– Você não vai estudar? - perguntei para confirmar.
– Não - falou Felipe.
– Não se importa de me levar ao cinema e ver o filme todo na fileira de cadeirante que você odeia?
– Eu vou adorar ir.
– Nós vamos ver Como Eu Era Antes De Você.
– E?
– É um romance água com açúcar.
– Eu nunca disse que não gosto - ele vestiu a camisa do Homem de Ferro e me olhou enviesado - Você não quer que eu vá?
– Quero! - falei apressado - Quero sim! Caramba eu quero muito!
Ele riu.
– Vamos.
Mamãe nos deixou no shopping e Felipe me ajudou por todo o caminho, fazendo piadas e cantarolando. Percebi que estava muito feliz.
– O que você tem hoje?
– Não é o que eu tenho hoje, Caio. É o que eu tive essa semana! Todo mundo na escola, especialmente os professores, estão me tratando como um herói e nem estão mais fazendo bullying comigo, eles só me ignoram!
Eu ri.
– Parece o paraíso.
Ele sorriu.
Chegamos ao cinema e entramos na fila para comprar os ingressos.
– É aquele filme que vamos assistir? - perguntou Felipe apontando para o cartaz.
– Sim.
– Um filme sobre um cadeirante - ele me olhou segurando o riso - Sério mesmo, um filme sobre um cadeirante?
Eu comecei a rir.
– Mas é claro!
– Ei! - falou Pedro vindo em nossa direção - Felipe! Você veio!
Felipe abriu um sorriso luminoso e eles deram um abraço. Então Pedro apertou meu ombro e se virou novamente para meu irmão.
– Não sabia que você curtia esse tipo de filme.
– O mesmo quanto a você.
– Qualquer um que goste de Dora, a aventureira, pode gostar de romance água com açúcar - intervi.
– É verdade - defendeu meu irmão.
– Oi pessoal - disse June vindo.
– Já comprei os ingressos - falei tirando a cadeira de rodas da fila - a sessão começa em uma hora. Felipe o que nós, os super irmãos, fazemos quando vamos ao cinema?
Felipe abriu um largo sorriso.
– Compramos porcarias nas Lojas Americanas!
Pedro riu.
– Cara, vocês leram minha mente! Eu estou desejando Doritos e Fini.
– Felipe é viciado nas dentaduras - delatei.
– E Caio nos tubes com açúcar!
June riu.
– Eu quero M&M's!
Entramos nas Lojas Americanas e ficamos passeando pelos corredores e brincando com as coisas das prateleiras.
A hora do filme já estava chegando quando saímos correndo para o cinema novamente.
Dentro do cinema não tinha dúvida: meu lugar era no corredor, onde tinha um local especial para cadeira de rodas. June logo sentou ao meu lado.
– An... June? - falou Felipe parando de frente para ela.
– Oi.
– Eu acho que eu deveria sentar aí.
– Por que?
– Por que ele é meu irmão e eu sou o responsável dele por hoje.
Sorri. Felipe adorava salientar que era meu responsável. Eu não me importava, na verdade até gostava um pouco. Meu irmão extremamente responsável era como um troféu que eu gostava de exibir.
– Caio já tem vinte e quatro anos, ele sabe se cuidar. E pode muito bem sentar perto das paqueras.
Eu comecei a rir descontroladamente. Felipe deu de ombros.
– Me chame se ele precisar de ajuda.
E foi se sentar na cadeira ao lado de Pedro.
Então o filme começou com o adorável, mas não tanto quanto eu, Sam Caflin sofrendo o acidente e assim por diante.
Na metade do filme, June encostou sua cabeça em meu ombro e eu passei o braço em volta dela, para completar nosso "paquera" de faz de conta.
Quando chegou na parte em que supostamente deveríamos chorar, ela usou minha camisa para secar as lágrimas, o que achei extremamente engraçado contanto que ela não limpasse o catarro também.
O filme acabou e começamos a sair da sala.
No hall do cinema, percebi que June estava com olhos inchados e sorrindo, comentando com Pedro sobre o filme, este parecia um pouco apreensivo e Felipe estava sério e olhava para o chão.
– Preciso ir ao banheiro - declarei.
Felipe levantou a cabeça e começou a se mover, mas Pedro foi mais rápido.
– Posso ajudar, se precisar.
– Eu normalmente faço isso - disse Felipe.
– Não tem problema - falou Pedro - Eu estou doido pra ver a cobrinha de Caio.
Eu ri.
– Respeito perto da dama, Valdeva!
June sorriu.
– Obrigado Sarazate um.
– Vamos lá - falei indo em direção ao banheiro e sendo seguido por Pedro.
– Como funciona? - perguntou ele ao chegarmos no banheiro de deficiente.
– Você só observa e me ajuda se eu precisar. Na verdade pode ficar do lado de fora que se eu precisar eu grito.
– De jeito nenhum! Eu não saio daqui nem que me paguem!
Nós dois rimos.
Depois de fazer xixi, Pedro aproveitou para fazer o dele e então saímos.
– Eu não gostei muito do filme, na verdade - comentou ele.
– Não?
– Achei a atuação da Lou fraca e a edição muito ruim.
– Achei mesmo que algumas cenas estavam meio soltas.
– O trailer estava melhor.
Chegamos onde June estava, mas eu não conseguia ver Felipe por perto.
– Meu irmão foi ao banheiro e te deixou sozinha?
June olhou para baixo. Estava séria e tensa.
– Felipe foi embora.
– O quê? - perguntamos eu e Pedro juntos.
– Ele disse que tinha que estudar e foi embora.
Pisquei. Meu irmão não tinha dito nada sobre estudar e não me deixaria assim sozinho.
Porém não discuti. June não estava com a aparência de quem queria falar sobre o assunto.
E afinal, se Felipe tinha ido embora, ele devia ter ido para casa de táxi. Lá eu conversava com ele.
O resto da tarde foi tensa. June estava nervosa e Pedro parecia preocupado, quanto a mim, só queria ver meu irmão. Estava achando tudo aquilo muito estranho.
Fui o primeiro a me despedir e minha mãe chegou bem rápido.
– Cadê Felipe? - perguntou ela assim que entrei no carro.
– Ele não está em casa?
– Não, estava com você.
Minha preocupação dobrou a mil: Felipe não estava em casa.
Tentei ligar para seu celular, mas ele tinha deixado no quarto.
Minha mãe começou a ficar nervosa também.
Não conseguíamos relaxar naquela casa extremamente silenciosa.
Então o relógio bateu meia noite e comecei a realmente me preocupar.
Agora parecia oficial: meu irmão estava desaparecido.