La Llorona escrita por Degenelara
— São seis dimas por noite, certo? — O Viajante questionou ao dono da estalagem.
— Seis dimas, sete com o ezmozar pela manhã. — O velho comerciante acenou com a cabeça. — Diga-me, o que o traz a Mirandell?
— Estou voltando para casa, nas províncias do Norte, Gália. Na ida, passei por Olot. Como as hospedarias estavam lotadas, me indicaram a sua aqui em Mirandell. Mas pretendo partir ainda pela madrugada.
Os olhos do dono da estalagem se arregalaram.
— Senyor, espere ao menos o Sol se levantar para seguir viagem. Não é seguro.
— Já lidei com feras selvagens antes, senyor. Não seriam grande problema.
— Ah, se fosse apenas por animais... Forasteiro, o que sabes de Mirandell?
— Não muito. Apenas que fica em região de planaltos, é pequena, e todas as casas que já vi por aqui são brancas. E.. Recentemente houve uma epidemia de varíola, não?
— É um bom começo, Forasteiro. Mas pelo que vejo, ninguém o alertou de que estás numa cidadela com suas.. Peculiaridades. — Fez uma pausa, tentando manter sua calma. — Aconteça o que acontecer, não saia daqui antes do Sol aparecer.
Intrigado, o Viajante agradeceu, e subiu as escadas para o seu quarto.
. . .
Não, o Sol nem começava a se erguer no horizonte. As estrelas ainda dominavam o céu, e a Lua minguante estava tímida, escondida pelas nuvens. Ou simplesmente tentava se ausentar daquele cenário futuramente trágico.
Na cama de um dos quartos da Estalagem, o Viajante. O possível protagonista da história até então. Melhor, apenas vou lhe adiantar, caro leitor, que ele é apenas uma peça que fará parte de algo maior. O que sabemos do forasteiro até então? Está voltando para casa, na Gália, pagou seis dimas para passar a noite numa estalagem, e tinha certa pressa para chegar a seu destino. Mas ele sequer tem um nome? Ele sabe que tem um nome? Sabe de onde está voltando? Tem família, é um mero andarilho? Prefere doce ou salgado, dia ou noite?
O Viajante sequer tem uma vida? Gostos, opiniões?
O Viajante é uma mera peça nesse prelúdio, leitor. Uma peça prestes a ser eliminada.
Porém, devo acrescentar algo. Algo que fará tão insignificante e automatizado personagem ter de fato, alguma humanidade. Uma pequena característica humana presente em cada um de nós, mais desenvolvida e estimulada em uns do que outros. Característica essa, aprofundada propositalmente para dar continuidade ao início deste enredo e conduzir este pobre andarilho sem nome ao seu triste fim.
Senhoras e senhores, o Viajante é um puta curioso.
Neste exato momento, enquanto eu fazia um breve monólogo sobre ele, o mesmo se levantou da cama, vestindo apenas uma blusa de algodão e calças confortáveis. Observa por uma fresta da janela, e não vê nada demais lá fora, no centro da cidadela, apesar de estar um tanto medonha. As edificações em branco emergem na cidade, como gigantescos fantasmas. O mais profundo e ensurdecedor silêncio retumba pelo vale.
Retumbava.
Primeiro, um choro baixo. Que parecia vir de todo lugar. Soluços, lamentos sussurrados. E depois, aquela visão.
Era uma mulher. Uma mulher vestida de branco, como uma noiva. Por cima do vestido, um véu de renda, que cobria-lhe a face, e se arrastava pela rua de paralelepípedos. Caminhava, mas parecia flutuar. O seu choro tornava-se cada vez mais alto.
Seria uma santa ou o próprio diabo?
— Você.
O Viajante permaneceu em silêncio.
— Você, o Forasteiro da Galiza.
Ele tremia.
— Eu posso ver-te daí, ratinho. — Na rua, a figura virou-se na direção da estalagem. — O que tanto escondes, ratinho?
— Não tenho nada a esconder, senhora.
— Eu posso ver seus segredos, querido. Eu posso ver o que fizestes. Eu sei que não és da Galiza, ratinho. Estás fugindo.
— Me deixe em paz.
— Estás falando só. Por que não vens até mim?
— Não és humana.
— Então eu vou até você, ratinho. — O Viajante sentiu uma mão gelada tocar-lhe o pescoço, e uma respiração esquisita no seu ouvido. — Mas ainda prefiro que desça.
Não havia escapatória para o Forasteiro. Não havia escapatória para quem quer que cruzasse o caminho daquela besta tendo feito algo de errado.
Desceu lentamente a escadaria da estalagem, como se isso fosse retardar seu encontro com a Mulher de Véu.
Tudo era um breu.
A porta de entrada já estava aberta. O vento repentino lhe dava um frio na espinha. Seu corpo ansiava por uma escapatória, seu cérebro o corroía com planos de fuga.
— Nem pense em me deixar. — Ouviu aquela voz doce atrás de si. Não me deixe, como fizeste com elas.
O véu parecia ser muito maior de perto.
— Por favor, eu te dou o que quiseres. Mas me deixe ir! — Instintivamente, começou a andar de forma vagarosa para trás.
— Você poderia ter deixado-as vivas! O que elas fizeram para você? — O tom de voz dela se elevou.
— Elas contariam! Por favor, senhora. Eu lhe imploro.
— Você riu enquanto elas sufocavam! Você cuspiu sobre seus corpos despidos. Mas eu posso lhe garantir, irás de maneira tão dolorosa quanto elas foram. — As palavras saíam em um tom de asco, misturadas a um choro. — Olhe.
As suas mãos pequenas e pálidas levantaram o véu. Um olhar de horror tomou conta do Viajante. Este caiu no chão, os olhos ainda abertos.
Seu coração havia parado de bater.
Ela abaixou o véu, e chorando, continuou sua caminhada, como se nada tivesse acontecido.
Senhoras e senhores, conheçam nossa protagonista.
Ofelia de Mirandell, La Llorona.
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