Professores escrita por Vatrushka


Capítulo 2
Antropologia




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Eu controlei, com todas as forças do meu ser, para não fazer uma facepalm.

Apenas encarei o meu tio por longos segundos. Não, ele realmente estava falando sério.

Ele chamou um profissional (eu, muito prazer) para lecionar uma matéria em um colégio consideravelmente importante, sem saber do que a matéria se tratava.

E se tivesse algo a ver com satanismo? Ou incentivasse valores como, sei lá, dos Ku Klux Klan?

Inspirei profundamente - embora que de forma silenciosa - para que pudesse continuar:

"Uau." Soltei. "Você realmente ficou adepto a se deixar levar pela onda."

"Quanto mais radicalmente, melhor." Confirmou o diretor, risonho. "Mas você não me respondeu."

Eu relaxei os ombros, inclinando minha cabeça.

"Antropologia é o estudo da evolução física, social e cultural do ser humano ao longo da história, tio."

Senhor Fagonça encarou o nada por alguns segundos, absorvendo a explicação.

"Isso não seria História?"

"Se estuda mais o comportamento individual e em sociedade do que os fatos históricos em si."

"Isso não seria Sociologia?"

"Não, não é!" Deixei escapar, com um tom emburrado. Em seguida, me levantei. "Desculpe por ocupar seu tempo, mas creio que não há espaço para minha matéria aqui."

Meu tio se levantou com a mesma velocidade, agora com uma expressão mais séria. A brutalidade de sua ação me assustou.

Me senti uma criança novamente, assustado com a imagem sombria do meu tio.

"Eu não te dispensei." Ele impôs.

Eu sei, eu sei. Eu poderia ter agido como o fodão, dado um corte sensacional respondendo algo como "Eu sei." e ter andado para fora da sala sem olhar para trás... Mas você não tem noção do quanto a aura do meu tio é opressora!

Como um ratinho se agarrando à sua vida, eu voltei a me sentar. Minha voz nem saía mais.

A expressão do Senhor Fagonça suavizou. "Você vai trabalhar aqui, Leo. Os alunos vão aprender Antropologia, querendo e precisando eles ou não."

"Por quê você está fazendo isso...?" Minha voz só não saiu mais aguda que um falsete da Mc Melody.

Meu tio se inclinou sobre a escrivaninha, sério. "Nunca, em nenhum momento da sua vida, ouse afirmar que não há espaço para você aqui."

Depois de passar no banheiro e limpar todo o suor, eu me encaminhei em direção à sala dos professores.

Era grande. E colorida. Assim como a sala do diretor.

Assim como a escola inteira, para falar a verdade...

Haviam muitas mesas grandes, redondas e brancas dispostas, acompanhadas de cadeiras coloridas. Uma cafeteria, alguns sofás também brancos com almofadas geométricas. E coloridas. E muitas estantes (brancas) de livros (coloridos).

Fofo.

Eu fui em direção ao meu armário - branco - que, pateticamente, tinha o meu nome escrito - cada letra de uma cor. Para meu alívio, só estava escrito LEO.

Um homem fechou seu armário, ao meu lado. Soltou uma risadinha.

Eu olhei em sua direção. Era um professor lá com seus 50 anos. Sorrindo ironicamente, ele pegou suas muitas réguas.

"Que isso, cara." Ele falou. "Deixaram um aluno entrar aqui."

Alguns colegas riram. Devo ter feito uma cara muito feia - já que ele ridicularizou minha aparência de ser novo demais - porque ele ergueu as mãos, em sinal de rendição.

"Relaxa, parça. Amigo, amigo." Seu tom de voz era ameno, suave. Por mais que eu quisesse, não consegui ficar com raiva dele. Acabei rindo junto.

"Leo, não é?"

"Sim." Ergui a mão para cumprimentá-lo, mas ele continuava segurando suas réguas. Aproveitei o movimento para fingir que coçava a nuca. "E você é... Evaristo?"

O diretor não foi tão legal com ele ao grifar o nome em seu armário.

"É. Por aí." Ele respondeu, sorrindo. Seus cabelos brancos, soltos, chegavam ao ombro. Tive o impulso de perguntar se ele não era professor de física. "Novo no pedaço, né? Deixa eu te dar umas dicas."

Repentinamente, ele liberou uma mão para me empurrar pelo ombro. Eu o acompanhei até uma mesa. "Olha, começando: aqui é diferente de qualquer escola que você já lecionou na sua vida."

"É a primeira vez que eu leciono."

Ele riu. "Boa sorte, amigão."

Eu franzi a testa. "Qual é o problema? Os alunos são encapetados?"

"Não. Longe disso. No geral, são uns doces. O problema também não é o chefe: adoro ele."

Segurei o riso. Não queria que soubessem que eu sou sobrinho do chefe.

"São os nossos colegas."

Demos, automaticamente, uma boa olhada ao redor. Estávamos sozinhos.

"Não que sejam más pessoas, é só que... Como você provavelmente já reparou, o chefe é muito liberal. Qualquer tipo de gente entra aqui."

"Eita." Deixei escapar.

"Pois é."

Ele voltou a mexer em suas coisas, como se fosse me deixar.

Ali.

Sozinho.

No meio da selva.

'Coragem, Leo, coragem.'

"Tem algum... Perigo, mais em específico?"

"Felícia." Disparou ele, sem nem ao menos parar para pensar. "A professora de história. Aquela lá, nem chegue perto. O capeta vestido de gente."

Engoli à seco.

"Inclusive, rapaz... Que matéria você leciona mesmo?"

"Antropologia."

A expressão dele se fechou em dúvida.

Suspirei. "É o estudo da evolução física, social e cultural do ser humano ao longo da história."

"Isso não seria Sociologia?"

Revirei os olhos. Ainda teria muito trabalho explicando isso. "Em um contexto um pouquinho mais histórico."

Evaristo cerrou os dentes, como se tivesse acabado de ver uma fratura muito feia.

"Toma cuidado. Felícia não gosta de concorrência."

Mas quando eu exclamei "Mas não é História!", ele já não estava mais ali.


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