Abandono. escrita por JesseJoke


Capítulo 8
Talvez sejam mesmo "sentimentos".




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Acordei ainda enrolada na toalha e, adivinhem, revestida de gelo! Que ideia mais absurda...

Preparei-me para ir correr. Vesti umas leggins pretas e um top rosado com uma camisola arroxeada por cima. Peguei na minha bolsa preta (das que se metem à cintura) e meti lá dentro a minha garrafa de água, as minhas chaves de casa e o meu telemóvel.

Sai de casa, atravessei a entrada do prédio e espirrei... Voltei para trás para trazer comigo dois pacotes de lenços e prossegui atravessando a passadeira da minha rua. Fui para o parque da vizinhança, que, por serem quase seis da manhã, estava quase deserto e fui até à pista de corrida.

Corri bastante a tentar esquecer-me do que acontecera na noite anterior e consegui, mas só por momentos. Limpei o suor da testa com a toalha que envolvia agora os meus ombros e caminhei até à saída do parque. Daí consegui avistar um rapaz de capuz negro a fumar encostado à grande parede de cimento que separava a pista de corridas do parque em si. Isto é, da parte dos escorregas e dos baloiços. Os nossos olhos cruzaram-se mas sacudi o rosto negativamente e voltei para casa.

Então era dali que vinha o cheiro...

Tomei um banho apressado mas relaxante. Coloquei tudo o que precisava na mochila verde escura que envergava todos os dias no colégio e apressei o passo para não chegar atrasada.

Encontrei Jena pelo caminho e sorrimos juntas.

(...)

Júlio. POV

Katrina, aquela Katrina! Anda sempre sozinha, ou melhor, andava! Desde que chegou a rapariga loira que já não consigo olhar para ela sem uma cabeça no meio. Qual é que era mesmo o nome dela? Joana, Jéssica, Jena... Sim, deve ser isso; Jena. A miúda fala mais do que eu! Sempre a fazer perguntas... Mas ao que parece todos simpatizam com ela. Admito que também não desgosto, é só... Não sei.

Hum... O que eu queria dizer era que já não a conseguia irritar. Sim; "Desde que chegou a rapariga loira que já não consigo irrita-la sem uma cabeça no meio." É exatamente isso.

Enfim.

Mas embora a Kat se encontre com frequência com a Jena, sei que não lhe conta tudo. Aposto que ela não sabe que todas as manhãs, todas sem exceção, a Kat vai para a pista do parque correr. Aposto que não sabe que ela dança pelas estradas desertas enquanto ouve música no seu ipad. Aposto que não sabe que ela não consegue beber leite com chocolate, café, o que for; ela apenas gosta de leite branco. E aposto que não sabe que ontem a amiga dela ia quase morrendo atropelada...

Não me orgulho de não ter feito nada a respeito disso mas, porra! Eu tentei!

Estava a caminhar para casa quando a oiço a cantar, lá bem no fundo da rua. Começaram a chover pequenos rabiscos e corri por dois segundos para partilhar consigo o meu chapéu de chuva. Desisti dessa ideia ao vê-la abrir os braços e rodar sobre uma poça de água. Sorri, Katrina estava bem assim; no seu próprio mundo. Mas então a chuva engrossou e caiu uma extensa camada de água sobre nós. Voltei a correr para, mais uma vez, lhe prestar os meus "serviços" mas o trinco encravou e não consegui abrir o chapéu. Parei a meio caminho e já ela corria para se resguardar. Deixei-a ir, não a chamei, não emiti nenhum som mas, no meio daquele nevoeiro repentino, pude ver duas luzes a vir na sua direção e corri para ela, juro que corri. Nada mais importava se pudesse arrastá-la dali, impedir que aquilo acontecesse, aquilo que eu sabia que ia acontecer. Mas o carro passou por ela e não ouvi... Não ouvi o grito. Aquele grito que magoa os nossos ouvidos, que tortura a nossa alma e nos deixa sem expressão; vazios. Fiquei estático por longos minutos, segundos, não sei. Só sei que me senti um caco quando a ouvi a chorar, ajoelhada no asfalto. Não gritava, não dizia nada. Apenas chorava e batia com os punhos na água. Tinha o cabelo colado à cara e ao pescoço e, com as mãos a tremer, tentava limpar o rosto. Não me consegui mexer... Por fim, levantou-se e assustei-me quando se virou para trás. Os olhos vermelhos, aquele verde tão mais escuro e o rosto pálido. Escondi-me saltando para trás do muro da casa ao lado.

Nunca a vira chorar. Claro que já reparei na falta de entusiasmo da sua voz, na maneira como anda, nas suas covinhas e em como parece que o seu cabelo dança quando uma brisa sopra. Já reparei no facto de nunca pintar as unhas e nos seus dedos brancos e longos enquanto escreve com a sua caneta preta (e no quanto gosta de a roer). Já reparei no amor que sente àquele colar, àquele pendente dourado que carrega ao pescoço. Já reparei que, quando corre, corre com gosto. Os músculos das suas pernas em perfeita sintonia com o seu rosto, com a sua respiração e, diria, até com o bater do seu coração. Já reparei na maneira desafinada com que tenta cantar as canções do Eminem, do John Legend, do Axl Rose e do Kurt Cobain. Já reparei na sua voz rouca quando fica entediada e nas suas bochechas vermelhas, efervescentes quando envergonhada. E já reparei, muitas vezes, na maneira como gagueja quando não sabe o que dizer, no seu olhar baixo e nos seus braços a envolver a sua cintura. E, Deus... Como ela fica linda corada!

Já falei de mais.

A questão aqui é que eu não sou bom para ela. E o que é que eu faço? Observo-a, idolatro-a, vejo-a todos os dias na carteira atrás de mim através do espelho ao lado do quadro da stora. E também já falei com ela, mas suponho que não tenham sido as minhas melhores deixas.

E também a ignoro. Quando ela olha para mim e eu lanço-lhe um olhar de desprezo. Por que é que eu a olho assim? Não sei. Talvez tenha medo que se torne demasiado óbvio...

Já imaginaram o que seria? E não, eu não me refiro aos outros; estou-me a lixar para os outros se querem saber. É só que... Ela não me pertence. Ela pertence a outro alguém, algo bastante superior a mim. Não sei se foi um namorado, um amigo, mas há sempre algo que me diz que eu não devia sequer encará-la. Ela pertence ao passado, está sempre a pensar em algo que não está aqui. Algo que eu não vejo, que ninguém vê! E só ela o sabe então... Então eu não tenho nada que questionar sobre o que ela pensa ou deixa de pensar.

Para além de que sou um perfeito psicopata! Um tarado! A acordar todos os dias às seis da manhã só para a ver correr... Para ver aquele rabo-de-cavalo ser desfeito pelo vento e aquele suor a ser limpo por aquela toalha azul que ela leva sempre consigo. É... Eu sou mesmo um psicopata. Ou talvez não seja. Toda esta confusão na minha cabeça, toda esta busca e só por causa de uma rapariga? Atração? Não creio. Mas também não são, tipo, sentimentos! Claro que não... Eu sou um jogador e já joguei a tantos jogos que me é impossível contar os prémios! Uma loira aqui, uma ruiva ali... Antes podia dizer com orgulho que elas já foram minhas, por uma noite mas ainda assim minhas. Mas agora? Agora é quase como um grande peso auto destruidor que carrego aos ombros, uma grande vergonha que me consome.

Uma coisa eu sei; eu não a quero apenas por uma noite. E não a quero apenas no sentido carnal. Eu quero-a ao meu lado, tanto em pensamento como em pessoa. E quero esquecer todas as outras miúdas com quem fui para a cama. Algumas já esqueci. Mas a ela? Nunca a irei esquecer. A partir deste momento, o meu jogo é outro e acreditem que gostaria de ser o único a jogar. Ninguém lhe iria fazer mal, a sua alma ganharia cor. Eu próprio a pintaria.

Respirei uma ultima vez aquele fumo que me mata lentamente, o pescoço inclinado para trás para depois o soltar com um suspiro longo... Deixei cair o cigarro ao chão e pisei-o. Deixaria até de fumar se ela me pedisse! Foi ai, quando os meus olhos encontraram os seus, que eu percebi.

Talvez sejam mesmo "sentimentos".


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Notas finais do capítulo

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