O Reino Dourado escrita por SA Bueno


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Ao meu pai



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Depois de longas eras dominadas por um inverno violento e intenso, veio a seca. Lagos desapareceram, árvores morreram, frutos caíram, a grama virou terra seca, e consequentemente, areia, em muitos lugares.

Primeiro, a dinastia de Heleno II, do Sul, caiu em desolação. Seu reino era provedor de comida e vinho para quase todos os outros, que ficaram sem o seu maior fornecedor; o Reino Escarlate, como fora denominado, já que vermelho era a cor de sua bandeira, assim como a de seu vinho, o melhor vinho do mundo.

Depois, a dinastia de Gustavo IV, do Reino dos Chifres Prateados, fez uma diáspora para as ilhas do Sul, antes que o povo de Heleno buscasse sua ajuda para sobreviver. Era completamente contra as regras de seu reino entrar em contato com o mundo exterior, uma vez que vivia isolado, como uma seita secreta; ninguém nunca havia chegado a se encontrar com um chifre-prateado, sabiam de sua existência através dos animais, que eram muito amigos destes, e trocavam mensagens com o mundo exterior para eles. Assim, o Reino dos Chifres Prateados desapareceu entre o arquipélago, ninguém os buscaria.

Logo em seguida, o Reino de Chagas, sob a dinastia de Irano I, partiu em busca de guerra com o Reino Escarlate. Cada tropa sua que vencia, escravizava a tropa perdedora escarlatina: primeiro os castravam, depois os levavam nos navios paras as montanhas de sua terra, e ali, trabalhavam o dia todo, todos os dias, até que suas pernas e braços não suportassem mais.

Com o reino sofrendo com a seca e com a perda do que era antes um forte aliado – o Reino Escarlate – a casa dinástica de Adano I, do Reino Dourado, provedor de ouro e pedras preciosas, percebeu que era o momento certo de tirar vantagem da situação e fortalecer as suas tropas, guerreando e trazendo soldados de Heleno II à força para o seu exército.

Adano e Irano eram irmãos, porém, piores inimigos. Tinham liderança e ações diferentes, mas não se distinguiam tanto quanto pensavam. Por muito contrário, eram gêmeos, e gêmeos sempre se parecem.

Reino Dourado

Em uma aldeia pacata, longe das jazidas, onde a grama ainda era verde, mas as árvores mortas já aparentavam aspecto sombrio, moravam um viúvo e sua filha. Ele chamava-se Dario; era um homem sábio e corajoso, um ótimo pai e um grande amigo; sua filha, Serena, tinha onze anos, e nunca conhecera a mãe, que morreu no parto. Dario falava pouco sobre ela, mas falava bem.

A manhã chegou naquele dia conturbado com uma temperatura acima da média. A cabana onde moravam estava abafada e quente; Dario acordou Serena:

— O sol chegou! Hora de acordar! – Ela já estava acordada e animada para mais um dia, levantou-se da cama num pulo, seus cachos negros e longos pulando como molas. Dario encurvou-se e ela subiu em suas costas. – Com o quê vossa majestade sonhou ontem?

— Camundongos falantes! – Respondeu ela.

— Mas, vossa majestade, porquê sonharia com tais animais?

— Por causa do Curioso. – Dario então se encurvou até alcançar o chão, com a sua filha ainda nas costas, e no momento certo esticou os braços e conseguiu pegar o camundongo de pelo cinza, que corria como ninguém pelos cantos da cabana, desaparecia quando estava faminto, e aparecia satisfeito.

— Aqui está o nosso Sir Curioso. – Ele entregou o camundongo nas mãos da filha e caminhou até a cozinha, aonde a pôs no chão. Comeram o que havia no velho armário de madeira: frutas secas e pão. Partia-lhe o coração não poder dar à sua filha o melhor dos banquetes, mas pouco sabia sobre a opinião dela sobre o seu desjejum: que não importava.

Ele precisava ir à cidade, e para isso tinha que deixá-la com alguém. Marco era um velho senhor carrancudo, bom homem, humilde, e casado com uma doce mulher; juntos regiam o único orfanato do reino, o que tinham para dar às crianças vinha de doações de todas as aldeias, e a maioria das pessoas doavam muitas moedas de ouro nas épocas de ascensão do reino, mas nos últimos tempos, poucos o faziam. Dario foi entregue neste mesmo orfanato com apenas uma semana de vida, a esposa de Marco tinha dado à luz um bebê que não vingou, e mesmo na tristeza, acolheu Dario como se fosse um filho enviado dos céus e o amamentou. O casal criou Dario, e isso os relacionavam como pais e filhos, logo, Serena era como uma neta.

Antes de saírem, Serena colocou o Curioso em um caixote de madeira para que não fugisse naquele dia. Então, seguiram o seu caminho difícil até o orfanato. Como sempre, o pai segurava a mão da filha, e quando se depararam com uma serpente esverdeada, Serena se escondeu atrás do pai.

— O quê ela está fazendo aqui?! – perguntou ela, assustada e confusa.

— A lago ao sul está secando, deve estar procurando grama úmida, ou algum rato para comer. – disse Dario.

— Um rato?! – dela exclamou. – Então mate-a!

— Por quê?

— Porque ela é perigosa, come ratos como o Curioso, e pode assustar outras pessoas!

— Assustar? – perguntou o pai, confuso. – Você se assustou? – a serpente de repente parou para observá-los, e ergueu sua parte da frente, ameaçadora. Serena tentou dar um passo para trás, mas seu pai a segurou.

— Pai! Ela quer nos picar! Vamos embora! – ela tentou puxar o pai para trás, ele se permaneceu no lugar.

— O que eu sempre te digo, Serena? – perguntou, irritado.

— Por favor, vamos embora! – a serpente começou a silvar.

— Por que você está com medo? – perguntou. – O que eu te disse da última vez que você sentiu isso?

— Que não devo temer.

— Então por que está com medo dela? – serena sentiu um misto de confusão dentro de sua pequenina cabeça, o pai se esclareceu melhor: – É só um ser vivo como todos os outros, como você. Não faça mal à ela e ela não fará mal à você. O único ser em que você não pode confiar é no humano.

— Eu sei! – ela disse, ficando zangada.

— Nunca mais pense em matar qualquer coisa viva, entendeu?

— Sim... – ele se afastou com ela e deu a volta para sair do caminho da serpente.

Quando chegaram ao orfanato, Serena logo abraçou seus avós e então foi brincar com as crianças. Um garoto era particularmente seu melhor amigo, Hector, e tinha a sua idade. Brincavam de contar histórias um para o outro ou de soldadinhos de guerra, se perdiam do mundo.

Dario abraçou Marco com afeto, e Marco disse: – Nossa menina cresce cada vez mais rápido. Vai parecer com a mãe tão logo você espera. O que o trouxe aqui tão cedo, meu filho? – levou-o para a cozinha do orfanato. Era uma estrutura antiga de madeira, infestada de cupins, mas ainda estava de pé, e isso era o que importava: um teto para as crianças desabrigadas, repleto de carinho e atenção.

— Sabe de algum lugar que ainda dê para garimpar? A comida está se esgotando, e as florestas estão morrendo. Ouro é a única maneira de sobrevivermos.

— Sinto muito filho... – disse, pegando dois copos no armário – o ouro por essas bandas é aluvial, e você sabe, já faz um longo tempo que as pessoas vêm garimpando. As jazidas se esgotam rapidamente, e logo vem a miséria. Mas isto se aplica apenas aqui, é claro, pois nas minas ao norte do castelo do rei, dizem achar toneladas de ouro e diamante todos os dias.

— E que rei misericordioso que nós temos, transforma o ouro em escudos e espadas, enquanto o povo passa fome. – disse Dario.

— Como seguir em harmonia com um governante que não sabe o significado de liderança?

— Abaixando a cabeça e tapando os ouvidos.

— Enfim... – Marco, que havia preenchido os copos com gim, entregou um à Dario, e depois se sentou na cadeira de balanço com o seu copo em mãos. Dario afastou-se até encostar-se na parede. – saiba que, nem se você quisesse, eu deixaria sua filha passar fome.

— Eu nunca aceitaria a sua ajuda. – retrucou ele, de prontidão.

— Pelas barbas dos Deuses... eu te criei para ser um homem bondoso e cauteloso, e você se transforma em um homem duro e soturno!

— Eu sinto muito te desapontar, mas eu realmente nunca aceitaria sua ajuda. – disse, com uma expressão séria e pensativa.

— Mas não é dever do pai ajudar o filho em tudo o que estiver ao seu alcance?

— Filho. Não neta. – Dario bebeu o gim de um gole só. – Você cuida dela enquanto eu procuro um serviço na cidade?

— Por que ainda pergunta? – disse, e bebeu um gole do seu gim. – Vá, e ache alguma coisa digna, por favor.

Assim, Dario partiu para a cidade que ficava ao redor do castelo e que se conhecia como o centro comercial do reino. Passou por três aldeias, caminhando rapidamente, e demorou três horas para chegar. Foi diretamente até a taverna que se lembrava de ter conhecido, muito tempo atrás, e perguntou para o taverneiro se por acaso ele não conhecia alguém que estivesse procurando serviços baratos, por tempo indeterminado. O taverneiro respondeu que, em seu conhecimento, o único que precisava de serviços era o rei, e que este tinha enviado mensageiros por todo o reino naquele mesmo dia, para anunciar. Repetiu as palavras exatas à Dario, que o mensageiro disse na frente do castelo naquele dia:

— O rei convoca todos os homens, ex soldados de guerra, para se juntar às tropas de vosso reino! O rei anuncia que: à despeito da situação do Reino Escarlate da dinastia de Heleno II!, dos ataques do exército da dinastia de Irano I!, além da morte das virtudes do nosso aliado vermelho!, iremos ajudar, ou seja, resgatar homens, mulheres e crianças!; que se agregarão mais tarde ao vosso Reino Dourado! Uma vez que, juntos!, poderemos acabar com a ameaça do Reino de Chagas, governado por Irano, o tirano! – E o taverneiro não poupou sotaque.

— O que esses homens vão ganhar? – perguntou Dario.

— 100 moedas de ouro por ano.

— Um valor um pouco baixo para arriscar a própria vida, não acha?

— Depende do quanto a pessoa acha que vale a sua vida.

— Eu tenho uma filha. Preciso de um serviço que não arrisque minha vida, se eu quiser que ela ainda tenha um pai. – Ele certamente tinha raiva por ter sido abandonado pelos pais verdadeiros – que não conhecia –, então não queria que o mesmo acontecesse com Serena.

O taverneiro suspirou e disse: – Já ouviu falar de Awei? – Dario balançou que não com a cabeça. – Ele é um... louco rebelde, contra a dinastia de Adano, que procura objetos preciosos em lugares distantes do reino.

— Quais objetos preciosos?

— Aqueles de que não se pode falar.

Havia uma lenda, sobre as qual as pessoas tinham muita crença, e que dizia que há muito tempo atrás os Deuses se reproduziram com Homens, e desfizeram a sua linhagem pura, assim, enfraquecidos e impuros, caíram dos céus e foram atraídos pela Terra. Na queda, seus pertences mágicos caíram sob mar e terra, e eles acabaram sobre uma ilha perdida, que à noite as águas do mar encobre, sem poderem sair de onde estão, serem encontrados, ou voltarem aos céus.

— É algum tipo de piada?

— Não. Acredite, ele diz ser um tipo de profeta, um ser divino do universo enviado para encontrar esses objetos. – disse o taverneiro, Dario riu. – Bom... ele paga bem. Melhor que o rei. Se quiser se apresentar para a longa viagem, precisa estar no bar do porto em três dias.

— Não. Mesmo assim, obrigado.

Dario saiu decepcionado, mas continuou à procura, até encontrar dois homens precisando de ajuda para esvaziar um poço de fezes. Cinco moedas foi o que pagaram, e Dario voltou fedido e suado para o orfanato, quando já era noite.

Serena e Hector inventaram um jogo realmente interessante enquanto estavam juntos. Um dizia o nome de algum animal ou criatura, e o outro dizia “se esconder”, “correr”, ou “acariciar”. Não era muito justo com Serena, já que seu pai a ensinava a não correr das coisas. Mas também não era ao todo justo com Hector, que era medroso demais para dizer outra coisa além de “correr”.

— Tigre? – Hector perguntou pela segunda vez, Serena não conseguia decidir.

— Hum... esconder? – e Hector caiu na gargalhada.

— Claro que não! Correr! – Serena se irritou:

— Não é justo! Você que decide qual é a resposta certa, não tem como alguém ganhar em um jogo tão fácil de se roubar!

— Você inventou o jogo!

— Eu não inventei nada!

— Parem! Vão brincar com as outras crianças. – disse Marco. Os dois obedeceram e se juntaram às outras crianças do orfanato. No mesmo instante, Dario bateu à porta e Marco foi atender. Quando a abriu, viu o estado do filho e disse: – Minha nossa, o que aconteceu com você?

— Nem queira saber – se voltou para as crianças. – Serena! Vamos!

Tristonha ela se despediu dos outros e foi até a porta. – Que cheiro é esse?

— O cheiro que você vai sentir pela próxima hora inteirinha...

Assim, voltaram para a sua cabana modesta, aonde comeram, se lavaram – Dario –, e adormeceram – Serena.

Ele não pregou os olhos a noite inteira pensando nas propostas que o taverneiro lhe falara. Estava completamente fora de cogitação se arriscar em uma guerra, em outro reino; mas também estava fora de cogitação ficar meses longe de sua filha. Se ao menos pudessem ser menos dias...

Acordou decidido e foi novamente pedir a ajuda do pai, mas ele tinha saído, e quem estava lá, de pé, era a sua mãe, Virtusa. Mesmo na idade em que estava continuava sendo uma mulher linda e forte. Ela não poupou palavras e disse, em sua voz adocicada:

— Tente. Vá encontrar-se com este tal de Awei, e conte à ele a sua situação. Se for um bom homem, irá entende-lo, irá propor uma solução. Ninguém recusaria os serviços de um bom marinheiro afastado – ele largou o serviço para cuidar de Serena, que não teve quem a amamentasse. – Você sabe que Serena é mais minha filha do que sua, então ela fica aqui, pelo tempo que precisar – ela sorriu, e fez com que o soturno homem sorrisse também. Uma mulher que não pode ter filhos, mas que cria dezenas. – Está rindo de mim? Ou rindo comigo? Pensei ter criado um garoto que não sorria facilmente.

— Você e o Sr. Seu Marido parecem ter criados filhos diferentes. – Ele riu novamente.

— São filhos demais pra distinguir. Agora sai da minha frente! – Ela brincou, e ele riu mais. Apenas as três mulheres de sua vida conseguiam tirar um riso dele.


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Notas finais do capítulo

Continua



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