Projeto Alex - Livro I - Cidade de Metal escrita por Projeto Alex


Capítulo 23
Como Cacos de Vidro


Notas iniciais do capítulo

Um vidro precipitado espatifa-se com facilidade
Entoando o som agudo duma canção de desalento.
Contudo, o hesitar dos cavalos, contesta a total vulnerabilidade
Do objeto que se transforma em bilhões de fragmentos.

Padeço atormentado, dominado, é crua realidade...
Mas resisto, ignorando as ameaças e ferimentos,
E enquanto for dentes e garras, será eterna minha ferocidade,
Não serei sobrepujado com consentimento!



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—Foi exatamente como o Stinky relatou. Esse pessoal, Bennett's e Hill's... Como dois nomes tão desconhecidos podem condensar tantos bens? —Então O motorista espremeu os olhos, focando as mechas loiras embebidas em sangue encontradas pelo comparsa, ainda ocultas pelo estofamento do imponente sofá. —Mas que merda, ein? É... Fazer, o que... Coloque o corpo na traseira do jipe e vamos fuçar a casa pra ver o que podemos levar... —Disse, desligando o veículo e descendo dele. Então, moveu-se até onde se encontrava o comparsa. —... Acho que os donos da casa não irão mais se importar.

—Delicioso! —Repleto de ansiedade, Miller arrepiou-se com um prazer estranho ao observar o filete vermelho vir de encontro à sola de seu coturno. —É uma pena que o chefe não terá a garota com vida, esperneando e implorando... —O sádico lambeu toda a lateral do lábio, perdido em pensamentos indignos, como lhe era habitual. —No que se refere a interrogatórios, confesso que ele pode ser mais impetuoso do que eu.

Deste modo, Roger segurou com força o estofamento aveludado e virou-o bruscamente a fim de visualizar de forma inteira o quadro macabro que fizera em sua mente.

Contudo assim que o fizera, ambos os soldados perceberam imediatamente que haviam sido feitos de idiotas: Ao invés de uma garota jazendo debaixo do móvel, em seu lugar havia somente, além de escombros e poeira, um espanador antigo produzido a partir de franja de penas claras.

—VAGABUNDA!  —Miller gritou, deixando fugir da boca destrancada, inúmeras gotículas de saliva. —Quando eu a encontrar vou quebrar todos os ossos dela! —O louco pronunciou cerrando o punho a ponto de fazer transparecer grossas veias pulsantes em seu braço.

—Não perca tempo se queimando sozinho. Você não está vendo? —O motorista apontou para um rastro sanguinolento que se estendia desde o tapete até o interior da residência. —Se nós seguirmos isto, você sabe o que vamos encontrar. Mas não esqueça: temos de levá-la viva... é claro que não importam as outras condições. —O homem sorriu de uma forma sinistra.

Os dois milicos começaram rapidamente a adentrar na mansão e à medida que seguiam o rastro, tábuas quebradas rangiam, trepidando uma névoa de poeira. Roger mantinha-se sempre à frente, furioso por ter sido enganado tão facilmente.

—INFERNO! O RASTRO SÓ VAI ATÉ AQUI! —Miller anunciou chateado ao chegaram à cozinha. Esta parecia perfeitamente normal, com exceção de uma coisa:

ssssssssssssshhhh

—Ei! Você ouviu isso? —O condutor sussurrou. Levantou então o dedo para cima, buscando deduzir de onde vinha aquele som, imaginando tratar-se da garota escondida em algum lugar ali dentro.

—O que foi? Você cagou? —O homem de crina descolorida fez tremer uma de suas sobrancelhas, transbordando afobação como de costume. —Estou um pouco tonto, deve ser a abstinência... —E dizendo isto, afastou a aba da jaqueta cinza, pegando um de seus cigarros.

—Não, idiota! —O comparsa apontou para o armário baixo, próximo ao fogão, fazendo com que o outro entendesse sua impressão de que havia algo ali embaixo.

Assim, ele debruçou-se e abriu de supetão a porta do que parecia ser um paneleiro. Nesse instante, um sopro forte vindo de alguns encanamentos embutidos espirrou sobre o rosto dele. O vapor era debilitante e parecia sugar o ar de dentro de seus pulmões, instalando-se no lugar dele.

 “Será que isso é...!” Foi o que o soldado pensou antes arregalar os orbes ao dar-se conta do perigo real.

Um estalo!

Lembrando-se que Roger estava logo atrás dele, erguendo o isqueiro a fim de acender o fumo pendido em seu lábio. Como se estivesse em câmera lenta, o homem virou-se imediatamente gesticulando para que este interrompesse a ação. Contudo, era tarde demais para tentar vedar o vazamento: a faísca do aparelho já havia provocado a ignição. Uma bolha incandescente formou-se no rosto de Miller se alastrou, tomando conta do ambiente inteiro. Primeiro veio o calor e então... a explosão!

A onda do choque espatifou as transparentes janelas da cozinha, jogando cacos de vidro por todo o jardim. A porta dos fundos, que estava até então fechada, também fora arrancada de suas dobradiças, incinerando-se agora no gramado ao lado da jovem Bennett, que se protegia atrás da parede da casa.

Segurando o peito, a jovem buscava estancar o sangramento causado por um madeiro em forma de estaca que lhe traspassava perfurando o ombro, atravessando-o desde as costas até a abaixo da clavícula, ainda fruto do desabamento da entrada da mansão.

Ofegando, a loira olhou para o biodigestor¹ do lado de fora e para a válvula de segurança. Causar um vazamento de gás foi uma sacada rápida para escapar, embora isso tivesse acabando por destruir ainda mais a mansão dos Hill.

—Argh! —Elizabeth gemeu ao afastar o corpo do muro coberto por blocos de pedra. —O senhor Alex, vai me matar por isso! —Sorriu sofregamente, tentando não pensar nas fisgadas em seu ombro.

Bem, se os invasores não tivessem causado alguma faísca, poderiam apenas ter ido dormir, sem causar maiores problemas...

  —Arh... droga!... Droga... —Ela maldisse sua dor, embora ainda com o sorriso no rosto.

Arrastando o braço pendurado e deslocado, a garota arquejava ao buscar evadir-se dali urgentemente, mesmo que cada movimento lhe concebesse uma dor pungente. No entanto uma coisa era certa: Se ela fora atacada embora escondida na “segurança” daquele abrigo, algo de ruim certamente estava para acontecer com Hill e ela não podia simplesmente permitir isto!

Elizabeth lembrou então do automóvel em que os soldados subiram a montanha. Se ela pudesse usá-lo para ir depressa até Alex, quem sabe pudesse ajudar em algo...

Pelo lado de fora, ela pôs-se em direção a entrada convertida em entulhos, mancando ao buscar chegar até onde se encontrava a condução.

Aproximando-se da janela estilhaçada da copa, Elizabeth olhou para dentro da cozinha, esperando ver nem que fosse de relance o produto de sua inteligência.

Contudo o cenário a fez arregalar os orbes azulíssimos, em pânico!

Sim, havia um corpo prostrado no chão do recinto... Mas apenas um!

Uma sensação ruim tomou conta de seus nervos, fazendo-a virar-se para trás, intencionando defender-se. Mas nem bem fizera isso, recebera um soco forte no estômago, soco este que esvaziara seus pulmões e lançara-a no solo.

CADELA DESGRAÇADA!

O homem loiro, Miller, avançou então sobre ela: Sabe qual é a melhor parte em dominar uma mulher? —Ele questionou-a ao prendê-la com as duas pernas ao redor do quadril delicado, ao passo que a moça esperneava, procurando desvencilhar-se dele com todas as forças. —Vocês são fracas! Mesmo quando tentam fugir são tão inúteis que nos fazem ficar ainda mais excitados!

O mercenário sorriu de uma forma macabra, e segurando o ombro ferido de Elizabeth, pressionou-o contra o chão, fazendo com que a lasca da trave atravessasse ainda mais seu corpo, o que fez a empregada soltar um ganido agudo. De certo que este homem desejava vê-la desesperar-se implorar por piedade, afinal era isto o que mais lhe dava prazer.

Mas invés de intimidá-la, a garota continuou lutando, o que produziu no algoz certa surpresa: —Eu sei que sou mulher... —Ela cuspiu as palavras, buscando afastá-lo de cima de si com todas as suas forças e encarando-o seriamente. —Eu sei que este corpo é fraco, mas... Não vou me dar por vencida tão facilmente. Eu vou continuar lutando mesmo que eu morra. VOCÊ NÃO SABE QUEM EU SOU! —Bradou desafiadoramente.

Dizendo isso, como se fosse algum código que destravasse sua energia, a jovem sobrepôs Roger sem que ele esperasse por tal reviravolta, e utilizando os alvos dentes, cravou-os na mandíbula do soldado, prendendo-a.

Espantado com a ação impetuosa da garota a quem julgava não ser mais do que uma débil ave, Miller socou-lhe a lateral do rosto, junto ao ouvido a fim de livrar-se dela, jogando-a longe. Contudo tal ação fez com que a mandíbula dele se deslocasse e por pouco não se separasse definitivamente do resto da cabeça.

O homem urrou em dor e em ódio por tamanha audácia ao segurar o queixo esticado até a altura do peito, tentando então, reconectar desesperadamente a articulação com múltiplos golpes na mandíbula. Mas em vão: o encaixe do osso havia sido completamente danificado!

COMO OUSA?... COMO OUSA?

Apesar da potência do impacto, Bennett levantou-se ligeiro. Um pouco tonta, cuspiu os vestígios de carne do agressor que ficara em sua boca, enquanto arrancava de seu ombro a trave que o traspassava até então.

Não devia ser fácil assim quebrar um osso!

Abismado, ele a encarou furioso ao passo que a jovem lhe sorria, apertando os olhos.

Como essa reles criatura fora capaz de feri-lo daquela forma mesmo estando tão machucada? De onde ela tirara aquela força?

Como se a governanta pudesse ler sua expressão pasma, ela pôs a mão dentro do decote e retirando dele uma seringa vazia, mostrou a ele estendendo a mão trêmula e então, lançou-a no chão, com imponência.

O loiro arregalou os olhos. —Quando foi que você...? —Ele a mirou ainda sem acreditar. Ela injetara em si mesmo o líquido precioso e raro produzido pelas empresas Wells!

Ele sentiu a mente nublar-se. Aquela desconhecida parecia familiar, seu olhar, sua expressão de desprezo. Miller começou a ter vislumbres da cascata turbulenta de fios castanhos. A mulher imaginária crescia, envolvendo-o e tragando-o para o fundo dos olhos lilás que lhe causavam calafrios e que o engoliam para sempre. —Não! Não é a mesma pessoa! Esta aqui não passa de uma mera galinha que pode ter seu pescoço quebrado em um simples mover de dedos!

COMO OUSA?... COMO OUSA?... ME ATINGIR...

COMO OUSA ME REJEITAR MAIS ESTA VEZ?

Mas apesar do golpe sortudo que dera naquele soldado, ele ainda estava com plena capacidade.  —Droga!... Parece que é o máximo que o soro pode fazer neste corpo... —Um fio vermelho brotou de sua orelha, a qual Roger atingiu rompendo-lhe o tímpano.

Arreganhando a arcada, o militar saltou sobre ela urrando, enlouquecido de raiva, ao passo que deixava balançar no ar a mandíbula escancarada e dependurada, numa visão atroz e funesta.

Bennett ainda impulsionou-se a fim de fugir dali, mas assim que o tentou, sentiu uma fisgada em toda sua carne, com se esta estivesse a ponto de romper-se. Pelo visto ela acabara de conhecer um dos efeitos colaterais do Lavander. Elizabeth estava imóvel, por mais que quisesse mover-se, seu corpo já havia chegado ao limite e seus músculos insistiam em manter-se paralizados. Aterrorizada, a empregada sabia que se aquela pessoa chegasse até ela do jeito que estava, seria o fim. Estava claro que aquele homem não estava mais raciocinando e não deixaria aquela afronta passar assim.

Sem se importar se estaria desobedecendo as instruções recebidas ou se deixaria sobrar algo para seus superiores, ele investiu sobre a garota, decidido a não deixar restar nada dela:

—SUA DESGRAÇADA! EU VOU DEVO-RAR VOCÊ!

...MARGERYYYYYY!

Imaginando chegar ao fim da linha ela fechou os olhos, pronunciando em pensamento: —Desculpe-me mestre Alex... bem que eu gostaria de poder lhe ver mais uma vez... —Sorriu do fundo do coração, imaginando ser sua ultima despedida.

Mas no segundo em que Miller lançou as mãos sobre o pescoço dela, a fim de quebrá-la, um vulto camuflado surgiu por detrás da moça, empurrando-a para o lado. Este deu uma coronhada violenta no nariz do carrasco, usando o cabo da espingarda. O baque foi tão potente que fez sacar um dos brincos emblemáticos de prata usados pelo milico.

A pancada certeira levou o infame ao chão instantaneamente, prostrando-o aos pés da governanta, desvanecido, enquanto esta ainda intentava saber o quê fato acontecera.

O timbre grave chamou então a atenção dela: —Oi coelhinha. —O cumprimento saiu, através de um meio sorriso, o qual, até o observador menos atento sabia dizer que trazia consigo um certo embaraço.

Apesar de ainda estar atordoada por ter perdido parte da audição e também por estar debaixo dos efeitos colaterais do soro lilás, Bennett virou o rosto imediatamente na direção da voz que lhe chegava a um de seus ouvidos, arregalando assim as lagoas dos olhos ao se deparar com a visão familiar, sendo inundada por sensações confusas:

—Sr... Chuck?


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Notas finais do capítulo

¹ Biodigestores: são equipamentos que possibilitam o reaproveitamento de detritos para gerar gás e adubo, também chamados de biogás e biofertilizantes. O biodigestor geralmente é sustentado com restos de alimentos e fezes, adicionado água ao material.


Eu preciso dizer que escrever esse capítulo foi muito conturbado pra mim: minha mente se dispersa numa velocidade impressionante! Por exemplo, eu estava pesquisando sobre biodigestores residenciais pra poder escrever a parte da explosão, e quando dei por mim, após um lapso temporal, estava lendo uma matéria impressionante sobre composição e sabor da cera de ouvido.



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