Amor Perdido escrita por Danilo Alex


Capítulo 1
As Trevas e as Luzes (Único)


Notas iniciais do capítulo

Olá, galera!

Escrevi essa história tendo por inspiração dois livros que gosto muito mesmo: Drácula, do irlandês Bram Stoker, que figura entre meus favoritos, e O Seminarista, do nosso genial brasileiro Bernardo Guimarães.

Espero que gostem do resultado.


Boa leitura!



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“Há trevas e luzes na vida. Você é uma das luzes, a luz de todas as luzes.”

(Drácula – Bram Stoker)

 

 

 

A mão do sacerdote tremia ao empunhar a marreta que atingiria a estaca apoiada contra o peito da morta, enterrando-a fundo no coração inativo.

O cadáver era o de uma moça muito bela, de feições plácidas, que parecia estar apenas dormindo em seu esquife, com ambas as mãos delicadas cruzadas sobre o peito.

Era morena clara, tinha rosto oval, cabelos longos, castanhos e anelados, sobrancelhas grossas e lábios carnudos. Estranhamente, a palidez da morte contrastava com seus traços harmoniosos e infantis, proporcionando-lhe um ar quase angelical.

Uma onda de emoções conflitantes assombrava o jovem padre, arrastando-o rumo ao desespero crescente. O dever sagrado o empurrava em direção a uma das decisões mais difíceis de sua vida.

Checara tudo antes: percebeu que os caninos estavam mais agudos e protuberantes. Não havia rigor mortis ou qualquer sinal de putrefação. A jovem estava mais fresca e exuberante do que nunca, vicejante como a relva depois da chuva. Não havia dúvidas de que a garota se alimentara de algum inocente naquela noite.

Aquilo precisava ter um fim.

Se fosse uma desconhecida ou uma anônima, talvez sua tarefa se mostrasse menos árdua. Mas a jovem no caixão ele conhecia muito bem, desde os tempos de infância.

Aos seus olhos de padre, ela era agora apenas uma vampira. Uma Não Morta. Uma perfeita máquina de matar, criada pelo Diabo à sua semelhança para zombar de Deus. Mas para Heitor, o homem que vestia a batina, aquela era sua doce e adorada Eulália, a namorada da adolescência, seu primeiro amor. Um amor que ele precisou abandonar para ingressar no seminário tempos antes.

Uma passagem encontrada no segundo capítulo do livro bíblico de Apocalipse reverberava em sua mente, crivando seu coração com a dor de pregos enferrujados: “E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste. Tenho, porém, contra ti, que deixaste teu primeiro amor”.

Lembrou-se de Eulália no primeiro banco da igreja, perto do altar, inconsolável e aos prantos, participando da primeira missa que ele celebrou assim que foi ordenado sacerdote. O bispo o designara para ser vigário na paróquia onde ele crescera e amadurecera na fé, e onde também conhecera Eulália quando eram ainda crianças.

O jovem padre Heitor tivera de renunciar ao amor em nome de um bem maior: sua vocação. Precisou aprender a sufocar um sentimento que, apesar de tão bonito, tornara-se agora proibido.

Dona Beatriz, avó de Heitor, era uma mulher forte, guerreira e muito devota. E ela parecia adivinhar quando Heitor tinha suas crises de fé, tornando-se hesitante a respeito de fazer os votos sagrados e selar seu destino para sempre. Sentando ao lado do jovem, a quem amava e de quem se orgulhava pelo caminho que seguia, ela dizia com ar grave:

— Eulália é uma boa moça. E você é um excelente rapaz. Mas nessa vida, nem sempre nossos caminhos serão aqueles que queremos tomar, meu filho. Você foi chamado ao sacerdócio, Heitor. Quando ainda estava sendo formado no ventre da sua mãe, o Senhor já tinha escolhido você como profeta das nações. Você é um dos ungidos Dele. Se Eulália, mesmo que involuntariamente, for motivo para que você se desvie de sua santa trajetória, a ira celestial poderá recair sobre ela, meu filho. E a mão de Deus também pesará sobre ti. Lembra do que aconteceu a Jonas quando recusou a ordem dada pelo Senhor de ir pregar aos Ninivitas e fugiu? Ficou por três dias e três noites na barriga de uma baleia, até se arrepender e aceitar fazer o que lhe foi mandado. Eulália deve se casar. E você deve ser padre. Foi para isso que vieram ao mundo. Sei que se amam, mas devem limitar-se agora a rezar um pelo outro. Conhece alguma forma mais poderosa de se amar uma pessoa do que orando por ela? Eu não. — concluía a velha mulher com um sorriso brando enquanto pousava a mão enrugada encorajadoramente no ombro do jovem Heitor, que acabava mantendo uma distância sensata de Eulália e voltava a focar em sua vida religiosa.

Entretanto, preocupou-se sobremaneira na noite em que ela, voltando da faculdade de veterinária, fora atacada por um maluco. Felizmente nada de muito grave ocorrera, salvo que o agressor a mordera no pescoço. Quando o plantonista a medicou, determinando que a jovem permanecesse em observação até o dia seguinte, padre Heitor esteve durante todo o tempo ao seu lado, zelando pela amada em seu leito.

“Há trevas e luzes na vida. Você é uma das luzes, a luz de todas as luzes.”— dissera o rapaz citando Drácula, o livro favorito de ambos na juventude. Mencionara a frase do livro olhando enternecidamente o rosto da moça profundamente adormecida. Em seguida, inclinou-se para depositar em sua testa febril um beijo respeitoso e sentou-se ao seu lado, rezando em silêncio durante horas, até o momento em que o médico apareceu para ver e finalmente dar alta para a paciente.

Depois disso, Eulália não foi mais a mesma. Dormia mal, aparecia com olheiras, reclamava constantemente de cansaço e fraqueza extremos. Procurou Heitor na paróquia diversas vezes, alegando ter pesadelos recorrentes e pavorosos, onde um homem de terríveis olhos abrasadores a visitava em seu quarto quase todas as noites. Cada vez que tinha esse sonho, ela amanhecia pior. Padre Heitor rezava com ela e por ela, embora achasse que tudo aquilo fosse apenas sobrecarga de tensão emocional pelo ocorrido. Era um bom padre, mas, na época, faltava-lhe experiência sobre estes assuntos obscuros.

Eulália piorou e os médicos, confusos, nunca descobriram a causa. Acreditavam ser um quadro grave e inédito de anemia o qual não puderam reverter.

E assim, inevitável e precocemente ela partiu.

Baqueado pela morte da jovem, padre Heitor compareceu ao velório para ajudar o pároco, padre Ezequiel, que ia ministrar as exéquias, ou seja, os ritos e as orações próprias para recomendar o morto a Deus.

Reverendo Ezequiel era um velho e sábio sacerdote o qual já vira muita coisa nesse mundo. Coisas de deixar qualquer um de cabelo em pé. Notara a marca de mordida no pescoço da menina e desconfiara a causa da morte. Depois do velório, fez uma pesquisa detalhada a respeito do ocorrido com a garota, procurando saber a forma, o horário e local onde fora atacada. Infelizmente teve suas suspeitas confirmadas.

Convocando padre Heitor para uma reunião urgente em particular, mostrou-lhe livros antigos e explicou-lhe todo o procedimento. Afirmou que Heitor era quem devia fazer, porque ele amava a moça.

Agora ele estava ali pouco antes do amanhecer. Invadira o cemitério e arrombara o mausoléu. Fizera as orações apropriadas. Tentava criar coragem. Precisava fazer aquilo, ou Eulália não teria descanso. Para que ela se salvasse, ele teria de cruzar o Inferno. Lágrimas escorriam por seu rosto jovem e meticulosamente barbeado.

Levantando os olhos, desabafou de modo suplicante:

— Foi para isso que me chamou a ser padre? Ajude-me, por favor! Afasta de mim esse cálice, se for da Vossa vontade...

Não houve resposta. Como já bem disseram, o professor fica sem silêncio quando o aluno está sendo submetido a uma prova.

Conformado, embora trêmulo, Heitor persignou-se.

Então, inclinando-se, beijou de leve os lábios frios da morta, balbuciando:

— Eu te amo, Eulália.

E com a marreta golpeou a estaca vigorosamente, perfurando o coração da vampira com um só movimento.

Dois gritos assustadores ecoaram na tumba: o da alma que era liberta da maldição, e o outro, da alma que ficava nesse mundo, dilacerada por todo o sempre.

 

(Danilo Alex da Silva


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Notas finais do capítulo

E aí, pessoal!


Se você gostou, por favor, deixa um review se possível. Este projeto de escritor desde já agradece.


Vejo vocês na próxima história!!!


Forte abraço!!!