O Reino Dourado escrita por SA Bueno


Capítulo 2
Capítulo 2




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Com um cavalo emprestado, Dario cavalgou por um dia inteiro até chegar ao bar do porto, onde conversaria com o até então desconhecido Awei.

Para compreender Awei é preciso algumas linhas a mais. Seu pai foi um dos antigos piratas, e foi de quem ele puxou a liderança e a ganância; ainda recém-nascido sua mãe o abandonou com o pai, e o pai o abandonou também, para uma peculiar e trapaceira senhora, que o criou. Esta peculiar senhora usava vestidos de cores extravagantes, fazia e vendia poções de ingredientes nojentos – que idiotas compravam –, também fazia bico como vidente, e trapaceava o futuro das pessoas. Com um certo humor negro, ria da desgraça, e fez Awei crescer na desgraça por própria diversão. Mas quando este tomou consciência de si, fugiu, ascendeu, e deixou-a na miséria para morrer.

Ao entrar no bar do porto à noite, um lugar extenso, arejado, mas com cheiro de peixe impregnado no ar, não foi tão difícil achar aquele que fora descrito como “louco”.

Sentado à uma mesa, escrevendo em um caderno de couro, estava Awei. Usava calças escuras azuladas, uma camisa verde-água cheia de babados no colarinho, e um terno roxo que brilhava. Seus cabelos cacheados ficavam espetados para cima, como se fosse uma peruca, e seus lábios pintados de preto. Dario hesitou antes de se aproximar, mas tomou coragem e foi em frente.

— Com licença, – disse, e o homem levantou o olhar negro para ele – Awei? Sim?

— Eu – ele se encostou na cadeira e retirou os óculos redondos que usava.

— Você está procurando homens pa-

— Tem que ter experiência no mar. – Interrompeu.

— Eu tenho.

— Então, – abriu um sorriso cheio de dentes enormes – sente-se.

Dario sentou-se receoso, Awei largou de lado a caneta e o tinteiro e colocou as mãos sobre a mesa.

— Você sabe o lugar onde eu pretendo ir e quais águas por onde irei navegar, não sabe? – Dario assentiu – E mesmo assim você está aqui – afirmou. – O que o leva à tal desespero?

— Não é desespero – ele respondeu firmemente. – Você paga o suficiente para sobreviver uma vida inteira, se é que minha fonte não estava errada.

— Não estava. Sim, eu pago, àqueles que voltarem vivos. – Pousou os braços sobre a barriga e se curvou para trás. – E como você me parece ser um sujeito de certa... experiência; deve ser muito confiante de si mesmo, acreditando que sobreviver no mar é uma coisa fácil. Mas não é. Não neste caso.

— Serei sincero com você, eu tenho uma filha, e não posso sair arriscando a minha vida por aí atoa ou... perdendo o tempo que eu tenho com ela.

— São onze meses de viagem. Se der tudo certo. E eu tenho um navio com cem tripulantes, até agora – ele dizia com uma leveza um tanto cômica, como se suas palavras pairassem no ar.

— Eu preciso de uma garantia – disse Dario, bem sugestivo.

— Que tipo de garantia?

— De que se eu não voltar... – engoliu seco – todo o dinheiro vai para a minha família.

Awei, olhando diante dos olhos do homem desconhecido e soturno, se aquietou e fechou o sorriso moribundo. Ficou parado por um tempo, como se pudesse ler os pensamentos do outro através de seus olhos. Então, subitamente voltou à realidade, e disse:

— Eu não sou um homem de fazer promessas. E, na verdade, não sou um homem de palavra também. Mas farei uma exceção pela menininha Serena. – Dario ficou confuso; havia ele dito o nome de sua filha para Awei? Ou não? Talvez tinha falado e se esquecera. – Eu, Awei, em nome de todos os piratas do mar, prometo que você sobreviverá. Eu garanto a sua sobrevivência nesta viagem, aonde você será o meu imediato, Dario. – Havia ele dito o seu nome em algum momento? Talvez esquecera novamente. Dario se desfez dos pensamentos confusos e assustados, e deu uma resposta grossa e direta:

— Ninguém pode garantir a sobrevivência de outra pessoa. Se essa é a primeira promessa que faz, saiba que só deve prometer coisas possíveis de se cumprir.

— Que pena, agora eu já prometi – e abriu seu sorriso novamente. – De qualquer maneira, você vai comigo. Eu tenho um profundo pressentimento de que nós – ele apontou para Dario e depois para si mesmo repetidas vezes – vamos nos dar muito bem.

— Me desculpe, você por acaso fez uma pergunta? – Dario perguntou, perplexo.

— Não. Eu fiz uma afirmação, – disse, começando a recolher seus papéis da mesa, caneta e tinteiro – você vai comigo, e como o meu imediato. – Se levantou da cadeira, apressado. – Apareça no porto neste mesmo horário daqui à dois dias. Você irá reconhecer meu navio. É aquele que não está caindo aos pedaços! – Se afastou e saiu pela porta.

Dario ficou por mais algum tempo, tomou uma bebida e depois cavalgou de volta ao seu vilarejo.

Durante todo o caminho pensou, se é que pensou, pois eram pensamentos confusos e perturbados demais para distinguir, no que iria dizer à sua pequena filha, que não era tão pequena assim. “Vamos lá, Dario, pense” tentou organizar seus pensamentos, e continuou à cavalgar, só que mais rapidamente. O Reino Dourado de Adano I era dotado de grandes e altas árvores, mas poucas davam algum fruto comestível. Os caminhos eram difíceis, devido às minas e aos riachos se formavam serras, morros e montes que no inverno, com a neve, causava a morte de muitos viajantes – por queda e fratura; mas no verão, e particularmente na seca, o caminho ficava mais fácil. A grama estava morta, e as grandes árvores estavam morrendo aos poucos – em cem anos, se o clima permanecesse o mesmo, elas não teriam mais folhas, e seus galhos envergariam –, a grama só era verde e viva, e a terra fofa, perto dos riachos e lagos, que já não possuíam mais pepitas de ouro. O ouro agora só era encontrado nas minhas perto do castelo, como você já sabe, e as minas eram lindas de se ver por fora e por dentro, mas poucas pessoas tinham este privilégio.

Dario chegou abatido no orfanato, no dia seguinte, de forma que só deu um abraço em sua filha e em Hector – por quem também tinha muito afeto, assim como todas as outras crianças do orfanato – e sentou-se para alimentar-se, com as mãos tremidas.

À mesa de jantar da cozinha estavam Marco, Dario, Serena e Curioso – nas mãos dela, é claro. Na sala do orfanato jantavam Virtusa e as outras crianças, mas só nos importa o que foi falado à mesa da cozinha.

— O que Curioso faz na mesa de jantar? – Perguntou Dario, e tomou um gole de sua sopa.

— Você não sabe? Vossa majestade ordenou que todos os ratos do reino possam, por tempo indefinido, comer junto aos Homens. – Disse Serena, de cabeça erguida. Marco riu e disse:

— Vossa majestade não passa de uma criança.

— E o que tem de errado em ser criança?

— Serena, na mesa não. – Seu pai disse, e ela obedeceu, um pouco tristonha, colocando Curioso no chão. – Agora, lave suas mãos e coma. Precisamos conversar.

Serena lavou as mãos no balde de água e voltou para a mesa, mas não tocou na comida.

— Por que vossa majestade não come? – Perguntou Marco.

— Porque eu sei o que ele vai dizer – sua expressão ficava cada vez mais triste.

— O que? – Dario perguntou, nervoso.

— Que eu preciso ser mais sensata nas minhas decisões – e ela apoiou a cabeça em uma mão, e o cotovelo na mesa. Marco caiu na gargalhada, sem acreditar no que estava ouvindo.

— Parabéns, meu filho! Você criou uma criança adulta! Uma anomalia no universo. – Disse, rindo. Serena revirou os olhos, e seu pai largou a colher para falar.

— Não é isso, não tem que ficar assim – abriu um sorriso. – Ei, olha pra mim – disse, calmamente, e ela levantou os olhos para ele, aflitos. – Eu farei uma viagem amanhã, e quando eu voltar, nunca mais a deixarei, entendido? Vão me pagar muito bem por esta viagem e nós poderemos comprar até uma corrente de ouro para o Curioso. – Riu, mas os outros dois que o encaravam, não riram.

— Que viagem? – Perguntou Marco, preocupado.

— É uma... coisa estúpida. Vamos atrás dos objetos caídos.

— O que?! Perdeu o juízo?! Você pode ficar anos fora, e sem saber se vai voltar ou não...

— Pai. – Dario o fez parar, pois tinha que saber o que Serena pensava, então olhou para ela.

— Você vai ficar anos fora? – Ela estava aflita, mas não queria demonstrar.

— Não. Só alguns meses, talvez um ano, e eu volto. Você sabe que eu volto. – Pegou sua mão, delicada e macia.

— Você não pode mentir pra mim – ela disse, puxou sua mão e saiu correndo.

— Serena?!

Ela correu sem olhar para trás e sem ouvir nenhum chamado, saiu pela porta da frente do orfanato e seguiu correndo para a sua casa. Dario a seguiu, correndo, mas era difícil acompanhar o ritmo da rápida garotinha. Foi quando finalmente chegaram em sua casa, no meio da noite, e ela entrou, batendo a porta atrás de si. Serena correu até a sua cama e deitou de bruços, escondendo o rosto no travesseiro.

Dario entrou e, em desespero, se ajoelhou ao lado da cama e tentou falar com ela. Pousou a mão em sua cabeça, e acariciou seus cachos.

— Eu preciso fazer isso, por você, filha.

— Vai me abandonar! – Disse, ainda com o rosto afundado no travesseiro.

— Não! Eu nunca faria isso! Eu só tenho que resolver a nossa situação. O tempo corre rápido, e num piscar de olhos eu estarei de volta. E eu lhe trarei o mais belo presente que eu encontrar na viagem. Mas enquanto isso, preciso que você fique de olho no vovô, na vovó, e no Héctor. Pode fazer isso por mim? Cuidar deles? – Ela não respondeu, sequer se moveu. – Você cuida deles, e o Curioso cuida de você, que tal?

— Você promete que volta em um piscar de olhos? – Ela se virou para olhá-lo.

— Eu prometo.

No dia seguinte, foram Dario e Serena em um cavalo, e Marco noutro, na direção do porto, aonde se despediriam. Ninguém estava contente, mas estavam em aceitação. Dario carregava consigo suas coisas: roupas, armas, provisões; e Serena levava consigo, escondido, Curioso, que desde então não a perderia de vista.

Chegaram numa linda manhã, o céu estava azul e límpido, e o mar refletia a sua glória. Deixaram os cavalos presos à uma árvore e seguiram pelo porto a pé. Quando chegaram à área dos navios ancorados, Dario apontou para o grande navio com uma sereia na proa, que já estava carregado de pessoas, e não paravam de entrar mais, levando consigo baús, carregamentos de barris e de caixotes. Dario então sentiu-se bem, de repente, por estar de volta ao mar e embarcando em uma aventura, mesmo que no fundo a sua aflição por sua filha o embrulhasse o estômago.

Foram em frente, Serena ficando cada vez mais incomodada e assustada com a quantidade de homens ao seu redor, caminhando pelo porto, rindo e bebendo, babando e gritando. Awei, que estava coordenando a entrada dos homens, ao avistá-los, correu em sua direção. Desta vez usava calças e casaco verdes, de veludo, como se alguém tivesse vomitado em sua roupa; no entanto, sua blusa era branca e comum, tirando os longos babados – os sapatos também eram brancos, e por isso você deve imaginar o que se passou nas cabeças de Serena e Marco.

— Minha nossa! Se não é a linda, corajosa e deslumbrante Serena! – Ele disse, ao se aproximar, e fez uma reverência à ela. – Vossa Majestade – e se levantou. – Você é o pai adotivo! – Apontou para Marco, e Dario se assustou novamente, pois desta vez ele tinha certeza de que não havia falado nada a ele sobre o seu pai.

— E quem é você? – Perguntou Marco, rabugento.

— Awei. Prazer em conhece-lo. – Ele estendeu a mão, mas suas mãos estavam banhadas no que parecia ser um pó prateado brilhante, então ele deixou de lado o cumprimento.

— Se não se importa, eu gostaria de me despedir deles – disse Dario.

— Claro! – Awei sorriu, e permaneceu aonde estava. Dario esperou, mas ele não se moveu.

— Eu vou em um segundo – disse, e Awei percebeu. Soltou uma gargalhada aguda e disse:

— Vou deixá-los à sós – se virou, deu dois passos, e se virou novamente. – Mas antes, – retirou do bolso um esquisito objeto dourado, se aproximou de Serena, e se curvou para entrega-lo a ela – você puxa o ar duas vezes seguidas, e pode ficar debaixo d’água por um loooongo tempo.

Serena pegou o objeto, confusa, mas agradeceu. Então Awei bagunçou seus cachos com a mão, riu, e se afastou.

— Tudo bem, chegou a hora – disse, segurando a alça de sua mochila com mais força. Marco se aproximou e o abraçou com força.

— Não faça nenhuma estupidez. E não seja rude com essas pessoas – sussurrou.

— Cuide dela – disse Dario, também sussurrando. Os dois se afastaram e chegou a vez de se despedir de sua filha. Para evitar a triste situação, Serena tirou Curioso do bolso de seu casaco e o estendeu.

— Primeiro ele – ela disse.

— Tudo bem... – ele riu – Curioso, tome conta dela como se a sua vida estivesse em risco! – E se curvou para abraçar Serena, que era baixinha demais para a sua idade.

— Você realmente irá partir? – ela sussurrou, triste.

— Eu volto num piscar de olhos, lembra?

— Não volte sem o meu presente.

— Eu não voltarei sem ele, prometo – ele beijou sua bochecha. – Tome cuidado, seja uma boa menina, não tenha medo.


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