Abandono. escrita por JesseJoke


Capítulo 9
Em paralelo.


Notas iniciais do capítulo

Oi oi oi!!! Aqui está mais um capitulo! O que é que acham?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/691300/chapter/9

A Jena está a falar com o Dawson. Quer dizer, o nome dele não é mesmo Dawson... Eu explico;

Quando estava na quarta classe do 1º ciclo, o Luís - um rapaz extremamente meloso e simpático com uma queda para os dramas - disse à Angie que ela era a Rose Bukator do seu Jack Dawson. A Angie ofendeu-se porque nunca vira o filme do Titanic e só sabia que no fim morriam os dois tornando a sua espontânea declaração de amor num inferno. Disse ao pai que um "menino da escola" lhe tinha pedido para morrer afogada e este foi lá para falar com a diretora sobre a indisciplina do mesmo. Quando o Luís confessou tudo - que tinha um fraquinho pela Angelina e que a ultima coisa que queria era que ela morresse - o pai e a diretora desataram a rir. A professora também ficou a saber e na aula seguinte obrigou todos os alunos a assistir ao filme, agradecendo ao Luís pelo pequeno "incidente" que, no fundo, teve a finalidade de ensinar aos seus colegas o que era, de facto, a história do Titanic! Desde aí que todos o tratam por Titanic, por Jack ou por Dawson.

Estou encostada à parede branca da parte de fora do edifício. Montes de alunos vagueiam para lá e para cá como formigas à procura de migalhas de pão. A Jena continua a falar com o Dawson e de vez em quando lança-me um olhar discreto como que a certificar-se de que eu ainda estou aqui. Fez-me sinal com a mão para que esperasse mais um pouco e continuo a observá-la enquanto oiço musica.

O Júlio aproxima-se deles e os três conversam animadamente enquanto que eu assisto impotente. Endireito a coluna ao reparar na sua presença e engulo em seco quando ele olha para mim. Os seus olhos castanhos a engolirem os meus. Desvio a atenção do seu rosto e quando volto a olhar ele também fizera o mesmo. Sacudo levemente a cabeça em negação... Pensamentos perversos. Andar tanto tempo com a Jena só me podia fazer mal! Isto está a demorar demasiado. Começo a afastar-me a passos curtos e demorados até Jena alcançar-me e começamos a andar normalmente.

—Ei... Calma.

Assenti. Ela tem razão. Mas eu estou calma... Não estou?

Passam alguns minutos.

—O que é que se passou à pouco?

—Como assim?

—Sei lá! Ficaste estranha de um momento para o outro.

—Não foi nada.

Passou mais algum tempo até ela recomeçar com o diálogo.

—Há um problema em relação ao trabalho de literatura.

—Qual? O da análise dos "Lusíadas"?

—Sim, esse.

—E qual é o problema?

—O meu tio vai arranjar algo para a minha tia, um armário ou coisa parecida, e não conseguiríamos fazer nada com o barulho da serra e das ferramentas.

—Podemos fazê-lo em minha casa... O que é que achas?

Ela parou de andar e olhou-me estática.

—O que é que foi?

—Eu... Hum... Esquece, não é nada.

Encolhi os ombros quando ela reiniciou a caminhada. Sentámo-nos no vão das escadas que davam acesso ao segundo andar.

—Sabes que se querias ir à minha casa, era só pedires... Não sabes?

—Sim, sim. Claro.

Ergui uma sobrancelha testando-a.

—Okay, okay... admito que talvez tenha ficado um pouco receosa. - Sorriu. - Mas foi só um pouco!

Ri-me.

—Tudo bem. Depois das aulas vamos para lá.

Nesse mesmo instante tocou a campainha e fomos para a aula.

O dia passou rápido e, quase sem reparar, do nada, encontro-me a pensar no Júlio. Abano expressivamente o rosto e desenterro-o do caderno de apontamentos. Ele está à minha frente e quando levanto o olhar, percebo, está alguém a olhar para mim através do espelho da sala... Deixei de respirar por alguns segundos. É ele novamente. Será estrábico? Não, não... Ele tem os olhos direitos. Mas então, se já reparou em mim, porque é que continua? Porque é que não para? Para! Respiro fundo e deixo os seus olhos antes que eles me invadam. Estupido...

Tocou para a saída e volto a apressar-me para ir para casa. Esqueço-me de Jena.

—Espera!

Desmorono. Deixo a cara de guerra. Enfrento a paz com agrado.

—Desculpa.

—Estás mesmo bem?

—Sim, estou. Vamos embora.

Segui-mos ambas pelo caminho do costume mas virámos as duas à direita invés de ela continuar em frente. Tateio a chave nos bolsos e na mochila, encontro-a e faço-a girar sobre a fechadura. Entramos e atiro a mala para o pequeno canto entre a parede e a porta depois de fechada. Ela faz o mesmo olhando em volta.

—Gosto dela.

Sorri observando a divisão e os retratos como ela.

—Eu também...

Encaminhei-a para o meu quarto e sentámo-nos sobre a colcha vermelha. Acabámos por nos deitar mesmo e encarei o teto por longos minutos enquanto tudo desaparecia. O quarto, a cama, a Jena... Só eu e um grande vazio. Um vazio tão escuro tão escuro que parecia quase preto, mas que não era. As iris completamente indistinguíveis da outra parte dos seus olhos. O branco tão branco que até o sujo desejaria tornar-se limpo e aqueles lábios avermelhados... Parecem tão macios e no entanto impossíveis de tocar! Levanto-me rápido. Jena já não está na cama. Terei sonhado? Não, não é com isso... Estará a Jena mesmo cá? Olho para o lado e encontro-a debruçada sobre a minha poltrona. Virou-se e encarou-me.

—Há, já acordaste.

—Adormeci?!

—Sim, mas não faz mal. Deves estar exausta... Se preferires, fazemos isto noutro dia.

—Não, não é preciso. Quanto tempo dormi?

—Uma hora e meia, talvez duas.

—Então já são...

—Cerca de sete horas. Sim.

—Okay.

Ficámos em silêncio, pensativas.

—E tu...?

—Estive apenas a fazer algumas pesquisas. Usei o teu computador, espero que não te importes.

—Está bem.

—Queres que vá embora? Eu posso ir.

—Não, deixa estar. Já agora, queres dormir cá?

—Dormir?!

—Sim, dormir. Não tenho nenhuma cama a mais a não ser que queiras dormir no outro quarto mas acho que assim perdia um pouco a graça. Podias dormir aqui, tenho almofadas no armário, podes escolher uma.

—Pode ser, então.

Levantei-me esticando os braços e as pernas.

E sim, eu não sabia se havia ou não de a convidar... Quer dizer, e se ela dissesse não? Sua parva! Pareces uma gaja a falar de relacionamentos! Apaga de uma vez! Raciocina! Ela já disse que sim, não foi? Então pronto.

—Vamos antes comer qualquer coisa. Depois acabamos o trabalho.

Ela concordou e fomos para a cozinha. Eu sonolenta, ela normal.

—Bolachas, sanduiche, torradas, chá, leite, sumo... Água?

—Como o que tu comeres.

Revirei os olhos com um sorriso.

—E se eu disser o mesmo? Como o que tu comeres.

Ela também riu. Passou as mãos pelos fios loiros e disse por fim:

—Torradas e sumo. Está bem assim?

—Ótimo... E algumas bolachas.

—Claro!

Preparei e coloquei tudo na pequena mesa de jantar. Comemos enquanto conversávamos e fomos assistir a um filme que passava na TV. Ela acabou por adormecer e deixou cair, inconscientemente, o rosto sobre o meu ombro. Bocejei. Tínhamos de ir fazer o trabalho... Toquei-lhe na bochecha com o dedo indicador e ela retirou a minha mão de lá num gesto descoordenado e leve. Estava a ser divertido mas tinha de a acordar.

—Jena... Jena!

—Hum?

—Bora, temos de acabar aquilo.

—Vai tu, não quero ir a festas agora.

—Não é nenhuma festa. É o trabalho dos "Lusíadas"!

—Não gosto dele.

—De quem? Do Luís Camões?

—Sim, ele não vê.

—Bem, ele vê sim. Mas é só de um olho.

—Ele não vê!

—Tudo bem; ele não vê. Mas temos mesmo de analisar o que ele escreveu.

—Ele não vê. Ele não escreve!

Massajo a testa com as mãos contendo o riso.

—Okay. Ele não escreve. Ele... Ele pediu a alguém que escrevesse por ele. Sim, é isso!

—Ele não fala.

—Porra Jena! Só falta dizeres que ele não tem pernas, nem braços, nem coiso!

—Ele não tem nada!

Gargalhei e ela "acordou" assustada.

—O que é que aconteceu? Para de gritar, por favor, estás a assustar-me!

Tossi com a falta de ar em evidência nos meus pulmões.

—Esquece. Vamos fazer o trabalho.

Levantei-me de onde estava, com Jena sempre a olhar-me suspeita.

—Anda! Do que é que estás à espera?

Ela seguiu-me duvidosa.

Fizemos o trabalho e adormecemos com alguma dificuldade.

E eu sonhei... Sonhei muito, demasiado! Não consegui acordar.

De um lado estavam os meus pais.

Do outro o Júlio... Mas como? Por que é que eu os ponho em paralelo? Para Kat! Acorda. Por favor...?

Mas o pior de tudo é que não sei se quero acordar! Ele é tão... Calmo. Astuto. Musculado!

Assusto-me ao proferir, no meu sonho, esta palavra. Mas ele sorri. Por que é que ele sorri? E tem uns dentes tão brancos... E aqueles lábios parecem....

Engulo em seco.

Tão, mas tão quentes. Carnudos. Apetece-me mord...

Abro os olhos e a primeira coisa que vejo é o teto acinzentado do meu quarto. Voltei a dormir mas, desta vez, sem sonhos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Abandono." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.