A Marca da Manticora escrita por Lord Iraferre


Capítulo 3
O Preço




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— A pergunta principal é: Por que, Morgan Truthman? Porque não, Nolan Roth? — perguntou Josh, enquanto o trio carregando os três cavalos com os corpos adentraram o acampamento.
Aquele era o local onde o comandante Morgan Truthman estava acampado com suas duas companhias principais. O chão era praticamente lama e vegetação pisoteada, tendas de tecido grosso e resistente de um branco encardido foram erguidas as centenas, a fumaça, que na maioria das vezes vinha de enormes fogueiras onde os mortos eram queimados, exalava um cheiro acre e desgostoso de carne apodrecida e queimada.
Vários homens lançaram olhares estranhos para a dríade, mais continuaram com seus afazeres, limpando os mosquetes e pistolas, arrumando seus equipamentos ou afiando alguma espada, alguns ainda cozinhavam com desgosto mingaus ou sopas de aparência sinistra.
Tudo aquilo chocava Brendan, cinco dias atrás aquele era um campo verdejante, toda a extensão de pequenos morros ao redor tinham os mais variados espécimes e flores, e a pouco mais de três dias o local fora palco da batalha que ficaria conhecida como a batalha de Relva Sailim, uma retaliação a queda de Avelin. Truthman vencera a batalha, mais a um alto preço, pois pouco depois ocorreu um contra ataque inesperado que incapacitou quase todas as fileiras de seus homens.
Agora tudo era de um tom grotesco de cinza, e cinzas caiam do céu como se fosse uma neve pungente de terror, aquilo era o cenário de mais uma das disputas entre o Duque de Sharpinster contra o Barão de Tresaminis. O duque em uma rixa com o barão decidira estender os seus domínios para alem do rio Crispim, e logo em seguida foi retaliado pelos exércitos de Roth que contava com a ajuda de algumas tribos locais.
Brendan odiava a guerra, e todas as consequências que elas traziam, mais tinha que continuar a trabalhar, mesmo que sua vontade fosse sair dali destruindo tudo.
Distraído Brendan demorou a se dar conta da pergunta de seu amigo que pairou no ar por longos segundos:
— Esses homens são desertores, devem ser julgados por seu próprio reino — ele se virou para o amigo, que andava a seu lado e prosseguiu: — Roth irá matá-los assim que vê-los, enquanto que Truthman pode deixá-los viver, agora que está precisando de homens mais do que nunca, e mesmo se enforcá-los só estará cumprindo a lei do rei com isso.
— Do jeito que você fala parece que a decisão é fácil. — disse Josh.
— Não Josh, coisas desse jeito não são fáceis, mais devemos fazer as escolhas que façam nossas cabeças permanecerem grudadas em nossos corpos.
Ao lado da tenda maior, cujos estandartes revelavam o vermelho e o azul de Sharpinster, havia uma mesa de mogno, abarrotada de mapas e outras quinquilharias, Morgan Truthman conversava com alguns de seus homens, sua mão passava pelo rosto, e pelo jeito que estava lançado na cadeira, parecia que as coisas não estavam indo como o esperado.
Brendan olhou para o sol que nascia, e se perguntou há quantas horas ele devia estar acordado, não descansara direito desde que os chiwitas haviam lhe implorado para capturar os forasteiros que atacaram suas aldeias.
Na verdade segundo alguns relatos a confusão começara quando, Voslo e seus homens tentaram vender a carne de um cervo que haviam caçado, o preço da venda seria usado para comprar passagens de barco para voltarem para casa, mas infelizmente os chiwitas eram defensores da natureza e a morte de um cervo era um tipo de sacrilégio. Dada à confusão Voslo e seus homens não tiveram escolhas e por isso aproveitaram a força bruta e atacaram os nativos, que não passavam de um grupo pequeno de jovens e crianças. Roubando-lhes o que puderam fugiram para a mata.
A partir dai Voslo e seus homens se esconderam na floresta e passaram a atacar viajantes que passavam distraídos pela estrada principal, o bando estava ficando cada vez mais selvagem e perigoso. Dada às circunstancias Brendan teve que agir, e por isso estava ali. Não estava feliz, mais algo bom que ele não sabia identificar o que era, brilhava dentro dele, uma espécie de alivio por tudo aquilo estar se encaminhando para um final satisfatório.
Morgan olhou para Brendan e com um aceno dispensou seus subordinados. Logo em seguida Brendan se aproximou.
— O que quer aqui? — perguntou Truthman cuspindo no chão e se endireitando na cadeira.
Morgan era o tipo de homem que Brendan menos gostava, estúpido, porco e com um desejo de sangue e violência que beirava a insanidade. Poderia até ser um bom comandante se não fosse sempre precipitado a julgar mal a situação.
— Achei quatro de seus homens que estavam perambulando por aí, durante um passeio pela floresta — disse Brendan em um tom casual. — Devia ter mais cuidado com seus homens.
Truthman estreitou os olhos de um azul aquoso e coçou a barba por fazer:
— Você é quem deveria tomar cuidado com suas palavras, senão você sabe, pode acabar se cortando literalmente.
— Vai pegar os desertores ou não? — disse Brendan. — Decida-se, porque tenho clientes que pagariam mais.
— Te agradeço por ter trazido meus homens, mais não espera que eu pague por eles, espera?
— Na verdade eu gostaria de receber, no mínimo 12 peças por cabeça. — Brendan escorou a bota em um banquinho de madeira, tentando inutilmente limpar a sola enlameada.
— Se queria dinheiro, porque não foi direto ao Roth? — ele deu um sorriso sujo mostrando todos os seus dentes amarelados. — Isso aqui é um exercito não uma delegacia que paga por recompensas.
— Sei que aqui eles viverão um pouco mais — disse Brendan sério.
— O que o faz pensar, que os deixarei vivos?
— Fiquei sabendo que você foi atacado ontem à noite, e que isso não estava nos seus planos, muitos homens morreram... Tenha dó Truthman, não finja que as coisas vão bem, eu sinto o cheiro dos enfermos da tenda hospitalar daqui... Este acampamento fede a morte.
Morgan Truthman encarou Brendan, o sorriso maldoso desaparecendo, e o inicio de uma carranca se formando em sua testa.
— Se não quiser morrer por traição, compactuando com inimigos — avisou Truthman apontando para a dríade. — É bom deixar meus rapazes e ir embora, e quem sabe eu esqueço o seu problema.
Brendan suspirou, fingindo que estava pensando na proposta estúpida de Truthman e olhou para o sol que se levantava tremulante por trás da fumaça.
— Já que não vamos fazer negocio, acho que já vou indo Truthman, adeus. — disse por fim, se virando para ir embora.
— Pare onde está, ou mando meus homens atravessar você e seus amigos. — ameaçou Truthman gritando furioso, e se levantando da cadeira.
— Será que eles te obedeceriam? — disse Brendan, e se virou para Truthman ficando cara a cara com o homem. — Acha que estou brincando não é? Chega dessa palhaça, certo? Porque ficar me ameaçando sabendo que vivo ou morto eu acabo com a sua vida de qualquer jeito, em vês de arriscar, porque não facilita as coisas, e me dá logo as 48 moedas para que eu possa ir embora?
Truthman ia dar uma resposta à altura, mais ao ver que Brendan estava rígido como uma rocha, vacilou e praguejou antes de dizer:
— Certo, mais só vou pagar 40 peças, e se insistir, corto sua garganta e que se dane o resto. — Truthman se virou como se a conversa tivesse acabado, e ficou ali admirando o nascente. — Bartou pague a ele as 40 peças.
Um homem gordo com suíças brancas, entregou uma bolsinha com as moedas para Brendan, com uma expressão de extremo descontentamento.
Brendan junto com Josh, jogaram os corpos dos desertores no chão, e partiram levando os cavalos atrás deles.
Vagaram pelo acampamento em silêncio, distraídos em pensamentos longínquos.
Na saída do acampamento, Brendan pegou uma moeda de ouro do bolso que valia 25 peças e entregou para a dríade.
— Diga a seu amigo que não fiz isso por dinheiro, eu nunca cobro por serviços como esse. — disse ela fazendo sinal de recusa.
— Ela não quer pagamento, não cobra pela ajuda — repetiu Josh.
— Diga a ela, que isso não é pela ajuda, e sim para tratar dos garotos que estão feridos, diga para que se dirija para Fanost, a cidade ainda parece longe da guerra, e é a mais segura no momento, lá ela encontrará tudo o que precisa.
Josh traduziu com suas palavras, e só assim ela pegou o dinheiro.
— Adeus dríade, e que não nos encontremos tão cedo — disse Brendan.
— Ele disse adeus e até a próxima. — disse Josh com um sorriso falso.
— Siteo Brendan. — disse a dríade fazendo uma reverência. — Siteo Joshi.
Quando Brendan se virava, a dríade o agarrou e lhe deu um beijo, pego de surpresa Brendan ficou desconcertado. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, a dríade montou em um dos cavalos e partiu com os outros dois em sua cola.
Brendan observando os cavalos se distanciarem se virou para seu amigo e disse:
— Você tem algo a ver com isso Josh?
— Bem Brendan quanto sobrou do nosso dinheiro? — perguntou fingindo que não ouvira a pergunta.
— Deixe-me ver — Brendan começou a vasculhar cada bolso a procura do saquinho com as moedas. — Droga Josh, você pegou a comissão?
— O que? Não. Por quê?
— Ora essas — Brendan enfiou a mão no bolso da sua calça, preocupado e de lá tirou um pedaço de tecido.
— O que foi? Parece até que viu um monstro — disse Josh. Brendan mostrou a ele a marca da manticora desenhada com tinta negra no pano esverdeado. — Fomos roubados?
— O que você acha?
— E você não percebeu isso? Como é que pagou a ela?
— Usei uma das moedas que encontrei no alforje dos ladrões — disse Brendan envergonhado por sua idiotice. — Não queria abrir o saquinho ainda...
Os dois amigos suspiraram desanimados, isso geralmente não acontecia com eles, mais haviam baixado a guarda e ela havia se aproveitado.
— Não é a toa que os próprios chiwitas odeiam a irmandade que os protegem, eles são pior do que os desertores. — disse Josh dando de ombros. — Você tem algum dinheiro? Só tenho cinco peças. — ele mostrou um punhado de moedas de bronze.
— Tirando os gastos só sobraram apenas 10 peças... — disse Brendan contando às moedas que encontrou com desgosto.
Os dois um pouco desanimados, começaram a caminhar rumo à estrada principal.
— Acho que o melhor teria termos vendido a lebre por um preço maior do que o da compra. Sairíamos no lucro. Jurava que dessa vez, íamos conseguir o dinheiro e assim sair do país.
— Pense pelo lado bom Josh. — disse Brendan andando pela estrada de terra, junto com seu amigo. — A região, está em guerra, trabalho não vai faltar-nos.


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