Projeto Alex - Livro I - Cidade de Metal escrita por Projeto Alex


Capítulo 16
Encontro de Duas Wells


Notas iniciais do capítulo

Dos meus aposentos, minha única companhia,
Ouço teu lamento, de profunda agonia.
Oh pássaro dourado!
Meu querido canário,
Lhe dou a tão esperada alegria,
Ou continuo mantendo-o enclausurado?



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Era entardecer. Um vulto negro transparecia através da vegetação, percorrendo a estrada velozmente sobre duas rodas. As mãos, cobertas por luvas com placas de ferro aceleravam o veículo ainda mais, ávidas para chegarem ao seu destino.

Ao se aproximar de um prédio aparentemente comum, embora estivesse situado no meio do nada, a pessoa desacelerou e estacionou a Brutale¹. Ao descer da motocicleta, levantou o pulso, abrindo o zíper da gola cisne até o busto para refrescar-se um pouco, mesmo sabendo que na verdade, não era o clima que estava lhe causando febre.

Nos portões que davam para dentro da propriedade, havia um mecanismo de reconhecimento óptico. Levantando o visor do capacete, posicionou o orbe lilás ao alcance do laser, sendo scaneado pelas linha luminosas. Logo o acesso lhe foi permitido e o indivíduo adentrou nos pátios. Lá haviam diversos seguranças armados e cientistas, com pranchetas em mãos, vindo de lá para cá, ordenando carga e descarga de helicópteros. Um pouco corrido para um centro de pesquisas, mas não o suficiente para disfarçar os olhares tempestuosos lançados sobre o visitante o qual acabara de chegar.

Aqueles a sua volta sussurravam palavras ríspidas em voz inaudível, abafadas pelo barulho dos motores.

A veia da testa tremia com a situação fatídica. Embora não fosse a primeira vez que era alvejado por esse tipo de olhar, era impossível acostumar-se com aquela sensação: de que ali não era seu lugar. Mas onde quer que fosse, onde lhe conhecessem, seria exatamente igual.

Felizmente, para o seu descanso, pelo menos em um lugar, alguém... Ela inflou os pulmões, respirando profundamente, preparando-se para entrar de fato.

—Bem vinda Senhorita Wells. —O idoso oficial a abordou com gentileza melosa, obvia de tão falsa, dando boas vindas à mulher com capacete de motoqueiro, a qual penetrou no recinto iluminado artificialmente. Sem cerimônia, ela bateu as botas no chão, derrubando das solas tufos de terra seca no piso que deveria ser mantido higienizado.

Criatura desagradável! —O segurança falou somente em pensamento, tentando esconder a aparência de aversão à presença daquela pessoa.

Impaciente, suspirou: —Onde o Pai e a Mãe estão? —Perguntou entre dentes, tentando dominar uma perigosa irritação. A garota tirou o elmo devagar, como se este pesasse mais que seu próprio corpo, libertando a comprida floresta de fios castanhos e ondulados, a qual lhe caiu até os joelhos.

O homem tentou ser o máximo cortês possível, embora por dentro não fosse exatamente como gostaria de tratá-la: —Sim, senhorita, permita-me acompanh-...

—NÃO SE ATREVA! —Ela o interrompeu de forma brusca, virando o rosto em sua direção, mirando-o fulminantemente pelo único orbe lilás que a juba permitia mostrar.

O homem escorou-se na porta metálica tomando distância: —S-sinto muito, s-Senhorita Wells. —Ele balbuciou ao passo que ela lhe dava as costas. O velho estava temeroso, afinal trabalhava ali tempo suficiente para saber o quão arriscado poderia ser estar no mesmo cômodo em que aquela jovem a sua frente

—Eu conheço o caminho. Além disso...—Sem se virar, a garota pressiona o olho com a palma da mão e rompe a pele do lábio com o canino ligeiramente saltado, buscando nem que seja uma ultimo resquício de controle. —No momento... eu não sou uma companhia muito amistosa, principalmente com alguém que não consegue ocultar sentimento de repulsa por mim. —Esboçando um sorriso ameaçador.

O homem ficou estático. No momento em que ela olhara em seus olhos, o oficial viu-se atacado por um predador implacável. Wells poderia destroçá-lo facilmente se assim desejasse! Mas ao passo que a morena se afastava, o segurança, conseguiu suspirar aliviado. —Eu realmente preciso sair daqui! —Limpou o suor, observando o capacete deixado largado no chão por aquela mulher, a qual julgava internamente como desprezível. —Monstro abominável!

Assim, ela continuou a adentrar corredor adentro, tateando as paredes branquíssimas e geladas, equilibrando-se com cautela. Sentia a pele parda queimar.

Margery caminhou pelo corredor, seguida minuciosamente pelas câmeras de vigilância, olhando aquele labirinto com inúmeras salas de laboratório. Através das janelas de vidro blindadas, conseguia enxergar os especialistas manipulando beckers, centrífugas e tubos de ensaio contendo o líquido roxo, o qual ela conhecia tão bem.

Finalmente, a morena chegou até o local desejado. Duas portas eletrônicas abriram-se, revelando uma ampla sala de reuniões. De dentro dela ecoou a voz familiar e desagradável, a voz da única pessoa no mundo que causava em Margery sensação de pavor:

—Filha! —Uma ruiva de meia-idade e jaleco veio ao seu encontro, de braços abertos, porem sem encostar da garota. —Você está horrível, venha sente-se na cadeira cirúrgica para que eu aplique a outra dose. Em minutos você estará completamente restabelecida!

—Onde está o Pai? —A morena indagou. —Preciso falar com os dois sobre uma coisa importante.

—Entretido nas pesquisas, não é evidente? —Ela virou a cabeça, debochada. —Espero que você não venha nos chatear com aquele assunto besta, novamente. —Levantando uma das sobrancelhas. —Agora, faça o que eu mandei.

 —Espere! —A jovem protestou. —Preciso falar com você do soro Lavandula3.0! Eu... eu não consigo mais conter, ele é forte demais! Já ficou claro que se eu não posso... —Articulou, precisando apoiar-se na grande mesa vítrea por conta da vertigem. Essa sensação era própria das outras versões do composto químico, mas esta ultima era mais intensa, tanto no efeito principal quanto nas moléstias resultantes dele.

A mulher, aproveitando-se da tontura da filha, tentou compeli-la rumo ao dito assento: —Você está se referindo ao caso do tal arrombamento da instalação de Wrey semanas atrás, onde você deveria trazer de volta o invasor e acabou fugindo do controle... again? —Ela fechou os olhos com desprezo. —Você sabe o tanto de trabalho que deu para colocar uma máquina de destruição como você dentro da Cidade de Metal? Sabe quantas botas eu tive de lamber e quantas desculpas que tive de dar a administração por sua culpa, para que eles não te “cortassem” do projeto deles?

—É esse soro novo! Você tem de interromper o experimento e me voltar para o antigo. Se a Mãe injetar essa droga em mais uma criança, vai perder outra cobaia! —Ela se desvencilhou, justificando-se na busca de convencer a mulher do perigo real.

—Eu não vou discutir isso com você, criança. Como se você mesma por natureza não fosse assim! — Aborrecida, a doutora Wells debruçou-se sobre o painel embaixo do monitor. —Apenas faça o que eu estou mandando: sente na droga da cadeira! —Apontou para o assento, brava com mais essa teimosia.

—Mamãe! —A morena segurou os olhos com força, novamente, como se estes estivessem prestes a saltar da cavidade ocular. Os orbes queimavam parecendo mergulhados em ácido. Era agonizante! —Onde está o Pai? Ele vai ter que me escutar!

—NÃO! QUEM VAI OUVIR É VOCÊ, GAROTA INPERTINENTE! —A pesquisadora esmurrou a bancada, fazendo os fartos seios saltar: —Você ficou sentimental demais depois que e tornou amiga da garota Takayama! Espero sinceramente não tê-la trazido ao mundo apenas para a minha decepção!

—Não posso mais fazer iss-...

Amolada com a discórdia de sua filha, a ruiva num acesso furioso, lançou ao chão uma das poltronas de couro, de forma vigorosa: —ISSO NÃO TEM HAVER COM CERTO OU ERRADO, MARGERY! VOCÊ É O NOSSO CONTATO COM A CIDADE DE METAL! SEM VOCÊ, NÃO TEMOS COMO SABER AO CERTO TUDO ESTÁ SENDO RESOLVIDO AS ESCURAS, DENTRO DAQUELAS PAREDES! EU NÃO SEREI MAIS EXCLUÌDA POR AQUELES ENGOMADINHOS SACANAS!

Embora extravasar numa ação bruta a tivesse acalmando um pouco, a mãe saltou sobre a garota e agarrando-a pelo queixo, segurou-o firmemente, buscando os claros orbes lilás dela. Mesmo acesa contra Margery, a ruiva buscou recobrar a postura de mãe: —Meu amor, você deveria ser mais forte do que isso! Você nasceu para ser perfeita e agora quer largar tudo pelo qual eu lutei? —Dizendo isso, ela tomou um dispositivo do bolso do colete e aplicou-lhe na nuca, sem ao menos afastar o tecido escuro da gola, num bote inesperado.

Não houve tempo para Margery reagir. O líquido adentrou rapidamente na corrente sanguínea, adormecendo suas sensações e tornando-a mais suscetível ao domínio da doutora: —O... o que você... pôs em mim, dessa vez? —Ela tocou o machucado do pescoço, o qual começava a amolecer.

—É só um medicamento obsoleto, Acepromazina², você sabe para quê ele serve. Nem precisei adaptar a quantidade para humanos, sugestivo, não acha? —Ela respondeu, calmamente, retirando a franja comprida de cima do rosto de Margery, revelando-lhe a face por completo.

A Mãe soltou-a então, bruscamente, quase a derrubando no impecável piso. Então, começou a rodopiar na sala como ao som de uma valsa muda, debaixo da luminária alaranjada. Na parede, uma enorme tela passando a gravação das câmeras de segurança, mostrava diversos procedimentos sendo realizados simultaneamente. Alguns dali mesmo, mas outros...  Um largo sorriso escarlate decorou-lhe o rosto alterado:

—ESTE É O NOSSO IMPÉRIO, NÃO VÊ, QUERIDA? Estamos pintando o futuro!

Tsssh! —A jovem expulsou o ar através dos dentes trincados, perturbada. Aquela era a Mãe: completamente louca! Desse modo, virou o rosto, no intuito de não ter de observar mais uma cena de desvario da pessoa a quem instintivamente amava. —POR QUÊ?! PORQUE VOCÊ SEMPRE TEM DE SER T-TÃO CABEÇUDA... MAMÃE? —Margery usando as ultimas forças para pedir mais tempo, joga o braço para o lado apontando a tela. —ISTO... E-ESTÁ ERRADO! —Mancando, a jovem foi até a matriarca e segurou-a pelos ombros, aplicando certa tensão, muito embora seus músculos estivessem se tornando pesados como concreto puro.

—O que você acha que está fazendo, maldita? Vai me bater? —Ela pronunciou com indiferença, sem apresentar uma gota de apreensão. —Claro que não vai. Eu sei qual é o seu ponto de pressão. —E sorrindo, deu uma bofetada segura da rosto da garota, usando a luva coberta com placa de ferro que lhe cobria o punho, fazendo o pescoço da jovem virar e as madeixas castanhas espalhar-se desordenadamente sobre a face. —Ou você esqueceu-se do porquê tem de me obedecer?

A luva arrancara da jovem, duas pequenas gotas vermelhas, as quais aterrissaram no vidro da mesa. Imediatamente, de sua narina, correu um filete de sangue o qual não parecia queres estancar. Margery, tremendo por inteira, cerrou os dentes tão violentamente que fez um dos molares trincar, a fim de procurar em si mesma um último resquício de controle para não fazer algo impensado. Não podia defender-se! Mesmo que um tapa daquela pessoa a levasse a um estado de frenesi, uma fúria tão profunda que por pouco não a fez perder a razão, a morena fora lembrada da sua causa principal, sabendo que se ousasse levantar um dedo sequer contra a doutora Wells, isto poderia acarretar em desgraças... Cambaleou, zonza, não somente pelo golpe, mas por causa do tranqüilizante somado aos efeitos colaterais do soro violeta. E como se não bastasse, conter todo seu instinto impetuoso de explodir era desgastante em demasia.

Sem esperar mais, a ruiva derrubou-a na cadeira cirúrgica, rispidamente. A garota ainda havia tentado demonstrar alguma obstinação, mas, sem energias, os pulsos foram agarrados pela Mãe e presas ao assento. A cada segundo que se passava, os membros ficavam mais pesados, entorpecidos até que sua própria consciência foi se apagando. —V-você... tem d-de... me es...cut... —Por fim, adormeceu mortificada.

 —Mesmo assim, é impressionante sua resistência às drogas! As outras cobaias já estariam em coma no momento em que eu aplicasse uma injeção tão potente... —A doutora Wells, desceu os dedos rumo à orelha da jovem, notando o brasão diferenciado recebido por ela quando ingressou na organização mais promissora do país. —Não há dúvidas... você é mesmo classificável como um “Tanque”!

Então, a mulher tocou delicadamente o rosto da filha desmaiada, num gesto de afeição sutil e ao mesmo tempo, fora do habitual: —Você talvez esteja certa... no momento, esse soro é demais para você lidar sozinha... —Disse a mulher.  —Mas está tudo bem, minha querida, eu vou te ajudar a ser forte como nenhuma outra jamais foi. A única coisa que precisarei fazer é por em você a minha coleira...

                       

 


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Notas finais do capítulo

¹Brutale: Refere-se a série de motocicletas fabricadas por MV Augusta, uma empresa Italiana. A produção é algo limitado, como é a política da empresa para produzir máquinas de elite similares à Ferrari em automóveis.

² Acepromazina: Tranqüilizante potente que realmente existe. Utilizado geralmente em cavalos.



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