Entre feitiços, muito cocô, e um Borela. escrita por Lucas Stumpf


Capítulo 4
Defesa contra a Arte das Trevas




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Ysadora nunca vira Lucas tão chocado como quando ele lera a carta, porém, não era de se espantar. Era surreal pensar que alguém poderia ter encontrado a cura para o problema do Gabi, e embora todos os quatro sentissem uma imensa felicidade crescendo em seu interior, o choque era demasiadamente forte para varrer para fora as esperanças de que tal cura funcionaria, seja ela qual fosse.

—Mas quem mandou a carta? - Pedro quis saber, agitado.

—Não diz o nome. - respondeu Lucas, tornando a correr os olhos vidrados pelo papel. - Só diz para que eu o encontre hoje, na sala de troféus, depois da meia-noite.

Ysadora trocou olhares com Gabriel e Pedro, e tinha certeza de que eles dividiam a mesma opinião que ela.

—Mas não da pra ficar caminhando pelos corredor à essa hora. - salientou Ysadora. - Se o Filch pegar você...

Lucas dobrou a carta e enfiou-a nas vestes; girou no banco e fixou o olhar em Ysadora.

—Se houver a mínima chance de curar o meu primo, eu vou fazer isso. Dane-se se me pegarem. Estou nessa escola há dois dias e já foi o bastante para construir uma certa reputação entre os professores.

Ysadora abriu a boca para falar, mas Gabriel foi mais rápido:

—Quem vê, parece que realmente se importa com o Gabi.

Lucas sorriu e sacudiu a cabeça.

—Não me importo. Acontece que o cheiro dele é um mal a ser combatido.

—Verdade. - concordou Pedro, com seriedade.

—Muito mais que Você-sabe-quem. - acrescentou Gabriel.

A verdade é que Ysadora nunca entendeu porque os meninos implicavam tanto com o Gabi. Assim como todos, ela também não suportava o cheiro lúgubre que ele tinha, mas, diferente dos três, ela sentia que o certo era motivá-lo e acolhê-lo; não zoá-lo. Mas não ousaria dizer o que pensava. Tinha medo de que eles a zoassem mais do que já faziam.

A sineta tocou, alertando os alunos de que a próxima aula começaria em instantes. Os quatro subiram para a sala de Defesa contra as Artes das Trevas; e enquanto galgavam as escadas, Pedro suplicava á Lucas que não desafiasse a professora.

—Por falar nisso - disse Lucas, parecendo não dar importância aos pedidos de Pedro. - quem será o professor desse ano?

—Não tenho ideia. - Ysadora revirava cada canto em suas memórias, mas não conseguia encontrar nada que desse uma pista de quem assumiria o cargo esse ano. Sabiam que o professor de Defesa contra as Artes das Trevas mudava todos os anos - seja por causa de demissão ou incapacitação, mas nunca era o mesmo do ano anterior.

A sala de DCAT era ampla e circular, com grandes janelas que iam do chão ao teto, e projetavam nesgas de luz sobre as classes das laterais; uma escadaria em caracol ao fundo levava à uma portinha de madeira com entalhes de ferro. O local estava apinhado de alunos, conversas á murmúrios flutuavam no ar, e um giz escrevia "Defesa contra as Artes das Trevas", sozinho em um quadro negro.

Assim que os quatro tomaram seus lugares nas mesas mais à frente, Ysadora reparou que um garoto sentado ao seu lado, lhe desferia olhares vidrados, com um rubor se espalhando pelas suas bochechas. Ela reconheceu João Borela da aula de Poções, e tentava se lembrar se ele já a encarara assim outras vezes.

A garota tirou da bolsa, seu exemplar de "As Forças das Trevas: Um Guia para sua Proteção", e começou a foleá-lo displicentemente, apenas para deixar seus pensamentos vagarem para longe. Assim que sua mente se fixou na figura de uma bruxa domesticando uma sombra animada, Ysadora sentiu uma forte pontada nas costas, seguida da voz de Lucas próxima ao seu ouvido:

—Por que não vai lá falar com ele?

Ysadora estarreceu. A funesta ideia de Lucas percorreu pelo corpo da garota como um sentimento gélido que a fez sentir como se cada gota de sangue mágico tivesse se extinguido de seu corpo. Dar corda no sentimento de Borela, era, na cabeça de Ysadora, o mesmo que aceitar um jantar sobre centenas de cuecas do Gabi. Ela olhou para o lado pelo canto dos olhos, e Borela agora mordia os lábios enquanto baixava as sobrancelhas. 

Ysadora sentiu um refluxo no estômago, e assim que arranjou forças para responder algo á Lucas, ouviu-se o som de uma porta se abrindo. Uma mulher descia as escadas em caracol: era alta e tinha tez morena; cabelos longos, crespos e quebradiços, um rosto cavalar e seios ridiculamente fartos; mas o que chamou mais a atenção de Ysa, foi o fato de ela não estar usando as habituais vestes dos professores, mas sim, um vulgar biquíni verde e amarelo. 

—Alô, alô, vocês sabem quem sou eu? - perguntou ela, sorrindo para a turma, que parecia congelada demais para imitir qualquer som exceto gemidos secos. - Me chamo Inês, Graças a Deus, sou a nova professora de danç... Não, não, de - ela ergueu os olhos, como se tentasse se lembrar de algo que havia decorado - "Defesa contra a arte darr Treva... s", é. 

Ysadora jurava poder ouvir as entranhas dos alunos se contorcendo para não rir. A professora, Inês, vendo que não teria resposta, se aproximou das classes de Ysadora e Pedro, em movimentos que lembravam passos de sambra, e tirou uma longa varinha castanha do meio dos peitos gargantuanticos. 

—Eu fui contratada pelo professor Dum... Não... Dum... Dum... Ble... O professor velhinho, para ensinar vocês... A se protegerem do coisa ruim... Do tinhoso, do - ela bateu com toda a força na classe de Pedro, fazendo a mesma estremecer.

A turma explodiu em risadas ao ouvir o grito soproso de Pedro. A cara de cavalo da professora estudava os alunos, como se tentasse intimidá-los, mas tudo que Ysa sentia, era receio de que a lembrança sombria daquele olhar se mesclasse com o cheiro de Gabi, e a impedisse de dormir à noite. 

—Então - disse Inês, se aproximando do quadro -, vambora fazendo. Vamo começar pelo Feitiço Escudo. - Ela pegou o giz, e ficou chacoalhando-o no ar, tocando-o no quadro, depois recuando, e Ysadora deduziu que ela não sabia escrever. 

Inês se virou para os alunos novamente, e apontou para Pedro.

—Venha cá. - mandou ela.

Gabriel empurrou as costas de Pedro, e este último se aproximou bamboleando da professora, com os óculos embaçando e gotas de suor brotando na têmpora. Inês empurrou a lousa para o canto da sala, e depois voltou para perto de Pedro.

—Você sabe atacá? - ela perguntou, com sedução.

—Ah, sabe. - respondeu Lucas, que foi repreendido por um olhar encolerizado de Pedro. 

—Graças a Deus - disse Inês, empunhando a varinha. - Eu quero que você, undurerê, me ataque... Mas com amor! Se for pra fazer guerra, eu não tô, graças a Deus. 

Ysadora observava receosa. Estava a poucos centímetros de Pedro e Inês, e tinha um péssimo pressentimento sobre aquela ideia. Quando um trêmulo Pedro ergueu a varinha, Ysadora se inclinou um pouco para trás, e fez-se um silêncio. Pedro agitou a varinha, e um jorro de luz dourado disparou da mesma.

—SEGURA ESSA MARIMBRA AÍ MONAMOUR! - gritou Inês, apontando a varinha para Pedro.

Uma amplo escudo de ar sólido se materializou entre a professora e o feitiço de Pedro, estraçalhando-o e jogando o garoto para trás, além de empurrar as classes de Ysadora e Pedro, arrancando gritos agudos das meninas, e de Lucas. Ysadora viu Pedro levantando o bumbum maciço, e apanhando a varinha que caíra próxima da parede. 

—Viram? - perguntou Ines agitando os longos cabelos negros. - É fácil. Aleluia. Me chamô já tô, olalaô. Agora...

A porta da sala se escancarou, e antes que os alunos pudessem se apressar para ver o que era, cinco vultos se colocaram próximos de Inês, e Ysadora reconheceu Dumbledore, Minerva, Snape, e os outros dois ela nunca havia visto na vida.

—Mamãe? O que a senhora faz aqui, mamãe? - perguntou uma bruxa loura e gorda que olhava com pesar para Inês. 

—Ué, eu tô... eu tô... Ensinano os alunos aqui de Hog... de Hog... de Hogróti. - respondeu Inês, indicando a turma com a mão comprida. 

—Mas quem lhe deu permissão de ensinar? - Dumbledore quis saber. 

—Ué, o senhor!

Dumbledore franziu o cenho. 

—Eu? Eu nunca lhe contatei na vida. 

Inês entortou a boca naturalmente escancarada.

—Mas eu recebi uma carta!

—Francamente - disse Snape, sério. - Olhe para você. Acha mesmo que algum diretor em sã consciência iria contratá-la? 

—Severo... 

Mas Dumbledore não pôde terminar a frase, pois Inês se manifestou:

—Olha só meu amor: Hogróti seje o que for, ta bom, mas eu gosto de carinho também! Nós temos que ter carinho uns com os outros, não é verdade? - Essa última pergunta, Inês fez à turma. 

—Ta bom - Dumbledore disse, calmamente. - Mas você poderia por gentileza mostrar a carta?

—Oi? O senhor não confia em mim? 

—Não, não é isso, é só que...

—Não é só porque o senhor é o diretor - e ela se agachou e começou a tatear o ar -, que a gente tem que ficar igual um escravo. - Ela tornou a se levantar, e indicou as volumosas coxas com os dedos. - Eu não sô disso! 

Naquele ponto, Ysadora já queria saltar pela janela, e embora estivesse a apenas dois centímetros da Rússia, sua cabeça não conseguia desfocar de Inês. Dumbledore recomeçou, com a voz gentil:

—Mas, minha senhora, só estou pedindo que...

—Olha só, senhora é a mulher que deu à luz ao senhor! Graças a Deus! Eu não preciso ficar que nem uma cachorra pra ninguém! Meu ex marido, é riquíssimo na Alemanha e eu não me rebaixo pra ele.

Inês se afastou dos demais, rebolando, e com uma máscara de superioridade, cujos olhos observavam todos de cima. 

—Por favor, madame, pare de agir como uma estrela. - pediu Minerva, empunhando a varinha. - Me desculpe, mas o professor Dumbledore apenas...

—ESTRELA DE QUÊ SE VAMO MORRER, MINHA IRMÃ? - Interrompeu Inês, praticamente esfregando o bumbum duro na cara de Josh Dick. - Se eu fosse estrela, não ia tá querendo tirá os Pedra Filosofalsudo da rua! 

Minerva apenas balançou a cabeça. A filha de Inês escondia a cara nas vestes marrons, e Snape parecia tão furioso com Inês, quanto com Lucas na aula passada de Poções. 

—Mas a senhora nem sabe ensinar... - argumentou Dumbledore.

Ines pareceu ter engolido um limão seco.

—MEU AMÔ, EU SOU PROFESSORA DE MAGIA! 

—De tirar coelhos da cartola? - Dumbledore quis saber. 

—É por causa do meu silicone? - Inês perguntou com veneno na voz, enquanto colocava as mãos na cintura. 

—O quê? Não, não tem nada a ver com seu silicone! - Afirmou Dumbledore, negando com a cabeça.

Inês enfiou a varinha de volta nos seios, e começou a enumerar itens nos dedos.

—Se você criticar meu silicone, você vai criticar Bellatriz! Vai criticar a Narcisa Malfoy... - A filha de Inês se aproximou da mãe e tentou consolá-la, mas a professora se desvencilhou dos braços dela e gritou: - MUNIQUE! Você também é de poção! Mas eu te respeito, tu é minha filha! - E começou a soluçar. - Ele tá gritando comigo.

Dumbledore ameaçou dar um passo à frente, mas ao perceber as intenções do professor, Inês interveio:

—O Sr. não me bate, que eu tenho advogado! - Inês se voltou para sua filha, com ódio irrompendo dos olhos esbugalhados. - Munique, manda ele sair daqui! Eu chamo meu advogado na Alemanha, eu chamo A... A... Allas... Todo mundo! 

—Que mulher escandalosa. - Desaprovou Minerva.

—Escandalosa?! -Bradou Inês. - Olha, que Deus te abençoe! Mas eu não gosto de diminuir ninguém! - Ela novamente recusou os braços da filha, jogando-os para o lado. - Se eu virei professora de Hogróti foi pá criá minhas filha! 

Ysadora percebeu que Minerva abrira a boca para responder, mas Dumbledore fez um gesto com a mão, para que se calasse. Enquanto a respiração ruidosa de Inês ecoava pela sala, Lucas, Gabriel e Pedro riam pelo nariz, assim como muitos alunos, enquanto outros mordiam os lábios num último esforço para não gargalhar. 

—Eu apenas pedi que me mostrasse a carta, senhorita, Brasil. - lembrou Dumbledore. - Ninguém a está ofendendo. Severo está arrependido de ter-lhe faltado com respeito.

Inês se abanava com os dedos compridos e morenos. Engoliu em seco, e limpou as lágrimas das bochechas oleosas

—Olha - recomeçou, ela, severa. - Eu não vou ficar aqui aguentando desaforos seus. Você pode ser diretor dessa escola, mas não é o dono do mundo. Assim como ninguém é. O dono do mundo é DEUS, todo poderoso, milagroso, misericordioso.

—Mas ninguém está dizendo isso. - evidenciou Dumbledore, beirando o desespero. - Só pedi que me mostrasse a carta que eu supostamente lhe enviei. Por que a senhora está tão irritada?

—PORQUE VOCÊS TEM QUE VIR COM AMOR! - respondeu Inês, imediatamente. - Você sabe quem é a.. a... a Dolores Úmbrede?

—Ta, bom, ta bom. - disse Dumbledore, se aproximando com cuidado, como quem pisa em gelo. - Vamos até o Ministério...

—O MINISTÉRIO? - Inês novamente cortou. - Olha, quer saber? Não quero mais dar aula aqui. - E seguiu em direção à porta, á passos pesados. - Eu não aturo blá blá blá. - E, já do outro lado, o eco de seu grito pôde ser ouvido: - OS GALEÕES NÃO ME COMPRA!

Um silêncio invadiu a sala de DCAT, pontuado apenas por risadas acumuladas há muito tempo, de alguns alunos.

—Bem - Dumbledore quebrou o jejum de palavras. - Acho que todos vocês podem voltar para seus dormitórios. Iremos procurar Inês por aí... E acho difícil que tenham outra aula com ela.

 

—Está cada dia mais interessante. - comentou Lucas, enquanto os quatro desciam as escadas.

—Fale por você. - replicou Pedro.

—Ah, mas você gostou da professora, Pedro. - expôs Gabriel.

Lucas e Ysadora riram. Pedro ficou escarlate e negou veemente com a cabeça.

—EU NÃO! Meu Deus... Prefiro tocar no Gabi.

—Por falar no Gabi - lembrou Gabriel, se voltando para Lucas. - Você vai na Sala de Troféus hoje à noite? 

—Vou sim. - respondeu ele, tirando a carta amassada das vestes.

—Vamos com você, então. - Gabriel não estava pedindo.

Pedro olhou para eles como se alguém tivesse dito que a Christina Aguilera não é boa cantora.

—EU NÃO! Não quero ficar em detenção.

—A carta está destinada á mim. - lembrou Lucas. - Se eu mostrar isso, é só dizer que convenci vocês a saírem comigo. No máximo, vão receber uma advertência. 

Pedro afundou o pescoço no manto da Sonserina, e era quase visível sua vontade de ir, guerreando com seu medo de ser pego.

—Ta bom. - disse ele. - Mas só porque os professores me adoram, e se vocês forem pegos, minha presença pode aliviar o dano.

—Menos se o juiz for o Flitwick. - interpôs Lucas.

Eles chegaram ao patamar onde normalmente se despedem quando vão para os dormitórios, e, fitando a fraca luz que tocava as escadas, Ysadora discutia internamente se iria ou não, e teria de decidir logo, pois não esperariam muito tempo. Logo, lembrou-se de Borela, e pensou que se fosse pega e tomasse uma advertência, talvez ele deixasse esse interesse de lado. 

—Eu vou também. - decidiu ela.

—Mas ninguém te perguntou nada. - disse Lucas, com um tom de obviedade. 

Ysadora baixou a cabeça, e alguns alunos que vinham descendo as escadas, se refugiaram nas paredes, e passaram murmurando que acharam que o Salgueiro Lutador estava desabando. 

—Mas você pode vir, sim. - disse Lucas, tornando a guardar a carta nas vestes. - Se o que nos espera for um inimigo, só precisamos correr mais que você. 


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