Indolor escrita por Bibi Gonzales


Capítulo 3
To: Smoker


Notas iniciais do capítulo

A carta de hoje está regada de rancor, e eu peço desculpas por isso. Rancor não é um bom sentimento, e me faz confundir tudo com raiva, e me faz escrever com raiva.
Mas Smoker merecia.

(att 15.05.2020: sim, eu ainda acho que merecia mesmo.)



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05.2016

Humilhação

substantivo feminino

1. ação ou efeito de humilhar(-se).

2. submissão, abatimento.

3. rebaixamento moral.

  

To: Smoker

Nada-querido Smoker,

eu nem sei o que sentir em relação a você, juro. Foram quatro meses de completa submissão e auto-humilhação de um garotinho bobo chamado Incolor. O Incolor em uma versão muito mais nova e imaturo, é claro.

De abril a julho te amei. Foi o tempo de eu aniversariar e abrir esses malditos olhos castanhos para perceber que algo estava errado, que aquilo não era amor. Ora, onde já se viu amor onde apenas um ama, e o outro faz de conta?! Sempre adorei brincar de faz de conta, mas não assim. Não esse faz de conta que machuca, e machuca de verdade.

Me desculpe, mas não fui capaz de amar sozinho. É cansativo, cruel e estúpido. E posso aplicar esses adjetivos a você também; Smoker é cansativo, cruel e estúpido.

Você era mais velho, e mesmo que eu fosse um Incolor cry baby e imaturo, eu sabia ser mil vezes mais maduro do que você. Você mentia, me fazia ficar preocupado, me fazia pensar que tinha outra, justo para que eu pirasse com as paranoias em minha cabeça e adoecesse – paranoias essas das quais você tinha muito bem conhecimento e não quis me ajudar a ser alguém mais seguro, apenas ressaltando minhas inseguranças de propósito para que eu sempre me sentisse mais e mais insuficiente. Você era sádico, e me dói escrever que apesar de o primeiro, não foi o último sádico em minha vida.

Por dias te disse que muito te gostava, apesar dos terríveis erros de gramática, das roupas impregnadas com um cheiro horrível de cigarro e de cannabis – cheiro esse que depois muito me fez falta, admito –, e de todos os outros defeitos que você tinha. Por semanas te disse que você era único e que sempre me fazia sorrir, mesmo que na minha mente eu soubesse que isso não era verdade, e que de noite eu dormiria com o rosto encharcado de lágrimas que eram unicamente sua culpa. Por meses te disse “te amo”, não sendo correspondido mais de metade delas e me humilhando e implorando por um pouquinho de amor nas outras, que mal sabia eu que viria tarde e frio de mais.

Tarde de mais? Você sabe que sim. Por que é que um ano depois de eu já ter, finalmente, saído da sua vida, você me chama no facebook para dizer que muito me amou, que agiu como um idiota e que me queria de volta? Por que é que você não aproveitou quando eu ainda te amava e sofria por ti? E mesmo jogando todo o meu rancor na sua cara eu não me sinto assim tão revigorado quanto eu queria. Achei que se eu te dissesse tudo que você me fez passar, eu ficaria bem… Engano meu. Ainda no fim eu tive pena de você, e não foi diferente um ano depois, e não é diferente agora.

Tenho pena quando você me chama implorando por um pouquinho de atenção, quem diria que mais de um ano atrás eu que fazia isso? Também me afogo em pena de você quando você fica me chamando para sair, para ir tomar um café ou ver você andar de skate, e eu te digo que já tenho compromisso, que estou ocupado, que tenho mais o que fazer ou simplesmente que não quero.

E eu podia te bloquear. Podia poupar tanta pena, mas aquele rancorzinho lá no fundo da minha alma ama ver você se rastejando como um dia eu fiz. E não me culpe por esse rancor, não. Você que mexeu com o caranguejo errado, se achou que era passível daquele perdão que traz todo o amor de volta.

 Aliás, não era você que dizia para eu não me apegar ao seu sol em áries?

Sabe, Smoker… Pena não é um bom sentimento, ao contrário do que alguns ainda pensam. Pena é o terceiro pior sentimento na minha lista de piores sentimentos, eu odiaria que sentissem pena de mim. Por que você não se poupa de tanta pena? Você deveria não ter desistido antes, quando com a minha garganta cansada de tanta angustia e minhas cordas vocais exaustas de chorar te disse que bastava, e que não ia mais sofrer. Quando enfim caí na real de que já não tinha mais catorze anos para continuar nessa ilusão idiota sobre amores perfeitos e perdão que cura e muda.

E o que você me respondeu? Que tudo bem, que logo você estaria com outra.

E foi logo naquele fim que eu não conseguia nem mais chorar. Minhas lágrimas haviam praticamente secado, e eu ouvia Falling in Reverse compulsivamente – banda essa que você me apresentou, e obrigada por isso; eu ainda ouço ela e talvez seja a única coisa boa que tenha restado, apesar de tudo –, vendo que cada letra que passava eu sentia você ali. So why do good girls like bad guys? Esse era um dos tantos refrões que eu repetia. Por que é que garotas boas gostam de caras maus? Era só o que eu queria entender naquela época.

E também foi naquele fim que fumei o meu primeiro cigarro, enchendo os meus pulmões saudáveis e vermelhinhos com aquela fumaça horrível de sabe-se lá quantas substâncias. Eu tragava, segurava e soltava, e junto se ia cada fragmento que você deixou. Por vezes aquele cheiro horrível me lembrou você, mas se era tão horrível, por que eu gostava tanto? E essa é a mesma metáfora que eu tenho para você. Esse foi o único motivo pelo qual, idiotamente, achei que fumar seria algo legal no auge dos meus quinze anos.

Como muito já disse, seu amor venho tarde de mais e esfriou, e assim como o café, eu não bebo amores frios, nem requentados.

Agora não venha me dizer que você merece uma segunda chance e que tem o direito de se arrepender. Não venha implorar uma xícara de amor na minha porta depois de tudo que eu matei e morri por você. Aliás, entenda que eu morri para você agora, e você também está morto para mim.

 

Sem amor, e agora sem mais rancor também,

Incolor, tão tóxico quanto essa fumaça nojenta que sei que continua impregnada em você.


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Notas finais do capítulo

Bem, eu li isso muitas e muitas vezes, e embora tenha escrito com tanta raiva e rancor, não consegui me arrepender.
Beijos do autor que está se segurando para não escrever tanto sobre o Blue.

(att 15.05.2020: bom galera, eu já perdoei Smoker, nunca tornei a vê-lo, minha autoestima ficou com feridas após esse relacionamento pouco duradouro mas bem abusivo [qual é, o que um cara de 18 anos ia querer com alguém quatro anos mais novo? eu estava, obviamente, sendo psicologicamente abusado por alguém que eu ainda passei a crer ser imaturo], ainda ouço falling in reverse e fumar aos quinze anos foi um erro.)



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