Othertale escrita por Ariel ATS


Capítulo 3
Capítulo II – O reencontro (2/2) [Ib]


Notas iniciais do capítulo

"Dois capítulos em um dia? Wowie!"
Pois é, na verdade é porque o capítulo ficou muito grande daria quase quatro mil palavras, então eu condensei em dois capítulos (E mesmo assim, esse capítulo teve quase 3 mil....). Ah, vocês podem notar que o labirinto não é igual a do jogo, bom, tem um motivo. Eu adaptei os labirintos para poder misturar um pouco de todos os jogos, para poder fazer uma ligação geral dos personagens com o cenário. Bom, de todo modo, boa leitura!

Se puder, ouça também:
https://www.youtube.com/watch?v=kGE24_b7M6s



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Garry notou que minha expressão não mudara, mantendo-se em sinal de surpresa em todo o instante que estávamos parados um na frente do outro. Era estranho eu ainda ter que olhar para cima, ele era realmente muito alto. Bem possivelmente mais de um e oitenta. Sem graça, Garry deu um passo educado para trás e com a voz abatida, disse:

—Você não se lembra de mim, né? Bom...  Você era uma criança...

—Eu lembro. –Disse baixo. –É só que fico feliz em o rever. –Minha voz saiu quase robótica da indiferença que eu parecia usar para não demonstrar timidez.

—Oh sim! Eu também! –Sorriu de modo que parecia que um grande peso havia sido tirado de suas costas. –Woah... Eu sabia que levar isso comigo iria valer alguma coisa. –Buscou nos bolsos, pegando um lenço que ainda tinha pequenos pingos de sangue. –Me desculpa, não saiu na lavagem, mas eu posso lhe comprar outro...

Segurei o lenço, vendo a mancha de sangue que confirmava que tudo aquilo que os dois passaram foi real. Sobre a galeria, Guertena, Mary e tudo! Apertei o lenço nas mãos e guardei no bolso da camisa.

Ficou um grande silêncio entre a gente, onde apenas os olhos pareciam conversar. Ora piscando, ora desviando, ora franzindo... Era uma sensação estranha. Era possível conhecer alguém só com o olhar? E se fosse, o que diziam os olhos dele?

—Bom... –Cortou o silêncio de maneira sutil. –Eu tenho vontade de fazer mil perguntas e inclusive sobre onde sua mãe compra esses tecidos perfeitos, mas acho que você deve estar ocupada comprando flores. –Riu. –Eu só passei aqui para observá-las porque são bonitas!

—Eu não estou ocupada. –Falei, quase perdendo a voz de novo. –Estava a caminho da galeria de Weiss Guertena, sabe? Eles deixaram as exposições no local devido ao sucesso dele há cinco anos atrás e às vezes gosto de ir só para olhar.

—“Aquela” galeria? –Seu olhar pareceu comicamente assustado. –Você consegue voltar lá depois de tudo que ocorreu? –Logo, retomou ao sorriso gentil. –É, creio que essa é mais uma prova de que você ainda é mais corajosa que eu.

Eu acabei rindo em resposta, recordando dos sustos icônicos de Garry.

Não me lembrava muito de sua personalidade, mas ele não parecia tão diferente de quando nós nos conhecemos. Ainda era medroso, falava como a rainha da Inglaterra, tinha fascínio por roupas e por artes. E o principal: Ainda tinha a mesma aura gentil de antes.

Eu estava bem feliz, por mais que não demonstrasse.

—Então, já que é no caminho da galeria, quer passar num café antes? –Perguntou, simpático. –Lá tem vários macarons de todas as cores e eu prometi te levar para comer um quando tudo “aquilo” acabasse. E eu posso confessar que são os MELHORES da região. –Deu uma ênfase em “melhores”.

—Seria legal. –Disse ainda com a voz quase sussurrada.

Garry sorriu com todos os dentes satisfeito, de maneira quase moleca e infantil, quando vimos as luzes piscando em um curto circuito e seus lábios desfizeram a face contente do jovem. Depois de piscar e desligar, tudo se apagou em uma só única vez, tornando tudo um breu. Eu não poderia enxergar nada, e ao ouvir barulho de coisas quebrando e arranhões nas paredes, senti meu coração pular para a boca e voltar.

Como estava tão escuro? Ainda era de dia!

—Ib... Você está aí? –A voz de Garry tremia, parecia bastante assustado.

—Estou sim. –Murmurei, quase tendo um déjà vu.

—Ótimo, fique parada, tudo bem? –Ouvi um barulho de tralhas batendo umas nas outras, até por fim, uma pequena chama se acender e iluminar o lugar pobremente.

Observei o que estava ao meu alcance, já tirando a possibilidade de estarmos ainda na floricultura. Olhei a face de Garry, ele parecia realmente tenso. Era de se imaginar, ele passou provavelmente por mais coisa que eu. Será que tinha pesadelos com aquele dia? Se eu fosse uma adulta e não tivesse visto aquilo como uma grande aventura também estaria assim.

O local era um corredor estreito com flores amarelas por todo canto, com suas raízes fortemente cravadas nas paredes que pareciam descascar, mas tirando isso, não parecia ser perigoso. Havia uma porta mais adiante, que levava para um corredor tão escuro quanto. Olhei para Garry e sorri, vendo então que havia algo em suas costas. Uma criança sorridente de olhos vermelhos e camisa verde com uma listra amarela se segurava nas costas do mesmo e levantava com uma mão uma faca manchada de sangue. Meus olhos de horror refletiram na lâmina.

Eu tentei gritar, para avisar sobre aquilo, mas minha voz não saía devido ao medo. Garry olhou confuso para mim, sem entender a situação. Ele não sentia nenhum peso em suas costas?

—Ib? O que foi? –Me perguntou.

Eu apontei para o seu ombro e Gary viu o rosto distorcido da criança e empurrou longe com um grito fino e esganiçado, rachando ao bater no chão. Nos entreolhamos, sem entender nada. Era uma boneca de cera...

Depois daquele momento de tensão, uma única luz acendeu na sala ao lado, onde tinha um jardim vazio de flores mortas e uma única flor que ainda não estava aberta encolhida entre as pétalas. Garry apagou o isqueiro e demos os primeiros passos, ainda relutantes e sem saber o que poderíamos encontrar naquele lugar inexplorado.

O local era tão apertado quanto o anterior, e só tinha um holofote que focava na flor tímida e encolhida. Eu andei na frente, ajoelhando ao lado da pobrezinha, que levantou uma pétala do rosto e aos poucos, foi se esticando como uma pessoa que acabara de se despertar.

—Bom dia, eu sou Flowey, a flor! –Disse com uma voz fina e infantil. –Humanos?

—Que fofa... –Garry murmurou, se ajoelhando ao meu lado. –E fala!

—Olá, senhora flor, poderia nos dizer onde estamos?

—Eu também não sei mais. –Piscou com uma risada, sem graça. –Tudo está tão diferente, hehe... E eu nem era para estar aqui há essa altura...

Estávamos com tanto medo, e só encontramos uma boneca de cera e uma flor falante. Poderia ser bem pior, certo? Na última vez, tinha manequins, bonecas, quadros e pinturas querendo nos matar. Pelo menos, até onde tudo mostra, não há ninguém querendo matar a gente. E o melhor de tudo era ver a face de Garry voltando a ganhar cor com o tempo.

—Ainda não sabendo ao certo como esse novo mundo funciona, eu posso dar uma mãozinha para vocês. –Disse animada, com uma das folhinhas coçando o seu “queixo”. –Vejamos...  Oh, eu posso ensinar vocês sobre LV!

—“LV”? É algo como “Level” ou essas coisas que vemos em jogos de computador? –Garry perguntou, confuso com a gíria.

—“Level”? Eu não sei o que é um “Level”, mas aqui, LV significa “LOVE”. Quanto mais EXP você consegue, maior é o seu LOVE e você consegue ter uma reputação melhor. –Flowey apontou seu caule para nós dois, que olhávamos atentos e de repente, acima de nossas cabeças surgiram corações que se assemelhavam a joias brilhantes.

—Puxa, Ib, veja! –Garry pareceu encantado ao olhar para cima. –É lindo!

—Essas são suas almas. Elas que coletam LOVE. –Flowey disse liricamente, fechando os olhos de maneira encantadora. –Eu entregarei um pouco de LOVE para vocês. Para onde irão, é o melhor que posso fazer.

Acima de Flowey, surgiu algumas sementes pequenas e brancas que voaram na nossa direção. Eu não me movi, olhando para as sementes que iam em nossa direção com um sorriso encantado. Era tão mágico! Além do mais, algo chamado LOVE não poderia ser ruim. Era bom o fato de termos achado um aliado logo ao pararmos naquele lugar.

Quando elas chegaram na minha pele, no entando, senti como se tivesse sendo cortada por navalhas e Garry pareceu sentir o mesmo, pois eu ouvi ele gemendo de dor. Olhei para cima, o coração não brilhava como antes. Ouvi Garry tentar formar alguma palavra, apontando para a flor dourada. Olhei, ainda me recuperando dos cortes e me espantei, ao ver que Flowey tinha mudado para uma expressão horrenda que lembrava uma caveira de dentes pontiagudos.

—Vocês humanos são tão idiotas! –Sua voz estava distorcida e grossa, diferente da voz gentil de antes. –Sempre acreditam que alguém teria o mínimo de solidariedade com vocês. Patético!

—O quê...? –Garry estava em estado de choque e logo olhou para mim que parecia tão perdida quanto ele.

—Oh, sim. –Sua voz voltou a ficar fina e infantil, enquanto mais sementes saíram da terra e começou a sobrevoar nossas cabeças, nos cercando. –Se estou vivo é porque alguém me trouxe de volta nessa linha temporal maluca... Talvez Chara tivesse me dado uma chance? Isso seria uma ideia maravilhosa! –Parecia fantasiar com algo que nem eu e nem Garry compreendíamos. O pior era que não havia como fugir, estávamos cercados. –Isso me fez lembrar que vocês devem morrer! –Começou a gargalhar, novamente com a voz monstruosa. –Aprendam de uma vez: NESSE MUNDO É MATAR OU MORRER!

As sementes começaram a vir com muito mais velocidade que as de antes e como o número aumentou e estávamos cercados, com toda certeza, era morte na certa. Garry abriu o casaco e me abraçou dentro dele de pressa. Eu não entendi o motivo. Será que ele achava que isso poderia me proteger? Ou ele só queria que eu não visse a maneira como eu iria morrer?

Fechei os olhos, apertando uma das mãos em sua camisa e Garry pareceu se encolher também, me abraçando mais e tremendo. Poderíamos ouvir o som da guilhotina que iria nos destruir lentamente, quase uma tortura psicológica. E então, o som parou e várias sementes caíram no chão como uma chuva cintilante e não chegaram a se aproximar.

Abri os olhos e Garry me tirou de baixo do casaco. Olhamos perplexos e sem palavras. O canteiro onde estava a flor havia sido atingido por diversas facas, não havia rastro de Flowey o que significava duas coisas: Ou está morto, ou fugiu. À frente do canteiro de flores, havia uma criança. Sua pele era bronzeada, levemente dourada e seus cabelos curtos batendo nos ombros com um destaque especial em sua franja. O corpo, rechonchudo, mostrava também que ela era bem baixa e seus olhos eram tão puxados que pareciam fechados. Parecia uma versão mais agradável do que o ser que apareceu nas costas de Garry.

—Obrigada... –Eu murmurei, andando até o garotinho. –Você que nos salvou?

Ela não respondeu nada, olhando para baixo.

Garry fez força na palma da mão para levantar e me acompanhou, sorrindo agradecido para a criança de expressão tristonha. Pelo jeito, tentava apagar a primeira impressão de alguém encolhido quase chorando abraçando uma garota que acabou de entrar na puberdade anos mais nova.

—Olá, eu sou Garry e essa é Ib. –Disse, pacientemente. –Nós estávamos há alguns minutos atrás em uma floricultura, mas viemos parar aqui. E bom, mesmo que não tenha ocorrido muita coisa, foi o suficiente para que ficássemos um pouco amedrontados. Então, há alguma saída?

—Saída? –A voz da criança se revelou, quase tímida, porém pacata. –Não há saída. Nunca ouve. A saída é uma mentira. Não tem como escapar do passado. Ele vai perseguir vocês assim como me persegue. –Atrás dele surgiu mais facas. –Eu devo salvar vocês de sofrerem o mesmo erro que eu.

As facas voaram em nossa direção sem piedade e quase enxerguei uma me acertar, porém Garry me empurrou para o lado e duas delas cravaram em seu braço esquerdo. Olhei para a sua alma, que ficava com uma luz ainda mais fraca, quase apagada. Minhas pernas tremiam, não era para aquilo estar acontecendo.

—É uma perda de tempo.  Eu estou ajudando vocês. Eu já passei por isso várias e várias vezes...–A criança disse, apertando a faca nas mãos. –Agora, morram. –Correu na nossa direção com a velocidade de um jaguar, apontando a faca para frente sem mostrar nenhuma mudança de expressão, pronto para um corte certeiro.

Fiquei parada, pensando em que poderia usar, mas só tinha um lenço. Talvez se eu balançasse o lenço branco e gritasse por piedade daria certo? É claro que não. Porém, Garry pareceu ter um plano em mente e correu em direção da criança, pronto para imobilizá-la para que pudéssemos fugir pelas escadarias à diante. O pequeno preparou para ataca-lo do estômago, mas Garry segurou a sua pequena mão e girou o seu pulso, assim, o imobilizando.

—IB! FUJA! –Garry gritou, segurando a criança com mais força, pois o mesmo insistia em sair.

Eu estava pronta para correr, mas parei no caminho, quando olhei para trás por um último instante para ver se ele já estava correndo, porém apenas vi quatro facas flutuantes prontas para acertá-lo pelas costas brutalmente de maneira traiçoeira.

—Cuidado! –Eu gritei, mas era tarde demais.

As quatro facas cravaram em suas costas de maneira tão forte que o seu corpo caiu para frente e o menino escapou, rodopiando a sua faca entre os dedos e levantando acima da cabeça, mirando em Garry. Meus pés tinham que se mover, por que eles não se moviam? Eu tinha que salvar Garry!

E então uma imagem veio na minha cabeça por uma fração de segundos, onde Mary segurava a rosa de Garry e despetalava-a. Eu estava congelada, sem poder fazer nada e assistia ele morrer lentamente. A voz dela cantava na minha cabeça “Bem me quer, mal me quer” e eu só consegui acordar daquela lembrança falsa quando vi que a criança parou de ameaçar esfaquear Garry no topo ao olhar para o lado e guardar a sua faca, correndo em direção a parede e sumindo completamente.

Agora, havia retomado o controle sobre minhas pernas, que correram em desespero ao seu encontro. Ajoelhei-me e observei as facas, que se desmaterializavam aos poucos, mas o sangue não parava de escorrer, assim como de sua boca e outros orifícios faciais. Seu rosto estava irreconhecível.

—Garry... –Meus olhos começaram a se inchar, ameaçando um choro infantil.

—Isso realmente dói... –Suspirou, me olhando com toda a seriedade possível. –Ib, vá na frente.

—Eu não vou ir na frente...  Eu não posso... –Soluçou. –Eu não posso lhe abandonar...

E ele riu, mas aquele riso bobo que só servia para me confortar numa situação de desespero como aquela. Teria quase me deixado um pouco mais aliviada, se em seguida ele não tivesse cuspido sangue. Busquei o meu lenço no bolso e limpei a sua boca em vão, pois logo ele golfou novamente.

—Me desculpe por isso... –Sua voz saiu forçada. –Mas você não vai me abandonar. –Sua voz saiu quase parada. –Eu seria um peso se você tivesse que me carregar nessa condição... –Golfou novamente, acertando alguns centímetros da minha roupa. –E também, não tenho do que me arrepender... Diferente de você que tem o mundo inteiro pela frente.

—Para de dizer isso! –Grossas lágrimas começaram a caírem. –Vamos sair daqui juntos! Eu esperei ANOS para poder vê-lo de novo, então, por favor...

—E quem disse que não vamos? –Seu sorriso agora mostrava seus dentes ensanguentados. –Eu irei logo depois de você, meu corpo só está incapaz agora. Eu vou melhorar e vamos nos reencontrar de novo, isso é uma promessa.

—Mas... –Minha voz vacilou e não consegui achar nenhum argumento.

—E...  Vamos comer macarons depois disso também! –Falou, fingindo empolgação. –Então não chore, tudo bem?

Sequei os olhos e logo funguei o nariz na saia, me levantando. Forcei um sorriso, mas dava para ver tristeza nos meus olhos avermelhados e grandes. Funguei de novo e limpei na mão, forçando para não voltar a chorar. Assenti com a cabeça e logo corri na direção oposta, subindo as escadarias, mas vacilei ao olhar para trás e ver Garry tombado para frente, mergulhado em uma poça de sangue. “Ele não está morto”. Isso se repetiu na minha mente. “Ele só está dormindo”. Apertei o lenço em minhas mãos com força e desviei meu olhar dele, voltando a correr para o fim da escadaria.

Um lado meu queria acreditar que Garry iria voltar, mas outro só pensava no pior. Ainda mais depois de vê-lo imóvel no fim da escada.

“Vamos nos reencontrar de novo, isso é uma promessa”

É verdade, ele prometeu.

Ele disse que iríamos nos ver de novo e por ele, por nós, eu vou fazer o dobro de esforço para acreditar na promessa. Sim, eu acreditarei em Garry até o fim, porque somos amigos e amigos não mentem para os outros.

Acreditar que iremos nos ver de novo outra hora, isso me encheu de determinação!


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