Eu preciso dizer que te amo escrita por Miss Ann


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/693879/chapter/4

2009

E até o tempo passa arrastado
Só pra eu ficar do teu lado


Depois de uma semana na casa dos pais de Eva, decidiram que iriam morar juntos. A decisão viera como uma ideia comum aos dois: eles recebiam uma bolsa que dava para dividir financeiramente algum lugar mais próximo do hospital e, como ficavam maior parte do tempo no hospital, as contas não viriam caras demais. A busca por uma residência não se estendeu por muito tempo: bastou ver o loft duplex para se apaixonarem de imediato. Era o penúltimo andar de uma estrutura clássica, de tijolinhos marrons avermelhados, iguais daquelas fábricas antigas. Talvez por isso não fosse tão fora do orçamento dos dois, ou talvez porque não era tão perto assim do hospital. Mas bastou Eva e Aidan se entreolharem para concluirem que aquela era o lugar. Era o charme da sala e cozinha sem separação de paredes ou a escada velha de ferro que levava ao segundo andar onde dois quartos eram separados por um banheiro espaçoso, cuja vista da janela (de dentro do box do chuveiro) dava para um parque de árvores amareladas pelo outono. Não houve hesitação ao assinar o contrato.
Mas houve hesitação quando, dois anos depois, Aidan parava à frente da escada de ferro observando sua melhor amiga enquanto segurava sua mala contendo suas roupas e seus objetos pessoais. Ela vestia uma blusa branca velha duas vezes maior que seu esguio corpo, cujo cabelo molhado espalhava filetes de água sobre o tecido. Eva apoiava os cotovelos sobre as coxas e cabeça recostava-se na parede de tijolinhos mais marrons do que avermelhados. Os olhos castanhos dela, que se prendiam a mala dele, carregavam certa tristeza. Era uma tristeza resignada, mas não deixava de ser tristeza. — Por favor, não faça essa cara, Eva. Parece que estou cometendo um pecado. - resmungou ele, passando a mão pelos cabelos. — Sabia que isso ia acontecer.
— Como eu iria saber que você ia achar essa aí e noivar com ela dois meses depois e me abandonar?! - replicou Eva, com algo que beirava a doçura.
— Não é essa aí. O nome dela é Allie e eu a amo, assim como eu amo você. - ela rolou os olhos. Ele tinha que entender: 2 meses não eram 2 anos. — E Allie te adora, mas acha que precisamos de mais privacidade.
— Claro, claro. Já entendi essa parte. - ficou em pé e desceu alguns degraus, parando no último. — É só que esse apartamento vai ficar tão grande sem você. Quem vai invadir o banheiro com pizza e vinho e me fazer gritar igual uma louca? - os olhares se encontraram e houve um sorriso triste entre eles. — Quem vai ficar dançando macarena na cozinha enquanto tenta imitar um prato que viu no programa do Jamie Oliver?
— Eu não vou te abandonar, meu bem. - enlaçou a cintura dela com um braço. — Só não vou estar aqui sempre. Mas não ficarei longe nunca, sabe disso. Vai ser até melhor para sua relação com Robb. - Eva sabia o que ele queria dizer. Seu atual namorado sentia um ciúme insuportável de sua amizade com Aidan e só frequentava sua casa quando Allie estava lá para entreter o outro ou se ela estivesse sozinha. — Promete não trocar a fechadura para eu continuar a entrar aqui sempre que eu quiser?
— Desde que venha para me visitar e não para trazer seus casos da vida.
— Você é meu único caso aqui. - disse, afagando os cabelos dela, antes de depositar um beijo em sua testa e ir embora.

*

Foram 237 dias sem ele morando naquela casa. Apenas retornara três vezes porque a cada vez que dizia que ia visitar Eva, Allie dizia precisar dele e, no fim, ele não conseguia sequer sair da nova casa para ir vê-la. Encontrava a amiga no hospital, mas ela andava tão ocupada com os plantões que só trocavam breves palavras na máquina de café do corredor do segundo andar, antes dela escapar para atender a algum chamado do seu bipe. Eram nesses momentos, quando a via se afastando com o jaleco esvoaçando e quase derrubando o copo de café, que percebia como sentia saudades dela. Saudades da convivência, das loucuras da amiga, da intimidade que compartilhavam. Ele amava Allie, mas ainda estava apegado ao jeito como vivia com Eva: sentia falta dos gritos dela quando o encontrava andando pelado pela casa (só porque ele gostava de pintar bêbado e nu para expressar sua arte). Sentia falta de se embriagarem e dançarem juntos pela sala. Ou ainda, quando ele se sentia sozinho, podia se enfiar na cama dela apenas para receber os braços quentes que se enrolavam em sua cintura e o rosto que se afundava em suas costas. Ele adorava Allie, mas parecia que faltava intimidade. Ele queria falar de tudo com ela, mas simplesmente parecia que não podia ou não conseguia.
Num desses dias, distraiu-se tanto vendo a amiga se afastar que não percebeu a chegada de Scott Richard, chefe da Oncologia, setor onde Eva cursava sua residência. Scott era um negro alto e forte, cujos fios brancos contradiziam a ausência de linhas de idade no rosto severo. Era um dos oncologistas mais conceituados do estado e seus anos de experiência tornavam o curso naquele hospital um dos mais cobiçados e um dos mais difíceis também.
— Carter. - a voz grossa dele despertou o rapaz, que aquiesceu envergonhado. — Estava querendo falar com você. - Aidan ergueu as sobrancelhas, meio duvidoso. A relação entre os dois não ultrapassava a cortesia e o respeito, até que porque Aidan era da residência de farmácia hospitalar, ainda que fizesse de alguns rounds diários dos pacientes dele. — Queria falar sobre doutora Williams.
— Aconteceu algo a Eva? - o médico o encarou sobre a armação redonda de seus óculos.
— Isso que eu quero saber, rapaz. Dra. Williams tem feito plantões de 24h com uma frequência maior do que o normal e tem mais horas na Clínica do que qualquer outro residente que eu tenha. Mas o desempenho dela tem caído bastante e estou preocupado. Sabe qual seria o motivo disso? - talvez, 240 dias antes ele poderia saber, mas atualmente, Aidan estava tão informado quanto o homem a sua frente. Isso o preocupou ainda mais.
— Eu vou falar com ela, senhor.

Era para Aidan terminar seu plantão mais cedo naquele dia e ir para uma festa da família de Allie. Mas foi para casa e disse a noiva que estava se sentindo mal, mas que ela deveria ir a festa ainda sim. Depois de algum tempo de convencimento que ele sobreviveria sem ela, a garota depositou um beijo em sua testa e saiu, deixando um rastro do perfume adocicado e um aviso que dormiria na casa de suas tias.
Ele descansou um pouco depois de comer algo e depois se trocou, vestindo roupas quentes, antes de ir de metrô para o loft onde morara por um longo tempo. Parado a frente da porta de metal pesado, Aidan sentiu uma angústia terrível apertar seu coração, antes de enfiar a chave e tentar girá-la. Ela havia trocado a fechadura. O jovem suspirou, encostando a cabeça contra a porta, antes de decidir descer e pedir para que o porteiro velhinho emprestasse a chave para que entrasse.
— Não tenho essa cópia, meu garoto. A senhorita Eva trocou a fechadura nessa semana e disse que só subisse quem ela autorizasse. - o velhinho o olhou interrogadamente. — Como vocês moraram juntos e você tinha entrada e saída aqui no prédio, não achei que tinha necessidade em avisá-la. Mas talvez seja melhor, não? - Aidan estranhava cada vez mais a situação, mas aquiesceu, observando o velhinho se deslocar para sua mesinha e discar o ramal do apartamento dela. Palavras curtas foram trocadas e logo Aidan subia de novo.
Ele empurrou a porta. Havia um silêncio mórbido que permitia que seus passos ecoassem no ambiente, enquanto ele fechava a porta atrás de si. O ar era gélido e diferente de quando ele deixara aquela casa.
— Eva? - mesmo baixo, seu chamado pareceu se espalhar por todos os cantos da casa. Caminhou para a sala e encontrou a garota encolhida no sofá, tremendo de frio. Se aproximou e foi rapidamente enlaçado num abraço desesperado. Lágrimas molharam seu moletom e os ganidos dela eram tão profundos e graves que Aidan sentia a dor a cada soluçar da menina. Ele queria chorar com ela. Ele podia chorar com ela. — O que houve, Eva? - sua voz saiu embargada e algo quente tocou seus lábios. Suas próprias lágrimas. Ela o agarrou-o, mas quando Aidan fez menção a tocá-la, a garota tremeu. — O que está acontecendo com você, minha menina? - pegou-a no colo e deixou que ela se apertasse contra ele, chorando na dobra do seu pescoço, tentando aliviar aquele coração turbulento. Por fim, depois de longo tempo, ela adormeceu em meio ao seu pranto. Quando teve certeza dormia mais profundamente, segurou-a em seus braços e com algum dificuldade, levou-a até sua cama no andar superior. Porém, ao tentar se afastar, os dedos dela se enrolaram em seu suéter, não deixando escolha a não ser se deitar ao lado dele, como fizera por anos. Velou seu sono, enquanto observava os olhos fechados e inchados, as bochechas pálidas e os lábios rachados. Quanto tempo ela deveria estar escondendo coisas dele?
— Faz tempo que não dividimos a cama. - sussurrou ela, assim que acordou e o viu ao seu lado. Os olhos castanhos se fixaram nos verdes e ambos sorriram fracamente, quando Aidan enfiou a mão nos cabelos embaraçados dela.
— O que aconteceu? - questionou baixinho. Eva o fitou por um longo momento, antes de entrelaçar seus dedos na mão que repousava em seu cabelo e retirá-la dali com delicadeza. Então, se sentou na cama e começou a desabotoar a blusa de flanela que usava, botão a botão, com dedos que tremiam. Ao final, puxou a blusa, ficando apenas com o top de malha e permitindo que Aidan visse grandes contusões arroxeadas espalhadas nos braços, nas costelas. Ele se sentou rapidamente. — Quem foi? - as mãos dele se fecharam em punho.
— Eu terminei com Robb faz alguns meses... Pouco depois de você ir embora. - ela se cobriu novamente. — Ele e eu simplesmente não combinávamos e vínhamos brigando demais até o ponto de ficar insuportável convivermos juntos e, por isso, terminamos. Mas ele não aceitou muito bem o término e continuou me encontrando nos lugares que eu visitava com mais frequência. Inúmeras vezes, conversei com ele para que entendesse que não havia mais volta. Depois de um tempo, achei que podia seguir em frente e passei a sair com um cara que conheci num Congresso. - Eva mordeu a boca por um instante, engolindo em seco e escolhendo as palavras. — Sabe que demora para eu confiar em alguém o suficiente para ir para cama com ela, não sabe? - Aidan assentiu. — Depois de um tempo, chamei o cara para dormir aqui e ele veio. Quando ele foi embora, Robb invadiu o apartamento. - o corpo dela tremia, assim como o de Aidan, mas era por motivos diferentes. Ela tremia de medo; ele, de ódio. — Ele me bateu e tentou... - Eva não conseguiu continuar. O choro rolou livre por seu rosto e ela começou a se abraçar, como se revivesse aquelas cenas mais uma vez. E só de pensar no quanto estava sendo torturante para ela, abraçou-a, sentindo a rejeição inicial e o debater dele para que, em seguida, Eva percebesse que era seu melhor amigo que estava ali cedendo o abraço que ela considerava o mais certo do mundo. — A minha sorte é que o cara voltou para buscar algo e conseguiu tirar Robb daqui. - disse, por fim, afundando o rosto no peito do amigo.
— Eva, você o denunciou?!- ela assentiu devagarinho.
— Ele foi detido na delegacia. Estou esperando os resultados de alguns exames para iniciar o processo. - a garota se afastou, sentando de modo que pudesse abraçar seus joelhos. — Vai ficar tudo bem, eu acho. - Aidan fixou os olhos verdes no frágil corpo de sua amiga e eles arderam. Antes que percebesse, ele encostava a testa no joelho dela e lágrimas escorriam por seu rosto novamente.
— Me desculpe não estar aqui. - sussurrou, meio engasgado com as palavras. — Isso não teria acontecido se eu ainda estivesse aqui e se... - sentiu os dedos dela puxarem seu rosto.
— Aidan, isso não é culpa sua. Alguns homens só não entendem que não é não e Robb é um desses. - ele levou os dedos dela aos lábios e os beijou. E depois beijou seu antebraço, seu braço, até alcançar o pescoço e o rosto dela. Até que pudesse senti-la acolhida em seus braços, o coração estilhaçado dela bater forte contra seu próprio peito. O choro dele molhava os cabelos dela e o de Eva umedecia seus ombros. Não perceberam que deitaram novamente. Apenas adormeceram novamente: Eva como há muito não descansava. Aidan, como se cada ligeiro movimento seu pudesse quebrá-la mais um pouco.

*

O rapaz acordou horas depois sentindo o frio e o espaço vazio na cama. Levantou rápido, desnorteado, os cabelos mais compridos caindo sobre os olhos inchados até que visualizou a amiga parada na porta, com duas xícaras de café, observando-o com certa doçura. Aquele tipo de visão era nostálgica e o coração dele foi tomado por um momento saudoso que estendeu um sorriso gostoso em seus lábios.
— Sinto sua falta, sabia? - disse Eva, sentando na beirada da cama e estendendo uma das xícaras para ele.
— E por que só falar isso agora? - ela fechou os olhos por um minuto inteiro antes de respondê-lo, enquanto Aidan bebericava a bebida quente.
— Allie não gosta que você venha aqui, Aidan. - ele fez menção de retrucar, mas ela o interrompeu ao pousar o indicador sobre a ponta do nariz dele. Seu dedo estava gelado. — Ela sente ciúmes da nossa relação, assim como Robb sentia. E todos percebiam isso, menos você. Assim que você se mudou, ela veio conversar comigo pedindo para que eu lhe desse espaço, então estou respeitando o pedido dela. - ele aquiesceu por um instante, escolhendo as palavras com cuidado.
— Eva, olhe para mim. - ambos inspiraram profundamente antes dos olhares se encontrarem. — Não me importo com o ciúme alheio, Eva, porque eu a amo como se fosse minha família. - espalmou a mão na bochecha dela e alisou o nariz com o polegar. — Até porque, além de Allie, você tem sido minha única família. - a mulher sorriu para o rapaz, mesmo diante do semblante sério. — Ultimamente, tenho pensado que me precipitei demais em ir morar com Allie... - antes que ele terminasse, Eva o cortou.
— Sabe que seu quarto permanece aqui, não é? Assim como eu. - ele a puxou para um abraço, derramando café por cima deles e por toda a cama. E, juntos, cada uma sussurrava
obrigado regados de saudades.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Eu preciso dizer que te amo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.