Nosso Último Verão escrita por Roses


Capítulo 12
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Olá! Não, isto é uma miragem e sim um capítulo novo!! "Mas Lady, hoje não é sexta". Eu sei, eu sei, todavia é um dia especial e decidi dar um presentinho para vocês como forma de agradecimento por todo o apoio que me dão. Vocês vêm, mesmo inconscientemente, ajudando-me a segurar meu universo e nunca serei capaz de agradecer o que estão fazendo por mim. Contudo posso tentar, certo?

Espero que gostem do capítulo, esse é um dos meus preferidos.

Boa leitura!



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Emma

Já passava da meia-noite.

Os abraços e desejos de feliz Natal há algum tempo já tinham sido trocados, com sorrisos sinceros nos lábios e olhos fechados sempre que os braços se fechavam ao redor do outro.

Tinha certeza que fora isso que aconteceu. Eu observara. Eu executara aquela ação, sentindo-me grata por aquele dia, aquele momento, aqueles poucos segundos em que estava tão próxima de uma pessoa querida, sentindo o calor e o cheiro delas. O abraço em meus pais fora mais demorado e apertado com direito ao rosto escondido na curva de seus pescoços. Em Tinker fora algo mais protetor, de ambas as partes. Em Regina, fora firme, algo que ela me ensinara ser durante os anos, com aquela demonstração de agradecimento. Robin foi uma troca rápida e desajeitada, mas com muitos significados... Roland pulara em meus braços, um sol em forma de sorriso, apertando-me com aquela animação infantil que nada poderia estragar e meu peito se aqueceu. Enquanto o retribuía deixei meu nariz se perder em seus cabelos negros e com cachos largos, sentindo seu cheiro de criança e inocência, tentando pegar um pouco para mim.

Os Hoods estavam em casa. Na verdade eu nem sabia que viriam até que a batida soou pela porta. Regina havia nos convidado para passar com eles o Natal, todavia meu pai se recusou a sair de casa, como sempre. Em sua cabeça ele seria um peso morto que acabaria por atrapalhar a festa dos outros. David pedira para que minha mãe, Tinker e eu fossemos, mas claro que não faríamos isso.

Era Natal. Deveríamos ficar todos juntos.

E a sopa de legumes que seria nossa ceia, transformou-se em uma mesa colorida e suculenta, com conversas e risos animados ao redor, o cheiro de comida preenchendo cada espacinho de nossa casa.

Cada um se serviu; pratos cheios e canecos com vinho quente, ajeitando-se ao redor da lareira que crepitava.

Eu estava sentada em minha cama, observando-os pela porta, o prato intocado em meu colo. Meu coração pesava e eu sabia que era de indecisão. Pesava por não saber o que fazer.

Pesava por querer tanto aceitar a proposta de Belle e ao mesmo tempo não querer ir embora dali e perder o que tinha.

—Algum problema, Emma? – Tinker indagou baixinho, entrando no quarto e me estudando atentamente. –Mal tocou na comida. – continuou, sentando-se ao meu lado. – Ganhou essa peruca linda e está amuada desse jeito... – indicou a caixa onde o presente dos pais de Killian estava guardado. - Ele fez algo?

—Não, não. Killian não fez nada. – assegurei com rapidez, pensando que esse era um dos problemas, ele não havia feito nada e continuava a tentar me atrair para suas garras. E do jeito que eu estava amolecendo cada dia mais, era uma questão de tempo até eu fazer algo que iria me arrepender profundamente.  – Acontece que... – respirei fundo, virando-me para ela. – A prima de Killian ofereceu um emprego para mim... Como dama de companhia e babá quando o bebê dela nascer. Receberei o salário por ambas as funções, além de ela garantir que continuará me ensinando... Pense Tink, eu finalmente saberei juntar as letras para que se formem palavras, até se tornarem frases, que formaram parágrafos inteiros! Ninguém mais poderá dizer para mim que não mandou cartas porque eu não sei ler. Além de saber lê-las, saberei respondê-las. – pisquei, meu peito se preenchendo de expectativas, de uma vida fora da ignorância em que eu vivia.

—Isso é ótimo, Emma! Uma oportunidade das boas... Não entendo por que está assim?

—Eu não sei se devo aceitar... É outro condado Tink, eu terei que deixar meus pais para trás... Como irei cuidar deles estando longe? Como irei saber se estão alimentados ou que estão bem de saúde?

—Você pode mandar dinheiro para eles. Acredito que morará na casa da condessa... E outra, eu ficarei aqui. – apertou minha mão. – Posso cuidar deles.

—Sim, mas... Mandar dinheiro não é a mesma coisa que estar aqui para qualquer emergência que precisarem de mim... Eu não sei se conseguirei ficar longe dos dois. Nunca me separei deles. Ao mesmo tempo, que o dinheiro irá ser... De grande ajuda. Eles não precisarão se preocupar...

—Filha? – minha mãe surgiu na porta, olhando-me alarmada. Sequei as lágrimas que escaparam teimosas dos meus olhos. – Está tudo bem, Emma?

Aquiesci, sorrindo para ela e abrindo os braços pedindo um abraço. Branca atravessou o pequeno espaço e me apertou. Respirei fundo, sentindo seu cheiro levemente azedo de suor.

—Eu fico emotiva nessa data, a senhora sabe. – murmurei, beijando sua bochecha. – E hoje eu estou tão feliz de ver você e o pai rindo, que é o melhor presente que poderia receber.

Minha mãe me olhou desconfiada e abriu a boca como se considerasse dizer algo, mas por fim acabou afagando meu rosto e beijando minha testa.

—Então mostre essa felicidade se juntando a nós na sala. É falta de educação ficar enfiada no quarto quando temos visitas.

Anui, segurando meu prato e colocando-me de pé, olhando para Tinker que estendeu a mão para que eu a ajudasse a se levantar. Acompanhamos minha mãe de volta para sala e me sentei no chão, perto de meu pai e de Roland que estava entretido com um de seus presentes.

—O que você tem aí, senhor? – perguntei, vendo-o brigar com o objeto. O menino se virou para mim e mostrou um arco. – Uau que presente legal esse!

—Ganhei do meu papai, mas eu não consigo usar! – reclamou, jogando no chão. – Eu queria bolinhas para brincar, não isso.

Robin riu do bico que o filho fez e me estendeu um caneco com vinho quente. Aceitei, recostando-me nas pernas de meu pai e olhando para ele, que naquela noite estava com olhos felizes e a face corada.

—Eu amo você. – murmurei para ele, segurando sua mão e beijando-a, encostando-a em meu rosto. Ele se inclinou e beijou minha cabeça demoradamente. – Desculpe não ter um presente para o senhor.

—Também a amo, minha filha. E você é meu melhor presente. Não preciso de mais nada. – garantiu-me, apertando meu ombro com a sua mão livre e indicando com a cabeça que comesse a comida do meu prato.

—Sei que esta é uma noite feliz e que não deveria trazer assuntos desagradáveis à tona... Mas como está o trabalho, Emma? – Regina indagou, sentando-se no colo de Robin. Era disso que eu gostava em nossa classe, dentro de casa, entre amigos, permitíamos ficar a vontade desse jeito, sem problemas de ser um escândalo. Podia imaginar como estavam às coisas na casa da família Odom: um bando de pessoas que mal se conheciam e pouco se gostavam, comemorando uma data como o Natal, cada um em seu canto, com conversas murmuradas e risadas contidas, beirando a falsidade.

—Está tudo bem... Milah não aprontou mais nada esses dias, acho que porque temos visitas importantes em casa. A prima de Killian, a condessa de Berkshire veio para passar o natal. – expliquei.

—Ela vem ensinando Emma algumas coisas. – minha mãe se sentou ao lado de meu pai.

—É mesmo? – Robin indagou com interesse.

—Ah sim! Ela me ensinou as vogais e passou caligrafia para que eu treine escrevê-las. Minha letra é horrível. – comentei, soltando uma risada ao me lembrar do garrancho que fazia e como sempre errava deixando a folha toda borrada.

—Isso porque você ainda não tem firmeza na mão. – Regina falou. – Se continuar treinando logo terá uma letra linda. – afirmou, um sorriso sereno em seus lábios enquanto brincava com o cabelo de Robin.

—Belle diz isso também. Ela pediu para o visconde deixar que eu ficasse com ela, então eu não estou exercendo muito a minha função de criada... – contei, pensando em sua proposta. Se eu fosse não teria mais reuniões do tipo. Mal conseguiria vir visitar meus pais. Meu coração se contorceu com a ideia de não vê-los nunca mais, não ter como correr para seus braços quando algo triste acontecia. Pisquei, tentando dispersar as lágrimas. – A condessa lê para mim também e disse que começará a me ensinar as outras letras... Como chamam?

—Consoantes. – Regina respondeu.

—Isso! As consoantes. Quando nos estamos lendo, ela me dá o texto e pede para que eu identifique as letras que já sei. – continuei e olhei para os meus pais que me olhavam orgulhosos.

—É uma pena que essa mulher não vai ficar muito tempo. – Branca afagou minha cabeça. – Podíamos ter mais pessoas dispostas a ensinarem o que sabem para gente sem estudo. – comentou.

Troquei um olhar com Tinker, que arqueou as sobrancelhas, indo se servir de doce.

—Alguém quer sobremesa? – indagou.

—Ah não. – Robin tocou a barriga que estava estufada. – Se colocar mais alguma coisa para dentro é quase certeza que não passo pela porta... E quanto aquele rapaz... Senhor Jones?

Balancei a cabeça, enchendo minha boca de ar e o passei de um lado para o outro.

—Está bem, sem mais... Confusões.

—Killian é uma boa pessoa, só está um pouco perdido. – minha mãe o defendeu. – Está deslumbrado demais com a vida de luxos que adquiriu e quando voltou para cá, se recordou que existe outra vida. Está meio sem saber que rumo seguir.

—Não acredito que ele esteja nem um pouco perdido, Branca. – Tinker atalhou, sentando-se ao meu lado, entregando-me uma colher. – Não se esquece duma vida que teve. Não se ela foi muito boa. Nem da ruim nós esquecemo-nos por mais que tentemos. – ela sorriu para mim, enfiando uma colherada na boca. – Senhor Jones quebrará a cara por estar “deslumbrado demais com a vida de luxos que adquiriu” quando perceber que o maior luxo que poderia possuir, ele abriu mão.

—Killian é ambicioso. – corrigi, pegando o doce de maçã. - Sempre foi. Estava claro que aqui não era o lugar dele.

—Porcaria de brinquedo!

—Roland! – Robin chamou sua atenção, desviando o olhar do meu rosto. – Esses são modos?

—Desculpe, papai. – murmurou.

Entreguei meu prato para minha mãe e coloquei-me de pé, apoiando as mãos nos joelhos.

—Por que não vamos um pouco lá fora e tentamos brincar com ele? – sugeri.

—Uma ótima ideia! – Regina concordou levantando em um pulo. – Vamos todos lá para fora e assim vemos quem consegue usar o arco e flecha.

Roland ficou em pé com dificuldade, juntando as flechas de brinquedo com rapidez, entregando-as para mim.

—Vamos! – gritou animado, seguindo para porta e eu corri atrás dele, destrancando-a.

Parei surpresa ao encontrar os Jones do outro lado dela, Killian com a mão erguida prestes a bater. Roland passou por eles sem parar, como se não estivessem ali.

—Venha Emma! – chamou impaciente quando reparou que eu não estava atrás dele.

—Um minuto, pequeno. – gritei. – Olá.

Jenna parou ao lado do filho, abraçando-o e com o marido do seu outro lado.

—Viemos desejar um feliz Natal. – explicou sorridente, seu nariz estava vermelho por causa do frio.

—Estávamos entregando os presentes para as crianças do orfanato da paroquia. – Brennan acrescentou, a voz anasalada por conta do nariz trancado. – Era caminho, decidimos parar antes de retornar para casa.

—Bem, entrem nesse caso. – dei espaço para que passassem. A mãe de Killian me abraçou apertado.

 – Feliz Natal, filha. – murmurou, segurando meu rosto com as duas mãos. Olhei para dentro, sem jeito, vendo meus pais, Robin, Regina e Tinker olharem para os visitantes com a testa franzida. – Olá... Desculpem atrapalharmos a comemoração de vocês. – pediu, enquanto entrava para cumprimentá-los.

—Feliz natal, Emma. – Brennan me abraçou sem jeito. – Que continue mantendo Jesus sempre em seu coração.

—Amém, reverendo. – respondi com um sorriso que o fez sorrir e entrar, indo se juntar a esposa. – E você ficará aí fora mesmo? – perguntei para Killian em um tom brincalhão.

Ele balançou a cabeça e deu um passo para frente. Apressei-me para corresponder o seu abraço, fechando os olhos ao sentir seus braços me envolvendo. No mesmo instante meu corpo todo se aqueceu e permiti descansar a cabeça por um momento em seu peito, ouvindo as batidas fortes que seu coração emitia. Killian me apertou um pouco mais de encontro ao seu corpo, como se tentasse me prender a ele.

—Feliz natal, minha menina. – murmurou em meu ouvido.

—Feliz natal, Killy. – atalhei, forçando-me a soltá-lo, a desfazer do seu abraço e do perfume que carregava consigo. Loção e fumaça de charuto. Naquela, noite misturado com o cheiro das comidas natalinas.

Jones enfiou a mão no bolso e puxou um papel enrolado preso por uma fita azul.

—Para você. Meu presente de natal. – informou.

Estiquei a mão para pegá-lo, ansiosa e soltei a fitinha, desenrolando-o com cuidado.

—Não precisava. – sussurrei, observando com atenção o escrito ali contido. – Sabe que eu não entendo, mas agradeço de coração por ter me dado algo.

—Você sabe o que está escrito... É um poema, que me pediu e eu nunca o entreguei.

Abri a boca de surpresa, as palavras ali escritas, de repente claras em minha mente.

—Fios de ouro de encantamento – comecei a murmurar. – Lábios macios a se esticar, Olhos verdes que me acompanhavam, Antes mesmo de olhar...

—Esperava o verão com anseio, Sem ao menos questionar. – ele continuou, a voz melancólica. – Eis que agora entendo, que deverias tu encontrar...

—Amar-te-ei no outono e quando o inverno chegar...

—Pois contigo ao meu lado, todas as estações estio será. – concluiu, enfiando as mãos nos bolsos.

Solucei um pouco alto e apertei o escrito contra o meu peito.

—É o poema que escreveu para mim. – constatei, tentando não chorar. – Muito obrigada por me entregar. – respirei fundo, enrolando-o novamente e o enfiando no bolso do avental que estava usando. Fixei meus olhos naquela imensidão azul que estavam tristes e senti a necessidade de fazer algo para deixá-los alegre.

Eu adorava olhos sorridentes. Foi uma das coisas que mais me encantaram em Killian no passado, como seus olhos sempre estavam sorrindo.

—Chegou um pouco atrasado. – comentou sem jeito.

—O que são nove anos, não é mesmo? – tentei brincar, mas minha voz saiu sentida. Olhei por cima do meu ombro e me aproximei mais dele, ficando na ponta dos pés. – Gostaria de conversar com você... Sobre a proposta de sua prima. Quero sua opinião.

Sua testa franziu e ele pareceu um pouco pasmo.

—Minha opinião? – indagou apontando para o próprio peito.

—Sim, ela é importante para mim... Uma vez você ouviu minha opinião sobre algo que foi importante para você. Quero ouvir a sua.

—Já falou com seus pais?

Neguei, apertando as mãos.

—Eu sei o que eles vão falar. – que eu deveria ir. Que eles não estariam para sempre aqui para cuidar de mim e que deveria começar a investir em um futuro melhor. – Você sempre me faz ver as coisas com mais clareza quando as arruma. No momento está tudo embarbalhado aqui dentro.

—Embaralhado. – corrigiu. – Irá trabalhar amanhã? – inquiriu. Aquiesci prontamente. – Pode chegar mais cedo como fez hoje?

Fingi pensar por um instante, passando os dentes no lábio inferior, como se hesitasse.

—Promete que não estará pelado? – perguntei fingindo receio. Jones deixou a cabeça tombar em direção ao peito e soltou uma risada leve, voltando a me fitar.

Seus olhos sorrindo dessa vez.

E meu coração vibrou de felicidade.

—Só se você quiser. – retrucou.

Fiz um bico, cerrando os olhos e assenti.

—Pode ser. – respondi com a maior seriedade que consegui reunir. Killian no mesmo momento ficou com a face afogueada. – Como eu amo fazer isso! – exclamei apontando para seu rosto. – Esteja de roupa, por favor. – acrescentei, abanando seu rosto.

—Emma Swan... Você não sabe o que está provocando. – ameaçou.

Arqueie uma sobrancelha e o olhei com deboche.

—Como se você fizesse alguma coisa. Só sabe falar, Killian Jones.

Senti um puxão na saia do meu vestido e olhei para baixo, sendo tirada da bolha em que estava com Jones.

—Você não vem? – o pequeno de olhos negros me encarava com expectativa.

—Estou indo... Estava conversando com meu amigo. Este é Killian.

Roland tombou a cabeça para o lado, estudando-o.

—Eu já o vi antes?

—Uma vez, sim. Mas não fomos apresentados.

—Sou Roland Mills Locksley Hood, senhor. – estendeu a mãozinha como um verdadeiro cavalheiro.

—É um prazer conhecê-lo, senhor Hood. Sou Killian Cephas Jones. E feliz Natal.

—O que você ganhou? – indagou com curiosidade para Jones que se agachou para ficar na altura do menino.

—Algumas coisas de adulto. – ele respondeu como se estivesse decepcionado. – Mas e você?

—Um arco e flecha do meu pai. Emma vai brincar comigo agora. Você quer brincar também? – convidou, apontando para mim. Killian levantou a cabeça, estudando-me com olhos nostálgicos e sorriu.

—Vou cumprimentar as pessoas lá dentro e então venho me juntar a vocês. – falou, ficando em pé. Ele pareceu surpreso ao olhar por cima do meu ombro e virei o rosto para ver o que havia visto e encontrei Tinker parada atrás de mim, braços cruzados, sobrancelhas arqueadas e a boca cerrada de desaprovação. – Olá Srta. Bell. – atalhou com hesitação. Minha amiga o estudo de cima a baixo, a expressão desdenhosa.

—Fique a vontade, Killian. –falei, dando um passo para fora e deixando os dois para trás. – Vamos ver isso! – exclamei animada para Roland que havia deixado o presente de lado e brincava com a neve.

—É muito duro. – reclamou, batendo as mãos uma na outra para tirar a brancura que ficara grudada nelas.

Peguei uma das flechas e comecei a tentar encaixá-la no arco. O cordão sempre soltava antes mesmo que eu conseguisse esticá-lo e acabava acertando meu rosto, o que fazia com que o menino soltasse uma risada gostosa e que acabava me fazendo rir.

—Que decepção, Emma Swan. – Robin gritou da porta, vindo em nossa direção. – Esperava mais de você.

—Então nos ensine, senhor arqueiro. – retruquei esticando o arco em sua direção.

Ele me lançou um olhar convencido e tirou o objeto da minha mão. Dei alguns passos para longe, na intenção de ficar perto de Regina que tinha ido para fora também e observei seus dois garotos interagindo. Roland olhava com ansiedade para o pai que floreava cada gesto, fingindo se aquecer e preparar, antes de se posicionar e ajeitar a flecha no arco. Robin ficou na pose por alguns segundos e relanceou os olhos para o filho, soltando o cordão e fazendo a flecha ir longe.

Roland abriu a boca, maravilhado, os olhos brilhantes e me olhou, como se perguntasse se eu tinha visto aquilo. Aplaudi, soltando uns gritinhos de comemoração, que logo foi acompanhado de Regina. Robin se virou para nós e se curvou, agradecendo os aplausos.

—Agora se aproximem que o mestre vai ensiná-los. – chamou com um gesto de mão e Regina piscou lentamente, caminhando na direção do marido.

—Começa não que eu te falo onde...

—Epa! – gritei erguendo as mãos para cima, cortando a fala da morena. – Desbocada. – acusei, fingindo-me de horrorizada. Ela riu e abraçou o marido.

—Ele sabe que eu nunca faria isso. – disse e Robin ergueu as sobrancelhas, lábios pressionados como se pensasse o contrário. – Não sabe? – ela indagou com firmeza, fazendo uma cara de brava.

—Claro que sei, amor. – e fez um não mínimo com a cabeça para mim, ganhando um tapa forte da esposa.

Ficamos um bom tempo os quatro do lado de fora, competindo quem conseguia atirar a flecha mais longe depois que aprendemos como atirá-la. Eu olhava de minuto em minuto para a casa, esperando que Killian viesse se juntar a nós como havia dito que faria, mas ele não apareceu. Sempre que não era a minha vez, eu enfiava a mão no bolso do avental e sentia o escrito de Jones, sendo invadida pelo sentimento da primeira e única vez que ouvi o poema, sentindo meu ventre se contrair com as lembranças dos beijos daquela noite.

Em determinado momento Roland abandonou o arco, garantindo que estava cansado. E pudera, já era madrugada à dentro e garoto estava há tempos lutando contra o sono. Sua vozinha estava distante e os olhos pesados. Regina e Robin decidiram que já era hora de ir embora. Peguei o pequeno, que já não estava tão pequeno assim constatei, no colo e os segui para dentro de casa, para que pegassem suas coisas. Roland ajeitou a cabeça em meu ombro e antes que passasse pela porta, senti sua respiração suave de quem havia pegado no sono.

—Mas já vão? – Branca indagou parecendo decepcionada. Um caneco de vinho quente estava em sua mão, de novo, e ela parecia um pouco alterada.

—Roland está cansado e... – Regina olhou para mim e revirou os olhos. – Vou levar Emma para morar comigo. – declarou. – Ele sempre dorme com ela.

—Ele dorme quando está cansado. – Robin retorquiu, beijando a bochecha da mulher. – Emma não tem nada a ver com isso.

—Não diga isso, senhor Hood. Meus abraços são mágicos. – garanti com seriedade. – Foi comprovado isso.

Ele ergueu as sobrancelhas, parecendo divertido.

—Mesmo? Por quem?

—Ah. – estalei a língua, dando de ombros. – Por todo mundo que já entrou nesse abraço. Aqui você vai encontrar todos os sentimentos bons do mundo... Pode perguntar. – indiquei meus pais e Tinker.

—Ela tem o melhor abraço do mundo. – minha mãe concordou.

—O abraço que todos querem receber, minha garota tem. – David atalhou com orgulho. – Um abraço e, você esquece todos os seus problemas.

—Abraçar Emma é como abraçar a luz. – Tinker acrescentou com dramaticidade. – E você se sente brilhante junto com ela. Essa luz que emite... Carinho, amor, amizade... Calma. Tudo dentro desse abraço aí, Robin.

—E sabe por que, Tinker? – inquiri. – Porque eu sou a própria luz. Por isso que se sentem tão confortáveis. – conclui, sem conseguir me manter séria e rindo ao ver a cara de Regina e Robin.

—Um conselho de amigo: não deixem mais sua filha beber. – Robin falou para os meus pais. – Ela fica se convencida demais e não fala coisa com coisa.

—Swan é assim sempre. – Killian se meteu. – Porque ela sabe que realmente causa tudo isso nas pessoas. – acrescentou com desconforto ao receber olhares questionadores.

Robin pigarreou e tirou o filho do meu colo, dando um tchau coletivo com Regina ao seu lado. Acompanhei-os até o cabriolé deles, vendo-os se ajeitar.

—Você abraça seu patrão com frequência? – Hood quis saber, acendendo a lamparina que ficava presa ao veiculo.

—Costumávamos sermos amigos quando morava aqui... Aceite o fato que eu tenho um abraço tão incrível que chega a ser inesquecível. Senhor Jones é a prova viva disso.

Ele balançou a cabeça e apertou meu ombro.

—É bom vê-la voltando a ser você. – observou. – Fazia muito tempo mesmo que não a via falar assim, nesse tom brincalhão. – Robin pareceu ficar pensativo e olhou para Regina que estava de olhos fechados, boca entreaberta, ninando Roland. – Boa noite.

Afastei-me, para que ele pudesse sair com o cabriolé e fiquei olhando-os até que sumissem pela estrada. Suspirei fundo, chutando a neve enquanto voltava para casa, desejando mais do que nunca minha cama, mesmo que eu tivesse plena noção que teria pouco tempo de sono, o que me deixaria apenas mais cansada.

Os Jones ficaram por mais um tempo, até que se despediram também. Fiquei aliviada que nenhum deles comentou sobre a proposta de Belle, forçando-me a contar antes da hora para os meus pais. Sabia que não poderia esconder por muito tempo, mesmo porque logo eu teria que dar uma resposta e eu queria ter uma conversa com os dois, saber o que achavam e ter a aprovação deles se caso optasse por ir embora.

Ainda que eu soubesse exatamente suas respostas e quais palavras iriam usar, eu precisava ouvi-las.

Mas não esta noite.

[...]

Minha cabeça parecia pesar uma tonelada e eu brigava com meus olhos para permanecerem abertos. Assim como exigia toda força do mundo para manter meu corpo em movimento, uma caminhada em passos arrastados pelo caminho branco e frio em direção à casa da família Odom. Eu não deveria ter concordado em conversar com Killian tão cedo.

Eu deveria ter usado dos bons minutos que eu tinha luxo para dormir e não ter saído da minha pouco confortável cama quentinha, que agora dividia com Tinker, para aquele outro mundo que parecia disposto a me congelar. Não sentia meus dedos, meu nariz e a situação estava tão critica naquela manhã que nem mesmo o meu traseiro eu não mais tinha certeza de que continuava no mesmo lugar ou havia caído.

Entrei na residência pulando para me esquentar, tirando as luvas puídas e soprando minha mão para esquentá-las. Olhei ao redor, surpresa ao encontrar a cozinha sem uma única alma viva trabalhando, tudo ainda apagado, algumas travessas, vestígios da noite anterior, estavam tampadas com panos para proteger os alimentos que deveriam ter ficado intocados.

Livrei-me das peças de roupas extras, e molhadas da caminhada na neve e peguei a direção do sótão, onde os criados que moravam na casa ficavam. Provavelmente haviam perdido a hora de levantar já que a festa devia ter durado até tarde. Subi com cuidado as escadas que insistiam em ranger e abri a porta do quarto de Granny. Ela estava toda esparramada na cama, em uma posição estranha, a boca aberta e dela saía um ronco alto que ecoava em minha cabeça.

—Nem imagino qual foi à causa de você não ter casado. – murmurei com sarcasmo, cutucando seu ombro. – Granny. – esperei uns segundos e a velha continuou na mesma posição. – Granny! – chamei mais alto, bem próxima ao seu ouvido.

A senhora abriu os olhos assustados e fitou meu rosto com um certo estranhamento que durou menos de um segundo, antes que ela se sentasse na cama, a expressão apavorada.

—Desgraceira! – exclamou, erguendo as alças da camisola que deixavam seus seios generosos de fora.

—De nada. – retruquei.

—Não você. – atalhou, pegando o uniforme e puxando a roupa de dormir pela cabeça. Observei-a se mexer com afobação, se atrapalhando com as peças da vestimenta. – Não acredito que não acordei. Alguém da casa já levantou?

Torci o nariz para sua atrapalhação.

—Creio que não. Caso contrário à senhora teria acordado com os gritos desagradáveis das mulheres Odom e não com esse rostinho amável aqui. – coloquei a mão debaixo do queixo e sorri docilmente para ela, na tentativa de melhorar seus ânimos, aproximando-me dela para ajudá-la a se vestir.

Granny soltou um suspiro de exasperação, tentando arrumar os cabelos enquanto eu abotoava seu vestido.

—O que está fazendo tão cedo aqui?

Por um momento quase deixei escapar que tinha chego mais cedo para conversar com Jones, todavia consegui me controlar antes que qualquer palavra saísse de minha boca e ela começasse a pensar que eu estava fazendo coisas erradas.

—A condessa pediu para que eu chegasse mais cedo. – menti, colocando o último botão na casa. Hesitei por um momento, vendo-a terminar de se arrumar. – Se oferecessem uma chance para você mudar a sua vida, você aceitaria? Digo, se tivesse que deixar toda a sua família para trás, para que tivesse a possibilidade de... Mudar radicalmente o seu futuro, você iria?

A velha se virou para mim com olhos arregalados.

—Quem pediu para que se tornasse amante? – indagou.

—Que? Quem falou de amante? – instiguei horrorizada.

—Ninguém pediu isso?

—Não. – prolonguei a palavra o máximo que consegui para dar ênfase. – E francamente, Granny! Você acha que eu me tornaria isso? Eu disse uma vida melhor, não indigna.

—Bom neste caso, eu aceitaria sim. – respondeu, apressando-se para a porta. – Mas eu diria sim para a vida indigna também, eu nunca tive família, diferente de você. Por isso se alguém oferecer isso, nunca aceite.

—Mas noutro dia...

—Esqueça o que eu disse no outro dia. – Granny me cortou com rispidez batendo com força nas portas dos outros criados para acordá-los. – Seus pais ficariam de coração partido se se tornassem isso. – concluiu, descendo as escadas com rapidez.

Fiquei uns minutos, parada ouvindo as movimentações ao redor e finalmente desci, indo para o quarto de Killian, desejando ter aquela conversa logo de uma vez por todas.

Bati em sua porta sem muita força e ela logo se abriu, revelando Jones ainda em suas vestes de dormir, o cabelo completamente desgrenhado, os olhos pequenos de sono que pareceram se acender ao me ver, indicando que eu entrasse.

Escutei-o fechar à chave a porta e ele passou por mim, deitando-se na cama. As cortinas ainda estavam fechadas, as velas acesas, davam um ar aconchegante demais ao quarto.

—Não é melhor abrirmos a janela?

Killian fez que não, ajeitando o travesseiro atrás da cabeça e me olhando com um sorriso preguiçoso nos lábios.

—Você gostou mesmo do presente. – comentou. Toquei a cabeça, sentindo a peruca e aquiesci. – Não sei como não pensei em dar uma para você antes.

—Isso porque você não pensa. – rebati no mesmo instante, séria. – Mas não estou aqui para falar sobre isso daqui e sim sobre a proposta de sua prima.

—Você deve aceitar. – falou simplesmente dando de ombros. – Vá embora com Belle. Realize seus sonhos.

Pisquei perplexa, andando até sua cama e me deitando de atravessado, as pernas balançando para fora do colchão.

—Killian... Não é tão simples. É outro condado... Eu terei que deixar meus pais para trás. – falei, olhando para seu rosto. – Estarei completamente sozinha.

—Você terá Bell. – atalhou.

Revirei os olhos, fitando o teto, enxergando-o parcamente.

—Como vai ser se eu não me der bem lá? Se eu não tiver um dia bom, não terei ninguém para me confortar... Sem falar que estarei lá de corpo, mas minha cabeça... Meu coração. – toquei meu peito. – Estará na casinha simples de madeira que mais parece um barracão.

Killian se ajeitou até estar na mesma posição que eu estava, seu ombro encostado no meu e segurou minha mão.

—No começo você irá sentir. Claro que vai. Mas você não pode perder uma oportunidade como essa, Swan. Seus pais ficarão arrasados de souberem que abriu mão de uma oferta dessas por causa deles. Belle está te dando uma chance para que tenha um futuro melhor do que terá aqui, esvaziando urinóis e aguentando agressões por algumas moedas, tendo sua essência esmagada a cada dia, quando você tem capacidade para muito mais. – ele sorriu e tocou minha bochecha e fechei os olhos, gostando de sentir os nós dos dedos dele em minha pele, acariciando-a com leveza. – Uma vez você me disse que se tivesse alguém disposto a dar essa oportunidade para você, não hesitaria duas vezes antes de dizer “sim”. – Jones se apoiou no cotovelo, erguendo-se para me olhar de cima. – Reconhece essas palavras? – indagou, a voz rouca fazendo um arrepio percorrer meu corpo. Neguei, prestando atenção para não perder nada que saísse de sua boca. – Foi esse discurso que fez na última noite que passamos juntos. Que você fez todas as vezes que nos encontramos depois que lhe contei da oferta de meu tio. Por que foi tão fácil aconselhar isso para mim, todavia não usa para si própria?

Franzi as sobrancelhas, reprimindo um suspiro de frustação por ele estar usando a mesma fala que um dia eu usara para convencê-lo a ir buscar uma vida melhor.

Killian estava quieto aquela noite. Pensativo. Como se estivesse há condados de distância e não ali comigo. Era uma noite fresca por ser verão, com um vento um pouco mais forte que o normal. Alguns pontos do céu conseguia enxergar as estrelas, mas nuvens grandes, pesadas em tom índigo escondiam a maioria.

O céu estava anuviado, assim como os olhos de Killian.

—Acho que vem uma chuva de verão das bravas. – comentei, tentando fazê-lo conversar comigo, porém ele apenas balançou a cabeça concordando e puxou-me até estar deitada em seu peito. – Qual o problema, Killy? Não gosto de vê-lo assim. – toquei seu rosto sério.

As duas bolas azuis se fixaram em meu rosto, fitando-me atentamente.

—Não sou uma boa companhia hoje, Swan. – atalhou sem emoção.

—Você sempre é uma boa companhia, Killian. A melhor de todas. Conte para mim o que o está crosternando.

—Consternando. – corrigiu com um leve sorriso, colocando alguns fios que o vento insistia em jogar no meu rosto atrás da orelha. – Nada com que deva se preocupar.

Fechei a expressão, olhando-o com repreensão.

—Nós somos um casal, não somos? – perguntei sisuda.

—Claro que somos, minha menina.

—Pois não está parecendo. Casais devem contar tudo um para o outro para que se ajudem. É por esse motivo que você escolhe alguém para passar a vida. Para que ela o auxilie quando algo o estiver deixando triste, para que não esteja sozinho diante de problemas. Sei que não sou inteligente igual a você e que o único motivo para que não pareça uma caipira é o fato que pronuncio as palavras direito, mas só faço isso porque escuto e repito. Não tenho muito conteúdo aqui. – toquei minha cabeça. – Nem muito conhecimento sobre a vida lá fora, no entanto eu posso tentar ajudá-lo com o que está o incomodando. Prometo para você que darei o meu melhor para achar uma solução. Até que saia fumaça de dentro desta caixola. Apenas me conte seus problemas. Vamos ser um casal de verdade. – pedi, fitando seus olhos para ver se ele havia me entendido.

Jones olhou para o céu e começou a acariciar minhas costas. Um passeio preguiçoso com as pontas dos dedos, até que voltou a me encarar.

—Recebi uma carta hoje de um tio meu. – começou. Um mussitar tão baixo que aproximei o rosto do dele. – E nela ele está se oferecendo para pagar minha universidade.

Sentei-me de supetão, sentindo-me animada e feliz por Killian. Era isso que ele queria quando nos conhecemos. Terminar os estudos. E agora teria a oportunidade.

—Mas isso é ótimo, Killy! Sua grande chance de realizar seu sonho. Não entendo por que está desse modo e não comemorando.

Ele se sentou, parecendo aflito e passou a mão pelos cabelos, desviando o olhar de mim. Engatinhei até Killian, apoiando o queixo em seu joelho.

—Qual o problema, meu amor? – inquiri preocupada.

Seus olhos estavam desesperados ao olhar para mim.

—Isso. – indicou o nosso redor. – Você. Nós... Eu não consigo me imaginar partindo e deixando-a aqui. Eu sinto agonia só de cogitar essa possibilidade. Dói. Eu fico assustado... – segurei seu queixo e o beijei, para que ficasse quieto e imediatamente Jones me retribuiu com ansiedade, que tinha um leve sabor de medo. – Ah Emma. Se fosse antes eu já estaria lá, mas agora... Eu estou envolvido demais. Apaixonado demais... Amando-a demais.

—Eu também estou tudo isso e mais um pouco. – afirmei, mantendo a voz branda, escolhendo as palavras. – Contudo eu acho que deva ir. É sua chance de terminar seus estudos. Alcançar o que tanto queria. Uma oportunidade que várias pessoas gostariam de ter... Que eu gostaria de ter. – Killian abriu a boca para protestar e eu a tampei com minha mão. – Escute, nós não temos planos de nos casar agora... Quantos anos é a sua universidade?

—Máximos cinco anos. – respondeu em minha palma.

—Nós podemos esperar cinco anos. Só conseguiríamos daqui uns anos de qualquer forma. Eu posso esperar.

—Pode mesmo? – indagou duvidoso.

—Claro que sim. – garanti. – Eu não irei a lugar algum, Killy. Aceite a oferta de seu tio. Vá atrás de seu sonho. Deixe-o em primeiro lugar. Para mim, sua instrução e, sua realização pessoal é tudo o que importa. Seu tio está te dando à oportunidade de... Montar um futuro melhor do que herdar a paroquia... E cá entre nós, você não levaria jeito. Distrairia as mulheres durante os sermões e as fariam ter pensamentos pecaminosos. – brinquei, deslizando o indicador por sua clavícula.

Ele riu. Alto, livre, de olhos fechados e cabeça jogada para trás. O som fez seu peito tremer enquanto reverberava.

—Eu a faço ter pensamentos pecaminosos? – instigou com a voz maliciosa.

—Ah! – exclamei, fingindo estar sem jeito. – O tempo todo, senhor Jones. Tenho pensamentos que nem tenho certeza do que são, mas sei que tenho... Irá responder seu tio com uma resposta positiva? – questionei com cuidado.

Killian suspirou, virando-me de costas para ele e me ajeitando sentada no meio de suas pernas.

—Irei pensar.

—É diferente. – retruquei. – As pessoas nunca seguem os conselhos que dão. Você deveria saber... Sem falar que a situação também é diferente. Nós éramos... – ponderei, tentando achar uma palavra para nos definir. – Alguma coisa sem um laço formado. Eu estou falando de deixar meus pais, as únicas pessoas que tenho na vida para trás, para ir me arriscar em outro condado, sem ninguém. Eu nunca estive sozinha dessa forma, Killy.

—Eu sei... Mas novamente, você terá Belle.

—Que será minha patroa. – pontuei.

—Acredite em mim que não será um serviço. Vocês serão grandes amigas... Nunca é fácil sair das asas dos pais, Emma. Eu fui mandado para o colégio com oito anos. Vinha para casa apenas nas férias. Sempre queria meu pai. Ou o beijo de minha mãe de boa noite. O abraço deles quando aquele lugar estava sendo um inferno... Minha primeira vez foi algo forçado pelos garotos mais velhos. Eu saí do quarto da mulher traumatizado e desesperado pelo conforto que eu sabia que apenas eles teriam. Com os anos fui me acostumando a ir embora, a me virar por conta... Imagino como deve estar sendo assustador passar por uma experiência dessas de partir somente agora. Acredite em mim quando digo que o aperto no peito com o tempo vai passar. E outra: você poderá juntar dinheiro, comprar uma casinha por lá e vir buscar seus pais. A parte difícilé dar os passos para fora de casa, depois que já saiu você percebe que quem estava dificultando tanto a partida era apenas você mesma.

—Você fala como se soubesse qual a minha resposta.

—Mas é porque eu sei, minha menina. – Killian beijou a palma da minha mão. – Será a mesma que eu dei: Sim.

[...]

Eu estava sentada à mesa olhando para meus pais com aflição, esperando que eles dissessem alguma coisa. Meu pai encarava um ponto fixo e minha mãe apertava os dedos com nervosismo, enquanto passava os dentes no lábio inferior.

—Berks. – David murmurou mais uma vez.

Troquei um olhar nervoso com Tinker que estava parada perto da lareira, acompanhando a conversa, a testa vincada de apreensão.

—Sim. É onde a condessa mora... Mas eu... Posso não aceitar. Vocês sabem, é só uma oferta e estou contando para vocês, porque... Achei que deveriam estar cientes.

Branca soltou um suspiro leve, recostando-se a cadeira e olhando para mim.

—É sem dúvida uma ótima oportunidade... Mas eu não sei o que pensar. – falou, tocando as pontas dos dedos na cabeça. – Não consigo imaginar você longe de nós.

—Filha, você estará sozinha. E se não for isso tudo? É uma proposta muito boa, deve ter coisa por trás. – comentou com desconfiança. – Se quando chegar lá ser obrigada a trabalhar como uma escrava? Ou até pior.

Envolvi suas mãos nas minhas, fixando meus olhos nos seus e os encontrando temerosos.

—Eu sei que conheço a condessa tem pouquíssimos dias, pai, mas tenho certeza que a proposta dela é nas melhores das intenções. Ela é parenta dos Jones, o senhor acha que eles deixariam e me incentivariam a aceitar se tivesse a mínima possibilidade de eu sofrer nas mãos de Belle? Se ela quisesse me levar para me maltratar, Jenna ou Brennan iriam me alertar.

Os dois se fitaram claramente consternados.

—Você quer ir? – minha mãe indagou.

Respirei fundo, pensando em sua pergunta e ainda não tendo uma resposta. Eu estava confusa e toda aquela indecisão dentro de mim começava a me deixar agoniada. Parte de mim gritava e implorava para que eu dissesse “sim”. Outra parte sentia medo de não se adaptar, de não conseguir voltar para casa se caso quisesse, de perder meus pais no tempo que ficasse longe. Eu morreria de saudades deles. Só de pensar em não tê-los todos os dias me dava vontade de chorar.

—Eu não sei. Quero e não quero.

—O que a faz não querer ir? – meu pai perguntou com seriedade.

—O medo em primeiro lugar. Nunca estive por conta própria, apesar de trabalhar, no fim da noite sempre os tive aqui. Em segundo, vocês. Tenho medo de não conseguir cuidar dos dois estando longe, não estar aqui para socorrê-los nas necessidades. Não vou saber se estão bem ou adoentados, se estão comendo direito ou se alguém está os maltratando. Eu não quero deixá-los. Vocês são tudo o que eu tenho e é difícil pensar em ir para longe.

—E o que a faz querer aceitar? – Branca questionou suavemente.

—Meu sonho. – murmurei. – A condessa continuará me dando aulas. Eu finalmente irei aprender. Não serei mais uma ignorante. Ninguém mais irá passar a perna em mim... Talvez eu consiga uma vida melhor para nós... – deixei minha voz morrer.

—Então neste caso sua resposta deve ser sim. – minha mãe declarou a voz embargada. – Você não deve deixar ninguém ficar no caminho dos seus sonhos. Nem mesmo nós.

Olhei para meu pai que fitava nossas mãos, seus olhos marejados.

—Eu não quero que fique infeliz no futuro pensando no que teria sido se tivesse aceitado. Não quero que fique ressentida conosco se caso negarmos que vá atrás de algo que sempre quis... E outra: nós não estaremos aqui para sempre. Um dia será obrigada a viver por conta própria e se ficarmos a segurando, vai ser pior quando o momento chegar... Você tem nossa aprovação, filha. Qual for sua escolha, nós iremos apoiá-la, como sempre fizemos. – garantiu, beijando minhas mãos e sorrindo. – Claro que eu não gosto da ideia que vá para longe de seu velho pai, afinal, ainda é minha garotinha.

—Já me intrometendo. – Tink se aproximou da mesa. – Eu ficarei com eles, Emma. Cuidarei como se fossem meus pais, se isso a tranqüilizar. – falou, pressionando os lábios. – Sei que não sou a Emma, mas posso tentar ajudar de alguma forma se quiserem. – ela intercalou o olhar entre meus pais e recebeu um sorriso deles em troca.

Branca fungou alto, secando as lágrimas com o dorso da mão e riu sem graça, soando melancólica.

—Que tipo de pais seriamos se a impedíssemos de seguir seus sonhos? Claro que faz parte não querermos que nossos filhos saiam de baixo de nossas asas, mas esse dia sempre chega. E qual for sua decisão, quero que a faça pensando em você. Não em nós. Apenas em você e sua felicidade... Você viu que não estaremos sozinhos.

Sussurrei um “obrigada” antes de me jogar nos braços de meu pai, envolvendo-o com força, escondendo meu rosto em seu peito. Ele beijou minha testa, descansando a bochecha em minha cabeça. Fitei Tinker com gratidão por se oferecer para cuidar deles e busquei minha mãe com um dos braços, puxando-a para o abraço, desejando ser capaz de prendê-los a mim e desse modo carregá-los comigo para todo canto que fosse.

[...]

—Que letra é essa, Emma? – a condessa indagou tentando esconder a impaciência na voz. Ela sempre fazia aquilo. Tentava não mostrar como estava irritada com a minha lerdeza para responder algo que havia me explicado mil vezes e que eu garantira ter entendido. Belle soava paciente para me incentivar. Nunca brigava comigo, chamando-me de burra, inútil ou um caso perdido. Apenas sorria para mim e voltava a insistir para que eu respondesse antes de me explicar novamente.

—V? – chutei, só para responder alguma coisa e vi que tinha errado, pela forma que a mulher pressionou os lábios e segurou a respiração por alguns minutos.

—Não... Vamos tentar mais uma vez, porque estou desesperada para usar o toalete. Então vamos para a caligrafia, tudo bem? Quer que eu fale mais uma vez as consoantes ou tentará responder?

Estudei as folhas que estavam em minha frente, cada uma com um desenho grande e a letra colorida com que se iniciava. A condessa havia feito para que eu guardasse mais fácil. Se me lembrasse de coisas que começavam com a letra, recordaria sem problemas. Eu tinha pintado cada uma delas, enquanto repetíamos juntas e tentava a todo custo imitar sua pronúncia. Procurei a letra que Belle me mostrava, tentando esconder o meu nervosismo.

—Tesoura. – murmurei ao achar o papel. Testei a palavra em minha boca mais algumas vezes. – T. – respondi, com receio de ver o desapontamento no rosto dela.

—Muito bem, Emma! – exclamou sorrindo, deixando o papel na mesa e se levantando com dificuldade. Eu sempre sentia vontade de sair correndo para ajudá-la a se locomover. Tinha a impressão que a qualquer momento tombaria para frente por causa do tamanho de sua barriga, mesmo que eu soubesse ser impossível. – Agora me dê às silabas. – pediu.

Repeti mentalmente as silabas.

—A senhora quer que eu diga o som que as consoantes têm quando juntam com as vogais? – perguntei antes de dar a resposta. Belle assentiu, afagando a barriga e mordendo o lábio. – Ta, te... Ti, to e tu.

—Ótimo trabalho! – elogiou e eu sorri, mal escondendo o contentamento e felicidade que eu sentia dentro de mim por estar acertando. – Escute, fique calma para responder, sim? Percebo que você não tem medo de errar, você tem medo de errar e me deixar decepcionada, isso acaba a atrapalhando. Eu tenho toda a paciência do mundo para ensiná-la e nunca ficarei decepcionada por estar errando, porque o erro faz parte de toda aprendizagem. – Belle afagou meu rosto, olhos fixos nos meus para ver se eu estava prestando atenção.

—Muito obrigada, condessa... Significa muito para mim o que está fazendo.

—Não me agradeça. – murmurou, dando-me uma piscadela e desviou os olhos para a mesa, afastando umas folhas e puxando uns modelos de vestido que havia feito para ela. – Não vejo à hora de ir para casa e poder mandá-los para a costureira.

—Gostou mesmo? – perguntei, sentindo uma certa ansiedade.

—Claro que sim, Emma! São lindos. Você tem um dom e pode ir longe se aceitar minha oferta. – cantarolou, indo para a porta. – Vamos embora daqui dois dias, preciso de sua resposta. – proferiu com seriedade e eu afundei na cadeira. Ainda estava indecisa. Apavorada com o desconhecido que encontraria se caso aceitasse. – Vou ao toalete.

Levantei-me para acompanhá-la até lá. Eu sabia que a condessa iria me mandar sentar, ela nunca aceitava minha ajuda, o que me deixava extremamente nervosa porque me afligia vê-la se movimentando pela casa sozinha com um barrigão daqueles. Mas a mulher não sossegava um minuto sequer. Principalmente quando se juntava com Killian.

Eu sempre morria de vontade de estapeá-lo quando vinha mexer com Belle.

—Não. Pode ficar. Comece os exercícios de caligrafia. – ordenou, indicando as atividades que havia feito para que eu treinasse.

Bati continência para ela e voltei a me sentar. Belle anuiu satisfeita e fechou a porta. Fiquei prestando atenção em seus passos se afastando, para garantir que estava bem e peguei a pena, molhando-a na tinta e começando a completar as linhas com as letras. Eu observava meu trabalho com certo desgosto por não conseguir escrever bonito como Belle fazia. Minhas letras saiam deformadas e quase não dava para entendê-las.

—Acho que eu deveria usar carvão para fazer as atividades. – murmurei para mim, buscando um pedaço fino que eu vira por ali, que tinha usado para desenhar.

—Então quer dizer que a pagamos para que fique sentada brincando de escolhinha? – a voz de Milah, fez-me erguer a cabeça. No mesmo instante meu corpo se retesou como para me defender e empinei o nariz para mostrar que ela não me intimidava.

—A condessa pediu para o seu pai permissão para que eu ficasse com ela. – atalhei.

A Srta. Odom ergueu as sobrancelhas com deboche e olhou ao redor, como se procurasse algo.

—Não estou vendo a Sra. Gold por aqui.

—Ela foi ao toalete.

—Então você deveria ter acompanhado e não ter ficado sentada, rabiscando. – proferiu lentamente, aproximando-se da mesa e olhando minhas atividades. Um sorriso maldoso surgiu em seus lábios. – Veja só que porcaria. Você acha mesmo que tem capacidade de aprender alguma coisa? Olhe esse garrancho... Tão imprestável que nem reproduzir uma letrinha consegue... Vi crianças escreverem algo mais legível que isso... Acho que até os animais conseguem, diferente de você. E sabe por quê? – indagou, abaixando o rosto até a altura do meu. – Porque você é uma inútil estúpida que nunca chegará ao nível que deseja. Você nasceu uma criada e assim permanecerá. Logo a condessa irá embora e tudo o que você terá serão meus urinóis para esvaziar e limpar. Assim que essa mulher colocar o pezinho dela para fora, eu vou fazer questão de transformar sua vida em um inferno e colocá-la no seu lugar para que nunca esqueça onde realmente pertence.

Cerrei o maxilar e respirei fundo, tentando me controlar. Eu não iria deixá-la me tirar do sério. Não deixaria suas palavras carregadas de venenos se embrenharem em meus ossos e se alojar em minha cabeça. Se eu deixasse, sabia que iria acabar acreditando que eram reais.

E eu sabia que tinha capacidade. Que eu era muito mais.

—Eu honestamente não sei o que essa família vê em você que todos se encantam. – comentou com desprezo. – Até um presente caro lhe deram. – apontou para a peruca.

—Quando se é uma pessoa gentil, as pessoas são gentis com você. – retruquei. – Você é horrível por dentro. Podre. Eles nunca irão te tratar da maneira que me tratam. – provoquei.

Milah avançou em mim, segurando meu queixo com força, jogando minha cabeça para trás, suas unhas afiadas afundando em minha pele. Meu coração batia tão forte e apressado, misturado com raiva e medo, que doía meu peito.

Ela riu. Uma risada seca, de escárnio.

—Mesmo sendo podre, quem irá se tornar uma deles em breve? – a mulher abriu a boca como se estivesse surpresa. – Oh, isso mesmo. Eu. – cantarolou em uma voz infantil. – Eu me casarei com Killian... E você ficará observando enquanto eu ganho o homem que você ama. Vamos, confesse. Eu sei que você o ama. Acha que não percebo a troca de olhares de vocês? A vibração que toma o ar quando estão no mesmo cômodo?

—Você é louca! – rosnei, tentando livrar meu rosto de suas garras.

—Talvez. – concordou, empurrando minha cabeça com tudo para trás, fazendo com que batesse no encosto da cadeira. – Mas não cega. Eu falhei da primeira vez em colocá-la em seu lugar, mas não acontecerá novamente, querida Emma. Tinker não estará aqui para receber o presente que é para você. – informou, tombando a cabeça levemente para o lado e esticando a mão para pegar os desenhos dos vestidos de Belle. – São lindos. – observou.

—Devolva-os. – grunhi, colocando-me de pé. – Eles não são seus.

—Ah, eu disse que são lindos, não que eu quero para mim. – retorquiu, pegando as minhas folhas de atividades.

—Dê-me os papéis, por favor. – pedi, os dentes trincados, cada parte do meu corpo tremendo de raiva. Senti as pontas dos meus dedos ficarem geladas e eu ouvia meu sangue correndo em meus ouvidos.

—Claro. – concordou com doçura. – Pode pegar Swan. – ergueu-as, como se fosse entregar para mim e em um movimento rápido, jogou as folhas na lareira acesa.

Corri até lá, enfiando a mão nas chamas na tentativa de salvar alguma coisa, porém o fogo foi mais rápido e assisti as línguas vermelhas consumirem lentamente cada traço de desenho ou de letras. Deixei-me cair de joelhos, respirando fundo, tentando me controlar, ficar calma. Fechei os olhos com força, reprimindo um grito desvairado que coçava em minha garganta, implorando para sair. Enterrei as unhas nas palmas das mãos até que sentisse dor e permaneci desse modo, prestando atenção em meus batimentos e como estavam rápidos demais. Pulsando de ódio, pura aversão àquela mulher.

—Emma! – a voz preocupada de Belle ultrapassou aquela névoa de fúria e engoli em seco, tentando sair daquele lugar escuro e quente em que me encontrava. Abri os olhos, fitando-a, a respiração mais controlada. – O que aconteceu? Veja suas mãos. – segurou-as com cuidado, fazendo uma careta para as queimaduras causadas. Era isso que ardia, então. Que me queimava e estava me deixando agonizada.

—Eu aceito, Belle. – murmurei, chamando-a pelo nome em voz alta, pela primeira vez, percebi. Sempre a chamava de condessa, senhora, ou Sra. Gold. Nunca Belle. Não em sua presença. – Aceito sua oferta. Irei com você. Só, por favor, me tire daqui. – implorei.

Ela pareceu ficar sem reação por um momento, mas por fim aquiesceu, ajudando-me a ficar de pé e me abraçou com carinho, fazendo com que eu descansasse minha cabeça em seu ombro, afagando minha nuca. Retribui o abraço com cuidado e antes que eu pudesse evitar, estava chorando, deixando todos os sentimentos negativos que Milah me causara, escapar, molhando o vestido de Belle.

—Eu irei, querida Emma. – a mulher murmurou, beijando minha bochecha. – Irei tirá-la daqui e nunca mais ninguém irá maltratá-la. Eu prometo.


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Notas finais do capítulo

Então foi isso! Espero que tenham gostado do capítulo e se gostaram (ou não gostaram) me digam o que acharam. Adoro quando compartilham comigo suas reações e pensamentos.

E mais uma vez obrigada por tudo mesmo. Vocês são pessoas incríveis.

Beijos, Bre.