Abandono. escrita por JesseJoke


Capítulo 2
A minha unica amiga.




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Escovo os meus dentes com pressa, depois, sinto a água fria no meu rosto. Respiro fundo; sempre me soube bem mergulhar a cara assim nas mãos em concha. Enxugo a face, vejo as horas. Coloco uma maçã na mala. Já estava atrasada.

Não tenho o costume de comer de manhã, o estômago revira, não me sinto bem. Ao invés disso, vou correr e volto a casa a tempo de tomar banho e ir para o colégio.

Não é o primeiro dia de aulas e a descontração acompanha-me até ao amontoado de edifícios barulhentos. Observo grupos de pessoas a conversarem, invento assuntos de acordo com as suas expressões e pergunto-me se será mesmo esse o motivo da conversa. Por vezes solto um riso ligeiro... "-Ele já não me fala..." e "-Estava a ver que não me largava!" são das frases mais ouvidas nos arredores e a sua constante repetição faz-me pensar no abismo que me separa daquelas pessoas; tão alheias aos outros, tão desprovidas de vida própria!

E talvez, só talvez, eu também fosse assim se nada daquilo tivesse acontecido. Seria mais... social. Divertida, normal! Eu não sei. Mas tenho a certeza de que muita coisa seria diferente.

Fui criada na instabilidade; perdi a minha melhor amiga aos treze anos quando ela foi adotada por um casal de americanos residentes em Portugal à mais de uma década. Iam e vinham cada vez mais rapazes de raparigas, mas acabei por me isolar; nenhum deles era a Sandra, morena de olhos castanhos , baixinha mas mais alta que eu, gozona, indiferente a todos exceto a mim. "-Mesmo perdida, encontrar-te-ei sempre.", dizíamos meigas quando a outra tinha pesadelos com a família, e entrelaçávamos os dedos mindinhos sujos com lágrimas de sal. Nunca mais a vi, nunca mais a encontrei...

Este ano, quando entrei para o colégio, muitas meninas vieram falar comigo. Procurava sempre nelas a rapariga que mais me ajudou e só numa encontrei a baixa estatura e a gargalhada contagiante características de Sandra. Mas continuava a não ser ela e, por agora, cumprimentamo-nos somente com um aceno.

Todas as pessoas são diferentes, e é isso que eu respondo quando me perguntam o porquê de ainda não o ter superado... Porque não consigo. E talvez por não querer superá-lo! Talvez não queira olhar para a fotografia da mãe como se ela fosse a mulher que me trouxe até aqui. Não... Ela foi a pessoa que mais me amou, foi quem me ensinou a atar os atacadores, foi quem me pegou ao colo e levou ao médico quando desloquei o braço. Ela foi muita coisa e não apenas "a mulher que me trouxe"! Era ela que sorria quando nos diziam o quão eramos parecidas e era ela que me fazia sorrir. Por isso não consigo superá-lo! Tenho medo de a esquecer; de esquecer tudo o que fez por mim.

Tenho medo de esquecer as tardes no escritório do pai e do seu bafo caloroso quando ria e eu estava ao seu colo.

Medo de acordar e de não me lembrar de nada.

Tenho medo de dizer "-Eu não tenho mãe. Eu não tenho pai."


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Notas finais do capítulo

Desculpem o capitulo estar tão pequeno!!!



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