La Llorona escrita por Degenelara


Capítulo 1
Véu




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— São seis dimas por noite, certo? — O Viajante questionou ao dono da estalagem.

— Seis dimas, sete com o ezmozar pela manhã. — O velho comerciante acenou com a cabeça. — Diga-me, o que o traz a Mirandell?

— Estou voltando para casa, nas províncias do Norte, Gália. Na ida, passei por Olot. Como as hospedarias estavam lotadas, me indicaram a sua aqui em Mirandell. Mas pretendo partir ainda pela madrugada.

  Os olhos do dono da estalagem se arregalaram.

Senyor, espere ao menos o Sol se levantar para seguir viagem. Não é seguro.

— Já lidei com feras selvagens antes, senyor. Não seriam grande problema.

— Ah, se fosse apenas por animais... Forasteiro, o que sabes de Mirandell?

— Não muito. Apenas que fica em região de planaltos, é pequena, e todas as casas que já vi por aqui são brancas. E.. Recentemente houve uma epidemia de varíola, não?

— É um bom começo, Forasteiro. Mas pelo que vejo, ninguém o alertou de que estás numa cidadela com suas.. Peculiaridades. — Fez uma pausa, tentando manter sua calma. — Aconteça o que acontecer, não saia daqui antes do Sol aparecer.

  Intrigado, o Viajante agradeceu, e subiu as escadas para o seu quarto.

. . .

  Não, o Sol nem começava a se erguer no horizonte. As estrelas ainda dominavam o céu, e a Lua minguante estava tímida, escondida pelas nuvens. Ou simplesmente tentava se ausentar daquele cenário futuramente trágico.

  Na cama de um dos quartos da Estalagem, o Viajante. O possível protagonista da história até então. Melhor, apenas vou lhe adiantar, caro leitor, que ele é apenas uma peça que fará parte de algo maior. O que sabemos do forasteiro até então? Está voltando para casa, na Gália, pagou seis dimas para passar a noite numa estalagem, e tinha certa pressa para chegar a seu destino. Mas ele sequer tem um nome? Ele sabe que tem um nome? Sabe de onde está voltando? Tem família, é um mero andarilho? Prefere doce ou salgado, dia ou noite?

  O Viajante sequer tem uma vida? Gostos, opiniões?

  O Viajante é uma mera peça nesse prelúdio, leitor. Uma peça prestes a ser eliminada.

  Porém, devo acrescentar algo. Algo que fará tão insignificante e automatizado personagem ter de fato, alguma humanidade. Uma pequena característica humana presente em cada um de nós, mais desenvolvida e estimulada em uns do que outros. Característica essa, aprofundada propositalmente para dar continuidade ao início deste enredo e conduzir este pobre andarilho sem nome ao seu triste fim.

  Senhoras e senhores, o Viajante é um puta curioso.

  Neste exato momento, enquanto eu fazia um breve monólogo sobre ele, o mesmo se levantou da cama, vestindo apenas uma blusa de algodão e calças confortáveis. Observa por uma fresta da janela, e não vê nada demais lá fora, no centro da cidadela, apesar de estar um tanto medonha. As edificações em branco emergem na cidade, como gigantescos fantasmas. O mais profundo e ensurdecedor silêncio retumba pelo vale.

  Retumbava.

  Primeiro, um choro baixo. Que parecia vir de todo lugar. Soluços, lamentos sussurrados. E depois, aquela visão.

  Era uma mulher. Uma mulher vestida de branco, como uma noiva. Por cima do vestido, um véu de renda, que cobria-lhe a face, e se arrastava pela rua de paralelepípedos. Caminhava, mas parecia flutuar. O seu choro tornava-se cada vez mais alto.

  Seria uma santa ou o próprio diabo?

— Você.

O Viajante permaneceu em silêncio.

— Você, o Forasteiro da Galiza.

Ele tremia.

— Eu posso ver-te daí, ratinho. — Na rua, a figura virou-se na direção da estalagem. — O que tanto escondes, ratinho?

— Não tenho nada a esconder, senhora.

— Eu posso ver seus segredos, querido. Eu posso ver o que fizestes. Eu sei que não és da Galiza, ratinho. Estás fugindo.

— Me deixe em paz.

— Estás falando só. Por que não vens até mim?

— Não és humana.

— Então eu vou até você, ratinho. — O Viajante sentiu uma mão gelada tocar-lhe o pescoço, e uma respiração esquisita no seu ouvido. — Mas ainda prefiro que desça.

  Não havia escapatória para o Forasteiro. Não havia escapatória para quem quer que cruzasse o caminho daquela besta tendo feito algo de errado.

  Desceu lentamente a escadaria da estalagem, como se isso fosse retardar seu encontro com a Mulher de Véu.

  Tudo era um breu.

A porta de entrada já estava aberta. O vento repentino lhe dava um frio na espinha. Seu corpo ansiava por uma escapatória, seu cérebro o corroía com planos de fuga.

— Nem pense em me deixar. — Ouviu aquela voz doce atrás de si. Não me deixe, como fizeste com elas.

O véu parecia ser muito maior de perto.

— Por favor, eu te dou o que quiseres. Mas me deixe ir! — Instintivamente, começou a andar de forma vagarosa para trás.

— Você poderia ter deixado-as vivas! O que elas fizeram para você? — O tom de voz dela se elevou.

— Elas contariam! Por favor, senhora. Eu lhe imploro.

— Você riu enquanto elas sufocavam! Você cuspiu sobre seus corpos despidos. Mas eu posso lhe garantir, irás de maneira tão dolorosa quanto elas foram. — As palavras saíam em um tom de asco, misturadas a um choro. — Olhe.

  As suas mãos pequenas e pálidas levantaram o véu. Um olhar de horror tomou conta do Viajante. Este caiu no chão, os olhos ainda abertos.

  Seu coração havia parado de bater.

  Ela abaixou o véu, e chorando, continuou sua caminhada, como se nada tivesse acontecido.

  Senhoras e senhores, conheçam nossa protagonista.

Ofelia de Mirandell, La Llorona.


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