Aventureira Solitária escrita por Pepper


Capítulo 2
Devaneios Científicos




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Meu despertador toca exatamente às 5h30min, eu o desligo e encaro Saturno cogitando a possibilidade de ir morar lá, já pensou? Um mundo daquele tamanho só para mim?

— Tem um lugar aí pra mim? – Me espreguiço e levanto ainda morrendo de sono. Como queria voltar a dormir...

Ponho as pantufas e ando até o banheiro, a porta está destrancada, eu a fito por uns segundos, “será que eu tranquei mesmo?” juro que tranquei aquela porta! Deve estar com defeito, mais tarde falo com minha mãe para trocar a fechadura, sei lá. Eu empurro a porta do banheiro atenta a qualquer mudança naquele local, nenhuma perceptível. Vou até a pia e me olho por alguns segundos, meus cabelos ruivos e um pouco longos totalmente desgrenhados, minhas olheiras estão me deixando com aparência de zumbi, minha pele branca e toda amassada, o lápis borrado em meus olhos, meu pijama todo torto, abro o armário do espelho e pego minha escova de dente e enquanto escovo olho através do espelho o espaço atrás de mim. Estou neurótica, não tem o porquê de me preocupar com algo.

Tomo banho de água fria para acordar, depois seco meu cabelo com o secador que o deixa macio, depois faço umas ondinhas nas pontas com chapinha, um detalhe pequeno, porém essencial. Coloco uma calça jeans rasgada e a blusa do colégio com a gola rasgada deixando aparecer o meu top preto, calço um coturno preto e guardo meu material na mochila de couro vermelha onde pendia um chaveiro com uma âncora de bronze.

Saio do quarto são nem seis horas, já estou pronta, ando pelo corredor e viro a primeira porta à esquerda, minha mãe está na cozinha de pé, encostada na pia com sua roupa social, seus sapatos novos e cabelo bem arrumado, ela é bonita, sempre percebo isso, porém o trabalho cansa, todo trabalho monótono cansa. Ela está tomando café e olhando fixamente o chão.

— Bom dia mãe. – A cumprimento com um sorriso, ela me olha e sorri.

— Bom dia Mel.

Eu vou até a cafeteira e me sirvo de café também, nós temos esse vício em comum: café. Ela é advogada e arquiteta, mas por enquanto só atua como advogada, diz que ano que vem larga a advocacia para voltar a trabalhar como arquiteta. “É mais divertido” ela disse.

— Hoje mais cedo eu te ouvi gritar, ou foi impressão minha? – Ela me pergunta enquanto engulo rapidamente o café.

— Creio que foi apenas uma impressão sua. – respondo sem hesitar.

Ela me olha e assente como se dissesse “Me convenceu.” Ela sorri para quebrar o clima ruim da manhã e lava seu copo de café.

— Hoje vou chegar mais tarde. – Ela comenta enquanto lava o copo. – Seria bom você me ligar quando chegar em casa, para eu não ficar preocupada.

— Se eu lembrar, eu ligo, combinado? – Brinco com ela e deixo o copo na pia.

Volto pro meu quarto e me olho no espelho do banheiro, pego um elástico e prendo meu cabelo, não hesito em olhar fixamente minha nova tatuagem em meu antebraço, é uma rosa vermelha, muito linda, modéstia parte. Fecho a porta do banheiro ao sair e passo pela escrivaninha. Percebo que há algo errado nela e volto atrás, encarando-a.

Meus cadernos estão bagunçados, alguns abertos, outros caídos, são os meus cadernos de pesquisas, teorias e projetos, tudo sobre o universo e seu funcionamento, buracos negros e teorias sobre a viagem pelo espaço-tempo. Lembro que deixei tudo arrumado, só havia pegado o material do colégio, não mexi nesses cadernos. Devo tê-los empurrado sem querer quando fui pegar os outros materiais e nem notei. Até por que ninguém entra no meu quarto, nem minha mãe ou meus irmãos. Decido pegar um dos cadernos para ter algo para fazer durantes as aulas, pego um aleatório e o ponho na mochila saindo do quarto e fecho a porta.

— Mel? – Chamou minha mãe da sala. – Você e o seu amigo vão querer carona?

— Creio que sim, só vou ligar pra ele pra avisar que vamos esperar na frente do prédio dele. – Pego meu celular na lateral da mochila e ligo para Rony que não demora muito a atender.

— Diga Srta. Melody? – Ele fala ao atender.

— Escuta, minha mãe vai dar carona pra gente, então já espera na frente do seu prédio, ok?

— Ok. – Ele desliga.

Guardo o celular e vou até minha mãe que me espera na porta apressada. Descemos as escadas da entrada e espero ela abrir o portão da frente que é todo branco, enquanto eu a espero na calçada ela tira o carro da garagem e tranca os dois portões, o da garagem e o da frente da casa.

— Entra Mel, estamos atrasadas! – Corro pro carro e sento no banco de trás.

Ela começa a dirigir rápido e eu ponho meus fones, escuto umas três músicas até minha mãe parar em frente a um prédio azul de quinze andares onde um garoto de cabelo um pouco curto e meio loiro nos espera sentado na calçada. Sua calça jeans tem uns rasgos de velha, sua blusa do colégio é larga e sua mochila é preta. Ele é alto e magro, um pouco fortinho, usa pulseiras que compra na Av. Paulista, e seu rosto é perfeito, não só por ter olhos verdes e sorriso branco, mas porque sorri quando está comigo.

Ele me cumprimenta com um beijo na bochecha e deseja bom-dia para minha mãe, que retribui. Nós mal conversamos no carro, na verdade cada um fica com seus fones, mais três músicas até sermos abandonados no inferno conhecido como “Colégio Brasileiro Tiradentes” ou mais conhecido como “Tira”. Nossos pais pagam caro para estudarmos aqui, a maioria dos alunos se forma e vai estudar nas melhores faculdades do Brasil ou até em faculdades fora do país. Isso impressiona de primeira vista, mas depois tudo isso, os equipamentos modernos, o tamanho gigante do colégio, tudo isso vira rotina.

Antes de entrar eu procuro meu crachá para passar pela catraca, Rony me espera enquanto eu o procuro na mochila. Afasto-me do portão encostando no muro ao lado, Rony fica na minha frente com as mãos no bolso.

— Será que você esqueceu em casa? – Ele pergunta segurando a mochila para mim enquanto procuro em outros bolsos.

— Nem o tiro da mochila... Achei! – Peguei o crachá e o segurei com a boca enquanto iria pôr a mochila nas costas.

Mas ela cai. Olho pro lado é Gabriel, moreno, alto e forte, porém burro, ele derrubou minha mochila no chão e começou a rir junto com os amigos dele.

— Qual o seu problema, cara? – Grito para ele me escutar.

— Nenhum, só gosto de me divertir. – Ele ri e passa pela catraca.

Rony pega minha mochila e me entrega, eu a ponho nas costas, como alguém pode ser tão ridículo e infantil?

— Não liga Mel. Vamos, já vai bater o sinal.

Nós passamos pela catraca no exato momento que bate o sinal, subimos os três andares enquanto eu contava para Rony os acontecimentos estranhos da madrugada. Ele escuta quieto e ri de vez em quando.

— Você atacaria um ladrão com um abajur?

— Era a única coisa que tinha naquele momento, ok? – Eu começo a rir. Agora a ideia parece bem engraçada, eu com um abajur em mãos atacando um ladrão.

— Mas você acha que alguém teria entrado no seu quarto?

Nós entramos na sala, ele senta na segunda carteira da fileira do meio e eu em sua frente, ponho a mochila de lado e me viro para Rony.

— Talvez ou então eu esqueci de trancar o banheiro duas vezes e derrubei meus cadernos e não notei. Na verdade cheguei a pensar nisso, mas acho que foi mais pra me acalmar. Não acredito que eu tenha feito isso.

— Seus irmãos não teriam entrado no seu quarto?

— Eles nunca entram no meu quarto. É desnecessário.

— Mas o que um ladrão pegaria no seu quarto? Seus estudos super avançados? – Ele zomba.

Eu o bato no branco, também rindo.

— Vai que o governo tenha mandado me espionar. – brinco.

O professor de matemática entra na sala. É japonês, alto e forte, serviu no exército e usa sempre roupa social. Ele se senta em sua mesa e coloca seu material em cima dela.

— Enquanto eu corrijo a prova, quero que façam a lista de exercícios que passarei. Vale dez, e dependendo da nota da prova, a lista de exercícios substituirá a prova. – Anuncia já pegando sua pasta dentro da mochila.

— Quanto você acha que tirou na prova? – Rony me perguntou com um sorriso.

— No mínimo devo ter tirado 8,5 e no Maximo 10. – Falo convencida.

— Como sempre. – Ele dá de ombros.

O professor passa dando as listas de exercícios, ele para em nós para provavelmente dar um recado.

— Vocês não precisam fazer a lista.

— Já corrigiu as nossas provas? – Pergunta Rony.

— Não, mas eu conheço vocês dois. – Ele ri.

— Mesmo assim acho que queremos fazer a lista de exercícios. – Respondo por nós, Rony concorda.

— Está bem então.

Ele nos entrega as folhas e segue entregando-as para o resto da classe. Damos uma olhada na lista, são apenas trinta exercícios, todos fáceis. Viro-me pra frente e começo a fazer a lista. Os primeiros exercícios são até fáceis, o professor vai chamando um por um para entregar a prova.

— Melody. – Ele me chama, eu paro no exercício 9 e vou até sua mesa. – Não esperaria uma nota diferente.

Ele me entrega a folha, minha nota é dez, agradeço e volto pro meu lugar para continuar meus exercícios, ao sentar entrego minha prova para Rony que ri e me devolve. Volto à lista de exercícios. Alguns começaram a ficar mais difíceis, mas não impossíveis. O professor chama Rony, ele tirou 9,5, significa cinco reais para quem tirou a maior nota: Eu.

A aula acaba e eu estou no exercício 24, guardo o material de matemática, o professor vai embora. A próxima aula é português, não pego o material da aula, pego o meu caderno de estudos extras.

— Mel, parou em qual exercício? – Me pergunta Rony.

— 24, e você?

— 26. – Ele sorri.

Eu começo a rir. Ambos adoramos competir e ganhar um do outro. Somos os dois nerds da sala, o resto é resto, pessoas comuns, e nós não somos comuns. Somos melhores amigos desde os 10 anos de idade, quando eu cheguei ao colégio. Cara... São sete anos de amizade, não havia pensado nisso! Pensando agora, não acredito quanto tempo faz que nos conhecemos, que somos melhores amigos, que sabemos tudo um do outro!

Abro meu caderno e começo a escrever, mais do que meu caderno de estudos extras, é meu diário, escrevo nele tudo que me dá vontade, começo a escrever sobre minha amizade com Rony, tão duradoura e complicada.

Acho que estou deixando muito na cara que gosto dele, tudo bem que já nos beijamos algumas vezes depois dos 14 anos, como quase toda vez que saímos apenas eu e ele, mas... Nunca conversamos sobre isso, ele já saiu com outras garotas, e eu com outros garotos, mas sempre que tudo termina mal, nós saímos e acabamos consequentemente ficando juntos. Mas já deixamos claro um pro outro que somos apenas amigos que gostam de se beijar de vez em quando. Apenas isso...

Mas eu gosto muito dele, às vezes finjo que estou triste apenas para sairmos, porque eu gosto muito dele, ele é tão igual a mim e tão diferente ao mesmo tempo... Bem, acho que eu tenho que espantar esse sentimento, eu sou inteligente demais pra me deixar guiar pelas emoções, um dia descobrirei como inibir sentimentos, porque eles atrapalham meu raciocínio.

Coisas estranhas aconteceram hoje, por um momento pensei que alguém estivesse atrás do meu projeto de máquina do tempo, loucura, mas bem que poderia, para animar mais minha vida. A verdade é que sei exatamente como viajar no tempo sem violar alguma lei absurda da física. O problema de todos os físicos é pensar que o tempo segue uma linha de atos e conseqüências, e também que nós somos mais espertos que o próprio tempo.

É incrível ou até absurdo dizer para alguém que o tempo é mais inteligente que a própria física, mas é. A palavra certa seria “mistério”, tal como nosso cérebro, não sabemos ainda como o tempo funciona mesmo que nos pareça tão simples. A partir da primeira viagem ao passado, a ordem comum do tempo, passado presente e futuro, se rompe, se eu for agora para o passado, a ordem passa a ser passado presente passado e futuro, ainda suspeito que a ordem tenda a não se romper, pois quando você volta pro passado, o passado passa a ser seu presente. Mas digamos que eu volte pro passado para impedir a morte do presidente Kennedy e acabe matando-o, a ordem temporal geral, a que encobre todos os acontecimentos, se romperia, pois alguém sai do seu tempo presente, para seu tempo passado e define uma série de acontecimentos seguintes, é como se eu mudasse o rumo da história sem criar paradoxos, ou seja, não é possível mudar o passado, pois já aconteceu.

Como se alguém matasse meu cachorro num acidente de caminhão, eu volto no tempo para impedir, mas acabo causando o mesmo acontecimento, sendo assim, o “eu” que ainda não viajou no tempo, decide voltar para o passado para salvar o cachorro e acaba causando o acidente que o matou. Vê? Não altera os acontecimentos, assim, eu continuo com o motivo de querer voltar no tempo para salvar meu cachorro, continuo a causar o acidente. Assim concluo que o tempo é mais inteligente do que todos nós, ele não cria paradoxos, muito menos se deixa mudar apenas por culpa de um viajante do tempo. E assim, a ordem temporal se rompe, pois o passado ainda está para acontecer, pois quem vai participar dele ainda não o fez. Passado presente passado e futuro. Note que o futuro não muda de lugar, mesmo adquirindo a ideia de que o passado ainda não aconteceu ao mesmo tempo em que já tenha acontecido, a ideia de futuro é algo que ainda não conhecemos, além do passado que não se realizou, além do presente, o futuro é amanhã, o passado é o ontem, mesmo que o ontem ainda não tenha se realizado, ele existe, já o amanhã, mesmo sabendo que faz parte do ontem, não aconteceu ainda, logo, não existe no momento. O tempo só passa a existir para nós no presente, logo, duvido muito que conseguiremos ir para o futuro e depois voltar na mesma hora e local. Se eu for para o futuro e interagir com pessoas do futuro, o futuro passará a ser meu presente, logo, o meu presente passaria a ser meu passado. Se eu decidir voltar para meu tempo, já saberei o que acontecerá no futuro, tornando-o previsível, logo, por voltar ao meu presente, eu posso mudá-lo, matar agora quem será um presidente ruim, mudando o tempo que eu presenteei. Mesmo tendo essa dúvida, mantenho também a certeza que o tempo é mais esperto.

Eu vou para o futuro, onde o presidente do Brasil é corrupto e está para falir o meu país, eu volto para meu tempo, onde ele ainda seria um bebê e o mato, ou pelo menos acho isso, mas na verdade mato seu irmão gêmeo que futuramente o fez ter essa ideia que o mundo não presta, que só há gente ruim, e ele terá que se igualar à essas pessoas para vencer na vida, assim, eu”criaria” o presidente corrupto que me fará querer matá-lo, e acabar matando seu irmão gêmeo. Uma parte do futuro se torna presente, pois os acontecimentos já terão acontecido nesse intervalo de tempo entre o futuro que vi e o presente que ainda estou vivendo, ou seja, o que outrora seria meu presente, agora seria meu passado, e tudo que faço ou irei fazer, já está concretizado. Suponha que, quando eu fui para o futuro, uma atriz que eu adoro tenha morrido assassinada, quando eu volto tento impedir sua morte, porém, eu a causo. Tudo que eu vá fazer nesse intervalo de tempo, já está escrito.

O tempo é mais esperto que todos nós.

 


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