O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 18
Capítulo 18


Notas iniciais do capítulo

Desde já peço desculpas pelo tamanho do capítulo, mas eu não tinha como dividí-lo em dois. O que deu para reduzir eu reduzi, mas ainda assim ficou grande. Bom, espero que gostem... Preparados? Apertem os cintos e embarquem no capítulo 18, que eu carinhosamente dei o título de "Vinho e Serpentes".



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Por Henutmire

Hoje o dia amanheceu diferente, embora qualquer um vá dizer que ele está exatamente igual a todos os outros. Despertei com a sensação de que algo grave está para acontecer e até agora essa espécie de pressentimento não me deixou. Mas, o que poderia ser pior do que meu filho enfrentando Ramsés? Nada! Absolutamente nada pode piorar essa situação.

—A princesa parece triste. — Leila fala, enquanto ajeita o bracelete de ouro em meu braço.

—Apenas não me sinto disposta para uma festa. — Falo, me referindo a grande recepção que Ramsés preparou para Jahi. — Mas, meu irmão faz questão que todos do palácio estejam presentes e não abriria uma exceção para mim, mesmo que eu pedisse.

—Talvez seja melhor que vá, pode se distrair um pouco. — Ela sugere. — Sem contar que ouvi dizer que a princesa Radina quis vir somente para vê-la.

—Isso não é verdade. — Falo rindo.

—Eu sei, mas consegui fazê-la sorrir. — As palavras de Leila só aumentam meu sorriso ao perceber o quanto ela se preocupa comigo.

—E também conseguiu fazer com que eu me sinta mais importante do que realmente sou. — Acrescento. Fecho os olhos para que Leila faça a maquiagem. — E minhas filhas? Sabe se já estão prontas?

—A princesa Tany creio que sim, mas a princesa Hadany não sei dizer. — Ela responde. — Nos encontramos quando eu vinha para cá e ela havia acabado de acordar e fazer seu desjejum.

—A essa hora? — Pergunto, surpresa. — Hadany não costuma acordar tão tarde.

—Talvez não tenha tido uma boa noite de sono. — Leila afirma, mas não consegue me convencer. Conheço minha filha muito bem e sei que há algo por trás desse despertar tão tarde de Hadany. — Pronto, terminei.

—Obrigada, Leila. — Agradeço ao abrir meus olhos. Então, tomo nas mãos o colar que estava sobre a mesa e o entrego a ela. — Coloque para mim, por favor.

—Com licença. — Tany fala ao entrar em meus aposentos.

—Entre, filha. — Sorrio. — Já está pronta?

—Sim, e pelo visto a senhora também. — Ela responde, me olhando com atenção.

—Como estou? — Pergunto ao me levantar da cadeira, assim que Leila termina os últimos retoques em minhas jóias e vestes.

—Deslumbrante, como sempre. — Minha filha fala com um amplo sorriso.

—Concordo com sua filha. — Leila ri.

A observação de minha dama de companhia me faz também rir, todavia logo não se houve mais o som do meu riso. Sinto-me terrivelmente fraca e tudo gira depressa ao meu redor. Procuro algo para me apoiar, mas não encontro. Então, os braços de Leila e Tany me amparam, até que sinto que consigo novamente me sustentar em minhas pernas.

—Mãe, a senhora está bem? — Tany pergunta, com olhos arregalados de preocupação.

—Estou, foi apenas um mal estar. — Respondo, porém minha voz é mais baixa do que eu desejava.

—Pegue um pouco de água para ela, Leila. — Minha filha pede e logo sou segura apenas por seus braços, pois Leila se afasta para antender a seu pedido. — O que a senhora sentiu?

—Apenas uma pequena tontura, já passou. — Tento tranquilizar minha filha com minha resposta.

—Tome, senhora. — Leila me entrega uma taça com água, da qual bebo de imediato.

—É melhor a senhora descansar um pouco e não ir a essa festa. — Tany sugere. — Eu explico a meu tio o motivo de sua ausência, ele há de entender.

—Eu estou bem, Tany. — Afirmo com segurança. — Irei a recepção do príncipe da Núbia, mesmo que não esteja tão animada.

Por Hadany

Depois do encontro que tive com Miriã, não consegui dormir. Passei a noite em claro e quando o sono me tomou o dia já estava por nascer. Me convenci de que foi um erro me arriscar indo até a vila, durante a noite, somente para ouvir a versão de Miriã sobre o que aconteceu. Não é certo revirar uma história que, de certa forma, não me pertence. O que aconteceu entre ela e meu pai é passado, porém um passado vivo que não poderá ser deixado para trás até que ambos se perdoem. Por muito pouco escapei de contar a Tany o verdadeiro motivo de minha fuga noturna. Tive muito trabalho em convencê-la de que seria melhor não saber o que fui fazer na vila dos hebreus e também em guardar segredo. Se minha irmã soubesse o que me levou até lá, não sei como reagiria e muito menos se seria sensata em permitir que esta história chegue até os ouvidos de nossa mãe por nosso pai.

A movimentação na cozinha do palácio é intensa, devido ao grande banquete que será servido aos convidados de meu tio. Entro sorrateiramente, procurando por Chibale, até encontrá-lo imensamente concentrado em uma bandeja cheia de delícias que está montando para que seja levada a sala do trono.

—Posso provar? — Pergunto ao me aproximar de Chibale, que se assusta com minha presença.

—Pelos deuses, princesa! — Ele fala, me fazendo rir. — Quer me matar?

—Jamais gostaria de vê-lo morto, Chibale. — Respondo. — Me desculpe.

—Por favor, não faça mais isso. — Ele pede, respirando fundo como que para se recuperar do susto que lhe dei. — Não deveria estar na sala do trono? A festa já começou.

—Precisava falar com você antes. — Dou um passo a frente. — Quero agradecer por ter me ajudado ontem a noite. Sei o quanto foi perigoso sair do palácio sem permissão, mas sem sua ajuda eu teria sido pega antes mesmo de chegar aos portões.

—Não precisa agradecer, foi um prazer lhe ajudar. — Chibale sorri. — E deu tudo certo?

—Sim. Talvez não como eu esperava, mas sim. — Baixo meu olhar com certa tristeza. — Foi tolice me arriscar tanto por algo que não vale a pena.

—O importante é que voltou sã e salva e que ninguém desconfiou de sua saída. — Ele fala.

—Você tem razão. — Concordo. — E se não aconteceu como eu esperava, é porque era assim que tinha que ser.

Sinto uma força maior me controlar, me fazendo dar mais um passo a frente na intenção de me aproximar ainda mais de Chibale. Porém, algo prende a barra de meu vestido e acabo me enrolando no tecido, o que faz com que eu me desequilibre. Me preparo para sentir o impacto de meu corpo contra o chão, mas o que sinto são os braços de Chibale me envolverem rápida e fortemente, impedindo que eu me machuque. Tal atitude me coloca em uma situação pela qual nunca passei antes. Posso sentir o calor de seu corpo junto ao meu, a força de seu olhar fixo em meus olhos faz com que meu coração dispare. Nosso rostos estão tão próximos que posso sentir sua respiração junto a minha, que certamente está totalmente irregular.

—Chibale, precisamos nos apressar porque... — Gahiji não completa o que dizia ao entrar na cozinha e me encontrar em situação tão constrangedora com seu filho. Chibale e eu rapidamente nos recompomos, mas isso não desfaz o olhar desconfiado do pai de meu amigo. — Perdão, princesa Hadany. Não sabia que estava aqui.

—Tudo bem, Gahiji. Eu só vim falar com Chibale e já falei. — Falo, um pouco envergonhada. — Preciso ir, devem estar me esperando. Com licença.

(...)

—Está tão nervosa, Hadany. — Tany fala, tirando minha atenção da festa.

—Impressão sua. — Minto. Como estaria calma depois do que aconteceu na cozinha real?

—Aqui estão minhas filhas, Radina. — Minha mãe se aproxima de nós, acompanhada pela irmã de Jahi.

—É um imenso prazer conhecê-las, altezas. — A princesa núbia nos reverencia. — Agora vejo que eu não estava errada quando disse que suas filhas herdariam sua beleza, princesa.

—Grata pela gentileza. — Minha mãe sorri. — Mas, é melhor darmos um pouco do mérito a Hur também.

—Certamente. — Radina fala rindo.

—Mayra não vem? — Pergunto por minha prima.

—Nefertari não permitiu a presença da filha na festa. — Minha mãe responde. — Disse que não é um ambiente para crianças.

—Mayra não é apenas uma criança, é filha do soberano do Egito. — Falo indignada pela atitude de minha tia. Então, aponto para o alto do trono onde meu tio está sentado, e ao seu lado estão a rainha e o príncipe herdeiro. — Ela deveria estar ali, ao lado de Amenhotep, ocupando o lugar de princesa que lhe pertence.

—Não é hora para discutirmos isso, Hadany. — Minha mãe me repreende, certamente por tocar em um assunto de família na presença de Radina.

—Seu irmão está lhe chamando. — Tany fala ao notar que Jahi faz sinal para que Radina vá até ele.

—Com licença. — Radina pede e em seguida vai até o irmão.

—Vinho de tâmaras, senhora? — Um servo oferece a minha mãe.

—Obrigada. — Ela agradece ao pegar uma das taças de ouro da bandeja que o servo traz em suas mãos. Ele faz uma pequena reverência e se distancia para servir os demais convidados. Minha mãe leva a taça até seus lábios, mas repudia o vinho de imediato.

—O que houve, mãe? — Pergunto preocupada ao ver a cor de seu rosto sumir aos poucos.

—O cheiro do vinho... — Ela responde. — Acho que me deixou enjoada.

—Mas, a senhora sempre gostou de vinho de tâmaras. — Tany fala sem entender. — Está mesmo bem, minha mãe?

—Estou, apenas não quero me servir desse vinho. — Ela fala. A palidez de seu rosto se dissipa aos poucos, o que me deixa mais aliviada.

A música para de repente, chamando a atenção de todos. Paser andentra a sala do trono e caminha até a presença do rei. Ele fez o mesmo quando anuciou a chegada de Jahi e Radina, o que me deixa pensativa. Não temos mais nenhum convidado que necessite ser anunciado.

—Soberano... — Paser faz uma breve pausa, antes de continuar a falar. — Anuncio a presença de Anat, sacerdotisa de Om e esposa de Seth, o poderoso deus do caos.

Todos os olhares se voltam para as portas da sala do trono, aguardando que sejam abertas e revelem a convidada ilustre e inesperada. Mas, o meu olhar se volta para minha mãe, que parece estarrecida com o que acaba de ouvir. Ela se paralisa, deixando cair de sua mão a taça e o líquido dentro dela se espalha pelo chão. Não sai palavra alguma de sua boca, apenas seus olhos azuis brilham com espanto.

Por Henutmire

As portas são abertas, enquanto um servo se aproxima para limpar o vinho derramado no chão. Meus olhos não se desviam da mulher que lentamente adentra a sala do trono. Anat caminha solenemente, demonstrando o quanto ser alvo de todas as atenções a satisfaz. Como ela está diferente! Não me refiro apenas as vestes de sacerdotisa que usa ou a sua beleza, que parece ter aumentado com o passar dos anos. Seu olhar é altivo, soberbo, desafiante... Seu porte é como o de alguém superior, inatingível. Meus olhos acompanham seus passos, até que ela se aproxima do trono e se curva em reverência a Ramsés. É então que eu noto a presença de um rapaz que a acompanha, como se fosse sua sombra. Ele também se curva perante o rei.

—É uma grande honra estar na presença do grande Hórus vivo. — Anat fala, com um sorriso que me causa medo.

—A honra é toda minha por receber no palácio uma sacerdotisa de Seth. — Ramsés ressalta. — Seja bem vinda, Anat.

—Fico feliz em vê-la novamente, minha prima. — Nefertari sorri. — Está ainda mais bela do que quando partiu.

—Bondade sua, soberana. — Anat traz para perto de si o jovem que o acompanha. — Este é Alon, um dos guardiões do templo de Seth. Veio me acompanhando a pedido da senhora Atalia.

—Seja muito bem vindo. — Ramsés fala. — Aproveitem a festa.

—Obrigado, soberano. — O rapaz agradece.

—Senhora... — Leila chama por mim e é então que percebo suas mãos segurando levemente em meu braço esquerdo.

—Ela voltou, Leila. — É o único que consigo pronunciar. — Ela voltou!

—Tente se acalmar, princesa. — Ela pede. — Lembre-se que há pouco se sentiu mal. Ficar nervosa pode deixá-la pior.

Então, respiro fundo e lentamente. Mas, minha tentativa de me acalmar é frustrada assim que sinto o olhar frívolo de Anat sobre mim. Um sorriso cínico toma seus lábios e, a medida que seus passos a aproximam de mim, mais vontade eu tenho de dar-lhe as boas vindas com um belissímo tapa em seu rosto de marfim.

—Tany, não! — Hadany impede a irmã de avançar em direção a Anat. — Estamos no meio de uma festa. Contenha-se!

—Princesa Henutmire... — Anat pronuncia ao ficar frente a frente comigo e fazer uma reverência. — Não imagina como fico feliz em revê-la.

—Pena eu não poder dizer o mesmo. — Falo, sincera. Aproveito-me do fato da festa ter voltado ao seu normal para não ter que fingir que me agrada a volta dessa mulher.

—Pelos deuses! — Ela me olha com indignação. — É assim que me recebe depois de tantos anos?

—Se eu lhe desse a recepção que realmente merece, não iria gostar nem um pouco. — Falo, ríspida. — O que veio fazer aqui, afinal? Me atormentar?

—Vim visitar meu tio, minha prima e seus filhos... — Anat me encara com cinismo. — Porque mesmo que vossa alteza tenha me obrigado a viver longe deles, ainda são a única família que tenho.

—Eu não te mandei embora do palácio para que voltasse um dia! — Meu tom de voz é mais alto do que deveria, mas por sorte não chama a atenção de nenhum dos presentes para mim.

—Se tivesse me condenado a morte poderia ter a certeza de que eu jamais voltaria, princesa. — Ela ri. Então, seu olhar maléfico recai sobre minhas filhas. — Suponho que estas sejam suas filhas, certo? Que belas moças se tornaram. — Anat se aproxima delas. — Eram tão graciosas meninas quando parti. Se lembram de mim?

—Fique longe de mim! — Tany ordena. Os olhos de minha filha brilham com ira, o que me surpreende.

—Princesa Tany, correto? — Anat pergunta, mas recebe silêncio como resposta. — Claro que é! Eu jamais esqueceria tais olhos me olhando. Éramos grandes amigas antes de eu me mudar para Om.

—As coisas mudam com o tempo, Anat. — Tany fala. — E neste caso, mudaram completamente.

—Reconheço que passei muito tempo longe, sem dar notícias. Mas, espero que isso não tenho mudado o carinho que sentia por mim quando criança. — Anat leva sua mão até Tany, na intenção de tocar em seu rosto. — Sempre gostei muito de você.

—Não ouse encostar em mim! — Minha filha ordena mais uma vez, agora afastando a mão de Anat de perto de si. — É melhor não saber o que sinto por você hoje, pode não gostar.

—Pelos deuses, Tany! Se acalme. — Hadany pede, segurando o braço de sua irmã. — Se continuar agindo assim vai chamar a atenção de todos.

—Princesa Hadany... Sempre tentando conter os ímpetos de sua irmã. — Anat fica pensativa. — Mas, se me lembro bem, era ela quem tentava contê-la quando eram pequenas.

—Saia daqui! — Ordeno. — E agradeça aos deuses por estarmos em uma festa e você ser convidada de honra de meu irmão, porque do contrário eu lhe colocaria para fora do palácio agora mesmo.

—Não se exalte, alteza. Teremos tempo para conversarmos melhor. — Ela sorri falsamente para mim. — Com sua licença.

Anat sai de minha presença, tomando seu lugar na festa ao lado de Alon. Leila respira aliviada, assim como Hadany. Sei que minha dama e minha filha temiam que Tany e eu perdêssemos o controle diante das provocações da sacerdotisa de Seth. Mas, se algo pude notar nesse maldito instante em que Anat esteve próxima a nós é que ela se surpreendeu com a reação de Tany. Não sei o que esperava, mas certamente não era que minha filha lhe tratasse com a frieza que tratou.

—Essa mulher precisa ir embora o mais rápido possível! — Tany fala, nervosa. — Eu não vou conseguir me conter a todo momento que cruzar com ela pelo palácio.

—Mas, vai ter que conseguir e falo isso para as duas. — Olho seriamente para minhas filhas. — Eu não quero vocês se desentendendo com Anat, ouviram bem?

—Sim, mãe. — Hadany e Tany falam ao mesmo tempo.

—Está mais calma, senhora? — Leila pergunta.

—Eu não vou me acalmar enquanto Anat estiver aqui, Leila. — Respondo. — Mas, farei o possível para não perder o controle.

(...)

—Onde você estava, Hur? — Pergunto para meu marido assim que ele surge ao meu lado.

—Uri precisou de minha ajuda para finalizar a jóia que a grande esposa real dará de presente a irmã de Jahi. — Ele responde. — Quando vínhamos para a sala do trono, um servo nos disse que uma sacerdotisa de Om havia chegado ao palácio. É Anat, não é?

—Sim. — Falo. — E você me deixou enfrentá-la sozinha.

—Me perdoe, Henutmire! Eu não sabia que ela chegaria hoje e durante a festa do soberano.

—Ninguém sabia, Hur! — Esbrevejo, mas logo trato de me acalmar. — Ela chegou de surpresa.

—E onde ela está? — Hur pergunta.

—Ali. — Hadany se antecipa a mim e responde a pergunta de seu pai, mostrando Anat em meio aos convidados. — E não tira os olhos de nós.

—Podemos resolver isso arrancando os olhos dela. — Tany fala, nos deixando espantados.

—Que horror, princesa! — Leila é a única a se manifestar.

—É apenas uma brincadeira, Leila. — Tany ri. — Se acalme.

—O que está acontecendo? — Pergunto ao ver Bakenmut subir até o trono e falar algo com Ramsés. Em seguida, o general desce e se retira da sala do trono.

—Acho que logo vamos saber. — Hadany fala.

A música cessa. As belas bailarinas abrem caminho para que alguém passe. Então, vejo Moisés entrar na sala do trono acompanhado por seu irmão. Não entendo porque meu coração parece tremer a presença de meu filho, apenas sei que algo em seu olhar me faz crer que não está aqui somente para nos visitar mais uma vez. Ao me ver, Moisés sorri para mim, mas não se aproxima para me abraçar, o que me dá ainda mais certeza de que veio até aqui para tratar de algo muito sério.

—Agradeço por receber a mim e meu irmão, Ramsés. — Meu filho fala. — Peço desculpas, não sabia que o rei estava dando uma festa. Não quero incomodar.

—Você nunca incomoda, Moisés. — Ramsés fala.

—Moisés? — Jahi indaga com surpresa. — É você mesmo?

—Sim, sou eu. — Ele responde. — Fico muito feliz em revê-lo, Jahi.

—Você está tão... diferente. — O príncipe núbio fala. — Por que está vestido assim?

—É uma longa história, Jahi. — Ramsés se manifesta. — Ainda há tempo de se juntar a nós, Moisés.

—Não foi para isso que eu vim até o rei. — Meu filho fala, com seriedade na voz.

—Sendo assim, me diga. O que o traz a minha presença novamente? — Meu irmão pergunta. — Um novo recado do seu deus para mim?

—Recado de deus? — Jahi pergunta, rindo. — Do que estão falando?

—Moisés agora fala em nome dos hebreus, Jahi. E parece que ele quer que eu dê folga aos escravos. — Ramsés ri, demonstrando que não devota ao assunto a seriedade que ele merece. — Imaginem vocês, que absurdo.

—Desculpe, mas não estou entendendo nada. — Jahi fala, confuso.

—Já vai entender tudo, Jahi. — Ramsés lança seu olhar desafiante para Moisés, o que enche meu coração de pavor. — Pois bem, Moisés. Já que veio até aqui, mostre do que o seu deus é capaz. Quem sabe assim eu acredite nele.

Diante das palavras de meu irmão, o único que faço é trazer minhas filhas para mais junto de mim, enquanto Hur nos abrange as três entre seus braços. Não sei o que pode acontecer, mas meu coração me diz que boa coisa não há de ser.

—Vamos, Moisés. Mostre para todo mundo. — Nefertari também desafia Moisés, mas posso sentir satisfação em sua voz ao fazer tal coisa.

—Muito bem. — Meu filho olha para seu irmão e ambos se afastam, dando passos para trás, como que abrindo espaço para fazerem alguma coisa. Todos os presentes olham para Arão e Moisés com grande expectativa. — Arão, jogue o seu cajado no chão.

Então, o irmão hebreu de Moisés toma seu cajado nas mãos e, ao levantá-lo no ar, atira-o contra o chão. Aguardo pelo som do objeto de madeira ao cair, mas isso não é o que acontece. Ao se encontrar com o chão da sala do trono, o que vejo é uma serpente e não um cajado. O espanto de todos é notável pelo grito que dão em conjunto ao ver o animal se rastejando pelo solo. Pisco meus olhos várias vezes seguidas para me certificar de que não estou louca e isto é fruto de uma alucinação. Em um gesto de proteção, coloco Hadany e Tany atrás de mim. Os olhos arregalados de minhas filhas demonstram o quanto estão espantadas com o que acaba de acontecer. Hur segura com mais força em meus braços, o que me leva a crer que também está tentando me proteger.

—Como isso é possível? — Hadany pergunta, assustada.

—É só um truque de magia, fiquem calmas. — Hur fala para nossas filhas.

—Isso não vai acabar bem. — Concluo, sem desviar meus olhos da serpente que rasteja por todos as direções, mas sem se aproximar de ninguém. — Ramsés não vai tolerar ter sido desafiado dessa maneira diante de todos os convidados.

—Não sabia que seu irmão era mago, Moisés. — Meu irmão demonstra que não se impressionou com o que acaba de acontecer. — Um encantador de serpentes.

—O feito não é de Arão, Ramsés. — Moisés argumenta. — É apenas um pequeno sinal do poder de nosso Deus.

—Isso é ridículo! — Ramsés fala com deboche. — Os meus sacerdotes são capazes de muito mais. Paser! Simut! Mostrem a Moisés o poder de nossos deuses.

—Mas, soberano...

—Você é o primeiro profeta de Amon, o sumo sacerdote. — Ramsés fala por entre os dentes. — Faça o mesmo!

O assistente de Paser se retira apressadamente para atender a ordem do rei, enquanto Paser conversa com meu irmão. A serpente continua a se rastejar cuidadosamente, o que me deixa cada vez mais nervosa. É então que percebo que ela vai em direção a Anat e de súbito lhe dá o bote, do qual ela escapa por pouco. Seus olhos se tornam ainda maiores de espanto após passar por tal medo.

—Não acharia ruim se a serpente a tivesse picado. — Tany fala em voz baixa, mas mesmo assim eu a escuto.

—Seria capaz do animal morrer com o veneno de Anat. — Hadany acrescenta.

—Parem vocês duas! — Repreendo minhas filhas. — O que está acontecendo aqui é muito sério.

É então que, ao voltar minhas atenções para o chão, vejo que a serpente está mais próxima de mim do que eu gostaria. Ela parece me olhar com atenção, antes de dar o seu bote para o meu lado. Eu mesma posso ouvir meu grito assustado, enquanto Hur se coloca na minha frente, na intenção de me proteger. O animal recua, voltando para o meio do salão, no mesmo momento em que Simut retorna com dois cajados de ouro em suas mãos.

—O que vai acontecer se Paser e Simut não conseguirem fazer o mesmo? — Hadany pergunta, enquanto os sacerdotes oram aos nossos deuses.

—Eu não sei, minha filha. — Respondo. — Mas, é bom que consigam ou Ramsés não vai perdoá-los.

Paser e Simut se olham uma última vez, antes de atirarem seus cajados contra o chão. Assim como o de Arão, os cajados dos sacerdotes também se transformam em serpentes. O murmúrio de admiração de todos se faz presente na sala do trono. O sorriso de satisfação no rosto de Ramsés é notável, assim como o de Nefertari e Amenhotep, enquanto Paser e Simut respiram aliviados por terem conseguido fazer o mesmo que foi feito pelo irmão de Moisés. Agora, temos três serpentes rastejando pelo chão do palácio. Elas se olham por alguns instantes até que, para a surpresa de todos, a serpente de Arão avança em direção a uma das outras duas e a engole.

—Eu não quero ver isso! — Sinto repulsa ao presenciar tal cena e escondo meu rosto atrás de Hur.

—Acho que meu tio também não está gostando. — Tany fala. Ela e a irmã não desviam o olhar do centro do salão. O murmúrio de espanto seguinte dá a entender que a serpente de Arão certamente fez a outra o mesmo que fez a primeira.

No exato momento em que volto minhas atenções para o foco do acontecimento, Arão dá alguns passos a frente. Ele se abaixa até a serpente, que nada faz com ele, pelo contrário. Assim que o irmão de Moisés coloca sua mão sobre ela, o animal peçonhento se transforma novamente em cajado diante dos olhos de todos. Mais uma vez eu fico incrédula diante do que presencio. Devo admitir que o deus de meu filho é poderoso. Ou será que ainda é cedo para afirmal isso? Afinal, o que acaba de acontecer não convencerá meu irmão a atender o pedido de Moisés.

—O soberano do Egito está satisfeito? — Moisés pergunta, mas de certo não imagina o quanto suas palavras atacam Ramsés, que foi envergonhado diante de todos. — Pediu um milagre de Deus e Ele mostrou o seu poder.

—Isso não significa nada! É apenas um truque de magia insignificante. — Ramsés responde. — Não é nada perto da minha força e do poder dos deuses egípcios, nada que ameace a ordem cósmica. Diga ao seu deus que se quiser mesmo me impressionar terá que realizar milagres muito maiores. E agora saiam da minha presença!

—Farei como o soberano ordena, mas antes gostaria de lhe falar um momento a sós. — Moisés pede.

—Aproveite e coloque esse hebreu em seu devido lugar, pai. — Amenhotep se faz notar, com toda sua soberba.

—Em nome da nossa amizade eu aceito o seu pedido. — Ramsés se levanta do trono. — Que a festa prossiga.

A música recomeça. Os convidados curvam suas cabeças em sinal de reverência, enquanto Ramsés desce os degraus do trono e se aproxima de Moisés. Em seguida, ambos deixam a sala do trono, acompanhados por Ikeni e Bakenmut. Então, sinto meu coração disparar de medo ao ver meu filho cada vez mais distante de mim, até que não o vejo mais pois as portas são fechadas novamente assim que ele e Ramsés passam por elas.

—Acha possível que eles voltem a se entender? — Hur pergunta.

—Eu gostaria, mas duvido muito. — Respondo. — Moisés começou a desafiar o poder de meu irmão e não vai parar. Isso é só o começo.

(...)

Embora a ordem de meu irmão tenha sido para que a festa prossiga, nada voltou ao normal. Por todos os lados se pode ver pessoas cochichando umas com as outras a respeito do que aconteceu. Já faz algum tempo que Ramsés e Moisés estão conversando, o que me deixa ainda mais apreensiva. Temo que meu irmão faça algum mal a meu filho. Ramsés é imprevisível quando desafiado. Então, vejo Arão no meio dos convidados e uma ideia surge em minha mente.

—Vocês duas fiquem aqui. — Falo para minhas filhas. — Eu vou falar com Arão.

—Eu vou com você. — Hur de imediato se dispõe a me acompanhar. Mas, seu de modo falar me deixa intrigada, como se não quisesse me ver sozinha com Arão.

Guio meus passos até o irmão de meu filho, que parece deslocado em meio a festa. Assim que Hur e eu aproximamos, ele volta sua atenção para nós e um amplo sorriso se forma em seus lábios ao olhar para mim.

—Como vai, Arão? —Eu o cumprimento.

—Muito bem, princesa. — Ele responde. — E a senhora?

—Estou com muito medo do que Ramsés pode fazer contra vocês. — Confesso. — Eu não gostaria que nada disso estivesse acontecendo.

—Muito menos nós, princesa. Não queríamos que houvesse escravidão, que o nosso povo sofresse, que seu irmão não tivesse nos liberado para cultuar o nosso Senhor no deserto. Foi Ramsés quem fez com que as coisas chegassem a esse ponto. — Arão fala, me deixando constrangida pelo fato de eu ainda não ter feito nada para tentar apaziguar essa situação. — E é sensato temer, porque Deus nos tirará do Egito com grande demonstração de poder... se for preciso.

Por Tany

Ainda não consigo acreditar no que meus próprios olhos viraram, em toda a minha vida jamais presenciei algo do tipo. Será esse deus dos hebreus assim tão poderoso? Não! Ainda é cedo para me questionar sobre isso! Talvez tenha sido apenas um truque de magia, por sinal, um belíssimo truque.

Mas, ao olhar para Anat ao lado de seu guardião, uma ótima ideia se passa em minha mente. Rapidamente procuro por meus pais no meio da festa e vejo que eles ainda estão conversando com Arão. Seja o que for que farei, tenho que fazer agora.

—O que vai fazer? — Hadany pergunta ao ver que tomo em minhas mãos uma taça com vinho de uma das bandejas dos servos. — Você não pode beber isso.

—Não é para mim. — Olho para Anat.

—Tany, seja o que for que estiver pensando, é melhor não. — Minha irmã fala. — Já basta o que acabou de acontecer.

—É apenas uma taça de vinho, Hadany. — Falo.

Antes que minha irmã tente me impedir, eu dirijo meus passos até Anat. Alon, o tal rapaz que a acompanha, é o primeiro a notar minha aproximação e me olha fixamente. Por alguns instantes, me pego observando-o com mais atenção, é um belo rapaz. Porém, de imediato, volto ao meu objetivo.

—Ainda espantada com o que viu? — Pergunto para Anat.

—Confesso que sim, nunca havia visto algo assim. — Ela responde. — Esse é filho de sua mãe, não é?

—Sim. Moisés é meu irmão e eu me orgulho muito disso, mesmo que agora ele tenha resolvido desafiar meu tio.

—Seu irmão é corajoso, para não dizer louco. — Anat fala. — Desafiar o Hórus vivo dessa maneira pode lhe custar a própria vida.

—Existem pessoas que fizeram coisas muito piores e não pagaram com a vida. — Falo, atacando Anat. — Mas, quem sabe o que pode acontecer, não é mesmo?

—A princesa mudou tanto. Nem parece a mesma menina que conheci.

—Exato. Eu era uma menina quando você foi embora. — Falo. — Mas, eu cresci, Anat.

—Aposto que ainda há algo daquela menininha aí dentro. — Ela sorri.

—Pode se surpreender. — Forço um sorriso.

Então, finjo me desequilibrar e intencionalmente derrubo o vinho da taça em Anat. O líquido logo é absorvido pelo tecido branco de suas vestes de sacerdotisa e eu tento me controlar para não me entregar ao riso aqui mesmo.

—Me desculpe! Acho que pisei na barra do vestido. Não era a minha intenção. — Falo e tento ajudá-la, mas na verdade acabo espalhando ainda mais o vinho derramado em suas vestes. — Por favor, me perdoe.

—Não se preocupe, princesa. Foi apenas um acidente. — Anat fala, olhando para si mesma toda manchada pelo vinho. — Eu preciso me trocar, com licença.

Anat se retira da sala do trono e seu guardião a acompanha. Ela tenta não piorar a situação de suas vestes, mas não consegue pois o vinho parece se espalhar cada vez mais pelo tecido. Dou um risinho de satisfação enquanto caminho de volta para perto de minha irmã.

—Você é terrível! — Hadany fala.

—Você viu a cara de Anat quando derramei o vinho nela? — Pergunto, rindo. — Vai me dizer que não foi divertido?

—Realmente foi. — Ela responde. — Mas, quando nossa mãe descobrir não vai ser nada divertido.

—Ela não vai saber se você não contar. Assim como eu não contei que você foi a vila dos hebreus ontem a noite.

—Está me chantageando? — Minha irmã me olha com indignação.

—Claro que não. — Respondo. — Você é minha irmã e eu prometi guardar segredo.

—Ainda bem, porque eu odeio chantagens. — Hadany fala com seriedade, mas logo ri e eu com ela.

—Esta conversa está demorando demais, Hur. — Ouço a voz de minha mãe e então percebo que ela e meu pai estão voltando para perto de nós.

—Fique calma, Henutmire. — Meu pai pede.

—Como eu posso me acalmar? — Minha mãe fala, nervosa. — É o meu filho!

—Também estamos preocupadas, mãe. Mas, é melhor que a senhora se acalme. — Aconselho. — Já tivemos muitas emoções por um dia.

—Anat... Ela sumiu. — Meu pai fala ao olhar em volta e não encontrar a sobrinha de Paser.

—Está preocupado com a sacerdotisa, Hur? — Minha mãe demonstra seu desagrado com a observação dele. — Talvez queria me deixar aqui com nossas filhas e ir atrás dela.

—Henutmire, por favor.

—Por favor digo eu! — Ela altera a voz. — Com tudo o que está acontecendo e você preocupado com a ausência de Anat?

—Não coloque palavras em minha boca. — Ele rebate. — Fiz apenas um comentário.

—Parem com isso! Não percebem? Estão fezendo o que ela quer! — Hadany põe fim a discussão de nossos pais. — Anat teve um pequeno acidente com uma taça de vinho e foi se trocar, apenas isso.

—Vejam! — Exclamo. — Moisés está vindo.

—Por que demorou tanto, meu filho? — Minha pergunta, assim que Moisés se aproxima de nós. — O que aconteceu?

—Ramsés e eu não nos acertamos, ele rompeu comigo. — Meu irmão fala com certa tristeza.

—Era o que eu temia. — Minha mãe fala. — E agora?

—Agora devo aguardar o próximo sinal de Deus, Ele me dirá o que fazer. — Moisés abraça nossa mãe fortemente e em seguida lhe dá um beijo na testa, como se estivesse se despedindo. — Eu não quero que nada de mal lhe aconteça, minha mãe. Nem à senhora e nem à minhas irmãs. Adeus!

—Adeus? — A voz de minha mãe é embargada, certamente devido ao choro que tenta conter.

—Isso quer dizer que não vamos mais nos ver? — Hadany pergunta.

—Eu espero que sim, minha irmã. — Moisés envolve a mim e Hadany em um abraço. — Eu amo muito vocês.

—Tome cuidado, Moisés. — Peço ao nos separarmos.

—Deus cuida de mim, Tany, e certamente cuidará de vocês também. — Ele sorri. — Se cuide, minha mãe. — Moisés beija as mãos de nossa mãe, antes de sair da sala do trono acompanhado por seu irmão.

—E agora, Hur? — Minha mãe pergunta e eu vejo uma lágrima escapar de seus olhos. — O que será de nós?

—Eu espero que Moisés saiba o que está fazendo. — Meu pai fala.

—Ele não desafiaria o rei se não soubesse, meu pai. — Hadany afirma.

Por Henutmire

Agora estou sozinha em meus aposentos, após ter chorado muitas lágrimas com o adeus de meu filho ecoando em meus ouvidos. Não! Eu não posso aceitar o fato de não voltar a ver Moisés, de não poder abraçá-lo. Não posso perder o meu menino outra vez, não posso! Respiro fundo para não me entregar ao choro novamente. Sei que lágrimas não vão resolver esta situação, mas sim atitudes. No entanto, o que eu posso fazer? O que posso fazer se Moisés desafia Ramsés para obedecer as ordens de um deus invisível? Por Ísis! Essa sensação de impotência é a pior que eu já senti.

—Posso entrar? — Uma voz feminina fala e ao me virar me deparo com Anat.

—É claro que não! — Falo, mas ela entra mesmo assim. — Como ousa?

—Eu precisava conversar com a princesa, a sós.

—Eu não tenho nada para conversar com você. — Esbravejo. — Saia de meus aposentos imediatamente!

—Eu gostaria de agradecê-la pela vida maravilhosa que me reservou. — Ela fala, falsamente. — Graças a senhora, hoje sou uma mulher de posses, respeitada e poderosa como uma adoradora de Seth deve ser.

—E ainda assim vale menos que uma das mulheres da Casa de Senet. — Falo. — Por fora pode ser o quiser, mas por dentro ainda é aquela mesma hipócrita que tentou roubar o meu marido.

—Como ousa falar assim comigo? Esqueceu-se quem eu sou? — Anat me encara. — Sou esposa do deus do caos. Um pedido meu e Seth pode castigá-la por me afrontar.

—Você pode ser sacerdotisa de Seth, mas eu sou a princesa do Egito. — Falo, dando ênfase as últimas palavras. — Eu poderia tê-la matado quando tive a chance, tinha poder para isso.

—Mas, não o fez porque sabia que seu marido também seria punido, uma vez que o rei não seria tão compreensivo e benevolente. — O cinismo nos olhos de Anat começa a me tirar do sério. — A princesa recebeu o papiro que lhe enviei?

—Ainda me pergunto como teve a audácia de me escrever e ainda por cima de me ameaçar. — Respondo ao me lembrar do papiro que mandei que fosse destruído. — Você não sabe com quem está lidando, Anat.

—Pelo contrário, eu sei muito bem. — Ela fala e leva uma de suas mãos até seu rosto. — Eu senti na pele o que a princesa é capaz de fazer.

—Dizem que a pele nunca esquece. Portanto, é bom que também não se esqueça que os anos apenas me fortaleceram. — Eu a encaro. — Fique longe de Hur, ou sofrerá as consequências.

—Vossa alteza está me ameaçando?

—Você o fez primeiro quando disse naquele maldito papiro que encontraria uma forma de se vingar pelo que aconteceu! — Altero minha voz, demonstrando que perdi totalmente a calma.

—E eu não menti. — Anat anda por meus aposentos, como que pensativa. Até que se aproxima novamente de mim. — Talvez eu não possa usar Hur para atingí-la, mas a senhora tem duas belas filhas.

Acabo perdendo a calma e dou um tapa no lado direito do rosto de Anat. Confesso que desejava fazê-lo desde que a vi na sala do trono, mas tentei me conter. Seus olhos claros me contemplam com fúria, mas ela nada faz para revidar a bofetada que lhe dei.

—Se chegar perto de minhas filhas, eu mato você! — Elevo o tom de minha voz. — Você não sabe do que eu sou capaz para defender a minha família.

—Já passamos por isso uma vez. Se quisesse mesmo me matar, teria feito quando teve a oportunidade. — Anat me olha fixamente. — E sabe por que não o fez? Porque não tem coragem! No fundo a senhora é uma mulher fraca...

—CALE-SE! — Eu a interrompo com outra bofetada, mas agora do lado esquerdo de seu rosto. — Recolha-se a sua insignificância! Quem pensa que é para me desrespeitar dessa maneira?

—Isso não vai ficar assim. — Ela ameaça.

—FORA DAQUI! — Ordeno enérgicamente. Todavia sinto minhas forças fugirem de meu corpo aos poucos e minhas pernas fraquejarem em me sustentar. Minha vista fica escura, então não vejo ou sinto mais nada.

Por Leila

—Princesa! — Ouço a voz desesperada de Anat assim que entro nos aposentos de minha senhora. Me desespero ao ver a princesa estirada no chão, desacordada e nos braços da sacerdotisa.

—Senhora? Senhora, fale comigo. Senhora Henutmire! — Chamo várias vezes pela princesa, mas não tenho resposta. — O que fez com ela?

—Nada, eu não fiz nada! — Anat responde, apavorada. — Ela desmaiou de repente, por sorte consegui impedir que se machucasse.

—Me ajude a colocá-la na cama. — Peço. Então, Anat e eu carregamos a princesa até sua cama.

—Acha que ela vai ficar bem? — Anat pergunta e eu quase posso ver preocupação em seus olhos, mas me recuso a acreditar.

—Para o seu bem, é melhor que sim. — Falo. — Saia daqui!

—Eu sinto muito, Leila. — Ela fala com o olhar baixo e faz menção de se retirar.

—Anat? O que está fazendo aqu... — Hadany detém suas palavras ao ver sua mãe desacordada. Ela corre para junto da princesa e no caminho acaba esbarrando em Anat, que por muito pouco não vai de encontro ao chão. — Mãe! Mamãe, fale comigo... Mamãe! — Ela me olha, com seus olhos marejados de lágrimas. — O que houve, Leila?

—Eu não sei! Quando cheguei ela já estava desmaiada nos braços de Anat.

—O que você fez com minha mãe? — A garota exclama com raiva.

—Eu não fiz nada! — Anat mais uma vez repete que nada fez para provocar o desmaio da princesa.

—FORA DAQUI! — Hadany ordena e Anat se retira dos aposentos. — Leila, vá chamar Paser. Traga-o até aqui o mais rápido possível.

(...)

—O que ela tem, Paser? — Hadany pergunta assim que o sumo sacerdote termina de examinar a princesa.

—Nada de grave, alteza. Esse desmaio com certeza deve-se ao dia intenso e de muitas emoções que ela teve. — Ele olha para a princesa com seu olhar cuidadoso. — Precisa descansar, minha senhora.

—Eu não vou ter descanso enquanto isso não acabar... Tudo isso. — A princesa fala, dando a entender que não se refere apenas a volta de Anat, mas também ao confronto entre seu filho e o rei.

—Beba esta fórmula, ajudará a acalmá-la. — O sumo sacerdote entrega um pequeno frasco a princesa.

—Está bem. — Ela concorda e então toma o líquido do frasco. — Obrigada, Paser.

—Não precisa agradecer, princesa. Se precisarem de mim, é só chamar. — Paser faz um reverência simples. — Com licença.

O sumo sacerdote deixa os aposentos da princesa. Esta, se senta em sua cama e fica em silêncio por alguns instantes, como se uma ideia lhe passasse pela cabeça.

—Leila, vá até a cozinha e peça a Gahiji que prepare bastante comida. — Ela pede. — Hadany, me ajude a procurar minha capa.

—O que a senhora pretende fazer? — A filha da princesa pergunta.

—Eu vou até a vila ver o meu filho, e não tentem me fazer mudar de ideia. — A princesa responde, decidida.

—Mas, o sumo sacerdote disse que a senhora precisa descansar. — Argumento.

—Eu não vou descansar contrariando o que meu coração me diz, Leila. — Ela fala. — Faça o que lhe pedi, por favor.

—Como quiser, senhora.

—Eu também vou. — Hadany decreta.

—De maneira alguma! Você vai ficar aqui, é mais seguro e chamará menos atenção. — A princesa proibe a filha de acompanhá-la. — Apenas Leila irá comigo.

—Onde vão? — Meu sogro nos surpreende com sua presença.

—Até a vila, falar com Moisés. — A princesa responde sem rodeios.

—Isso é loucura! Se o rei descobrir, nem sei o que pode fazer com você. — Hur fala, na tentativa de fazer com que sua esposa desista da ideia de sair do palácio.

—Sem contar que ela teve um desmaio. — Hadany ressalta. — Paser acabou de sair daqui.

—Um desmaio? — Meu sogro se surpreende e olha para a princesa com preocupação. — Mas, por que? O que você tem, meu amor?

—Nada! Eu estou bem. — A princesa fala ao se levantar e ficar firmemente de pé. — E nada do que vocês disserem vai me convencer a desistir. — Ela volta seus olhos para mim. — Leila, faça o que te pedi e esteja pronta para irmos.

Por Henutmire

A movimentação no palácio já é menos intensa e é o momento certo para Leila e eu sairmos sem sermos notadas, ao menos assim espero.

—Isso é muito arriscado. — Hur fala, enquanto eu coloco minha capa branca com a ajuda de Hadany.

—Eu preciso ver meu filho, Hur. — Falo. — Não se preocupe, Leila me fará companhia.

—Ela também não deveria ir. — Ele argumenta. — É perigoso as duas andando sozinhas por aí, a noite. Além disso, não é prudente repassar mantimentos do palácio para os escravos.

—Aqui esses alimentos não farão a menor falta e na vila podem salvar vidas, meu pai. — Hadany fala. — Leila disse que os hebreus estão se desdobrando para cumprir essa cota impossível que meu tio impôs a eles de propósito e que sequer têm tempo de assar um pão.

—Eu sei que não fará falta a cozinha de Gahiji, a questão não é essa. — Hur fala. — Se o rei descobre vai se sentir traído pela própria irmã.

—Eu já perdi o meu filho uma vez. O que eu poder fazer para ajudá-lo, eu farei. — Dou um passo a frente, me aproximando de meu marido. — Eu não vou permitir que nada de mal aconteça a Moisés.

—Por favor, não vá até lá. — Hur pede mais uma vez.

—Sinto muito, mas não vou lhe obedecer dessa vez.

—E quando é que você obedece? — Ele fala, me fazendo rir. Em seguida, segura minhas mãos. — Já que não posso te convencer a ficar, eu vou com você.

—É melhor não. Se for muita gente aí sim levantaremos suspeitas. — Seguro em suas mãos com mais força e sorrio. — Preciso que cuide de nossas meninas em minha ausência. E se alguém procurar por mim é bom que esteja aqui, diga que estou dormindo.

—Tem razão. Mas, tome muito cuidado. — Sinto o toque macio de Hur em meu rosto. — Não quero que nada de mal lhe aconteça.

—Não vai acontecer, Leila e eu seremos discretas. — Falo.

—Promete que não vai demorar? — Hadany se aproxima de mim e eu me desmancho diante de seus olhos azuis suplicantes.

—Prometo. — Abraço minha filha e em seguida lhe dou um beijo na face. — Agora, preciso ir. Leila está me esperando com os servos.

Hur coloca o capuz da capa em minha cabeça e em seguida deposita um beijo suave em meus lábios. Ele me acompanha até a porta de meus aposentos e abre-a para mim, mas, antes de passar por ela, olho mais uma vez para minha filha e sorrio, tentando transmitir confiança ao seu coraçãozinho aflito. Meu marido me beija novamente e então eu saio de meus aposentos para me encontrar com Leila e ir até Moisés.


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Notas finais do capítulo

Lá vai Henutmire de fantasminha encapuzada para a vila... hehehe Anat mal chegou e já levou uns tapas, hein?! Isso ainda vai render... Até o 19, meus amores.



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