De laços e fitas escrita por Literate


Capítulo 14
Capítulo 14




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“Can-Can,

Que droga! Eu devia ter esperado mais uma semana pra vir pra Cloudsdale. Queria muito ver você no palco. Mas, como você vai ficar famosa mesmo, eu acho que oportunidades não vão faltar, né?

Bom, eu pedi emprego na fábrica de clima. Deixei meu currículo por lá e fiz uma entrevista. Acho que a égua que me entrevistou gostou de mim, mas dizem que o que é importante mesmo é teste o físico que eles agendam pra testar o seu voo, então estou confiante. Eles devem me dar algum trabalho na área de tempestades e fenômenos tropicais, ouvi falar que estão com falta de pessoal porquê... bem, motivos óbvios. Nenhum pônei gosta muito de puxar nuvens cheias de descargas elétricas de um ponto a outro de Equestria. A propósito, se eu morrer eletrocutado, deixo tudo que tenho pra você; não é muito, aviso logo.

Brincadeiras idiotas a parte, eu estou ansioso com o trabalho, sei que vão me empregar. E ainda, depois de dar uma volta pela fábrica, dei uma olhada no maquinário e nos pôneis engenheiros e mecânicos que produzem nuvens, também parecem ser coisas interessantes de se fazer. Sabe de outra? Eu estava voando pelo centro ontem e um recruta dos Wonderbolts me parou pra entregar um panfleto e dizer que eu tenho boas asas, dá pra acreditar?! Cloudsdale tem tantas coisas pra fazer, ver e um monte de oportunidades! Se bem que eu acho que vou só guardar o panfleto numa gaveta, eu até acho legal a ideia de ser Wonderbolt, fazer missões de resgate, apresentações em eventos importantes e tudo mais, o problema é que eu não estou muito a fim de participar dos treinos na academia. Dizem que eles recebem treinamento militar por quase um ano antes de se tornarem recrutas de verdade. É tão difícil ser Wonderbolt quanto ser guarda-costas das princesas. Bem, eu prefiro tentar a sorte com minhas nuvens cheias de raios mesmo.

Como estão as coisas aí pelo bairro? Sabe se a mãe e o pai estão bem? Eles me respondem as cartas parecendo muito felizes, mas não tenho como saber de verdade. Se puder espiar os dois de vez em quando por mim, fico feliz. E as suas amigas, como vão? Espero que estejam sendo boas pra você, porque se não elas vão ver!

Sempre seu, Clean.

P.S.: Ainda não me acostumei a usar cartas pra falar com você, estou morrendo de saudades. É mais estranho ainda se usar um dos escrivãos do correio para escrever a carta enquanto você dita. Nada contra você, Joe.”

Can-Can terminou de ler a carta e sorriu. Tinha ficado surpresa com a rapidez do correio, que entregara sua carta tão rapidamente para o amigo, e ficou mais surpresa ainda quando ele usou a entrega expressa de dragão mais uma vez. Quanto dinheiro será que ele andou guardando para poder gastar dessa forma, ela pensou. Inicialmente estranhara a letra diferente no papel, agora ficava imaginando quem seria Joe e por que ele havia escrito até mesmo as últimas palavras ditas por Weather. Talvez sejam amigos, Can-Can ponderou.

A carta inesperada do amigo chegara por volta do meio-dia. Era terça-feira e Can-Can apenas tentava descansar para a noite seguinte. Ainda pensava em uma forma de despachar as amigas sem revelar seus planos para depois da estreia. Primeiro pensou que poderia dizer que mandara dedetizar a casa, mas se fosse o caso, ela precisaria de um lugar para ficar enquanto o suposto veneno agia; depois pensou em dizer que não estava mais disposta a conversar e preferia simplesmente dormir, mas isso deixaria as amigas chateadas, afinal, precisavam comemorar; por fim, decidiu que diria que algum parente estava doente e que deveria ir até ele logo após o show, mas ainda precisava que Rain recusasse qualquer convite delas depois disso. A pônei de cristal trotou até o quarto para pegar papel e um lápis. Deixou o papel no chão, deitou-se perto dele com o lápis pendendo entre seus lábios e pensou um pouco no que escreveria para Weather. Escreveu:

“Clean,

Acho que você bem que podia considerar a oferta do Wonderbolt. Quem sabe você não descobre um interesse em ser herói e voar deixando rastros de fumaça pelo ar?! Enfim, boa sorte em conseguir o emprego, vou torcer para que dê tudo certo.

Você não faz ideia do quão ansiosa eu estou para essa apresentação. Ontem foi o nosso último ensaio e eu nunca dancei tanto! É sério, nem quando dançava nas praças papa me fazia trabalhar tanto quanto a nossa coreógrafa. O último dia foi o mais pesado. Rhiannon estava preocupada. Na verdade, eu acho que ela está tão ansiosa quanto todas nós.

E conversamos com a modista do Sun. Ela é a pônei mais horrível de todas. Ficava me chamando de vermelhinha! E não quis me deixar tocar no meu próprio figurino. Você precisa ver, eu vou usar uma saia de babados que é a coisa mais linda. E tem também as meias de rendinhas. Eu vou ficar igual a uma boneca.

Aqui em casa as coisas estão em ordem. Eu comprei o novo papel de parede para a sala, é cor creme claro e tem um tema floral bem discreto para enfeitar. Troquei as cortinas da janela do quarto, também. Acho que me dou bem como dona de casa.

Sobre seus pais, até onde eu sei eles estão bem. Faz tempo que não converso com eles, mas vou dar uma olhada de vez em quando, prometo. E minhas amigas estão bem, elas são uns amores, de um jeito meio torto. Elas me apoiam bastante e o convívio nos deixou muito próximas. Nos divertimos, às vezes com conversas bem bobas. Elas fazem brincadeira de tudo. Sky me lembra um pouquinho de você. Aliás, já conseguiu se enturmar por aí? Fez algum amigo?

O tal Joe que você mencionou na sua carta, é sério mesmo? Por que mandou alguém redigir por você? Bom, acho que é isso. Penso que quando você estiver lendo essa carta, eu já terei estreado no Sun, então, será que adianta pedir para que você me deseje sorte? De qualquer forma, me deseje sorte.

Acredite, eu também morro de saudades de você.

Com todo o carinho, Can-Can.”

A pônei de cristal releu a carta algumas vezes. Perguntou-se por um tempo se havia algo a acrescentar. Não, ela pensou. Nada lhe ocorrera para colocar a mais. Levantou-se com a carta na boca, foi até o quarto, envelopou o papel e colocou-o dentro de um dos alforjes para não esquecer. O restante do dia foi muito tranquilo e sem surpresas. Can-Can limitou-se ao ócio absoluto. Alternou seu tempo entre cozinhar uma refeição simples e rápida, cantarolar a música de Turner, ler revistas, ficar deitada pensando, e questionar-se sobre como poderia ter sentido tamanho amor quase romântico por Weather num dia, e no outro se sentir do mesmo modo de sempre a respeito dele. No fundo estivera confundindo o que sentia por ele ao pensar que o perderia. Esse potro quase me deixa maluca, a voz em sua mente murmurava.

A noite chegou e a eguinha rubra dormiu cedo. Quanto mais rápido o amanhã chegasse, mais rápido seu nervosismo teria fim.

*** *** ***

A quarta-feira chegou. Can-Can despertou no instante em que os primeiros raios de sol entravam pela janela, passando pela pequena brecha entre as cortinas. Sentou-se na cama, deu um grave bocejo e esticou as pernas para fazer a preguiça ir embora. Foi para o chão, flexionou as patas dianteiras e manteve as traseiras esticadas – seu traseiro empinado – as costas estalaram de leve. Pôs-se de pé normalmente e mexeu um pouco o pescoço. Trotou para a sala, atravessou-a e abriu a porta da frente. Dia 01, as contas de água e luz estavam jogadas no batente. A eguinha suspirou e pegou os envelopes com a boca; olhou para os dois lados da rua para ver se o carteiro ainda estava por ali. Tudo parecia deserto. De repente, um potro passou voando pela rua, trazia consigo alforjes cheios de jornais. Tinha um tipo de lista entre os cascos; ele alternava o olhar entre a lista e as casas da vizinhança, conferindo endereços. Deixava jornais aqui e ali, concentrado em seu trabalho. Can-Can entrou de volta e trancou a porta atrás de si. Foi até o sofá e sentou para abrir a correspondência. Lembrou de como o pai costumava abrir esse tipo de envelope com uma expressão preocupada quando ela era apenas uma potrinha. Agora que morava sozinha e tinha um salário melhor que o de faxineira, as contas não pareciam tão assustadoras; porém, não saberia dizer o quão bom ou ruim isso era. O valor dentro dos envelopes estava dentro da média do gasto da casa. A pônei de cristal trotou com as cobranças até o quarto para colocá-las no alforje junto com a carta que escrevera. Olhou pela janela por um instante e percebeu que o sol sumira atrás de nuvens escuras; faria frio durante o dia.

Can-Can foi ao banheiro, deixou a água do chuveiro cair sobre a grande bacia de madeira que costumava usar para tomar banho em dias frios. Encheu também uma panela de água e levou-a ao fogão para aquecer por um tempo. Quando o conteúdo da panela estava próximo a ferver, a pônei extinguiu o fogo e levou o recipiente com cuidado ao banheiro. Lá, despejou a água quase fervente na bacia, junto com a água fria que saíra do chuveiro. Lembrou-se de deixar suas fitas sobre a cama. Usou um casco para testar a temperatura da água, que estava morna, antes de banhar-se longamente. Eu bem que podia comprar um daqueles produtos para fazer banho de espuma, ela pensou, distraída, ao esfregar o ombro direito com o sabonete. Quando a água começou a ficar gelada, Can-Can saiu da bacia, escovou os dentes rapida e habilmente na pia e enrolou uma toalha em volta do corpo e outra sobre a cabeça. Caminhou ainda meio molhada pela casa, conferiu se havia algum tipo de ingrediente no armário da sala para fazer o almoço mais tarde. Encontrou apenas um pouco de palha dentro de um potinho plástico. Teria de sair para comprar comida. Voltou para o quarto e enxugou-se direito. Perdeu quase uma hora esfregando crina e cauda, e mais vinte minutos para colocar suas fitas no lugar.

Sentada de novo no colchão, Can-Can suspirou triste. Morar sozinha dera-lhe menos preocupações quanto a despesas, mas sentia falta de ter com quem conversar. Daria qualquer coisa para ouvir a voz de Turner ecoar pelos cômodos mais uma vez; mesmo que fosse brigando com ela, ou tossindo fortemente. Quando imaginou o pai tossindo, arrependeu-se de desejar tal coisa. Fez uma prece rápida pela alma do pai, pediu para ambas as princesas para que ele estivesse bem. E pediu desculpas por encarar, de vez em quando, a réplica do flanco da princesa Celestia na porta do Sun, apenas para garantir. Em seguida perguntou-se se alguma das princesas podia mesmo ouvir as pequenas preces que ela fazia. Espero que sim, pensou.

“Bom, então vamos lá”, Can-Can disse para si mesma, tentando soar mais animada do que realmente estava ao pular para fora da cama e se precipitar para a porta da frente com os alforjes já postos sobre suas costas e seu fiel cachecol – há muito tempo não usado – no pescoço. Uma pequena parte do sol fez-se visível por entre as nuvens para saudar a pequena pônei de cristal que estava começando um dos dias mais importantes de sua vida até então. Can-Can trancou a porta com cuidado ao sair e guardou a chave no alforje. Respirou profundamente o ar puro da manhã e seguiu para o mercado. Fazer o caminho de casa para o grande galpão trouxe lembranças boas e ruins da infância. A maior parte dessas memórias eram relacionadas ao pai, mas algumas retomavam momentos de uma juventude que consistia em apostar corridas, brincar entre barracas e burlar aulas. Passou entre as barracas pensativa, pois não estava muito certa do que deveria comprar para o almoço. Por fim comprou cebolas, alface, azeite e cenouras. Deu uma olhada na barraca de Cashy, mas não o cumprimentou. Voltou para casa de forma automática. Fez uma breve refeição e cochilou.


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