ou os dois?

— Não, sério, por favor, eu realmente preciso passar e-

Alguém puxou minha mão quando eu estava prestes a paciência. Suga havia voltado e era ele quem me puxava para fora daquele aglomerado de pessoas.

— Francamente, tantos idols já passaram por aqui sem que nada parecido acontecesse — fez uma careta, encarando o nosso pequeno público. — Olhem para si mesmas, fazendo escândalo por causa de uma garota que cantou ao lado de um rapper.

Suga tinha, apesar de tudo, muita moral. As pessoas abaixaram a cabeça enquanto ele falava.

— Peçam desculpas.

Fiz que não com a cabeça, soltando a minha mão da dele,

— Não precisa, eu não-

— Não foi você que disse que um idol deveria servir de exemplo pros seus dongsaengs?  — ele arqueou a sobrancelha. — Este sou eu ensinando uma lição — se virou para as pessoas. — E então? Peçam desculpas. Um, dois, três:

— Nos desculpe! — bradaram, em uníssono.

Eles se curvaram.

— Tenho certeza de que só agiram por impulso — me curvei de volta, sentindo-me desconfortável.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Tentaram roubar o seu telefone, espalharam o seu material pelo chão e você está tentando justificar essas ações?

— Senhoras e senhores, Kim Nami — Jaegun falou.

Suga franziu a testa, antes de revirar os olhos e dar de ombros. Puxou um molho de chaves do bolso e fez sinal com a cabeça para que eu o seguisse.

— Vamos resolver isso logo, minha aula começa em quinze minutos.

— Nami, pra onde vocês vão? — Jaegun perguntou — Eu não estou gostando-

— Não se preocupe, só vamos conversar — eu não o olhei nos olhos.

Suga caminhou em direção às escadarias e eu o segui pelo primeiro andar. Era um corredor extenso e branco, cheio de janelas, com algumas portas aqui e ali, que eu supus que fossem as entradas para as salas de aula. Suga caminhava à minha frente, chacoalhando um molho de chaves.

— Sua popularidade voltaria a crescer se você fosse um pouco mais gentil. — sugeri.

— Não gosto de fingir ser algo que não sou — deu de ombros. — Cedo ou tarde a máscara cai.

— Não estou dizendo para ser falso, mas sim para ser gentil. Todo mundo tem um pouquinho de gentileza dento de si, ela só precisa ser despertada. — insisti.

No meio do corredor, Suga parou em frente a uma porta e abriu-a com a chave. Esticando o braço, ele ligou a luz no interior, antes de olhar para mim com um sorriso presunçoso, indicando com a cabeça para que eu entrasse.

— Tenho certeza que vai mudar de ideia quanto a minha “gentileza” quando vir isto. 

Não era uma sala de aula, e sim um mini-studio. Um cômodo não muito grande, de aproximadamente 15 m², revestido de um carpete cinza e vermelho e de espuma sintética em alguns pontos. Um PC com uma workstation de áudio; placas, caixas e mesas de som; alguns microfones e fones de ouvido; um controlador de MIDI; além de instrumentos como teclado, violão e bateria. A tecnologia e sofisticação dos aparelhos não deixavam nada a desejar, como esperado dos padrões da Shinhwa. Com todo esse requinte, seria facilmente possível converter uma gravação de quinta categoria em uma sequência de áudio profissional.

Empolguei-me mais do que deveria e me peguei sorrindo feito uma criança ao me ver cercada daquela atmosfera leve que exalava música. A princípio, não acreditei que Suga levaria o papo de me debutar tão a sério ao ponto de arrumar um estúdio para que eu fizesse as minhas gravações.

— É incrível. 

— Claro que é incrível. Esperava algo de mim que não fosse incrível?

— A sua modéstia com certeza não é.

— Modéstia não vai te debutar.

Enquanto eu admirava a aparelhagem, meus olhos se focaram em uma pequena plaquinha, na extremidade da mesa: Patrimônio Privado – Shinhwa Inc.

— Não tem problema estarmos aqui, não é?

— É propriedade da escola, então não.

Arqueei a sobrancelha.

— E como foi que você conseguiu a chave desse lugar?

— Já ouviu falar em suborno?

Soltei uma risada seca, virando o rosto. Ele não estava rindo.

— Espera, você está falando sério?

— Se eu disser que sim, você vai ficar se sentindo culpada? Sua alma boa não aceita métodos antiéticos de burlar a fila de espera?

— Não fale como se eu que fosse a errada — franzi o cenho.

— Se tem uma coisa que eu aprendi com essa vida — ele se sentou na poltrona —, foi que não existe certo e errado. Se existe, nunca importou.

— Só quando você resolve os seus problemas com dinheiro.

— Quem me dera fosse tão simples assim — ele suspirou, mexendo em alguns botões no painel da mesa de som. — Respondendo a sua pergunta: não tem problema nenhum estarmos aqui. Reservei o estúdio para o turno oposto aos dias em que você tem aula. Assim, vai poder trabalhar sem ser incomodada. Além disso, as práticas aqui só acontecem no turno manhã. Não iria atrapalhar ninguém, de qualquer forma.

— Seria conveniente perguntar como você sabe os dias que eu tenho aula?

— Tive acesso à sua ficha de matrícula.

Quando exibi um olhar surpreso, prestes a perguntar como diabos ele havia tido acesso aos meus dados pessoais, Suga abriu um sorriso travesso.

— Suborno.

Abri a boca para respondê-lo, dizer-lhe como era ridícula a forma como ele conseguia o que queria, mas pensei melhor. De que adiantaria? Eu não era nem mãe nem amiga dele; além de que era tão teimoso que se um dia insistisse que Nova York é a capital dos Estados Unidos, não haveria Google que o fizesse mudar de ideia.

— Que seja. Mas vamos logo ao que interessa: — suspirei — o meu debut. Como vai ser?

 — Como assim ‘’como vai ser’’? — Ele passou os dedos pelos fios loiros, jogando-os para trás. Eu não me acostumaria tão cedo com como aquela cor de cabelo o deixara com um ar infantil. — É simples. Nos dias que tem aula, você vem para a Shinhwa de manhã, fica no estúdio durante a tarde e grava as músicas que selecionamos. Um amigo meu que trabalha com edição e acabamento de produção musical virá toda terça e quinta para revisar o seu trabalho. Nos dias que não tem aula, você continua as suas atividades na empresa para não levantar suspeitas. Eu te levo para fazer um ensaio fotográfico quando tivermos um mini álbum pronto, a gente organiza uma fanbase, você grava um MV e logo depois debuta. Fim.

— Não é tão simples assim. Eu já passei por isso antes. Sei que simplicidade é a última coisa que vai ser — suspirei pesadamente. — Eu só exijo uma coisa: o meu debut precisa acontecer depois que o meu contrato com a YG terminar. Não quero que eles entrem com ações judiciais contra mim.

Suga ficou alguns instantes em silêncio, assentindo.

— Quanto tempo temos até lá?

— Um bom tempo. O contrato só termina no próximo ano.

— Ótimo. Só vamos precisar nos preocupar em manter isso em segredo até lá. Acho que já resolvemos tudo o que poderia ser resolvido por hoje. Já sabe onde me encontrar, só peço para que tenha cuidado da próxima vez.

Suga se levantou e estendeu a mão para que eu a apertasse.

— Colegas de trabalho?

E dessa vez não o deixei no vácuo.

Apertei sua mão, não deixando de notar o singelo sorriso que se formou no canto dos seus lábios. 

— Na medida do possível, pelo menos.

***

Procurei por Jaegun assim que desci as escadas. Encontrei-o facilmente, segurando a minha mochila e olhando com desconfiança para um grupinho de pessoas que nos assediara antes. Levou susto quando me aproximei, pegando-o de guarda baixa.

— Vamos? — acariciei seu braço, puxando-o gentilmente para fora dali.

— Nami, o que exatamente você e Suga fizeram lá em cima? — sussurrou.

— A gente só conversou.

Ele hesitou.

— Vocês estão namorando?

— O quê? Não!

— Ele quer namorar você?

— Jaegun, ele pensa que eu estou namorando o Namjoon.

— O Namjoon?! Era por isso que você foi falar com ele?

— Bem — ajeitei a alça da minha bolsa no ombro —, não posso te contar. Mas você não precisa se preocupar.

— Ai, meu Deus, Nami. Ele está te chantageando, não está?

— Jaegun. Para de viajar.

— Vou quebrar a cara dele se tiver tocado em você — ele me avaliou, esticando meus braços e levantando meu cabelo para ter uma visão melhor do meu pescoço a procura por hematomas.

— É, e depois vai ter que pagar uma indenização do tamanho do mundo pra não ter que ir pra cadeia. Não se preocupe Jaegun, eu sei o que estou fazendo.

— Namiah, por que não pode me contar?

— Assuntos da empresa, sabe como é.

Ele semicerrou os olhos.

— Se me contar agora o que está acontecendo, prometo não contar pro Namjoon o que vi.

Mordi o lábio, indecisa.

— A razão pela qual não vou contar nem pra você e nem pro Namjoon é a mesma: os dois vão tentar me impedir porque não gostam dos termos do contrato. Mas é minha escolha, então vou ter que pedir para você confiar em mim. O que acha?

— Acho que a YG te propôs o debut com um tema sexy sendo vulgar e é por isso que estava falando com o Suga, porque ele é sexy e tem a língua vulgar. E sexy também, convenhamos. Não que isso venha ao caso.

Empurrei seu ombro, rindo nervosa.

Ele ficou alguns instantes em silêncio, e eu não disse nada – deixei que pensasse que era algo com a YG. Era melhor do que a realidade, pelo menos.

— Por que tenho a impressão de que vou me arrepender depois? — suspirou, derrotado. — Tudo bem. Eu não vou contar pra Namjoon, por enquanto. Mas, se isso ficar estranho demais, não conte com o meu silêncio.

— Não precisa ficar tão preocupado, brother — passei meu braço ao redor de seus ombros, puxando para perto. — Vamos passar no ramen shop? Tenho certeza que esse seu desânimo é falta de comida.

— O Namjoon vai me matar — ponderou.

— Não vai não.

— Mamãe sempre diz que está escrito em letrinhas miúdas na tábua dos dez mandamentos que qualquer pecado contra a família equivaleria a uma eternidade queimando no fogo do inferno. E o Namjoon é mais família que a minha mãe. Ainda acha que comida pode fazer com que eu me sinta menos culpado?

Dei de ombros.

— Acho.

Ele bufou, irritado, e me puxou pelo braço para longe dali.

— Vamos comer logo. Satanás não vai se importar se eu tiver uma última refeição.


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram? Não se esqueçam de comentar, vocês nem imaginam o quanto ficamos bobas lendo os cometários, sério.
Ah! A referência com 2NE1 não foi proposital, o capítulo já estava feito quando anunciaram aquele infeliz acontecimento. Ainda estou chorosa T-T.
But, anyways, espero encontrá-las novamente no próximo cap. Byee~~