Alice respirou fundo e despertou do sono pesado que a envolvia. Quando se mexeu um pouco, sentiu braços firmes apertando seu corpo e então se lembrou de tudo.

ALICE

Não foi só um sonho, disso eu tenho certeza. Resolvo abrir meus olhos e a única coisa que consigo ver é o peito dele, subindo e descendo de acordo com sua respiração calma e tranquila. Levanto meu rosto para olhá-lo e me dô conta de como tudo parece ser como antes, mas não é.

Tenho que sair daqui.

Coloco minha mão sobre a mão dele que está em minha cintura e a tiro aos poucos, para que ele não acorde. Me movo bem lentamente até conseguir sair da cama, dos seus braços. Passo alguns segundos olhando-o, lembrando de tudo que ele disse ontem.

— Você estava errada Alice, eu mudei e eu gostaria de poder ficar, mas não posso... e não quero.

Uma raiva sem tamanho toma conta de mim, raiva por querer que ele fique, por ter medo de perde-lo e por saber, que ele não quer estar aqui.

Vou até o banheiro e olho meu rosto no espelho, estou horrível. Meus olhos estão inchados e vermelhos, deixando minha íris azul chamativa. Tomo um banho apressado, tentando fazer o mínimo de barulho possível.

Quando saio vejo que ele ainda está dormindo e não demoro para colocar a primeira roupa que encontro. Pego meu celular e saio do quarto, preciso respirar.

Graças a Deus estão todos dormindo e o silêncio toma conta de cada canto da casa. Me sento no sofá da sala e as lembranças do pesadelo me invadem.

— Por que vocês estavam lá também? __ Digo a mim mesmo, colocando o rosto entre as mãos.

No quarto de Alice, Gustavo se mexe na cama, procurando por ela. Quando não a sente ao seu lado ele abre os olhos, só para confirmar que ela não está mais ali. Ele levanta o rosto fitando o teto e respira fundo.

— Isso vai ser difícil. __ Diz a si mesmo.

Ele levanta e se sente na beira da cama, passando as mãos ao cabelo.

— Alice? __ Ele chama em voz alta, mas ninguém responde.

— É claro que você não tá aqui. __ Ele responde para si mesmo, negando com a cabeça.

Gustavo sai do quarto logo percebe que Paloma e Felipe ainda estão dormindo. O silêncio faz seu corpo inteiro entrar em alerta, como se estivesse em uma missão. Quando se aproxima da escada consegue vê-la sentada no sofá, com o rosto entre as mãos, ele respira fundo.

Gustavo desce os degraus tentando não fazer barulho, quando chega na sala espera que a garota a olhe.

Alice levanta o rosto se assusta ao ver Gustavo ali, parado na sua frente.

— Tá tudo bem? __ Pergunta Gustavo com a voz rouca, sem desviar o olhar do dela.

Alice desvia o olhar e confirma com um movimento de cabeça, levantando do sofá, se dirigindo até a porta.

— Aonde você vai? __ Ele foi atrás dela, segurando seu braço.

— Me solta Gustavo. __ O tom de Alice é frio e ela o encara durante alguns segundos.

— Tudo bem. __ Gustavo solta o braço dela. — Tinha esquecido que esse é o seu jeito de resolver a coisas, fugindo.

Alice sorri baixo e aperto do celular em sua mão.

— Fugindo? __ Pergunta, deixando uma expressão dura tomar conta do seu rosto. — Não estou fugindo. Estou te dando a chance de ir embora sem precisar se despedir, do jeito que você gosta.

Aquilo atingiu Gustavo como um soco.

— Claro, você tá com raiva.

— Raiva? __ Alice sorriu e se aproximou do garoto. — Por que você voltou ontem?

— A Pirralha me ligou, disse que você precisa de mim. __ Gustavo sustentou o olhar de Alice.

— Não, eu não precisava de você. __ Alice encostou o dedo no peito do garoto. — Já que você é a causa dos meus pesadelos.

Ouvir aquilo despertou um misto de sentimentos em Gustavo: dor, tristeza, raiva, saudades...

— Alice, eu...

A expressão no rosto de Gustavo fez algo amolecer dentro de Alice, mas logo em seguida a raiva tomou conta dela novamente.

— Você o que? __ A voz e a expressão fria de Alice atingiram Gustavo em cheio, como ninguém tinha feito antes.

GUSTAVO

Dói ver ela me olhando assim, com tanta raiva. Eu realmente não deveria ter voltado, tudo isso foi um erro. Quero dizer tanta coisa a ela, mas não posso, por que qualquer coisa que eu diga vai magoá-la mais tarde, quando eu tiver que ir embora.

— Eu sinto muito. __ É única coisa que consigo dizer.

— É, você já disse isso ontem. __ Ela se afasta de mim e senta no braço do sofá, olhando para o chão.

— Eu senti sua falta. __ Não consigo segurar e falo. — Todos esses anos.

Ela levanta o rosto aos pouco e vejo lágrimas correndo por seu rosto.

— Não. __ Ela fala baixo. — Por que você tá fazendo isso? __ Mais lágrimas caem dos seus olhos.

— Por que apesar de não poder ficar, eu quero. __ ela me olha fixo. — Eu menti ontem.

— Não importa. __ Ela levanta do sofá e enxuga o rosto, tentando mostrar que não se importa.

— Gatinha, a gente... __ ela me interrompe.

— Não, me chame assim. __ Ela diz pausadamente. — Vai embora.

— Alice, precisamos conversar. __ ela me olha e sorri triste.

— Não, já dissemos tudo. __ Ela respira funda. — Eu quero que você vá embora e não volte.

Quando eu ia responder, minha atenção foi chamada pelo barulho dos passos de Paloma na escada. Ela correu e me abraçou forte.

— Não! __ Ela gritou, olhando firme para Alice.

— Paloma, você... __ Alice é interrompida pela Pirralha.

— Você não vai mandar ele embora, sua egoísta. __Alice dá um passo pra trás, como se tivesse levado um soco.

— Pirralha, tudo bem. __Digo, tentando acalmá-la.

— Não Gustavo. __ Ela me olha e depois volta sua atenção para Alice. — Eu não quero que ele vá embora.

A expressão de Alice é de total decepção e então ela concorda com a cabeça.

— Vamos fazer assim então. __ Ela tá se segurando pra não chorar. — Ele fica. __ Então ela me olha fixo. — Eu vou embora.

Antes que alguém possa dizer alguma coisa ela corre até a porta e sai, deixando nós dois sem reação.