Nosso Último Verão escrita por Roses


Capítulo 15
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Olá meus amores, como estão? Então cheguei com mais um capítulo novinho em folha para vocês e espero que gostem.

E dedico este capítulo para a minha primeira leitora de rabiscos nas últimas folhas do caderno e para minha primeira leitora da minha primeira história. Ambas minhas melhores amigas. Obrigada por não me deixarem desistir quando percebo que estou desistindo. E MUITO OBRIGADA por todo apoio e animação com o novo projeto. Obrigada por já amá-los. Eu amo vocês.

Irei deixá-los ler.

Boa leitura.



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Killian

—Jeremy reclamou que tem exatos quinze dias que você não vai visitar sua noiva! – meu tio entrou de modo tempestuoso em meu escritório da fábrica, grunhindo como se fosse uma espécie de animal primitivo.

Respirei fundo, decidindo ignorá-lo e focando toda a minha atenção nos contratos recentes que havíamos fechado com fornecedores para a nova filial da fábrica que estava para abrir, assim como ainda tinha que cuidar da contratação dos novos funcionários.

—Eu estive ocupado. – murmurei ao perceber que não iria sair dali sem uma resposta. – Estou com meu prato cheio aqui, junto com os outros dois advogados, formulando contratos, fora tendo que cuidar dos problemas que acontecem aqui dentro por falta de manutenção das máquinas... O senhor não acha que é melhor... Não sei, pagar para consertarem do que ficar dando aos acidentados dinheiro para não abrirem a boca?

—Eles se contentam com pouco. – comentou com pouco-caso. – Minha visita até aqui não é para falar desses negócios e sim da sua falta de comprometimento com o casamento que irá acontecer em breve.

—Estamos na primavera... Temos tempo ainda. – retorqui.

Meu tio deu risada, apontando o dedo indicador para mim.

—Desde que voltou de Hertfordshire você não está cumprindo sua parte do contrato que eu tão bondosamente arranjei para você.

—Talvez porque eu não queira mais esse contrato. – objetei, encarando-o. Meus pais havia recomendado que eu ficasse com a boca fechada em relação a não querer me casar mais, que eles estavam trabalhando em um meio de me ajudar, conversando com advogados. Desde então, cada vez mais escassa se tornavam minhas visitas na casa da família Odom e eu apenas ia quando meu tio questionava o motivo de não estar fazendo as visitas regularmente. Claro que atendia todos os bailes, recitais e eventos públicos como acompanhante de Milah, contudo eu me restringia a apenas isso. – Porque eu pensei seriamente que não quero me casar com a filha de Jeremy. Eu não a amo.

—Ora... Ninguém precisa de amor. – zombou, sentando-se na cadeira que ficava em frente a mesa. - O amor virá quando ver o dinheiro que Milah trará para nós.

Balancei a cabeça em uma negativa pesarosa, como se sentisse muita pena dele e seu pensamento, sendo que até pouco tempo atrás estava com o mesmo foco que ele: dinheiro para ser feliz.

Até encontrar Emma de novo e perceber que nenhum dinheiro no mundo me daria a sensação de júbilo que eu sentia quando eu a tinha perto de mim. Eram momentos tão preciosos os que conversávamos e Swan trocava sorrisos comigo, que soube que meus bolsos nunca estariam vazios enquanto eu a tivesse ao meu lado. Cada toque e beijo encheriam meu coração, alma e corpo das pedras mais preciosas que poderiam existir no mundo.

Antes eu pensava que Emma e eu poderíamos nos tornar o casal que se odeia no fim da noite, por conta da pobreza, mas percebi naqueles dois meses longe dela que... Sempre encontraríamos riquezas um no outro para passar por um dia difícil. Que no fim da noite, iriamos nos abraçar e amarmo-nos como se não existisse problemas do lado de fora de nossa casa.

A vontade de me bater era grande quando eu parava para pensar que demorei tanto para perceber isso. Ao ter plena consciência que reduzi minha vida a nada, por achar que não poderia ser feliz sem o maldito dinheiro e fiquei tanto tempo separado de Emma.

—Eu não a suporto, tio. E não é assim que funciona o amor. Não consigo acreditar que nunca amou ninguém em sua vida. – observei, apoiando o queixo na mão direita. O homem se retesou, desviando o olhar, parecendo incomodado. – Eu não quero me casar com Milah.

—Você não tem querer, Killian, desde que assinou o contrato de que iria se casar com Milah quando o momento certo chegasse. Tem consciência que fizemos um belo de um negócio aqui? Filhas de viscondes não se casam com pessoas de classes como a nossa.

—Se acha tão bom negócio assim... Case-se o senhor com ela. – sugeri.

Meu tio fechou os olhos e se levantou, indo em direção a porta, como se não conseguisse ficar mais tempo ali.

—Eu sabia que era uma péssima ideia ter ido para aquele lugar.

—O senhor se refere ao meu condado? Não concordo com o senhor, foi a melhor coisa que fiz em anos para ser honesto.

—Jeremy me contou que encontrou a camponesa.

—Ela trabalhava lá. – dei de ombros. – Foi meio impossível não encontrá-la, já que sempre nos esbarrávamos nos corredores. – sorri com a lembrança das várias que vezes que nossos caminhos se cruzavam e aqueles olhos verdes pousavam em mim.

—Se tentar algo, você sabe que sua cabeça roda. Tenho um contrato com a sua assinatura. Não é hora de relembrar amores passageiros. Vá para casa se arrumar que irá jantar com os Odom hoje.

—Não posso. – retruquei, tentando voltar minha concentração para os papeis e não ficar pensando na ameaça contida nas palavras de meu tio. Ergui o olhar e o encontrei com as sobrancelhas arqueadas. – Combinei de jantar com meus pais.

—Killian...

—Meus pais sempre serão mais importantes, tio. – cortei-o antes que dissesse mais alguma coisa. – E talvez devesse ler o contrato com mais atenção. Se filhas de viscondes não se casam com pessoas de classes como a nossa, então alguma coisa bem errada deve ter aí. – comentei despretensiosamente, voltando a fazer anotações, esperando que ele me deixasse sozinho.

Assim que a porta bateu, abandonei a caneta e relaxei na cadeira, esperando verdadeiramente não ter estragado tudo. Abri a última gaveta, procurando entre os documentos o mini retrato de Emma que havia recebido de Belle algumas semanas atrás.

Admirei-o com saudade e toquei a pedra branca em meu pescoço, sentindo um desespero crescente em meu peito, misturado com ansiedade para vê-la uma vez mais e segurá-la em meus braços.

Um lugar que eu nunca deveria tê-la tirado.

—Emma não virá hoje? – indaguei para David e Branca que tiravam as luvas encardidas de terra e caminhavam para a sombra, onde suas coisas estavam. Swan sempre aparecia no horário do almoço para levar comida para os pais e almoçar com eles, todavia eu ainda não tinha visto sinal dela.

Era o segundo dia que ela não aparecia ali e na noite anterior não fora ao meu encontro, ignorando meus chamados em sua janela quando fui até sua casa, impedindo minha visão de seu quarto por conta de um cobertor que prendera a janela.

—Emma não acordou disposta hoje. Então trouxemos sobras e a deixamos na cama. – Branca explicou, sentando-se e encostando na árvore. Um suspiro cansado saiu da pequena mulher, que fechou os olhos, tombando a cabeça para trás e permanecendo desse modo.

Sentei-me com eles, sentindo meu peito comprimir com a culpa. Eu deveria ter puxado aquela teimosa de volta para o celeiro e não deixado que saísse naquela chuva. Uma indisposição poderia se transformar em um resfriado, que se transformaria em uma pneumonia que acabaria por matá-la.

E meu Deus! Eu não me perdoaria se isso acontecesse.

—Ela está doente? – inquiri, pegando meu cantil de água.

David fez que não, deitando a cabeça no colo da esposa.

—Não está doente. Emma tem uma saúde de ferro. Está amuada, parece triste com alguma coisa. Ela deve ter chorado...

—Definitivamente ela chorou. – a mulher abriu os olhos, afirmando com convicção. – Os olhinhos estavam tão pequenos, Killian, e tive a impressão de tê-la ouvido fungar e soluçar ontem à noite.

Gemi de desagrado por estar ouvindo aquilo, tentando achar um modo de consertar a situação e fazer Emma me ouvir, conversar comigo.

Ela não podia estar falando sério sobre romper o que tínhamos.

Percebi os dois pares de olhos claros me fitando sugestivamente, como se esperassem que eu falasse algo.

—Aconteceu algo que devemos saber? – David questionou, gesticulando teatralmente com as mãos.

—Nós tivemos um mal-entendido noite retrasada. – contei.

Branca assentiu e olhou para o marido, que já a fitava.

—Eu disse.

—Você tinha razão. – falaram ao mesmo tempo, voltando a me olhar. – O que você fez? – quis saber.

“Nada demais, só estava com minhas mãos debaixo do vestido de sua filha, tocando em lugares que ainda não deveria, enquanto gemia o nome dela, realmente desesperado para arrancar qualquer vestígio de roupa, tanto minha, como as dela e ela me incentivava. Apesar disso, tenho tremendo respeito por Emma e parei, como sempre faço, antes que fôssemos adiante. Ela ficou brava e decidiu desentalar do peito tudo o que estava sentindo. Aparentemente Swan chegou à conclusão que não a amo de verdade e que só estou usando-a como passatempo, tudo porque acho que devemos esperar até estarmos casados para fazer amor”

Pensei com sarcasmo, enquanto os observava. Por fim, dei de ombros.

—Emma não acredita que... Realmente quero me casar com ela.

—E você realmente quer? – Branca perguntou.

—Claro que quero! – afirmei. – Eu a amo, de verdade. Tanto que não estou conseguindo descansar, porque fico pensando que Emma realmente desistiu de me dar uma chance e então fico... Apavorado com a ideia. – um arrepio percorreu meu corpo todo. – Será que... Eu poderia... Jantar com vocês? Emma não vai falar comigo por livre e espontânea vontade.

—É. Isso ela não vai mesmo. – o homem concordou, fechando os olhos e entrelaçando os dedos com os de Branca. – Isso é um pedido para fazer a corte a minha filha? – indagou, sentando-se de supetão.

Hesitei por um momento, pensando em sua reação.

—É sim... Algo que já deveria ter feito desde o início.

David ponderou por longos minutos e acabou dando de ombros, voltando a se deitar.

—Tudo bem... Porém, se situações dessas acontecerem com mais frequência, eu o mato por deixar minha filha triste. – ameaçou, em um tom de brincadeira, mas senti a seriedade no fundo das palavras.

—Você tem nossa permissão, Killian. – Branca informou animada, o sorriso bondoso surgindo e erguendo suas maçãs do rosto. – E fique à vontade para se juntar a nós, apenas não hoje. Dê um tempinho a mais para nossa pequena.

Concordei, aceitando o fato que teria que lidar por mais um dia com o desespero e a ansiedade de ter Emma uma vez mais em meus braços.

—Alguma novidade? – inquiri assim que entrei na sala de estar e vi meus pais ali, perto da lareira. Franzi o cenho para o fogo, afinal já era primavera, não estava mais tanto frio para mantê-la acesa. Balancei a cabeça, optando por não me prender àquele detalhe, e adiantei-me para dar um beijo na face de minha mãe e um abraço em meu pai.

—Loreta está na cidade. – minha mãe comentou, se esticando para pegar as cartas na mesa de centro. – Uma das filhas já está na idade de debutar na sociedade.

—E a senhora sabe disso por que...?

Jenna se empertigou.

—As fofocas voam. E preciso estar atenta aos movimentos daquela família se quero salvar meu filho... O contrato que o visconde redigiu com seu tio já é como se fosse uma certidão de nascimento. Seria tão fácil se Sr. Odom ou Milah o chutassem. – devaneou com uma careta e entregou-me as cartas. – Acho que vi o selo de Belle no meio.

Peguei-as, começando a passá-las lentamente a procura do selo com uma rosa. As cartas de Belle eram agora todas enviadas para a casa dos meus pais por pura precaução. Milah costumava aparecer em meu apartamento e por ser minha noiva, o mordomo sempre a deixava entrar e ficar à vontade. Não importava quantas vezes eu pedisse para que ela não fosse até lá ou que deixava claro para o empregado que não era para deixar Milah entrar se eu não estivesse ali, ela sempre ia e ele por sua vez, sempre a colocava para dentro.

E Milah não sabia manter suas mãos longe, sempre na esperança de achar algo para ficar paranoica e colocar seu lado insano em ação.

—Ah quase ia me esquecendo! – minha mãe exclamou se levantando toda animada e saindo da sala. Troquei um olhar com meu pai que estava lendo um livro e ele sorriu.

—Sua mãe recebeu uma carta de Emma hoje. – explicou baixinho. – Mas shh, faça essa mesma cara de aparvalhado que está agora quando Jenna entrar aqui e contar.

Voltei a passar os envelopes com mais afobação, esperando achar alguma carta de Emma para mim. Ela havia dito que iria escrever, para que trocássemos cartas e céus! Eu esperava ansioso por aquele dia.

Separei a de Belle, voltando a olhar com redobrada atenção, os selos e os nomes nos envelopes, mas ao chegar ao final da pilha, não havia nada.

—Veja quem me mandou uma carta! – a mulher de cabelos negros macios e olhos azuis brilhantes com as lágrimas de orgulho, entrou, sentando-se ao meu lado, entregando-me. – Tomei cuidado para não estragar o selo para que pudesse ver.

Segurei-a com cuidado, como se fosse algo frágil e estudei a caligrafia da fronte do envelope. Precisei piscar, livrando-me de duas gotas gordas de água que embaçavam minha visão ao ler “Emma Swan Charming, Windsor, ....shire”

Virei, lentamente, observando o selo dourado com um grande “S” que lembrava um cisne e soltei uma risada descrente e de pura felicidade por minha menina.

Deixei o envelope de lado, tirando seu conteúdo.

Querida, Jenna e caríssimo Brennan,

Como estão? Aposto que devem estar surpresos com esta carta repentina, que chegou em sua casa sem motivo nenhum, além do meu profundo desejo de manter contato com vocês. Espero que não se importem com ela e se por um acaso for um incomodo, basta dizerem que não as mandarei mais.

Eu estou adorando Berks e amando trabalhar para sua sobrinha. Achei que deveria escrever para contar que estou verdadeiramente feliz aqui. Eu estou realizando um sonho, algo que sempre almejei, porém sempre pareceu distante demais... E graças a vocês... E a Killian, claro. Seu filho foi um grande apoiador de que eu deveria aceitar a proposta. E, foi a melhor decisão que tomei até agora na minha vida... Bem, essa e quando decidi colocar o estimulante do açúcar de Milah.

Provavelmente Sra. Gold já os informou que o pequeno Gideon chegou ao mundo, logo, espero vê-los em breve aqui para conhecê-lo. E só me atrevo a convidá-los, porque tenho certeza que sua sobrinha já o fez. Seria bom tê-los como companhia por uns dias, afinal, nós duas ficamos um bocado solitárias aqui.

Ah! Comecei a ler um livro esses dias e em determinada parte lembrei de vocês por causa da história. A mulher havia abandonado toda a riqueza que tinha, para se casar com um pároco, fazendo com que sua família se virasse contra ela. Recordei da história que me contaram, na época em que costumava frequentar a casa. Que se casaram em segredo, não dando a mínima para as convenções sociais e sim para o que sentiam. A coragem de vocês fez-me admirá-los ainda mais e é a mais viva prova de que no fim do dia, aquilo o que realmente importa é aquilo que nosso coração nos manda fazer. Porque todas as suas decisões são tomadas da forma mais pura e sincera. Esse órgão, é o único juiz interior que deveríamos ouvir quando se trata de felicidade verdadeira.

Vocês devem estar comentando que para tão pouco tempo, não existem erros, todavia não se deixem enganar. Esta carta foi revisada incontáveis vezes e passada a limpo o suficiente para fazer minha consciência pesar por estar gastando algo tão caro como papel. Mas não podia mandar algo cheio de erros para vocês. Anseio pelo dia que não precisarei fazer tudo isso e que todas as palavras, acentos e pontuação sejam acertados de primeira.

Irei ficar por aqui, pois já devem estar cansados. Peço desculpas pela letra irregular, talvez na próxima ela esteja melhor.

Mal posso esperar para vê-los.

Com carinho,

                                                                                                                                                             Emma”

—Veja só... Ele está suando pelos olhos! – a voz do meu pai cortou o silêncio, desfazendo o meu estado entorpecido causado por aquela carta. Dei risada, sendo acompanhado pela minha mãe que tinha o rosto reluzindo com uma mistura de sentimentos.

Toquei minha bochecha, secando as lágrimas que haviam escapado, voltando a observar a caligrafia da minha menina, ainda sem acreditar que ela redigira aquelas palavras sozinhas, que conseguira tirá-las da cabeça e passar para o papel. Meu coração estava inflado com a exaltação, satisfação e mais admiração ainda por Swan.

Voltei a rir sem motivos ao reler sua carta, feliz demais para não demonstrar de alguma forma.

Emma estava feliz e estava realizando o que sempre sonhou. Recordei das várias vezes que resmungara sobre querer fazer aquilo: ler e escrever sem precisar de ninguém. Ter estudos para não ser mais passada para trás.

—Tem alguma para mim? Eu não... Não encontrei...

Minha mãe fez que não, tirando a carta de minhas mãos com delicadeza e a guardando no envelope.

—Não. Apenas essa chegou, junto com a de Belle. – indicou com o queixo a de minha prima. Ela pressionou os lábios, quando a decepção tomou conta, não só das minhas feições, como de meu corpo todo. – Talvez Emma ainda mande alguma coisa para você. Vai ver a atividade ainda é muito difícil para ela e por conta disso, não escreva com tanta frequência assim. A menina mesmo disse que revisa e rescreve até estar sem erros ou com o mínimo possível. Pense como deve exauri-la. – tranquilizou-me, afagando meus cabelos.

Era talvez um pensamento mesquinho, porém eu queria ter sido o primeiro a receber uma carta dela. Ter sido o primeiro a ver sua grande conquista para algo que sempre foi seu maior desejo. Eu ajudara a realizá-lo, mesmo que Swan não soubesse, achava que ao menos eu deveria receber alguma coisa antes de qualquer pessoa.

Ainda estava em um estado de extremo orgulho por ela, no entanto, sentia-me esquecido, mesmo que Emma tenha me mencionado uma única vez na carta.

—Talvez você devesse escrever para ela. – Brennan aconselhou, deixando o livro de lado. – Emma pode ter ficado na dúvida se mandava uma para você ou não... Talvez ela quer que você tome a atitude.

Anui sem vontade, o peito se tornando apertado com a lembrança de minha menina dizendo que se casaria se encontrasse alguém em Berks. De repente me senti adoentado com o pensamento que talvez ela já tivesse encontrado e por esse motivo não me mandara uma carta.

Mas... Ela teria mencionado se já o tivesse, não teria?

—Não sei o que se passou por sua cabeça, contudo não parece ser boa coisa. Você parece deprimido. – minha mãe observou com preocupação, segurando minhas mãos. – E está gelado como um morto! Venha se sentar perto do fogo. Amor, pegue um pouco de conhaque para animá-lo. – Jenna pedira docemente para meu pai, que se prontificou, servindo a bebida e a trazendo para mim.

—Eu preciso sair disso logo. – murmurei. – Preciso ir buscar Emma

—Está nove anos atrasado. – ouvi meu pai resmungar ao se afastar de mim. – Nós avisamos, lá atrás que seria uma péssima ideia.

—Brennan!

—É verdade, Jenna. – retrucou. – Ainda irei ajudar, é só... – ele respirou fundo, retornando para o lugar que estava sentado minutos antes. – Não entendo. Estava tão decidido... Passou anos tão decidido sobre esse casório e apenas agora, achou que seria uma boa ideia usar a massa cinzenta ou como disse Emma na carta o coração, já que “é o único juiz que deveríamos ouvir quando se trata de felicidade verdadeira”. – citou. – Se não percebeu, filho, nós estamos encurralados aqui. Se por acaso Milah cumprir com a ameaça que fez, não há absolutamente nada a ser feito.

—Fique quieto se não tem nada de útil a dizer. – minha mãe o repreendeu, ajoelhando-se em minha frente para poder olhar em meus olhos. – Eu não o julgo por ter feito essa escolha. Todos nós temos esse direito. O direito de errar e se arrepender. E esse pensamento de achar que a riqueza é a base da felicidade, vem de tempos remotos. É o que mantém não só a nossa sociedade, como todas as outras. A ganância vem do ser humano. Muitos batem no peito e dizem “eu não sou ganancioso”, mas isso é mentira. Todos nós temos ganância de algo. Seja material ou não. Somo gananciosos por natureza e devemos lutar contra isso, pois devemos aprender a viver com o suficiente para fazer nossa vida feliz.

—Qual era sua ganância? – indaguei com curiosidade.

Ela relanceou os olhos para o meu pai e sorriu discretamente.

—Eu cresci com tudo que se possa imaginar. Com muito dinheiro e tudo em excesso material. Eu tinha ganância por amor. Por carinho, amizade... Cumplicidade. Sendo assim eu colecionava, o que na época, chamava de amigos e pretendentes. Eles me bajulavam cada vez mais, assim como eu desejava. Até que conheci seu pai... E encontrei tudo em uma pessoa só. Amor, carinho, amizade e cumplicidade. Somente ele me é suficiente e me faz feliz... – ela ponderou por um momento. – Bem... Ele e você. Não preciso de ninguém mais. Não preciso procurar amor, carinho, amizade e cumplicidade em nenhum outro lugar e em nenhuma outra pessoa. No entanto é claro que gosto de distribuir esses sentimentos para aqueles que tenho apreço, porém para mim, eu estou bem com o que tenho. Me fiz clara? – quis saber, acariciando meu rosto.

Aquiesci, segurando sua mão e beijando a palma.

—Sim, mãe. Eu entendi seu ponto.

—Você não é uma pessoa horrível, filho, por fazer uma escolha errada. Por pensar como somos moldados desde criança pela sociedade que devemos ter dinheiro para ser feliz. Eu fico imensamente contente por estar fazendo a escolha certa agora, por escolher e ouvir seu coração, e dizer um grande “dane-se” para esses riquinhos. Nós vamos conseguir. Não pense por um segundo que não estou mexendo meus pauzinhos. – piscou, colocando-se de pé. – Pedirei para servirem o jantar. Vá se lavar e descansar um pouco enquanto isso, está com a carinha abatida.

Observei-a sair da sala e coloquei-me de pé. Olhei para o meu pai que sorria para mim e indicou que fosse até ele.

Fiquei parado em sua frente, esperando que dissesse algo e começando a me sentir desconfortável com aqueles olhos negros benevolentes me fitando calmamente.

—Só queria lembrá-lo que amo você, Killian. E estou aqui para o que precisar... Inclusive arranjar a fuga se por acaso não conseguirmos nos livrar desse problema. – declarou baixinho, cuidando a porta. – Não será crime se estiver em outro país ou até mesmo continente.

[...]

Joguei-me na cama, escondendo o rosto com o travesseiro. Do lado de fora o crepúsculo desvanecia, dando lugar a escuridão da noite, com as primeiras estrelas surgindo espaçadas no céu.

Arrastei-me até a cama, aproveitando o pouco de luz natural que ainda entrava e abri a carta de Belle. Era algo breve, diferente das outras que recebera, onde descrevia cuidadosamente cada momento do dia de Emma, deixando-me saber seu progresso.

“Querido noob,

Esta será uma carta um pouco menor que as outras, pois é apenas para um convite que espero sinceramente que aceite. Meu caro connard... Emma concordou em fazer uma leitura compartilhada na sexta-feira da semana que vem, após o almoço (apenas para nota, almoçamos pontualmente sempre as onze horas) e gostaria que viesse para ver com seus próprios olhos e ouvir com esses ouvidos a primeira leitura dela. Já deixo claro que ela não sabe que estou a enviar este convite para você, pois se caso não puder comparecer, não quero que Emma crie expectativas para no fim acabar decepcionada.

E claro, se puder vir, está convidado para passar uns dias conosco e se livrar de toda essa pressão que está sofrendo em Londres. Suas cartas anteriores me deixaram preocupada com sua saúde, já que tudo leva a crer que está deprimido. Venha até aqui aquecer e alegrar seu coraçãozinho bouffon com duas mulheres que são como os raios de sol que tem força para ultrapassar as nuvens pesadas da tempestade. E claro, para conhecer meu filho, que também é um raiozinho de sol.

Aguardo sua resposta.

Da sua melhor e única prima, que está sempre a salvar seu cul...

                                                                                                                                                             Belle”

Eu sentia o canto direito de minha boca erguido, no esforço de lutar contra o surgir de um sorriso, ao terminar de ler a carta de Bell e seus xingamentos em francês destinados a mim e que eu sabia que eram exatamente com o propósito de me animar.

Voltei a reler e quando terminei, repeti a leitura mais duas vezes. Estávamos em um momento delicado na fábrica, eu não poderia deixar tudo para trás e ir até Berks, por mais que a vontade fosse grande.

Eu queria estar presente em sua primeira leitura. Queria estar lá para vê-la completando uma frase e então parágrafo sozinha. Queria ver o filho de minha prima...

Mas meu tio arrancaria minha cabeça se eu fosse.

Fechei os olhos, ajeitando-me na cama, os olhos fixos na janela, observando como a escuridão levava embora a última linha de claridade e consequentemente me envolvia junto, entorpecendo todo meu corpo.

E tão logo adormeci, Emma apareceu para mim, como fazia frequentemente quando minhas pálpebras fechavam

[...]

Não conseguira me concentrar no trabalho nos dias que se seguiram. Eu errava contas, contratos e nomes de clientes na hora das reuniões. Mandei outro advogado em meu lugar para inspecionar como ia a construção da fábrica em North Yorkshire e como andava as condições de trabalho para os peões de obra, por saber que seria completamente inútil na tarefa que antes eu faria com todo prazer.

Havia comparecido a dois recitais com Milah e um jantar. Três noites das mais exaustivas da minha vida nos últimos dois meses. As músicas dos recitais eram horríveis e a companhia que me encontrava rodeado pior ainda. Já não conseguia sentir deleite nesses compromissos como no início, em que eu ria e bebia com os cavalheiros, juntando-me a sala de jogos e apostando alguma quantia de dinheiro que não fosse exorbitante.

Agora aquelas pessoas, aquele ambiente se tornaram enfadonhos para mim. Não sentia mais como se fizesse parte daquilo tudo como outrora, como quando cheguei a cidade, e fui acolhido logo de cara como um deles e me fiz acreditar que ali era o meu lugar. Eu ia aos eventos em que era convidado e ficava em um canto, bebendo sozinho e ignorando o falatório de Milah, enquanto observava as pessoas. Os sorrisos sempre congelados nos rostos, que um dia levei como simpáticos, percebia que não passavam que mero convencionalismo. Os olhares eram sempre duros e frios, as posturas rígidas como se quisessem provar que eram melhores que os outros. A arrogância embotada de polidez, gritavam tanto que deixava meus ouvidos sensíveis e durante aqueles três eventos, fui o primeiro a ir embora, mesmo com os protestos de Milah em minha orelha no caminho para deixá-la em casa.

A carta de Belle pesava em meu bolso interno do paletó de onde eu não a tirara desde que chegara em minhas mãos. Ainda não havia respondido. Eu a lia nas horas vagas e delirava sobre a visita que poderia fazer. Como poderia passar dias com Emma, auxiliando-a com os estudos se assim quisesse e incentivando-a. Nos passeios que faríamos ao cair da tarde e como provavelmente eu me esquivaria para o seu quarto no meio da noite para que pudéssemos conversar.

E no meio desses delírios de dias e horas perfeitos, não conseguia deixar de fora os pensamentos inapropriados. Não conseguia excluir da minha mente os beijos que trocaríamos em seu quarto, tentando não fazer muito barulho e que no fim nos levaria para algo muito mais sério. Nos sorrisos que compartilharíamos enquanto nossos corpos e espíritos se interligariam em um só, o que nos tornaria oficialmente um do outro e que nenhum homem poderia dizer o contrário.

Meu coração se angustiava com esses devaneios. Ele passava o dia inteiro comprimido em meu peito, a batida contida, como se temesse se entregar para as cenas que a mente traiçoeira pintava durante cada momento próprios e impróprios para tal. Esse órgão pulsante vivia me culpando, por causar essa aflição a ele, recordando-me que tudo poderia ter sido diferente se eu não o tivesse silenciado quando tentara falar tanto tempo atrás, aconselhando-me a voltar para Emma quando meu tio surgiu com a proposta que agora se tornou o pior tormento que eu poderia ter arranjado para minha cabeça.

Esperei ansiosamente nos dias que se seguiram uma carta de Swan, que nunca chegou. Todo dia passava na casa de meus pais e nada tinha para mim. Assim como perguntava para o meu mordomo, porém as únicas correspondências que eram entregues em meu apartamento eram as de negócio.

O silêncio vindo dela me apavorava e não podia mentir. Tanto que começara a me tirar o sono. Os sonhos um dia eróticos, deram lugar a um em que Emma caminhava pelo corredor de uma igreja até a nave, onde um homem sem rosto a esperava. Swan me via, escondido atrás de uma pilastra, ouvia as minhas súplicas para que não fizesse aquilo, para que fosse para junto de mim, que fugisse comigo. Todavia, quando eu achava que havia a feito mudar de ideia, Emma dizia “aceito”, o que fazia meu peito arder, como se tivesse sido submetido ao fogo e a voz da cigana surgia com a frase de seu realejo “Espigas douradas, se não forem bem cuidadas, um “coração-morto” podem se tornar”

Eu sempre acordava sobressaltado, procurando a pedra que havia ganhado dela há anos, lembrando-me que ela me amava e que se eu resolvesse logo a situação de merda em que estava eu ainda a teria.

Voltava a deitar a cabeça no travesseiro, respirando fundo diversas vezes, controlando cada parte do corpo, onde eu sentia a pulsação acelerada. Da primeira vez que havia deixado Emma para trás, eu estava tranquilo. Tinha a promessa dela de que me esperaria para acalmar meu coração fatigado com saudade. Quando eu a quebrei, acreditei que ela poderia já ter feito o mesmo e por mais que a ideia tenha causado dor, conseguira abafá-la, pensando no prêmio do final. Agora já não era mais a mesma coisa. Emma me esperara como prometera e saber disso reavivou tudo que estava adormecido, quase morto, dentro de mim. Mesmo que quisesse voltar a ser aquele receptáculo vazio que fui por anos, eu não conseguiria e não queria. Gostava de sentir amor, e gostava de amar e me entregar a esse sentimento. A expectativa, a pulsações rápidas, a respirações misturadas, sabores e o desejo sentimental que invadia e contraia minha barriga deliciosamente. Eu amava me encontrar preso aos olhos esmeraldas de Emma e quando a abraçava, recordava que não precisava de nada mais, como acreditei por tanto tempo que não poderia viver sem.

Porém dessa vez, eu não tinha sua promessa. Eu tinha a certeza que se eu conseguisse romper o contrato e ela ainda estivesse disponível, eu seria sua escolha. Se por acaso outro aparecesse na frente e Swan sentisse a mínima inclinação para aceitar a proposta, estaria tudo perdido e eu ficaria sem minha menina.

E foi ponderando sobre isso, uma vez mais, já que o pensamento vivia surgindo em minha mente para assombrar meu pobre peito, durante um chá da tarde que fui obrigado a comparecer na casa da família Odom em uma quarta-feira, que tomei a decisão que precisava ir até Berkshire, meu tio gostando ou não. Uma vez a decisão tomada, mal consegui aguentar até o fim o encontro. Eu havia respondido a carta de Belle no início da semana informando que seria impossível para mim, deixar minhas responsabilidades no momento com tanto em minhas mãos. Não havia recebido mais nada dela depois disso, o que me levava a crer que devia estar irritada comigo.

Não havia tempo para avisar que havia mudado de ideia. Tinha medo que não conseguisse chegar a tempo na sexta para ouvir a primeira leitura de Emma. De Londres até Berks eram no mínimo dois dias e meio de viagem. Eu precisaria sair dali e já ir direto para o apartamento arrumar uma mala com algumas mudas de roupa e achar uma carruagem para alugar.

Quando achei apropriado e educado, despedi-me das damas e fui até o escritório me despedir do visconde. Perguntei brevemente sobre Loreta, e vi um sorriso surgir nas feições envelhecidas e rígidas do homem. Jeremy respondeu brevemente que estava bem, e instalada em uma casa no centro e ofereceu-se para me levar até lá quando tivesse um tempo livre. Concordei, apenas porque meu coração fazia tanta festa em minha caixa torácica por causa do conhecimento que estávamos a caminho de ver Emma, que senti necessidade de alegrar a vida daquele infeliz homem da melhor forma que conseguisse.

Assim que pisei na calçada, a chuva primaveril começou. Apenas umas gotas aqui e ali a princípio, progredindo para um chuvisco fino que não chegava a molhar, mas que se grudava a pele e se perdia nos cabelos, deixando-os úmidos aos poucos. Não me preocupei em achar um transporte até o apartamento, pois com a probabilidade que tinha da chuva se tornar mais forte, todas as carruagens deveriam estar ocupadas, o que deixaria as ruas paradas, o que desperdiçaria tempo que eu não tinha.

Quando estava na metade do caminho o chuvisco, finalmente se transformou em chuva, desabando de uma única vez, vindo acompanhada de um vento fustigante, que jogava a água gelada em minha direção como se tentasse atravessar meu corpo.

—Senhor! – meu mordomo exclamou quando entrei, ensopado até a alma, molhando todo o vestíbulo.

—Uma toalha, por favor e pegue minha mala de viagens. Estou saindo hoje. – pedi, começando a me livrar das peças molhadas, que pareciam pesar uma tonelada.

O homem assentiu e se enfiou para dentro, voltando logo em seguida com a toalha que pedi. Dirigi-me até meu escritório, escrevendo um bilhete rápido informando meus pais que estava indo para Berks naquela noite e o coloquei em um envelope, lacrando-o o mais rápido possível.

Zachary surgiu a porta e estiquei o bilhete para ele.

—Para entregar aos meus pais... E preciso de uma carruagem de viagem para agora. informei, indo para o meu quarto. Percebendo que o homem não se mexera, virei-me para ele. – É urgente, Zac! – acrescentei com impaciência.

O mordomo assentiu prontamente e saiu em direção a cozinha.

Comecei a separar peças de roupa prontamente e em menos de vinte minutos, eu estava com a mala pronta e fechada, vendo os segundos discorrerem até o momento que meu mordomo surgiu, informando que a carruagem já estava a caminho.

Deixei um suspiro sair de meu corpo, ao terminar de me arrumar. A aparição de um sorriso, sendo ensaiada em meus lábios com a ansiedade e expectativa para chegar até a casa de Belle a tempo, não deixava meu rosto, por mais que tentasse.

[...]

Eu olhava angustiado para o relógio de bolso ao ver que já passava do meio-dia e meia. Hoje o sol brilhava convidativo e meigo. O céu estava em um tom de azul límpido, sem uma única nuvem. Os pássaros cantavam suas serenatas aqui e ali no galho das árvores.

Hoje.

Eu saíra de Londres na quarta, por volta das nove da noite, quando finalmente conseguimos nos livrar do tráfico de carruagens que impedia o fluxo das ruas principais. Desde então, chovera incessantemente a noite toda, o que fez com que atolássemos um bocado e nos obrigou a fazer uma parada antes da hora em uma estalagem para esperar que o tempo melhorasse.

Quando a torrente de água finalmente cessou, as estradas estavam em péssimas condições e mesmo que eu implorasse para que o cocheiro fosse mais rápido, sabia que o pobre homem nada podia fazer, já que a culpa da lentidão era por causa da lama e dos buracos, não por sua falta de vontade para que eu chegasse logo ao destino.

Tivemos que fazer outra parada na hora do jantar e considerei seriamente comprar um cavalo para que conseguisse chegar a tempo. E o teria o feito se o dono da estalagem não tivesse me garantido que as estradas estavam melhores a partir do momento que entrasse no perímetro de Berks.

Com a graça dos céus o homem estava certo e o caminho estava seco. Mas um dia todo já havia se passado, todavia, se continuássemos sem interrupções e um pouco mais rápido, chegaríamos em cima da hora, mas ainda assim, eu pegaria um pedaço da leitura de Emma.

Tirei o relógio do bolso mais uma vez. Os ponteiros marcavam uma e cinco. Tombei a cabeça para trás e soltei um praguejamento. Eles almoçavam as onze, provavelmente teriam começado a leitura ao meio-dia. Emma não iria ler por tanto tempo, porque provavelmente iria exigir muito e a deixaria cansada.

—Estamos chegando, senhor. – a voz do cocheiro chegou, mesmo que fraca aos meus ouvidos e eu me endireitei no banco, vendo a mansão de Belle entrar em meu campo de visão.

Minha vontade era abrir a porta e sair correndo aquele longo caminho até chegar à casa, contudo sabia que se fizesse isso iria demorar o dobro do tempo do que se aguentasse pacientemente mais alguns minutos dentro daquela carruagem sufocante.

Mal o veículo parou, eu já estava saltando, subindo as escadas e batendo na grande e pesada porta de entrada, com tamanha afobação que quem visse de fora, podia pensar que eu estava fugindo da morte.

Ela foi entreaberta e o mordomo olhou-me com curiosidade.

—Killian Jones, sou primo da condessa. – informei, passando por ele, sem esperar que me mandasse entrar. Olhei rapidamente ao redor do saguão, porque nunca que poderia se chamar aquele espaço de vestíbulo, e voltei a encarar o homem. – Onde Belle está?

—Na biblioteca, senhor...

—Ótimo. E onde fica a biblioteca?

O homem me olhou de olhos cerrados de cima a baixo. Eu não estava no meu melhor estado. As roupas amarrotadas eram as mesmas que usava quando ainda saíra de Londres e eu não havia dormido nada, por culpa da ansiedade.

—Irei informá-la que está aqui. – avisou, se infiltrando pelo corredor da direita e eu o segui sem cerimônia, recebendo um olhar atravessado.

Ele não precisou me dizer ou chegar perto, para que eu soubesse onde era a biblioteca. A porta estava encostada, e uma voz hesitante e abafada fugia por aquela fresta.

Paralisei por um momento, encarando a maçaneta e me dando conta de que eu conseguira.

E sem saber se estava pronto para presenciar aquele momento sem parecer todo sentimental.

O mordomo deu um toque na porta e a abriu. Parei atrás dele esperando que me desse licença. Consegui enxergar Belle por cima de seu ombro e assim que seus olhos encontraram os meus, sua boca se abriu de surpresa e ela indicou que eu entrasse.

Empurrei delicadamente o homem para o lado, pisando dentro da biblioteca. Emma estava em pé, o livro em mãos, a face terrivelmente corada. Sua expressão estava incrédula ao me fitar, como se não acreditasse que eu era real e estava bem em sua frente. Estudei-a brevemente. Estava mais cheinha que a última vez que nos vimos, não deixando tantos ossos visíveis, graças à boa alimentação que estava tendo ali. Os cabelos estavam maiores, na altura de seu maxilar e completamente cacheados. Senti vontade de brincar com aqueles cachinhos que a deixavam com uma aparência tão angelical. Sorri para ela ao ser invadido por uma mistura de sentimentos que clamavam para extravasar de alguma maneira.

Teria tempo para isso depois. Poderíamos passar longas horas conversando para que se aplacasse tamanha violência causada por aquela mistura.

Olhei para as outras duas pessoas no local. Gold e um rapaz que não conhecia. Cumprimentei-os com um aceno de cabeça, sentando-me ao lado de Belle, depositando um beijo rápido em sua bochecha e finalmente percebendo o pequeno em seus braços.

Eu teria tempo para mimá-lo depois.

—Pode continuar, Emma. – Belle falou carinhosamente.

Swan olhou para mim, parecendo desconfortável e ajeitou um cacho teimosa atrás da orelha ao voltar sua atenção ao livro, provavelmente procurando a parte que havia parado.

—“Até mesmo coração”, foi a última coisa que leu. – o homem ajudou-a, a voz calma.

—Obrigada, Neal. – ela murmurou ao se encontrar na página e então respirou fundo. Nesse meio tempo, estudei o sujeito, decidindo que eu não gostava dele se Emma o chamava pelo primeiro nome com tanta intimidade como fizera. – “E, se Deus ti...Tive...” – ela travou, as mãos começaram a tremer e o rosto ficar ainda mais vermelho. Swan passou a língua pelos lábios como que para molhá-los e piscava sem parar.

—Emma. – Belle atraiu sua atenção. – Não precisa ficar nervosa porque Killian está aqui. Você estava indo bem. Ele é como eu, Gold ou Neal. Seu amigo e está aqui para ver mais uma conquista sua. – tranquilizou. – Beba um pouco de água. – indicou com o queixo o copo pousado na mesa pela metade.

Minha menina obedeceu prontamente e então fechou os olhos, puxando uma grande quantidade de ar para dentro e o soltando em uma lufada, endireitando a postura.

— “E, se... Deus tivesse...” – cada palavra era lida pausadamente e com a voz temerosa. – “Mee do-ta-do de al...” G com u... - murmurou, juntando baixinho as letras. – “Alguma. Beleza. E gran-de. Fortuna, tor-naria tão difícil. Para. O. Senhor...” – Swan parou mais uma vez, a boca se entornando, como se quisesse chorar. – “Dei-xar-me. Quanto é... Para mim... Difícil dei-xar o senhor...” – minha menina relanceou os olhos rapidamente em minha direção. – “Não. Estou lhe fa-lan-do. Através do... Cos-tume,... Das com-ven-ções ou da... Car-ne. Mortal: É. O meu espí... rito que... Que se... Dirige ao seu [...]”

Minha respiração ficou obstruída na garganta e meus olhos começaram a ser ferroado com lágrimas quentes que se formava, conforme a leitura, pausada e demorada continuava, os sussurros de Emma cortavam as frases conforme ela juntava cada letra antes de ler a palavra como um todo. Belle olhou para mim com um sorriso largo e radiante enfeitando o rosto, erguendo a mão livre para o meu rosto, indicando que as água salgada começara a sair de meus olhos.

 Assenti, tentando me livrar delas antes que alguém mais percebesse e soltei uma leve risada.

—Obrigado por isso. – mussitei no pé de seu ouvido, nem ousando mexer os lábios direito. – Muito obrigado, Bell. Esse momento... É a coisa mais linda que já vi.

—Orgulhoso dela? – instigou, os olhos também marejados.

Anui, sem conseguir falar nada, porque não confiava mais na minha voz para tal naquele momento, voltando a prestar atenção em Swan.

Meu peito parecia leve ao mesmo tempo que pesado. Leve com a satisfação, o júbilo e o orgulho de vê-la fazendo algo que antes precisava de alguém. Quantas vezes eu lera para ela, porque gostava de histórias, porém não o conseguia sozinha? Quantas vezes a vi chorar por não saber como fazer uma leitura e ter que pedir para eu ser sua fonte de ligação com o mundo exterior?

E pesado com a culpa que se instalou conforme a leitura avançava, e a voz de Emma se tornava cada vez mais embargada e finalmente prestei atenção na narrativa, nas palavras que saiam de sua boca com certa dificuldade e receio, como um todo e não mais como algo isolado, palavras aleatórias. O pedido de casamento de um homem rico e de posição social se repetiu, enquanto tentava convencer sua subordinada, que era ela quem ele amava e que queria se casar. “Que amor eu teria por Srta. Ingram ?[...]” o personagem que não sabia dizer o nome questionou “[...] Eu a amo como a minha própria carne. Você, pobre e obscura, pequena e simples como é... Peço-lhe humildemente que me aceite como marido”.

Um suspiro audível saiu de Swan, enquanto ela tentava se recompor, lançando um olhar de desculpas acanhado para os outros, excluindo-me propositalmente.

—E fim do capítulo. – informou fechando o livro. – Apenas um capítulo está bom, não? – perguntou hesitante para minha prima.

—Está ótimo, minha querida. Você foi muito bem, Emma. – elogiou.

Abri a boca também pronto para dizer algo quando a voz do homem, que Swan chamou Neal, barrou qualquer som que estava prestes a sair.

—Você foi esplêndida, Emma. – ele se levantou, indo até ela, e tomando suas mãos nas dele e as beijando. – Maravilhosa, como sempre.

—Não exagere, Neal. – retrucou sem graça, corando fortemente.

—Não estou. Eu nunca exagero quando se trata de você, senhorita.

Empertiguei-me na cadeira, estupefato, sentindo meu maxilar trincar com força ao vê-lo flertando com minha menina, descaradamente bem na minha frente e constatar que ela estava retribuindo, com aquele jeitinho dela inocente.

Bell pousou sua mão sobre a minha e a apertou, só então percebi que estava com os punhos cerrados, pronto para atrapalhar seja lá o que estava acontecendo entre os dois, pois o sangue correndo em minhas veias pedia para que eu fizesse aquilo e de preferência com um belo soco naquele nariz esquisito de Neal.

—Foi muito bem, menina. – Gold se levantou, com dificuldade. – Precisa só praticar mais para logo estar lendo perfeitamente... Que horas irá embora mesmo, filho? – ele se virou para o homem.

—Após o jantar, tio. – informou.

O marido de Belle balançou a cabeça levemente.

—Vá andar com Emma um pouco, neste caso. – sugeriu. – Você pode fazer isso, não menina?

—Claro, senhor. – concordou prontamente. – Acompanha-me até o quarto para que eu deixe o livro lá e pegue meu chapéu?

—Com toda certeza. – Neal ofereceu o braço e Swan o aceitou, finalmente olhando para mim, os olhos grandes pedindo desculpas.

Observamos os três se afastarem da biblioteca e virei-me para Belle, que estava com uma expressão despretensiosa ao tentar se afastar.

—Quem é ele? – instiguei sem querer parecer nervoso ou ciumento.

O que no caso eu estava. Sentindo tanto ciúmes, e nervoso que parecia exalar da minha pele e ordenava que eu fosse atrás dos dois.

Ela deu de ombros.

—Vai realmente decidir sentir ciúmes em vez de estar feliz por Emma? – instigou descrente. – Puxa, isso é tão homem. Só ligar para o próprio sentimento. – observou, ajeitando o filho nos braços. – É Neal Cassidy, sobrinho de Gold. Ele estava passando uma temporada conosco. – explicou. – Ele e Emma meio que se tornaram amigos, todavia não se preocupe, sua preciosa Swan não parece sentir nada além da amizade por ele.

—Eu estou feliz por Emma. – retorqui. – Só não gosto de ver outros homens se engraçando com ela.

—Sei que está. Você estava chorando enquanto a ouvia ler... É lindo, não? Presenciar a primeira leitura de uma pessoa. Momentos assim é algo que tenho sempre, quando ensino os outros, porém sempre me emociono. Uma vida na escuridão deve ser algo triste demais. Amo ver o orgulho e felicidade que toma conta quando elas percebem que estão aprendendo. O sorriso muda, o olhar... O espirito! Mas sabe o que mais me deixou feliz hoje? Sua visita. Eu estava muito irritada por você não vir. Foi uma surpresa adorável.

Soltei uma risada pelo nariz, acompanhando-a para fora, encarando o bebê em seus braços que olhava fixamente para mim com curiosidade. Olhos castanhos tão profundos que me senti sem graça com a sua inspeção.

Ele seria igual a mãe, constatei.

—Será que posso segurá-lo? – perguntei de repente, fazendo-a parar.

—Tudo bem. Só não o derrube, por favor. – pediu, passando-o para os meus braços. Lancei para ela um olhar cético, arrumando-o com cuidado. – Mas é muito babão quando se trata de crianças, viu! Olha só que cara de bobo que ficou. – apontou para o meu rosto. – Emma fica do mesmo jeito com Gideon.

—Gideon. – murmurei fazendo uma careta. - Que nome... Lindo, não?

Belle olhou fixamente para mim, antes de sair andando.

—Emma fez o mesmo comentário. Só que com mais sarcasmo... Contudo me conte: o que o fez mudar de ideia e vir?

Subi as escadas, seguindo-a, enquanto conversava com o pequeno em meus braços que exigia atenção com seus resmungos.

Ponderei por um instante na pergunta de Belle.

—Eu... Não sei ao certo. Estava doido para ver Emma e de uns dias para cá comecei a sonhar que ela se casava com outro...

—Ah! Veio ver se o terreno está limpo, não? Sem gaviões voando ao redor dela ainda, Kill.

—Foi de última hora. Eu estava doido para vir. Saí de Londres na quarta à noite e achei que não chegaria a tempo... Fico feliz de ter chego e por ter me convidado para vir. – estudei atentamente o quarto que entramos, que constatei ser de Gideon. Bell se sentou em uma cadeira de balanço, jogando um manto em seu ombro, escondendo seu colo.

—Irei amamentá-lo agora. Se não se sentir confortável, pode sair. – estendeu os braços e o devolvi para ela. – Muitas pessoas acham indecente o ato de amamentar o próprio filho. Recusei a ama de leite que a antiga governanta arrumou. – contou. – E então, ela pediu demissão, por achar que sou uma pessoa depravada. Não achei nada ruim. Eu detestava aquela mulher.

Virei-me de costas, para dar a ela alguma privacidade, sem querer sair do quarto. Eu não achava aquilo indecente. Para mim, era um momento lindo que nenhuma mulher deveria sentir vergonha. Não convivia com muitas mulheres com filhos para saber como se sentiam, todavia não era que me deixava desconfortável.

Era algo normal.

—Não me importo, Bell... Mas se você quiser que eu saia, basta avisar.

—Bobagem. – respondeu com descaso. – Grande coisa você ver um seio... Como se nunca tivesse visto outros antes.

—Agora sim você está me deixando desconfortável, te garanto que não tenho a mínima vontade ou curiosidade de ver seu seio, já que é minha prima... Detesto esse seu lado francês. – comentei, sentando-me perto da janela aberta. – Você e Emma devem se dar maravilhosamente bem. – observei, lembrando-me como Swan sabia ser desbocada quando queria.

Belle soltou uma risada gostosa.

—Ah! Não nesse aspecto, garanto. Vivo deixando-a vermelha com esses meus comentários nada convencionais de uma dama.

Um riso conhecido chegou aos meus ouvidos trazido pela brisa leve. Estiquei-me para ver o jardim e encontrei Emma e Neal brincando de soprar uma pena, um para o outro, tentando não deixá-la cair. Meu coração congelou quando Swan o empurrou de leve para que não conseguisse soprar e o homem a puxou no mesmo instante para um abraço, rodopiando-a e por fim, jogando-a em seu ombro, fazendo com que ela soltasse gritinhos agudos, misturado com risadas.

—Eles não costumam ser tão barulhentos assim. – Belle falou, fazendo-me desviar o foco para ela. – Na verdade, Neal costuma ser mais reservado. Talvez esteja mais solto hoje por ser seu último dia aqui.

Anui, fechando a janela para bloquear os sons de fora.

E constatei que eu estava ainda mais ferrado do que antes, quando eu tinha apenas que me preocupar em me livrar de Milah.

 


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Notas finais do capítulo

E foi isso! O que acharam? Espero que tenham gostado do capítulo e não se sintam acanhados de me contarem. Adoro saber seus pensamentos sobre a história.

Muito obrigada por lerem.
Beijos.



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