O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 19
Capítulo 19




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Por Henutmire

As ruas estão desertas, o silêncio chega a ser assustador. Ou serão as batidas descompassadas de meu coração que me fazem temer o menor ruído que ouço? Me sinto como uma criminosa burlando a lei de meu senhor, mas ao mesmo tempo sei que estou fazendo o que é certo. Meu coração pediu para que eu viesse até Moisés e jamais ousaria desobedecê-lo. Preciso ser corajosa para denfender o que penso e agir como quero. Não posso me mostrar frágil e manipulável diante de uma situação como a de agora.

Leila e eu caminhamos cuidadosa e discretamente pelas ruas da vila. Não posso deixar de observar as casas simples e sem luxo, mas que parecem emanar uma alegria que nem de longe se vê no palácio. É como uma sensação de paz, de estar em paz, mesmo em meio a escravidão e castigos impiedosos do faraó. Acho que, se tivesse uma oportunidade, gostaria de viver aqui ao menos por um dia, ainda mais agora com o retorno de Anat.
É então que surge diante de nós uma figura suja e maltrapilha, detendo nossos passos e fazendo com eu me assuste. Eu a reconheço e não sei o que é maior: o medo do que ela pode me fazer ou a vontade que tenho de tirá-la do meu caminho imediatamente.

—Yunet? — Indago, incrédula.

—Sim, sou eu. Um pouco maltratada, admito. — Ela responde. — Sei que não estou em condições de me dirigir a princesa, mas somos grandes amigas, não é mesmo?

Um dos servos que me acompanha avança para o lado de Yunet, certamente para me defender. Eu o detenho e somente com um aceno de minha cabeça demonstro que não é necessário. Ele recua e eu tento entender a capacidade que Yunet tem de ser cínica e de agir como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Bom, talvez seja para ela.

—Saia do meu caminho! — Ordeno.

—O que a princesa veio fazer aqui, neste lugarzinho imundo? — Ela pergunta.

—Isso não lhe diz respeito. — Falo, nervosa.

—Ah, claro! Deve ter vindo visitar o seu filhinho. — Yunet fala, com certo deboche. — Eu soube do retorno de Moisés. A senhora deve estar muito feliz, não é mesmo?

—Basta! Eu não vou continuar ouvindo suas ironias. — Exclamo. — Saia da minha frente, ou eu passo por cima de você!

—Entendo que guarde ressentimento, mas sempre tive muito apreço pela senhora. — Ela mente com tanta naturalidade que me tira do sério.

—Vamos, Leila. — Falo, decidida a não continuar ouvindo a voz dessa mulher. Meus passos são apressados, na tentativa de me afastar de Yunet o mais rápido possível. Apenas o seu olhar sobre mim é capaz de me fazer mal.

(...)

—Princesa? — Miriã me olha incrédula ao abrir a porta de sua casa.

—Eu mesma, Miriã. — Falo com um sorriso. — Será que posso entrar?

—Cla-claro, entre. — Ela gagueja, demonstrando seu nervosismo ao me ver. Então, eu entro na casa simples e humilde, atraindo todos os olhares para mim.

—Mãe? — Moisés indaga ao me ver e eu de imediato vou até ele e o abraço. — O que está fazendo aqui?

—Eu precisava te ver, meu filho.

—Mas, não é perigoso a senhora sair do palácio? — Ele pergunta. — Ramsés sabe que está aqui?

—Não, e nem quero imaginar a reação dele se souber. — Falo, deixando Moisés preocupado. Então, levo uma de minhas mãos até seu rosto. — Eu precisava correr o risco, filho. Não sabe como fiquei aflita quando soube que estava trabalhando como escravo.

—Não só ele, mas todos nós, os hebreus. — Miriã fala com certo ressentimento na voz. — Estamos trabalhando além de nossas forças para cumprir a cota impossível que seu irmão nos impôs.

—Eu sinto muito por isso. — Falo um pouco desconcertada pelo modo como Miriã me olha. — Eu trouxe bastante comida, espero que possa ajudar de alguma maneira.

—Claro que ajuda, e muito. — Joquebede fala, enquanto Leila orienta os servos a entregarem os cestos com os alimentos a família de Moisés.

—Vó, ela é a princesa que me salvou do castigo do rei? — Mesmo baixo, ouço o rapaz que está ao lado de Joquebede perguntar sobre mim.

—Sim, Oseias. — Ela responde. — É a princesa Henutmire.

—Você é o filho de Arão, não é? — Pergunto ao olhar para Oseias.

—Sim, senhora. — Ele sorri. — É um prazer conhecê-la e poder agradecer pessoalmente pelo que fez por mim.

—Imagina, não precisa agradecer. — Sorrio.

(...)

—A senhora viu Yunet? — Moisés parece não acreditar no que acabo de dizer. Agora estamos somente eu, ele e Joquebede na casa.

—Quando estava vindo para cá. Nem sei como consegui chegar até aqui. — Sinto um arrepio tomar conta de meu corpo ao lembrar do olhar de Yunet sobre mim. — Ela está em um estado deplorável, mas isso não diminuiu o ódio que sente por mim.

—Depois do que a senhora me contou sobre ela, me convenci de que é uma mulher perigosa. — Moisés segura minha mão. — A senhora precisa tomar cuidado, minha mãe.

—Não se preocupe, Moisés. Embora eu saiba que a crueldade daquela mulher não tem limites, Yunet não pode fazer nada contra mim. Ela foi expulsa do palácio e jamais poderá voltar. — Falo. — Ao contrário de Anat, que está no palácio e pelo visto não desistiu de me fazer mal.

—Anat? — Meu filho indaga. — Creio que não a conheço.

—Ela é sobrinha de Paser e no passado quase arruinou meu casamento com Hur. É uma mulher ardilosa, tal como a tia. — Falo, mais uma vez comparando Anat a Yunet. — Mas, eu não vim aqui para falar sobre isso. Eu vim para ver você, saber como está.

—Como pode ver, eu estou muito bem. — Ele fala sorrindo. — Estava mesmo preocupado com a senhora e minhas irmãs.

—Estamos bem, o que já não posso dizer de Ramsés. — Falo. — Meu irmão está irritadíssimo com está acontecendo. Acredito que esteja dando essa punição cruel para voltar os hebreus contra você.

—Eu já imaginava. Dois chefes de escravos foram açoitados hoje, por ordens de Ramsés.

—Você o conhece, Moisés. Sabe como Ramsés pode ser violento quando contrariado. — Falo, seriamente. — Eu tenho tanto medo desse confronto.

—A senhora precisa se preparar, minha mãe. — Moisés fala, conseguindo me assustar. — Porque as coisas só devem piorar daqui para a frente se Ramsés não acatar as ordens de Deus. — Cada vez que Moisés fala de seu deus com tanta segurança, com tanta confiança, me deixa ainda mais confusa. — Ele falou comigo, mãe. Foi Deus quem me deu esta missão.

—Meu filho, você realmente é o escolhido do deus dos hebreus? — Pergunto e ele apenas afirma com um movimento de sua cabeça. — Mas, como isso é possível?

—Deus preparou o nosso filho para ser o libertador do povo hebreu desde o início, princesa. Ele protegeu Moisés, ainda bebê, de ser morto pelo decreto de seu pai e depois o levou até a senhora, que o criou e amou como seu filho. — Joquebede fala. — Tudo o que aconteceu em nossas vidas já era plano Deus. Ele conduziu cada passo de Moisés para que nosso filho chegasse até aqui e cumprisse sua missão.

—Eu não entendo. — Falo, confusa. — Hoje eu vi e presenciei o que o seu deus é capaz de fazer, mas não compreendo como ele pode ser tão poderoso como falam.

—Veja pela senhora mesma. Durante anos foi envenenada por Yunet e já não tinha mais esperança alguma de gerar um filho. Mas, Deus fez o seu ventre frutificar e gerar duas vidas.

—Está atribuindo o milagre do nascimento de minhas filhas ao deus dos hebreus? — Pergunto, incrédula.

—E por que não? A senhora mesma me disse que julgava tal coisa impossível. — Moisés fala e eu acabo por lhe dar razão. — Hadany e Tany são provas vivas do poder de Deus, minha mãe.

—Isso tudo é muito confuso para mim. — Desvio meu olhar para o vazio, mas logo trago-o de volta para Moisés. — O que pode acontecer se meu irmão não ceder a vontade do seu deus?

—Deus irá ferir a terra do Egito. — Meu filho responde. — Se Ramsés insistir em não deixar o povo ir, os egípcios pagarão caro por sua teimosia.

—Quer dizer que o meu povo pagará pelo sofrimento que tem causado aos hebreus? — Pergunto, tentando compreender mais sobre esse deus invisível, que pelo visto resolveu duelar com Ramsés e está usando Moisés para isso.

—O destino do Egito está nas mãos de seu rei. Se Ramsés nos deixar partir, nada acontecerá ao povo egípcio. — Moisés fala. — Mas, se ele não ceder, Deus usará de seu poder para nos tirar daqui.

—Ficaram todos tão contentes com os alimentos que trouxemos, princesa. Bezalel lhe mandou lembran... — Leila entra alegre na casa de Joquebede, mas logo percebe o clima tenso no ambiente. — Está tudo bem?

—Sim, Leila. É apenas a emoção de estar novamente com meu filho. — Respondo e me levanto. — É melhor irmos embora antes que dêem por minha falta no palácio.

—Leve um abraço meu para minhas irmãs e para Hur. Espero revê-los em breve. — Moisés se aproxima de mim e segura minhas mãos. — Tenho certeza que Deus irá protegê-los no palácio para que nada de grave lhes aconteça.

—Tome cuidado, meu filho. — Falo ao abraçar Moisés com todas as forças que uma mãe pode ter para proteger um filho. E, ao me separar dele, me aproximo de Joquebede. — A senhora tem a minha eterna gratidão por não ter guardado rancor do sofrimento que lhe causei.

—Jamais faria isso, princesa. — Ela segura em minhas mãos. — A senhora estava apenas protegendo Moisés, do modo que achava correto. Eu lhe agradeço muito por tudo que fez por ele.

—Eu quem devo agradecer por me receber em sua casa e por dividir seu filho comigo. — Falo e ela sorri.

—Nosso filho. — Joquebede acrescenta, conseguindo me emocionar, o que me leva a crer que estou muito emotiva.

(...)

—Ainda me lembro do dia que você fez um escândalo para não cortar os cabelos. — Falo rindo, enquanto penteio os belos e longos cabelos de Hadany. — Você era só uma criança, mas sabia muito bem o que queria.

—Sei que é de nossa cultura que as mulheres tenham os cabelos cortados, mas essa ideia nunca me agradou muito. — Ela fala. — Talvez esta seja a única característica do povo de meu pai que eu tenho. As mulheres hebreias têm os cabelos longos e eu, mesmo tendo nascido princesa egípcia e criada no palácio segundo as tradições egípcias, jamais abri mão de meus cabelos naturais.

—E você fica ainda mais linda usando-os. — Elogio, enquanto prendo os delicados fios de cabelo de minha filha. — É uma pena que tenham que ficar escondidos debaixo da peruca.

—É melhor assim. Imagine se minha tia descobre? — Hadany considera. — Ela mandaria cortar meus cabelos, nem que para isso tivesse que me amarrar.

—Você fala como se Nefertari fosse um monstro. — Falo rindo. — Mas, não posso negar que coragem para isso ela tem.

—Por isso, é melhor que fiquem bem escondidos. — Ela fala ao colocar a peruca adornada sobre sua cabeça. — E como foi ontem com Moisés? Eu tentei esperá-la acordada, mas o sono me venceu.

—Correu tudo bem, os alimentos que Leila e eu levamos ajudaram bastante. — Respondo. — Seu irmão está bem e confiante em seu deus, o que não me deixa nada tranquila.

—Acha que uma guerra pode começar? — Minha filha pergunta com ares de preocupação.

—Acredito que o confronto não será de armas, mas sim de crenças. — Falo. — O deus dos hebreus está desafiando Ramsés e esta sim será a verdadeira guerra.

—Não custava nada meu tio liberar os escravos para prestarem culto a sua divindade no deserto. — Hadany fala. — Seja o que for que estiver para acontecer, será por culpa da teimosia do rei.

—Não vamos falar sobre isso ou eu ficarei ainda mais apreensiva. — Peço. É então que, após alguns segundos de silêncio, a expressão do rosto de minha filha se torna pensativa, como nunca antes eu vi.

—Mãe, como a senhora soube que estava apaixonada por meu pai? — A pergunta de Hadany me surpreende.

—O quê?

—É uma pergunta bem simples. — Ela fala. — Pode me responder?

—Acho que eu nunca soube, ou talvez não tenha visto os sentimentos que seu pai tinha por mim da forma como eles realmente eram. — Falo. — Ele era para mim um grande amigo, até que nos beijamos pela primeira vez e eu soube que ele me amava.

—E o que a senhora sentiu? — A curiosidade de Hadany agora desperta a minha.

—No início eu fiquei muito confusa, mas um sentimento tão grande tomou conta de mim que eu não pude resistir. Foi então que eu soube que era amor. No segundo beijo, eu entreguei a ele meu coração e por isso estamos juntos até hoje. — Falo, com um enorme sorriso. — Mas, por que está me fazendo essas perguntas?

—Por nada. — Hadany fica tímida, como se escondesse algo.

—Filha, você está apaixonada, é isso? — Olho em seus olhos.

—Não! — Ela nega com firmeza. — Quer dizer, eu não sei. Eu nunca estive apaixonada antes, então como vou saber se estou ou não?

—É confuso mesmo, meu amor. Mas, se você buscar dentro de seu coração vai encontrar a resposta que procura, basta ouvir o que ele tem a lhe dizer. — Falo e ela sorri. — Mas, me diga, quem é o sortudo?

—Assim que eu estiver certa do que estou sentindo, prometo que a senhora será a primeira a saber.

—É bom mesmo. — Falo rindo.

Somos interrompidas pelos passos rápidos de Mayra ao entrar nos aposentos de minha filha. Seus olhinhos estão tomados por lágrimas que não cessam e rolam por seu rosto inocente de criança. Ela se joga em meus braços, soluçando por causa do choro, e eu a abraço fortemente, na tentativa de que esse gesto de carinho acalme-a.

—O que houve, Mayra? — Hadany pergunta assim que a menina consegue se recompor e nos olhar. — Por que está chorando?

—Minha mãe... — Ela não consegue completar o que diz, pois o choro toma-a novamente.

—Se acalme, Mayra. — Peço, limpando suas lágrimas. Ela respira fundo e aos poucos se acalma. — O que tem a sua mãe? Aconteceu algo com ela?

—Não. — Minha sobrinha responde. — Minha mãe disse que eu vou para o Alto Egito, me tornar sacerdotisa.

—O quê? Ela não pode fazer isso! — Hadany mostra sua indignação.

—Por favor, tia, não deixe isso acontecer! — Mayra suplica e eu sinto meu coração se partir ao meio de pena de minha sobrinha. — Eu não quero ficar longe da senhora, de minhas primas...

—Não se preocupe, minha menina. — Abraço Mayra e Hadany faz o mesmo. — Você não vai a lugar algum enquanto eu estiver aqui, eu prometo.

—Mãe! — É então que Tany entra afoita no quarto, aparentemente nervosa. Sua respiração irregular indica que certamente veio correndo de algum lugar e por um motivo sério. — Ela já sabe!

—Quem sabe do quê? — Hadany pergunta.

—Tia Nefertari. — Tany responde e olha para mim. — Ela sabe que a senhora foi até a vila ontem a noite.

—Mas, como? — Falo, incrédula.

—Como eu não sei, mas ela sabe e com certeza vai contar tudo a meu tio. — Tany fala. — A senhora precisa se preparar.

—Pelos deuses! — Exclamo. — Leila e eu tomamos todo o cuidado para sermos discretas, ninguém nos viu sair ou entrar no palácio.

—Ikeni não as ajudou a sair do palácio? — Hadany fala. — Talvez ele tenha dito algo a Karoma.

—Mesmo assim, nenhum dos dois teria aberto a boca para me delatar, sabendo que Ramsés poderia ficar furioso se soubesse. — Falo. Então me lembro de Yunet e do infeliz encontro que tivemos na vila dos hebreus. Se Nefertari está sabendo de minha saída, certamente é obra dessa mulher.

—Então você está aqui? — Nefertari fala ao entrar nos aposentos com toda sua superioridade. — Precisamos conversar, a sós.

Hadany e Tany me olham apreensivas, assim como Mayra, que mesmo não entendendo bem o que está acontecendo se preocupa por mim. Eu lanço um olhar para minhas filhas, dizendo que podem sair dos aposentos sem medo algum. Se terei que enfrentar Nefertari, é isso que farei. As três princesas se retiram e então eu sinto o olhar acusador da rainha sobre mim.

—Estou ouvindo. — Falo para minha cunhada.

—Eu soube que você foi até a vila dos escravos ontem a noite. — Ela fala. — E, por favor, não tente negar porque eu sei que é verdade.

—E como pode ter tanta certeza dessa informação? — Pergunto. — Gostaria muito de saber quem foi o responsável por tal coisa chegar aos ouvidos da rainha.

—Isso não importa agora! — Nefertari altera a voz, mas não me provoca medo. — O que importa é que você saiu do palácio sem a permissão de seu soberano e ainda por cima levou alimentos de nossa despensa para aqueles hebreus imundos.

—Ramsés não é meu soberano, é meu irmão! — Falo com firmeza. — Ele pode mandar em todo o Egito, mas não vai mandar no meu coração e no que eu faço ou deixo de fazer.

—A sua atitude pode ser interpretada como traição, Henutmire. — Ela me encara.

—Moisés é meu filho e eu jamais o abandonaria! — Exclamo. — Se isso é traição, me orgulho muito de ser uma traidora.

—Não seja tola, Henutmire! Moisés não é mais príncipe, não é mais o seu filho. — Ela fala nervosa. — Ele é um hebreu que voltou para afrontar o Egito, para afrontar Ramsés. E se você está cega o suficiente para não enxergar isso, é melhor se preparar para as consequências.

—Basta! — Ordeno. — Eu não vou permitir que fale assim comigo.

—Eu sou a rainha! — Nefertari rebate. — Eu falo como eu quiser!

—Você é um ser humano sem coração e sem o mínimo de consideração pela sua própria filha. — Altero o tom de minha voz. — Mayra chegou aqui aos prantos, dizendo que você vai mandá-la para o Alto Egito para exercer o sacerdócio.

—E poderia haver futuro melhor para ela? — Minha cunhada questiona. — O sacerdócio é uma grande honra, ainda mais para ela que é filha do rei do Egito.

—Mayra é apenas uma criança, Nefertari. — Argumento. — Você não pode afastá-la da família somente porque esta é a sua vontade.

—Mayra é minha filha e da educação dela cuido eu.

—Não, você não cuida da educação dela e menos ainda cuida dela. Você a abandonou quando ela tinha apenas quatro anos, deixou de lado a sua própria filha para se centralizar únicamente em Amenhotep. — Deixo minha cunhada sem argumentos, pois ela sabe que falo a verdade. — Mayra não vai sair do palácio, a menos que essa seja a sua vontade.

—Quem você pensa que é para me dar ordens? — Ela me olha furiosa.

—Sou aquela que cuidou de sua filha como se fosse minha e que deu a ela o amor que você lhe negou. — Respondo, olhando-a seriamente. — Agora, saia daqui e vá correndo contar a Ramsés que fui até a vila. Eu sei que é isso que vai fazer.

Por Hur

O clima no palácio está péssimo. Todos estão tensos e apreensivos pelo confronto que vemos nascer entre Ramsés e Moisés. Quando Henutmire me contou que seu filho é o escolhido para ser o libertador, eu me recordei vagamente das história que meu falecido pai me contava sobre a promessa de Deus de fazer dos hebreus livres e nos levar de volta para terra prometida ao povo de Israel. Será mesmo que Deus vai cumprir sua promessa agora? Porque se olharmos para as atuais circunstâncias, Ramsés jamais vai permitir que a libertação dos escravos se torne realidade.

—Com licença. — Ouço a voz de Anat e logo me deparo com a sacerdotisa dentro da oficina. — Está sozinho?

—Está vendo alguém mais aqui? — Falo ríspidamente.

—Pelo visto você não mudou nada, não é mesmo?

—E você por acaso mudou? — Olho firmemente para ela. — Porque quando olho para você ainda vejo aquela mulher fútil e sem escrúpulos que quase destruiu o meu casamento.

—Por Ísis! Quanto ressentimento, Hur. Você mesmo disse que eu quase destruí o seu casamento, mas não foi o que aconteceu. — Anat fala, olhando para mim. — Você continua feliz ao lado de sua princesa e de suas filhas. A única a sair perdendo nessa história fui eu.

—Realmente foi uma perda de tempo da parte de Henutmire te deixar viva.

—Sabemos bem que ela fez isso somente para preservar a sua vida, meu querido. — Anat ri. — E já que preservar a sua vida significava manter a minha, aqui estou.

—Para quê voltou, afinal? — Pergunto. — Por favor, seja sincera porque eu sei que não há boas intenções nessa sua visita depois de anos sem dar uma notícia sequer.

—Nunca sentiu saudade das pessoas que ama, Hur? — Ela me lança um olhar malicioso.

—Você não é capaz de amar ninguém, Anat. — Falo. — Não é capaz de amar nem a si mesma.

—Amor é uma estupidez que as pesssoa inventam para justificar a sua incapacidade de viverem sozinhas e serem autossuficientes. — Anat argumenta. — Eu não preciso de amor, Hur. Eu preciso de vingança.

—O que pretende fazer? — Agarro o braço de Anat com força.

—Eu vou retribuir o que sua esposa gentilmente me ofereceu no passado. — Ela altera a voz. — Me solte, Hur! Está me machucando.

—Se você encostar um dedo em Henutmire ou em minhas filhas, eu te mato. — Ameaço. — Entendeu bem?

—ME SOLTE! — Anat ordena, mas eu não solto seu braço.

—O que está acontecendo aqui? — Tany nos surpreende com sua presença. Seu olhar se torna bravio e recai sobre Anat. — Saia daqui agora mesmo, sacerdotisa.

—Não me interprete mal, princesa. — Anat fala, cínica. — Apenas vim fazer uma visita a seu pai, visto que éramos bons amigos no passado e não tivemos tempo de conversar ontem.

—Ora, por favor! Não tente parecer inocente que isto não lhe cai bem. — Tany fala e eu me impressiono com a forma de minha filha tratar Anat. Ela jamais se dirigiu assim a alguém antes. — Agora, vá embora antes que o seu cinismo me tire do sério.

—Perdão, mas eu notei que a princesa é hostil comigo desde a minha chegada. — Anat fala. Acho que teria sido melhor para ela ter acatado as ordens de Tany. — Acaso fiz algo que a desagradou?

—Você não deveria estar aqui. — Minha filha responde. — Somente a sua presença me irrita, Anat.

—E por que, se é que posso saber? — A sacerdotisa pergunta sutilmentente. Então, o único que vejo é a mão de Tany golpear com força o rosto de Anat.

—Descarada! Cínica! Eu sei muito bem o que você fez no passado! — Tany esbraveja e eu seguro minha filha para que ela não bata novamente em Anat. — Você não vale nada, Anat! Nada!

—Então é isso! A princesinha sabe da verdade e me odeia também. — Anat provoca Tany. — E o que vai fazer? Ameaçar me matar? Saiba que vai ter que entrar na fila.

—Matar você seria misericordioso! — Tany fala com toda a sua fúria. — Saia daqui imediatamente ou nem mesmo o meu pai será capaz de me segurar.

—Como quiser, alteza. — Anat faz uma reverência plena de ironia e se retira com seu rosto avermelhado pelo tapa desferido por minha filha.

—Já pode me soltar, pai. — Tany fala e então eu me dou conta de que ainda a seguro entre meus braços.

—Confesso que estou impressionado. — Falo ao soltá-la. — Nunca te vi agir assim antes.

—Vai ser assim para pior enquanto essa mulher estiver no palácio. — Tany decreta.

Por Hadany

Posso ouvir o som da lâmina de minha espada cortar o ar a cada movimento que faço. Sei bem que estou proibida de pegar em armas desde o ocorrido com Amenhotep, mas com tudo o que vem acontecendo preciso de algo que me distraia, que tire o meu foco de tantos problemas. Aproveito-me de que não há ninguém no campo de treinamento do palácio e treino vários golpes para aperfeiçoar minhas habilidades. É então que sinto a presença de alguém perto de mim, o que me assusta. De imediato me viro, usando a espada para me defender de quem quer que seja. Mas, ao ver que se trata de Alon, detenho a lâmina afiada da espada bem próxima ao seu pescoço.

—Faça isso outra vez e eu separo sua cabeça de seu corpo. — Falo, mas ele não parece se assustar com minhas palavras.

—A princesa sabe manejar uma espada.

—Melhor do que você pensa. — Abaixo a espada. — Estava me espionando?

—Eu estava passando por aqui e a vi, apenas isso. — Alon responde e sorri. — Foi uma afortunada coincidência.

—Por que diz isso? — Pergunto. Sua forma de sorrir para mim começa a me incomodar.

—Porque eu queria muito vê-la outra vez, mas não tinha um motivo convincente para me aproximar da princesa. — Ele me olha com muita atenção.— Vossa alteza não sai de meus pensamentos desde que cheguei ao palácio. Eu poderia dizer que estou me apaixonando pela sobrinha do rei.

—Isso é um absurdo! — Falo, incrédula de que o que este rapaz diz é verdade. — Você mal me conhece.

—Acredita em amor a primeira vista? — Alon pergunta.

—Não. — Respondo. — E mesmo que acreditasse, jamais poderia correspondê-lo.

—Então, seu coração pertence a outro? — Ele pergunta novamente.

—Isso não é de sua conta. — Falo, ríspida. — Retire-se, por favor.

—Pelo visto a princesa não tem grande simpatia por mim. — Alon afirma. — Há uma razão para isso?

—Você é guardião da sacerdotisa de Seth que está no palácio. — Falo, olhando-o seriamente. — Eu quero distância de tudo que tem a ver com Anat e isso inclui você.

—Então, minha senhora também não lhe agrada? — Ele indaga, pensativo. — Devo considerar que poucas coisas a agradam, princesa Hadany.

O modo como Alon fala me tira do sério. Como ele é insolente! Se diz apaixonado por mim, que acabou de conhecer, e ao mesmo tempo me provoca. Eu levo minha espada em direção a ele, atacando-o. Mas, Alon de imediato se defende, usando a espada que trazia pendurada em sua cintura.

—Me agrada o silêncio de pessoas tolas, portanto seria melhor se calar. — Falo, olhando-o por entre as lâminas que se chocaram uma contra a outra.

—Por favor, alteza. Eu me recuso a cruzar espadas com uma garota.

—Não estou lhe dando escolha. — Eu o ataco novamente.

Um embate entre mim e Alon é iniciado. O sorriso estampado em seus lábios me deixa cada vez mais nervosa. Ouço o som das lâminas se encontrarem a cada novo golpe que uso contra ele, que se defende de todos. Se minha mãe me visse agora, eu certamente seria colocada de castigo para o resto de minha vida.

—A princesa é tão bela quanto habilidosa. — Alon fala ao conseguir me prender entre seus braços.

—Pode se surpreender ainda mais. — Falo furiosa e piso com força no pé esquerdo de Alon e logo me vejo livre de seus braços.

—Eu não deveria fazer isso, mas vossa alteza pediu. — Ele fala rindo, antes de me atacar novamente. Todavia, eu sou mais rápida do que ele e me antecipo ao seu golpe, conseguindo tirar a espada de sua mão e jogando-a no chão.

—Renda-se! — Ordeno, apontando-lhe a minha espada. Alon coloca suas mãos para alto como sinal de rendição e eu não posso evitar sorrir diante de tal coisa.

—Eu sei reconhecer quando sou derrotado. — Ele fala e novamente sorri para mim. — A princesa é mais valente do que eu pensava, além de talentosa com a espada. Isso só aumenta a admiração que tenho por vossa alteza.

—Não se aproxime. — Falo ao ver que ele dava um passo a frente em minha direção.

—Irei provar para a princesa que meu sentimento é sincero e que meu único desejo é conquistar seu coração.

—Eu não quero que me prove nada, pois não estou lhe pedindo prova alguma. — Altero o tom de minha voz. — Fique longe de mim ou serei obrigada a dizer ao rei que você está me cortejando.

—Eu me declaria culpado com muito prazer. — Alon ri, o que me deixa completamente irritada. Então, dou-lhe as costas e saio do campo de treinamento sem olhar para trás.

Por Henutmire

—Princesa Henutmire? — Ouço Jahi chamar por mim no corredor e eu me viro em direção a sua voz, encontrando-o em companhia de Radina. — Eu vim me despedir.

—Já estão de partida? — Pergunto.

—Radina ficará no palácio, a grande esposa real a convidou para ser sua dama. — Jahi sorri. — Eu volto sozinho para a Núbia, apenas peço que cuidem bem de minha irmã.

—Não se preocupe, Jahi, cuidaremos muito bem de Radina. — Sorrio. — Faça boa viagem.

—Obrigado, alteza. Eu espero que esse confronto entre Ramsés e Moisés logo chegue ao fim e a senhora volte a ter paz em seu coração.

—É o que mais desejo, príncipe. — Falo.

—Princesa. — Um oficial surge chamando por mim. — O soberano a aguarda na sala do trono.

(...)

—Estou aqui. — Falo, sentindo o olhar frio de meu irmão sobre mim.

—Eu soube que você foi a vila dos hebreus ontem a noite, e sinceramente fiquei surpreso ao me dar conta de que minha própria irmã me traiu dessa forma. — Ramsés fala. — É verdade, Henutmire?

—Sim, eu fui a vila. — Respondo e baixo meu olhar, mas logo dirijo-o novamente até Ramsés. — Mas, em momento algum eu traí você, meu irmão. Moisés é meu filho e eu não poderia abandoná-lo.

—Você saiu do palácio sem a minha permissão! — Ramsés esbraveja, enquanto desce os degraus do trono vindo até mim. — Por que não me disse que queria ir até a vila?

—Porque achei que não iria concordar, e pelo visto eu estava certa. — Falo, agora encarando Ramsés. — Eu só fiz o que meu coração mandou.

—Pois tome muito cuidado com o que seu coração lhe diz, Henutmire. Moisés agora é um inimigo do reino, o irmão que rejeitou a minha amizade e agora me enfrenta abertamente falando em nome dos escravos. — Ramsés me olha com seriedade. — Se quiser apoiar o seu filho, estará se colocando contra mim e isso pode ter graves consequências.

—Como pode ameaçar a mim, que sou sua irmã? — Indago. — Teria coragem de fazer mal ao seu próprio sangue?

—Estamos em meio a uma guerra, Henutmire, e isto é apenas o início dela. — Ele sobe os degraus e senta-se novamente no trono. — Eu espero que não me dê motivos para ser severo com você.

—Peço permissão para me retirar. — Falo, decidida a não continuar discutindo com Ramsés ou eu serei capaz de perder a compostura e jogar em sua cara que está se tornando um rei pior do que foi o nosso pai.

—Permissão concedida. — Ramsés fala com toda sua soberba.

Eu dou as costas a meu irmão, saindo de sua presença. Não posso acreditar que Ramsés esteja tão embebedado de poder que não enxergue o que está acontecendo. Se ele se manter irredutível perderá não somente Moisés, que considera um irmão, perderá tudo o que ama e considera precioso, a começar por mim e meu carinho de irmã. Atravesso as portas da sala do trono, que logo são fechadas atrás de mim. Então me sinto horrivelmente enjoada e uma tontura faz com que eu perca as forças de meu corpo.

—Alteza! — Um oficial me ampara, impedindo que eu caia no chão frio do palácio. — A senhora está bem?

—Não. — Respondo.

—Princesa! — Leila surge de repente e se espanta ao me ver quase desfalecida nos braços do oficial. — A senhora está pálida.

—Não estou me sentindo bem, Leila. — Falo. — Me leve até meus aposentos, por favor.

(...)

—Tem certeza de que não quer que eu chame o sumo sacerdote? — Leila pergunta.

—Tenho sim, minha querida. — Respondo. — Eu já me sinto melhor, não vamos assustar ninguém.

—Mas, não é a primeira vez que sente mal, princesa. — Minha dama argumenta e é então que me lembro de meu mal estar anterior e até mesmo do desmaio que tive. — Talvez esteja acontecendo algo com a senhora.

—Por Ísis! — Começo a ficar preocupada com minha saúde. — Será que eu estou doente, Leila?

—Somente Paser pode lhe responder isso, senhora. — Ela responde. — Deixe-me chamá-lo.

—Não, não agora. — Falo. — Se eu voltar a me sentir mal, falarei eu mesma com Paser, está bem?

—Como quiser. — Ela concorda. Em seguida, ri baixinho ao me ver bocejar em plena luz do dia. — Está com sono, senhora?

—Sim. — Falo. — Não sei como estou conseguindo manter meus olhos abertos.

—Mas, a noite ainda demora a cair.

—Acho que não poderei esperar. — Sorrio, enquanto me acomodo em minha cama. Fecho os olhos e sinto o cobertor macio, conduzido pelas mãos de Leila, cobrir meu corpo. Tento não me preocupar tanto com os males que tenho sentido. Certamente as emoções dos últimos dias e a preocupação por Moisés estão afetando minha saúde.


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