Eu preciso dizer que te amo escrita por Miss Ann


Capítulo 6
Capítulo 6




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2009

Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos

Eva fechou o prontuário e expirou o ar devagar, tirando o óculos e deixando sobre a mesa de canto. O prognóstico da paciente não era bom e isso a entristecia por não poder oferecer alguma alternativa. Coçou os olhos e levantou da poltrona, andando em direção ao bar e se serviu de uma dose razoável de conhaque, antes de se dirigir para a janela. Eram 3 da manhã e a rua estava silenciosa, salvo pela chuva fina que caía e molhava o vidro. Era o tempo perfeito para dormir, mas ela simplesmente não conseguia. Já tinha tentado por volta das 22h, mas fritou de um lado e outro por uma hora até desistir e rever alguns prontuários que carregara consigo. Ela estava com uma impressão estranha: era um aperto no peito que não conseguia decifrar.
Por conta do incidente com Robb, Eva desenvolvera Síndrome do Pânico, tamanha a ansiedade e estresse que vivenciara. Passara a se consultar com uma psiquiatra e fez medicação por algum tempo até trocar por aulas de jiu jitsu e yoga para conseguir controlar suas crises. Naquele momento, ela se sentia ansiosa por algo que desconhecia e estava com medo de entrar noutra crise por estar sozinha no apartamento. Aidan estaria com Allie nessa noite, depois de terminar o plantão no hospital.
Ela sentia que estava para acontecer e isso a estava incomodando. Sentia seu coração acelerado e suas mãos suadas rodavam o copo de conhaque de modo apreensivo. Eva inspirou fundo e tentou se concentrar no barulho da chuva. Isso despertou uma ideia e, em minutos, havia vestido um conjunto de moletom preto e foi para a rua com sua bicicleta, pedalando a esmo pelas ruelas vazias. Aquele era o tipo de situação que deveria amedrontá-la, mas a garoa em seu rosto a fazia relaxar e dissipava parte de sua ansiedade. Continuou pedalando por um bom tempo até perceber que se aproximava do hospital geral onde Aidan e ela trabalhavam. Ao se aproximar, percebeu o carro de seu amigo no plantão e franziu o cenho: era para ele ter saído às 19h. E seu coração voltou a ficar apertado assim como antes de sair de casa.
— Merda. - sussurrou, antes de largar o veículo no bicicletário e caminhar pelas portas duplas, sentindo a luz forte incidir contra seus olhos acostumados a escuridão. — Doutora Linda?
— Doutora Eva. - cumprimentou a mulher a sua frente. Ela devia ter uns 35 anos, apesar da idade se esconder sob as feições nipônicas e delicadas. — Tentamos contatá-la há meia hora. - Eva permaneceu séria, apenas esperando, enquanto sentia seu coração pequenininho. Dra. Linda era chefe de Emergência e se ela estava tentando contatá-la, algo tinha dado muito errado. E sua intuição dizia que não era com um de seus pacientes. — Por favor, venha comigo. - andaram pelo largo corredor sem trocar uma palavra sequer, a passos largos, até o setor de Diagnóstico Laboratorial. Assim que adentraram, Eva reparou no laboratório e numa enorme poça de sangue que aderia no chão, adquirindo um aspecto escuro e gosmento. — Basta seguir por aquela porta. - informou.
— Dra Linda, o que está acontecendo? - a mais velha torceu os lábios pequenos numa careta.
— Eu te explicaria aqui, mas preferem fazer isso lá dentro. - a sensação de aperto no peito retornou com força. Linda pousou a mão no ombro de Eva e suspirou. — Seja forte porque ele vai precisar de um ombro amigo.

Eva mordia a boca com força quando ultrapassou as portas vai-e-vem e avistou uma figura conhecida sentada num banco alto, apoiando os cotovelos na bancada. Ela o olhou e, como se seu pensamento gritasse o nome dele, ele se virou e a encarou, o que a fez resfolegar e morder ainda mais forte a boca, a ponto de sentir o gosto férrico. Piscou uma vez, tentando entender o que estava acontecendo: Aidan estava impecavelmente limpo, vestindo pijamas cirúrgicos e desviando o olhar para o mármore da bancada. Ele nunca deixava de encará-la.
— O que aconteceu? - questionou a mulher, franzindo o cenho.
— O analista do plantão de hoje faltou e fui realocado para este setor maldito hoje para terminar as análises de pacientes urgentes. - começou Aidan, descruzando os dedos e deixando os braços caírem ao lado do corpo. — Tive que prolongar meu plantão em mais 12 horas porque teria um analista pela manhã. O cansaço me distraiu por um momento, justo quando eu fui colocar amostras na máquina de processamento. Errei a altura e os tubos abertos viraram em mim. Eu parecia "Carrie, a Estranha" na cena de formatura, Eva. - mordeu o lábio por um momento, degustando aquelas palavras.
— Aidan...
— Um dos pacientes está internado há seis meses aqui com infecção fúngica oportunista. - apertou a ponte do nariz. — HIV-positivo resistente a tratamento. - foi como se o coração de Eva parasse de bater por um instante. Por baixo da voz baixa e intencionalmente objetiva, havia o desespero blindado, a incerteza e o medo pairando como uma nuvem negra sobre a cabeça dele. Ela se adiantou e envolveu os braços nos ombros dele, mas não houve resposta imediata. Levou alguns segundos para que Aidan inspirasse fundo e começasse a chorar como uma criança, enfiando o rosto na barriga dela, apenas para diminuir um pouco da dor que agora alcançava seu coração.

*

Eva sabia como era difícil lidar com a perspectiva da dor, sofrimento e medo. Principalmente com o medo. E entendia como cada um lidava de maneira diferente com essas perspectivas: observava isso em cada um de seus pacientes. Alguns preferiam viajar e conhecer o mundo. Outros se tornavam reclusos, presos na jaula de depressão que o câncer trazia. Haviam também os que lutavam todos os dias pela sua vida, pela chance de viver um pouco mais. E ainda existiam tantos outros que, a seu modo, processavam aquela carga que a doença deixava. Eva não tinha câncer ou qualquer doença, mas teve medo. E também lidou com ele, se enfiando no trabalho para manter a cabeça ocupada e para afastar a mente de seu agressor.
Aidan teve que aprender a como lidar com o seu. E, na cabeça dele, ele estava sozinho nessa fuga.
Allie tinha terminado de vez o noivado, pouco depois que Aidan contou para ela sobre o acidente. Disse que era incapaz de dividir a pressão com ele, principalmente pela corda bamba que era o status da relação deles naquele momento, e achou que era melhor que a história deles acabasse ali, pois não era a pessoa certa. Carter apenas concordou e chegou até sorrir quando ela foi porta afora, antes de virar uma garrafa de vodka se questionando internamente quem seria a pessoa certa para lidar com aquilo. Ele teria que fazer o primeiro exame para HIV, hepatite B e C dali a uma semana e depois repetir 1 1/2, 3 e 6 meses após a data do acidente. No dia do ocorrido, já iniciou a prevenção com um esquema medicamentoso tradicional e continuaria por 4 semanas. A conclusão que Aidan chegou foi que nem ele tinha capacidade de aguentar aquela situação!
Horas depois daquilo, Eva o encontraria vomitando o que tinha sobrado de sua alma partida no vaso sanitário.
Mas isso foi apenas o princípio do caos.
O medicamento que ele era obrigado a tomar eram fortes demais e tinha alguns efeitos colaterais incômodos. Um deles eram sonhos vívidos: a experiência de poder sonhar e saber que está sonhando e, por conseguinte, controlá-lo a seu bel prazer. Seu sonho frequente era retornando a maldita sala de análises de sangue, onde respondia de maneira diferente a cada dia. Num dia, quando a estante virava, ele recuava alguns passos e sujava apenas seu jaleco e calças. Noutro, fechava os olhos e a boca e impedia o contato do sangue com mucosas, a área mais suscetível a infecção. Eram vários finais melhores do que o que ele tinha. E isso o fazia acordar com uma sensação de derrota tão grande que passou a beber até cair no pesado sono do álcool, completamente livre de sonhos e saúde.
Essa situação perdurou por duas semanas, até Eva passar a se livrar de todas as garrafas, mesmo as novas, sob a chuva de ofensas, agressões e acessos de raiva de Aidan. As brigas terminavam em lágrimas de ambas as partes e a saída de Eva para seu quarto, onde podia chorar livremente e conversar consigo mesmo e com qualquer entidade superior disposta a ouvi-la. Carter, por outro lado, passou a sair para beber em bares, onde descobriu outro método prazeroso para um sono sem sonhos: sexo.
Poderia ser uma vida de boêmio se não fosse tão depressivo. Ele trocava de mulher como trocava de roupa — ou até com mais frequência. Inicialmente, ia para casa delas ou encontrava quartos apropriados para isso. Mas passou a ousar de um jeito desagradável e levá-las para sua casa. Não era incomum Eva voltar do plantão e escutar os barulhos no quarto dele ou ver garotas parecendo bastante ofendidas por vê-la entrar tão livremente no apartamento. Uma chegou até questionar se era namorada dele, mas com a delicadeza de um rinoceronte, Eva respondeu que era lésbica e que mesmo que fosse hétero, não chegaria perto do pau imundo do seu amigo.
Uma mentira deslavada e perfeita para descarregar a raiva que sentia a cada vez que entrava no apartamento e o via enrolado na toalha, com uma xícara de café e uma expressão de desdenho cansado percebida nas rugas e olheiras persistentes em seu rosto bonito e abatido.
O ápice de uma briga foi quando chegou e o encontrou transando com qualquer uma no sofá da sala de estar. Abrir a porta e encontrar os dois nus gerou um início de vergonha que logo após foi substituído por raiva. Porque ele não fez menção a parar. Na verdade, ele parecia estar sendo indiferente a ela e, por Deus, aquilo a fez surtar e jogar panos neles para que se vestissem ao mesmo tempo que expulsava a garota aos berros. Aidan a olhou, cobrindo suas partes com uma manta do sofá, enquanto a parceira dele procurava suas roupas e se vestia o mais rápido possível. Williams observou aqueles olhos verdes e existia um escudo neles, tornando-os opacos e sem vida. Aquele não era seu Aidan, seu tão amado amigo e companheiro. Era um estranho amargurado com a perspectiva de uma doença devastadora que estava brincando de auto-destruição.
— Eu desisto de você. - confessou quando estavam a sós. Ele pareceu se assustar e recuou um passo. Até pareceu pensar em falar algo, mas Eva apenas sinalizou negativamente com a cabeça e subiu as escadas em direção ao seu quarto, onde apenas arrancou a roupa do corpo para se enfiar sob lençóis e dormir após um choro baixo e cansado.

*

Algumas horas depois, acordou sentindo-se estranhamente quente. Viu que estava enrolada em três cobertores a mais do que tinha ido deitar e isso a fez franzir a testar por um instante, antes de rolar na cama e ver Aidan sentado na poltrona de leitura ao lado da cama. Ele usava uma gola rolê preta e grossa que o deixava com um ar elegante que, ironicamente, era complementado por seu rosto magro e cansado.
— Comprei café daquela loja que você gosta. - disse, estendendo um grande copo de papel para ela. Eva se sentou na cama, abrindo o copo e cheirando o aroma delicioso e forte de café, antes de bebericar um gole. — Não sei o que fazer, Eva. Estou perdido. - disse, após um longo período de silêncio. A garota percebeu que ele estava sendo incapaz de encará-la nos olhos, o que era um mau sinal: Aidan sempre, mesmo na pior das hipóteses, a encarava nos olhos. Era como se todos pudessem ver o que estava escrito naquelas orbes verdes, sua característica mais honesta. — Eu sei que estou perdendo a cabeça e fazendo merda atrás de merda num curto espaço de tempo, só que...- ele puxou os cabelos da nuca, daquele modo que o fazia expressar desespero. — Eu preciso de você. Você é a única pessoa que me faz voltar na Terra e ver que...
— Ver que você está fodendo a sua vida esperando o pior da situação. - completou Eva, deixando seu café de lado. — Olhe para mim e me diga o que veja, Carter. - ele olhou-a de rabo de olho, mas voltou a encarar seus sapatos. — Você não consegue nem me encarar! O que está acontecendo com a gente?! Sabe o que eu vejo, Carter? Eu vejo um cara lindo e mais inteligente que noventa por cento das pessoas que conheço se auto-destruindo por medo! Está indo trabalhar de ressaca, mal fala com seus amigos. Sequer é capaz de ainda ser meu amigo! - esbravejou, os olhos se enchendo de lágrimas. — E você acha que eu tô pouco me fodendo para sua situação! Mas esquece que eu o amo como minha família e que eu tô na merda, agradecendo a Deus a cada vez que um exame vem negativo! - Eva secou as lágrimas fugidias, com vergonha. — E sabe como você me agradece por estar aqui, disposta a querer ter dar apoio? Se embebedando e trazendo mulher atrás de mulher, transando em qualquer cômodo dessa casa como se você morasse sozinho. Do jeito que está, é bem capaz de ter transado com alguém na minha cama! - ele manteve a cabeça abaixada. — A propósito, ao menos me diga que está usando camisinhas com essas mulheres. - Aidan ficou em silêncio e Eva inspirou profundamente, antes de se encolher embaixo dos edredons de novo. Ela sabia que ele era um idiota, mas não nesse nível doentio.
— Não desiste de mim, Eva, por favor. - ela sentiu o colchão afundar e segundos depois, o corpo dele encostar suavemente no seu e o braço contorná-la. — Eu só preciso de alguém que me faça acreditar que tudo vai ficar bem.
— Essa pessoa não precisa ser eu. - resmungou, tentando se afastar. Mas ela não conseguiu (e nem se esforçou muito para isso).
— Tem que ser você porque só você tem o dom de me convencer que está certa. - Eva se descobriu e viu o rosto do amigo a cinco centímetros do seu. O rosto dele se mantinha inexpressivo, com pequenas rugas se projetando ao redor dos olhos que piscavam lentos na direção dela.
— Você vai parar com tudo isso que está fazendo consigo mesmo? - questionou ela, tocando o nariz gelado e seguindo o traço da cartilagem. — Parar de achar que agora é tudo sexo, drogas e rock n' roll e tentar ser um pouco mais você? - Aidan segurou o dedo dela e deu um beijo na ponta, antes de soltar.
— Vamos fazer um trato? Até o último exame, eu vou cuidar mais do meu corpo e da minha saúde mental. Abstinência de tudo, incluindo sexo. - a garota começou a rir, mas depois de algum tempo, viu que era verdade e arregalou os olhos, surpresa. — Desde que você entre comigo nessa. - ela arqueou a sobrancelha e estendeu o dedo mindinho.
— Feito. - ele repetiu o gesto dela e assim selaram um acordo.

*

Três meses depois dessa promessa, a situação ia razoavelmente bem entre eles. Aidan frequentava a mesma academia onde Eva fazia jiu-jitsu, mas fazia aulas de dança de salão. Praticamente tinham parado de beber, salvo quando tomavam uma taça de vinho quando iam a algum restaurante, mas que ainda sim era algo raro: preferiam fazer as refeições em casa. Quanto ao sexo... Isso era um problema. De fato, ambos haviam parado. Mas essa parada estava sendo torturante para Aidan, principalmente, porque ele tinha passado de uma vida muito ativa a zero. E porque também sua melhor amiga fazia questão de ficar circulando semi-nua (ou nua) pela casa, o que não facilitava, porque eles podiam ser amigos, mas ele não era cego. Nunca fora, na realidade.
— Você não sente falta? - Aidan questionou um dia, enquanto a observava preparar um bolo para o aniversário da mãe. — Sabe, daquilo?
— Do que? - ela lambeu os dedos sujos de ganache de chocolate, o que fez Aidan arquear a sobrancelha por um momento pela provocação ingênua dela. — Que foi?
— Sexo, Ace. Fazer amor, transar, foder, qualquer coisa! - exclamou ele, vendo-a arregalar os olhos, antes de sorrir amarelo. — O que? O que foi?
— Nada, Aidan. - ela se concentrou em enfeitar o bolo, ignorando completamente o olhar suspeito dele. Quando terminou, ficou satisfeita com o naked cake de chocolate e frutas vermelhas, com uma cobertura de caramelo salgado. — Tem algum problema com você, Aidan?! - a pergunta já saiu num tom ríspido e ele ergueu as mãos num gesto de defesa.
— Eu só estava pensando aqui... Não lembro a última vez que você saiu com alguém. - replicou, rodando a bancada da cozinha e pegando a vasilha onde estava as sobras da ganache. — Ou melhor: não lembro de você ter me falado de ter saído com alguém.
— Estamos em abstinência, não?
— Isso não quer dizer quem não possamos sair com pessoas. Só quer dizer que não terá sexo pelas próximas seis semanas. - replicou Aidan. — Além do mais, você não fala desde antes do nosso acordo. -Eva ignorou o fato que ele estava quase insinuando um pornô entre ele e o chocolate e começou a lavar as louças. Ela achava sinceramente que a falta de sexo o fazia querer provocá-la com mais frequência que o usual e tentava se manter digna diante disso. — Você não vai falar nada?
— Não acho que tenha algo a ser dito. - resmungou, esfregando a forma com uma força desnecessária. — Eu só... Deixa para lá. - Aidan se aproximou por trás dela. Ele sempre apreciou as costas dela e sua silhueta delicada.
— Você só o que? - sussurrou no ouvido dela. Ele sabia que os pontos fracos dela se concentravam ali. Ouvido, atrás da orelha, nuca, a curva do pescoço. — Eu sei que você saiu com algumas pessoas, apesar de não ter me falado. Eu vi suas calcinhas especiais na secadora. - ele era capaz de sentir a vergonha borbotar no rosto da garota através do calor que ela emanava e sorria. Aidan gostava de provocar as mulheres, apenas pelo prazer de vê-las perder a compostura na sua frente.
— Agora fica vigiando quais roupas íntimas uso? - ela fez menção a pegar o vasilhame da ganache, mas Aidan pôs a mão sobre a dela, deslizando até uma sobra de chocolate, onde roçou o indicador, levando até a boca, sabendo que ela podia vê-lo pela visão periférica. — O que você está fazendo? - Eva poderia não ter percebido a alteração na voz, mas Aidan percebeu o esganiçar agudo e a voz se tornando baixa.
— Querendo saber sobre as pessoas que você levou para cama. - disse, ao pé do ouvido dela, sentindo o tremor perpassar a espinha. Ele próprio sentia-se mais quente. Eva se virou e o encarou, o semblante sério contrastando-se com as maçãs do rosto num tom avermelhado.
— Não entendo o seu propósito de me provocar. Mas se é apenas para saber se transei com alguém, sim, eu transei e não, não foi bom. Nem chegou perto de ser. - ele desfez o sorriso pretensioso. Arqueou a sobrancelha.
— Como assim? Eram do tipo egoístas? - ele afrouxou o cerco que fazia no corpo dela e Eva suspirou. O perfume dele a desnorteava.
— Podemos conversar sobre isso depois? Não estou me sentindo confortável o suficiente para fazer isso agora. - afastou-o com um gesto, desviando o rosto do olhar dele. Não queria que o amigo visse seu rosto incandescente. — É melhor ir arrumar suas coisas. Mamãe pediu para chegar cedo para ajudá-la na arrumação.

*

Fazia algumas horas que estavam na festa da sra. Williams. Não era algo grandioso: apenas alguns familiares e vizinhos mais próximos, cada qual resguardado de um determinado prato para compor o menu. Aidan e Eva tinham chegado cedo e organizado as meses e os pratos, mas agora descansavam nas cadeiras de praia, próximos a fogueira que o pai de Eva, George, tinha montado e acendido. Era fácil perceber que estavam cansados da rotina pesada, porém nada reclamavam. Apenas bebericavam o famoso Quentão Williams, enquanto ouviam os burburinhos das conversas suaves ao redor. — O que você está pensando, bem? - questionou ele, ao vê-la observar o fogo com enorme concentração.
— Nada importante. - começou a tocar George Michael ao fundo e Aidan se ergueu, estendendo a mão a ela, que aceitou de pronto. Aproximaram-se o suficiente para que a cabeça dela tocasse o peito dele e começaram a dançar lentamente, seguindo o tom da música.
— Tem um cara aqui que não tira os olhos de você. - sussurrou ele, ao pé do ouvido dela, vendo-a estremecer.
— É mesmo? Quem?
— Blusa xadrez, vermelha e preta. Cabelo preto comprido, barba curta. Quase bonitinho, mas não me supera. - eles riram baixinho e Eva aproveitou para olhar o fulano, encontrando um par de olhos que sorriram prontamente quando os dela encontrou os deles. — Posso te ajudar se quiser.
— Como assim?
— Te ajudar com aquele problema. - ela afundou o rosto na blusa dele. — Se você não quiser que eu me meta nisso, eu não o farei. Mas eu queria poder te ajudar como você me ajuda todos os dias. - a frase de negação beirou seus lábios, mas o que saiu foi:
— Tudo bem. - ambos não acreditaram, porém sorriram.
— Então, se prepara, ok? - ela não entendeu até que foi girada com bastante força e, de repente, se viu nos braços do fulano da blusa xadrez.

Aidan lançou uma piscadela com aquele sorriso de lado e deu as costas, indo buscar uma cerveja para si e alguma das maravilhosas sobremesas que a mãe de Eva preparara. Quando achou o tiramissu dos deuses, sentou-se num banco na cozinha e começou a comer uma gorda fatia acompanhado de uma Stout escura e que harmonizava bem com a sobremesa.
— Jovem gafanhoto, o que está fazendo sozinho aqui? - disse George, pai de Eva. Ele era um senhor de 55 anos tão bem conservado que aparentava 40 anos apenas. Ele tinha uma juba de cabelos grisalhos que não ficava arrumada por nada e olhos azuis intensos que pareciam captar tudo da outra pessoa por trás de suas lentes redondas dos óculos que insistiam em permanecer na ponta do nariz.
— É tão difícil vê-lo longe da minha princesa. - Aidan quase sentia-se um filho na presença dele e adorava essa sensação.
— Deixei Eva com um cabeludo da blusa xadrez e vim engordar um pouco mais.
— Ah é? Você não devia ser o protetor da minha filha, afastando-a desses metaleiros sujos e estranhos? - a risada ecoou pela cozinha e George sentou-se ao lado de Aidan, servindo de tiramissu do próprio refratário. — Aidan? - disse o senhor, depois de um tempo em silêncio. O rapaz voltou os olhos verdes para ele. — Sabia que eu espero, sinceramente, que Eva e você fiquem juntos de vez? - Carter arregalou os olhos e, sem querer, ficou vermelho, fazendo o velho sorrir.
— M-mas nós, digo, ela e eu, não ficamos juntos vez alguma...
— Talvez seja somente o desejo de um velho, só que eu realmente acho que vocês fazem um bom casal. - comentou, roubando a Stout de Aidan que sequer percebeu, pois imaginava se seria estranho enfiar o rosto no tiramissu. — Oras, rapaz, é impossível que somente eu tenha falado isso a você.
— Na verdade, quase toda semana, algum amigo diz a mesma coisa. - replicou o rapaz, coçando a nuca. — Mas somos somente amigos. Nunca conseguiríamos transpor a barreira da nossa amizade. - concluiu, enfiando um enorme pedaço do doce na boca. George apenas o encarou, com aquele ar irritante de quem sabe algo, porém preferiu guardar suas próprias conclusões na sua memória, para que em algum momento posterior (e ele esperava que não fosse muito posterior) pudesse proferi-los. Iniciaram então uma conversa sobre os jogos de futebol da temporada e, quando viram, já passava da meia noite e a Sra Williams os chamou para ajudarem a guardarem as coisas.
Assim que Aidan saiu, encontrou Eva ainda conversando, de um modo aparentemente animado, com o cara da blusa xadrez e sorriu. Gostava de vê-la conversando sobre algo que gostava, pois ao mesmo tempo que debatia, ela conseguia sorrir e ficava uma graça, com aquele sorriso torto, os olhinhos apertados pelo prazer de uma boa conversa. E, de repente, ela virou aqueles olhos castanhos na direção dele e ergueu ambas as sobrancelhas num código que somente eles entendiam e Aidan assentiu levemente, antes de dar as costas e ajudar George a desmontar as mesas.

*

— Você vai dormir no chão. - resmungou Eva, saindo do banheiro e encontrando Aidan esparramado na cama.
— Você foi mais gentil quando nos conhecemos.
— Gentileza é algo que oferecemos a estranhos. A realidade, apenas aos amigos. - ela trançava os cabelos na frente de um espelho na porta do seu antigo armário.
— Não sabia que você curtia dividir cama com estranhos. - Eva rolou os olhos, mas esboçava um sorriso, antes de deitar de frente para ele. — E o estranho da blusa xadrez, hein? Não me falou nada sobre ele ainda.
— Ele se chama David. Estudamos juntos no ensino médio, por isso ele estava me olhando tanto! Ficou com vergonha de se apresentar. - Aidan riu.
— Ele ficou te olhando tanto porque é sempre bom apreciar a vista. - Aidan levou um tapa estalado no braço. — Mas me fala, como você não reconheceu ele?
— Bom, na época do Ensino Médio, ele tinha o cabelo curto e o rosto liso como o meu. Nem parecia ter entrado na puberdade. - ela pareceu pensar por um instante. — Ele é médico do Médico sem Fronteiras e daqui a dois meses estará voltando para o Afeganistão. - se embrulhou no edredom de casal, ficando quieta por um longo momento.
— Vamos para parte legal... Ele pegou seu telefone, email, sinal de fogueira? Alguma coisa?
— Marcamos de sair na quinta. - ela bocejou, os olhinhos piscando devagar. Aidan sentia como se observasse uma criança dormir. — Estou tão cansada...
— Seu bolo estava uma delícia. - elogiou, vendo o sorriso lânguido se esgueirar pelos lábios dela por um segundo.
— Obrig— - um novo bocejo interrompeu a frase. — Obrigada. - Eva se aninhou na cama daquele mesmo jeito que fizera da primeira vez que ele dormira ali e descansou. Aidan, embalado pelo cheiro cítrico que persistia nos cabelos dela, também se viu cochilando, extremamente confortável naquela intimidade que existia entre eles.

*

Você chora dores de outro amor

Se abre e acaba comigo

Aidan estava na escrivaninha do seu quarto, compenetrado em tentar interpretar os exames sanguíneos de determinado paciente quando Eva bateu na porta do cômodo. Ele a olhou por cima das lentes grossas dos óculos novos que estava sendo obrigado a usar.
— Ace. - abriu um sorriso cansado para ela, que sentava na poltrona que estava ao lado da mesa dele, estendendo uma das taças de vinho que segurava. — O encontro foi bom? - o rapaz já sabia a resposta ao olhar o coque apertado dela (porque sabia que fazia isso quando os cabelos estavam embolados) e os lábios ligeiramente inchados e avermelhados. Uma pontada indiscreta fez seu estômago doer, mas ele ignorou.
— David é ótimo... - e desatou a falar do médico, sendo acompanhado por Aidan com um sorriso pequeno e cansado, que apenas aquiescia quando era necessário. — E foi isso. - concluiu, dez minutos depois.
— Não entendo as mulheres: você faz uma pergunta de sim ou não e ela faz um discurso. Como vocês gostam de falar! - brincou ele, soltando um bocejo em seguida. Quando voltou a encará-la, percebeu o rosado de seu rosto enquanto ela brincava com os dedos, embolando-os como se fosse a coisa mais divertida do mundo. — O que foi?
— É que... - ela mordeu a boca de um jeito que Aidan perdeu a concentração por um instante. — Você tinha dito que queria me ajudar naquilo. - os olhos castanhos pararam sobre os olhos verdes. Aidan engoliu em seco. Essas reações indiscretas o estavam incomodando. — Você pode me ajudar?
— Qual está sendo o seu problema? - ela entornou um longo gole do vinho e um pouco escorreu pelo canto da boca. Num gesto automático, o rapaz limpou, ouvindo um agradecimento de Eva.
— Eu não consigo... - Aidan a encarou, esperando o final da frase. — Droga! Eu não consigo... Gozar. - a última palavra saiu num sussurro. Ambos expiraram pesadamente. — Os caras até se esforçam, mas até eles tem limites. E eu sei que o problema é comigo. Na maior parte das vezes, é como se eu não pudesse estar ali, dona do meu próprio corpo.
— E isso é desde o... Robb? - Eva aquiesceu, sentindo o olhar dela sobre ele. — Eva, acho que eu não vou ser capaz de te ajudar nessa parte. Talvez um especialista...
— Estou frequentando uma sexóloga e um terapeuta, Carter. E não tem funcionado muito. - ficou em pé e começou a andar pelo quarto. — Eu só preciso... Me sentir segura. Parece que esqueci como é ter autonomia sobre o meu próprio corpo. Eu só preciso de umas dicas, sabe?
— Não sei como vou fazer isso. - o rapaz viu os ombros da amiga se curvarem. — Mas ok, vamos tentar. - a garota se virou para ele, parecendo aliviada.
— Obrigada. - ele tinha se metido numa encrenca. Das grandes. E, naquele momento, sequer sabia disso ainda.

*

— Você pode, pelo amor de Deus, parar de mexer nesse vestido? - era a 23298 vez que Eva parava na frente de um espelho que havia na sala e ajeitava a barra do vestido. Aidan já estava cansado de responder que estava bom. — Não sei por que está tão ansiosa, já saiu com ele tantas vezes! - mentira. Ele sabia exatamente o motivo dela estar tão ansiosa: bastava olhar o calendário na parede e o último dia marcado. Ou então, apenas observar o vestido justo verde que delineava bem suas curvas para saber que ela estava usando uma calcinha minúscula e que, provavelmente, fazia par com um sutiã rendado que era o preferido dele (não que Eva soubesse disso). Esse tipo de consciência apenas o fazia se divertir internamente e reservar um estoque de piadas para o dia seguinte, mas a realidade é que ele estava se sentindo estranho desde o início desse relacionamento dela. Desde que Eva pedira ajuda e ele se dispôs a ajudá-la.
— Por favor, diga numa visão imparcial: eu realmente estou bem? - Aidan sentia a ponta de raiva que borbulhava em seu estômago e mexeu nos cabelos, tentando se distrair. Ela tinha mesmo que estar tão gostosa naquela roupa? — No que você está pensando em vez de responder sim ou não? - o tom estridente o fez fechar os olhos por um instante. — Já pensando em qual garota vai escolher hoje para liberar todo o seu tesão? - hoje acabava teoricamente o período de espera dos resultados dos exames e isso queria dizer fim do acordo de abstinência. Não que ele ainda tivesse recebido o email avisando sobre os resultados finais, o que o deixava bastante tenso.
— Qual a pergunta mesmo? - questionou impaciente.
— Acha que essa roupa está boa? - Aidan ajeitou os óculos para focalizar a mulher parada a sua frente num ataque de insegurança. E, ao piscar, reviveu a cena que visualizara alguns dias atrás. Engoliu em seco.
— Ele não vai se importar com seu vestido, mas com o que está debaixo dele. E eu garanto que ele não vai ficar decepcionado. - escondeu o rosto nas mãos. Queria que aquelas imagens parassem de vir a cabeça dele. Queria que tudo parasse porque ele sabia o que estava acontecendo e isso não iria dar certo.
— Você está bem? - Eva parou na frente dele e colocou a mão sobre a testa. A leve inclinação permitiu que visse o decote suave e ele confirmou que era o sutiã de renda branca, vendo a beirada do bojo ultrapassar a borda do vestido. — Seu rosto está meio vermelho.
— Nada demais. - fingindo ajeitar a alça do vestido, conseguiu esconder o sutiã dela. — Já não está na hora dele aparecer e me livrar de você, Ace?
— Não sobrevive sem mim, idiota. - a campainha tocou e logo Aidan se viu livre de Eva. Sozinho. Na sala de estar, olhando depressivamente para a echarpe esquecida sobre a poltrona. Ele se levantou e circulou pela sala, olhando aquele pedaço de pano encará-lo, aguardando que fosse até ele. Okay: Aidan já estava surtando e talvez fosse a melhor hora para tomar um
brandy e, assim o fez, ouvindo o tilintar do gelo contra o copo de vidro. Sentou novamente no sofá e fitou a echarpe: merda. Não queria admitir que estava sentindo um puta tesão pela melhor amiga e não era de hoje. Talvez fosse desde a primeira vez que a ouvira falar. E merda, só de pensar no cheiro de cerejas que devia estar naquele pedaço de pano que o encarava, sentia um arrepio quente perpassar por sua coluna.
Merda.
Entornou o
brandy e cansou de ficar na sala. Subiu para seu quarto, batendo todas as portas que podia e acionou sua playlist de blues e jazz clássicos para preencher o ambiente. Concentrou-se no saxofone e no cello, tentando prestar atenção a cada nota individual e a harmonia como um todo até que, sem querer, conseguiu dormir.

*

Eva foi direto para o quarto dele, largando os sapatos pelo caminho, sua bolsa e o pouco de dignidade que ainda lhe restava. A cada degrau, seu corpo cambaleava, embalado pelo tanto de martini que tomara durante o jantar para tentar relaxar. Para, no final, não dar certo. Parou em frente a porta de Aidan e escutou os tons graves do cello e sorriu. Abriu a porta, encontrando o amigo deitado na cama, vestindo somente calças de moletons e os óculos tortos no rosto. Meu Deus, ele devia saber que óculos combinavam cem por cento com o rosto dele. Se arrastou até a cama dele e subiu no colchão, sentando sobre os joelhos, enquanto o observava dormir. Por que o filho da mãe tinha que ser tão bonito mesmo?
Pensar com aquele tanto de gim na cabeça era difícil depois de tanto tempo sem beber direito. Sentia-se caloura novamente na faculdade e soltou uma gargalhada baixa ao lembrar dos bons tempos. Tocou os joelhos de Aidan, chacoalhando-os até que o rapaz se mexesse, um pouco assustado pelo modo como fora acordado.
— Droga! O que foi?! - resmungou, sentando subitamente na cama, com os óculos extremamente tortos e os cabelos bagunçados. Adorável. — Oh, Eva. - ela não percebeu que seu nome saiu num tom mais baixo do que o anterior.
— Heeeei, Aidan! - sua voz animada era incompatível com o que sentia de verdade. — Dormindo tão cedo? Achei que fosse aproveitar sua carta branca. - o rapaz reconheceu a expressão embriagada da amiga, erguendo as sobrancelhas num gesto irônico.
— Parece que a noite de alguém foi boa.
— Não tão boa quanto a sua provavelmente. - ela jogou o cabelo para um lado só e o encarou com aquela expressão carente que fazia o coração dele desandar por milissegundos. — O que você fez essa noite, han?
— Bebi um copo de
brandy, vim para meu quarto e dormir ouvindo Loretta. - Eva estalou os lábios, incrédula.
— Logo no dia de sua alforria, você preferiu ficar em casa?
— É, algo assim. E como foi sua noite, Ace? - jogou os cabelos para o outro lado. Sério, ele adorava o jeito despretensioso com o qual ela fazia isso.
— Fui jantar com o Daviiiiid, sabe? Ele é um amor, apesar daquela pose de machão, todo cabeludo e punk sabe? - ela encolheu os ombros e fez beicinho, o que o fez arquear as sobrancelhas, antes que um sorriso beirasse os lábios. — Jantamos num hotel mega chic onde ele está ficando e depois a gente subiu para ele me mostrar o quarto... - uma fisgada doeu no peito de Aidan, mas ele continuou sorriso, fingindo interesse na conversa. — A gente começou a se amassar diante daquela vista maravilhosa, sabe? - Eva começou a gesticular de maneira ininteligível, daquele jeito que seria compreensível apenas para ela. — E então!... Eu fui embora. - as palavras saíram rápidas como sua expiração, parando subitamente a fisgada no peito de Aidan.
— Como assim?
— Não consegui, Aidan. Talvez você não consiga entender, mas falta alguma coisa. - os olhos castanhos repousaram sobre os verdes daquele modo que hipnotizava Aidan. — Falta confiança, Aidan. Eu não consigo confiar neles o suficiente para relaxar. - ela umedeceu os lábios num movimento vagaroso com a ponta da lingua, tão desproposital que o deixava completamente desconcertado. E, sem perceber, ele esticou a mão, o polegar alisando de leve a boca úmida, os outros dedos reconhecendo o formato alongado do rosto. — O que foi? - houve um pequeno sorriso torto e, por Deus, ela não devia estar fazendo aquilo tão sem propósito assim porque ninguém deveria nascer tão charmosa.
— Você não tem ideia do que faz comigo, sabia? - o olhar confuso dela fez aumentar o sorriso do rapaz. — Enfim, Ace, você vai achar alguém em que vai fazer dar certo. - agora quem sorria era ela.
— Eu já achei. - diante do rosto enrubescido dela, o próprio Aidan sentiu a vergonha brotar no seu, mas não desviou o olhar. Sentia que inspiravam no mesmo ritmo lento, apreensivo e de quem aguarda algo. — Mas ele não me olha como alguém possível de estar. - novamente, ela umedeceu os lábios, roçando a ponta da língua sobre o polegar dele, fazendo-o encurtar a respiração por um instante. — Talvez seja melhor eu ir dormir. - Aidan mal percebeu o movimento que fez para prender o pulso dela. Apenas quando viu, a mulher o fitava com ambas as sobrancelhas erguidas e esperava uma resposta. Mas o que veio em seguida foi uma pergunta.
— Você fez os exercícios que te falei para fazer? - a boca dele estava seca. O coração palpitava incansavelmente. Merda. — Para relaxar? - ela virou o rosto para o outro lado.
— Fiz. - o rubor voltou a tomar conta do rosto dela. — Foi... Divertido.
— Quão divertido?
— Por que quer saber? - replicou baixinho. Como explicar a ela que, sem querer, a tinha visto em meios ao "exercício"? Não fora proposital, no final das contas. Apenas chegara cansado de um plantão, que fora prolongado porque o outro farmacêutico tivera uma intercorrência que o atrasara. Chegou em casa largando bolsa para um lado, sapatos para outro e desejando tomar um banho, já que seu amado demi-sec estava vetado. Quando ia em direção as escadas, meio distraído com seus pensamentos, tropeçou num par de sapatos de Eva, que quase o fez beijar o chão. Bufando, recolheu os sapatos, deixando no canto da parede e subiu para o segundo andar, surpreendido pelo fato da médica estar em casa, porque sabia que aquele era um dia que ela pegava plantão. Ele entrou direto no quarto dela, vendo o cômodo vazio. Pelo som do fluxo de água, deduziu que ela enchia aquela velharia que chamava de banheira. A porta do banheiro, meio entreaberta, deixava o som passar e ele foi até lá. O nome dela estava na ponta da língua, mas foi engolido assim que ele abriu um pouco mais a fresta e reparou no que o espelho refletia diretamente para ele. Prendeu a respiração, como se tivesse sido visto, mas sabia que Eva não estava prestando atenção enquanto se entretinha com os próprios dedos na frente do espelho, apoiada na beirada de sua banheira. A expressão de prazer, os lábios entreabertos, deixando que o ar saísse em curtos gorgolejos. — Carter?
— Ace, foi divertido? - ele não tinha ideia de quão rouca e baixa a voz dele estava naquele momento, tanto que Eva franziu a testa, antes de aproximar o rosto do dele e sussurrar para que repetisse. Ele repetiu e ela sentiu que seu sangue se dividia entre o rosto e suas partes baixas.
— Bastante. - ambos sentiam a respiração um do outro na pele quente. Ambos sentiam a tensão sexual aumentar ridiculamente e ela sentia-se molhar apenas de expectativa. Ele esticou a mão e Eva aceitou, sentindo seu corpo encontrar o colchão macio. O rosto de Aidan estava tão perto do dela e tamanha era sua vontade de beijá-lo.
— Eu não pretendo te tocar. - sussurrou ele, a boca quase encostado no ouvido dela. Antes que a pergunta óbvia alcançasse os lábios, ele mesmo se explicou. — Está bêbada.
— Mas estou consentindo. - Aidan tocou o rosto dela.
— Não podemos.
— Por que não? - ela virou o rosto com o propósito de beijar os dedos dele e, por um segundo, Carter deixou... Apenas para registrar aquela sensação antes de se afastar.
— Porque você vai se arrepender quando estiver sóbria. - o modo como estalou os lábios o fez sorrir. — E eu não saberia agir com você se fizéssemos sexo. Você é minha melhor amiga -
e eu não quero dizer que isso não me faz ter tesão por você— Mas você me conhece, Ace. Eu não valho uma lágrima sua.
— Quer dizer que você está me dispensando antes mesmo de tentar? - o sorriso dela o fez retorcer os lábios em culpa. — Você está certo, como sempre. - levantou da cama, fitando-o. — Mas saiba que sou sua melhor oportunidade na vida. - Aidan assentiu. Estava desperdiçando a melhor chance da sua vida só para poder oferecer uma melhor a ela. Porque ele simplesmente não era o melhor. Era apenas ele, um conquistador que estava apaixonado pela melhor amiga. — Até amanhã, Carter.

*

Os dias que se seguiram foram aparentemente normais, apesar de Eva não se recordar muito daquela noite que voltara bêbada. Lembrava alguns detalhes da conversa, porém não tudo e sua vergonha de perguntar era maior do que qualquer coisa. Aidan, por sua vez, preferiu fingir que tudo estava bem e atuou como se nada tivesse acontecido. Contudo, havia certo distanciamento entre eles, como se um balde de água fria tivesse sido derramado sobre suas cabeças. Talvez fosse melhor mesmo o afastamento porque se seguissem em frente com aquela ideia de iniciarem algo, poderiam quebrar algo que construíram com o passar do tempo. E Eva levou a ideia tão a sério que decidiu ir com David para um acampamento em Moçambique por seis meses para ver se, longe de Aidan, poderia dar chance para outras pessoas e, principalmente, para si mesma.


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Notas finais do capítulo

Já está acabando, gente. 3. Logo menos, estará sendo finalizado #mimimimi



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