Narcolepsia escrita por Eduardo


Capítulo 2
Se Você se Aproximar do Berno...


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo de diálogo e transição.
Que bom que voltou.



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[Eu devia ter dado atenção ao meu professor homofóbico de educação fisíca, antes de descobrir que era homofóbico, quando me disse para correr dez minutos todo dia. Meu coração quase explodiu na corrida que dei para chegar naquele ponto, e ainda por cima não consegui avisar ao Berno. Se a cabeça imaginária desse professor surgisse rondando a minha cabeça agora dizendo: "Eu avisei, seu viadinho de merda"... Eu culparia o nervosismo pelo meu não-sucesso.]

Voltou ofegante para o ponto de ônibus de onde havia partido a passos lentos, dava várias pausas para respirar no caminho, suas pernas estavam trêmulas do esforço repentino e da ansiedade.

[Os pais do Berno são os piores pais para um gay ter: Um sargento e uma religiosa. Enquanto um provavelmente iria dar surra até converter, a outra iria fazer uma pressão religiosa insuportável todos os dias, foi o que pensei.]

No ônibus de volta para casa, vazio, com a cabeça encostada no vidro enquanto começava a chover, pensava sobre o momento que os pais saíam de trás do ponto repetidamente, sem parar, como se fosse um trauma, enquanto implorava para que o ônibus andasse mais rápido.

[Detesto quando chove e estou dentro de um ônibus. Todos fecham as janelas e fica um local abafado com cheiro de peido e axila vencida, não entendo esse medo de água. Quando estou na janela eu sempre deixo aberta, nem que ao menos uma brecha. Preciso de ar.
Quando cheguei em casa, corri para o quarto, peguei meu smartphone com a tela quebrada de uma vez que eu e o Berno transamos em cima dele acidentalmente, e logo abri o aplicativo de mensagens do facebook. Ele não estava online. Procurei então o do irmão dele, Dante, também estava offline mas há poucos minutos, avisei: "Eu vi seus pais" "Eles seguiram a gente". E então procurei a irmã mais velha na qual nunca adicionei como amiga - mas gosto dela: "Rina, tá tudo bem por aí?". Sem respostas.]

Uma nova notificação. Era o Berno.

— Oi

— Teus pais, eu vi eles quando você saiu correndo, eu fui correndo atrás de você na hora, mas... Eu não te alcancei e meu coração teve um treco.

[Imaginem essas falas com mais emoção, não dá pra mostrar tanto sentimento em mensagens por facebook. Principalmente se eu, por exemplo, estiver colocando isso em uma história.]

— Então... Quanto a isso, eles falaram comigo. Eles acham melhor eu fazer um tratamento, e... Vou ter de sumir por um tempo. Meu pai acha que ainda tem salvação. Minha mãe me olhou com tanta raiva... Eles não fizeram algo contigo, fizeram?

[Bingo! Como eu disse, pai militar e mãe religiosa.]

— Não. O que aconteceu?

— Eles apenas conversaram, meu pai chorou e disse que eu tenho um problema na cabeça, uma deficiência, e vão me tentar levar num psicólogo.

— Mas não existe tratamento pra isso.

— Deixa isso, é melhor assim. Ele disse que caso não tivesse jeito, estaria disposto a aceitar.

— Isso me deixou um pouco feliz.

— É... Mas vai demorar pra me deixarem sair, e não posso mais manter contato contigo, sinto muito.

[Fiquei em choque nessa parte, minha resposta foram três pontinhos que não dizem nada, mas dizem muito, estava com medo do que mais poderia vir.]

— É meio complicado tudo isso - continuou Berno. — E eles querem que a gente mantenha distância pra nada acontecer contigo.

— Comigo?

— Imagine a situação como a sua e de Ramon.

[Ramon... Um caso que tive bem antes de conhecer o Berno, eu estava tão expert em nárnia, se é que me entende, que minha mãe achou que o Ramon, que era maior de idade enquanto eu era menor, estava me abusando sexualmente, assim que descobriu que ele é gay. O caso é que...]

— Ramon nunca mais me viu depois daquilo.

— É...

— ...

— Se eu não estiver disposto a fazer tudo posso nunca mais te ver. E... Acima de tudo, nunca posso ser afeminado. Esse é um dos maiores medos do meu pai.

— ...

— Como você tá?

— Por quanto tempo você pode continuar aqui comigo?

— Só por mais quinze minutos.

— Eu não sei o que dizer.

— Droga... Eles estão falando com a Rina, ouvi a voz dela.

— Eu falei com ela.

— ... E o que ela disse?

— Nada. Perguntei se tava tudo bem. Me desculpe...

— Não é culpa sua.

— Eu não te alcancei...

— Que diferença ia fazer?

— Eu não sei.

— Só tenho mais três minutos.

— Eles estão contando o tempo?

— Não, mas nenhuma despedida leva tanto tempo, além disso, sinto que é tudo que eu tenho antes da tempestade.

— Eu te amo.

— Eu também te amo. Lamento, mas serão muitas semanas sem te ver ou falar com você.

— O que eu faço?

— Eu não sei, você quem decide.

— Não me deixe.

— Não vou, mas agora é a hora, né? Ver se um vai esperar o outro.

— Eu vou.

— Acabou o tempo. Eu te amo.

— Também te amo, eu vou te esperar...

Largou o celular na cama, virou para a parede e pôs as mãos no estômago. Pegou o celular novamente e ele ainda estava online. Perguntou se havia acontecido algo e foi respondido.

— Se você se aproximar do Berno vou chamar a polícia, tudo o que está aqui vou usar contra você na delegacia.

[Bateu um calafrio, uma leve tremedeira da cabeça aos pés. Queimava, embrulhava o estômago. Uma sensação vazia, como um buraco negro, no coração, me sugando por dentro pra lugar nenhum. Desespero, dor, medo, choro e gritos, tudo em silêncio. Perdi a fome, perdi o ânimo, deitei e não levantei mais, fiquei ali, balançando-me feito um doido, sei lá pra quê. E nenhuma lágrima chegou a escorrer. Dia seguinte fui para a aula normalmente, me aguentando como pude. Ao chegar lá, sabia que não teria a companhia dele.
Não havia crime, mesmo o Berno tendo desesseis anos e eu dezenove. Mas as lágrimas decidiram passear pelo meu rosto durante as aulas. Durante quatro horários, como uma torneira, ninguém liga pro desperdício de água, mas é um problema. Há um problema. Mas não houve esforço pra desligar a torneira por ninguém, até eu voltar para meu casulo.]

[Pupa.]

 


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Notas finais do capítulo

Se chegou até aqui, lá vai uma informação valiosa: Baseada em fatos reais. A conversa deste capítulo foi exatamente assim.

Continua.