A Garota da Lua escrita por calivillas


Capítulo 37
O COELHO – O senhor da virtude




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— Essa é uma cidade sagrada para nosso povo, pois foi aqui que tudo começou – Su me explicava, enquanto caminhávamos, rapidamente, pela a rua de Kioto.

— Para onde estamos indo?

— Aqui! – respondeu, parando na frente da porta de um pequeno consultório médico.

Quando entramos, encontramos a sala de espera de aspecto simples e bem cheia, eram velhos, homens, mulheres e crianças, Su se dirigiu a atendente.

— Gostaria de falar com o doutor On?

— Todos aqui desejam o mesmo. O senhor terá que aguardar a sua vez. – A mulher comunicou, sem emoção na voz, e continuou pegando uma ficha – É sua primeira vez?

— Não! Não é uma consulta, é assunto de família – Su declarou com impaciência.

— O doutor está atendendo agora, por favor, sente-se e aguarde. – Ela demonstrou toda a autoridade, de quem está acostumada a lidar todo os dias com o público.

Su limitou-se a procurar umas das poucas cadeiras vazias e eu sentei ao seu lado, notei que todos olhavam para nós, pois formavam um casal estranho, jovem oriental de cabelos azuis com uma mulher ocidental ruiva.

Uma velhinha ao lado dele, começou uma conversa:

— É sua primeira vez com o doutor On? Ele é muito bom, quase um santo, cura usando a medicina tradicional e a moderna. E só paga quem tem dinheiro, quem não tem ele não pede nada. – Enquanto, ela relatava, percebi que Su estava tenso.

No momento, que a porta se abriu o médico, um homem de cerca de 50 anos, de cabelos grisalhos, óculos, com um ar muito respeitável, acompanhava uma mãe com um bebê no colo, lhe dando as últimas instruções, pronto para receber o próximo paciente, seus olhos passearam pelos rostos ansiosos que o esperavam, e pararam em nós, foi visível seu espanto. Então, Su se levantou em um pulo, houve alguns segundos de silêncio, o doutor falou algo com a atendente, depois com um leve gesto de cabeça nos convidou a entrar no consultório, foi o que fizemos. O consultório era simples e prático, desprovido de luxo, figuras com as áreas de acupuntura, ying-yang e de paisagens locais enfeitavam a parede.

— Pai, é uma surpresa vê-lo aqui! – o médico falou para Su, aquela frase me chocou, pois era muito estranho ver um homem, que parecia mais velho, chamar alguém que parecia bem mais jovem de pai.

— Queria rever a família – Su disse, humildemente.

— Claro, pai – On falou, emocionado. – Depois de tanto tempo! Precisamos conversar, mas, infelizmente, tenho muito trabalho agora. Mas, faço questão que venha jantar conosco. – Depois, olhou para mim, que tinha ficado esquecido no meio dessa história. – Desculpe-me a indelicadeza. Sou On.

— Meu nome é Diana. – Eu me apresentei, fazendo uma leve reverência.

— Você também está convidada para o jantar. Vou dar o endereço a vocês. – Ele pegou um cartão e escreveu o endereço no verso, estaremos esperando às 6, está bem?

— Sim, está perfeito, obrigada – disse, pegando o cartão e colocando na bolsa, depois de outra despedida, saímos do consultório, que parecia mais cheio ainda.

— Ele parece uma boa pessoa! – considerei assim que voltamos para rua.

— Sim, ele é – Su admitiu com certa tristeza. – Mas, eu o tratei mal. – Ele não concluiu e eu não perguntei qual era a história.

— Que história é essa de pai?

— Ele é casado com minha filha. – Ele não precisa explicar mais nada, pois, sabia que entre nós as aparências enganam muito.

— Vou precisar comprar algumas roupas para o jantar – admiti, pois estava com a mesma calça jeans desde que fui sequestrada de Vancouver, só havia comprado algumas blusas e roupas íntimas.

— Vá! Eu vou até o templo, preciso refletir um pouco! – Sua atitude parecia ter envelhecido alguns bons séculos e ele parecia afrouxar a vigilância sobre mim.

Então, fui as compras, era até engraçado, quando eu entrava em uma loja pedia para experimentar algo, mas as vendedoras olhavam para mim, diziam com pesar que não tinham o meu tamanho, mas eu insistia e elas não acreditavam quando as roupas cabiam, perfeitamente, era uma das nossas vantagens.

Como qualquer mulher estava feliz e satisfeita depois de ter feito minhas compras, voltava para o pequeno hotel, onde estávamos hospedados, quando eu a vi, era uma sombra, que passava despercebida pelos mortais, notei que ela me seguia, quase como se fosse a minha própria sombra, então comecei a andar rápido procurando um lugar mais afastado para caso em precisasse lutar, consegui achar uma pequena viela vazia, em um ato continuo larguei as sacolas no chão e me virei, já com meu arco pronto para o disparo.

— O que você quer? – indaguei, rispidamente, mas a sombra não fez nenhum movimento. — Quem é você? – Eu tinha certeza que era um dos espectros de Eres.

— Não sei – O espectro respondeu confuso, não dava saber seu gênero pela sua voz.

— Por que me persegue?

— Não sei, eu só penso em você e, de repente, estou onde você está.

— Como assim? – Agora, eu que estava confusa.

— Eu não me lembro muito bem, foi em uma estação subterrânea. Houve uma confusão e eu me perdi e agora só me lembro de você. – Assim, me recordei da luta na estação do metrô, da ordem de Eres para os espectros me deterem e, depois que o portal se fechou, alguns deles haviam fugido pelo túnel, talvez a distância do mundo dela, os faça sentir confusos.

— Lamento, mas não posso ajudar você. Vá embora!

— Para aonde? – O espectro parecia mais desnorteado ainda.

— Ora! Para qualquer lugar! – falei, sem paciência, mas o ser ficou ali parado ser se mexer e ouvi passos se aproximando, meu arco sumiu e eu peguei minhas sacolas no chão, comecei a andar lentamente, pois não podia ficar ali conversando com uma sombra na parede.

No hotel, onde estávamos hospedados fui direto para o quarto, sempre olhando em volta à procura da sombra. Não a encontrei, então achei que ela tinha ido embora, tomei um banho e comecei a me arrumar para o jantar na casa de senhor On, já estava quase acabando quando vi a sombra, novamente, parada em um canto do quarto, levei um susto.

— O que você está fazendo aqui? – perguntei, zangada.

— Não sei – respondeu, timidamente. — Eu penso em você e aqui estou, não consigo controlar. – Imaginei que fosse muito bom que ela não se lembrasse da ordem de me atacar, Su bateu na porta.

— Está pronta, Diana? – Eu estava, abri a porta e levei um susto ao vê-lo com o cabelo pretos, penteados ainda com um corte e roupas modernos, porém mais discretos.

— Você está diferente, mas está bem! – falei, admirada.

— Obrigado! Tem alguém com você aí? Ouvi vozes — perguntou, olhando sobre meus ombros.

— Tem – falei, abrindo a porta. – Isso! – Apontei para o espectro ainda para no meio do quarto, Su olhou intrigado.

— Você o trouxe de algum lugar que nós estivemos? – ele quis saber, já que passamos por lugares bem estranhos.

— Não, isso é outra história, mas não sei o que fazer com ele. Ele fala que quando pensa em mim, aparece onde estou – expliquei a Su, não queria dar detalhes da luta na estação do metrô, nem de Eres, para não despertar as memórias do espectro.

— Por que, simplesmente, você não o destrói com a espada ou com uma fecha e o manda de volta para o lugar dele? – Su deu uma solução um tanto radical.

— Não posso fazer isso, com quem não fez nada contra mim – respondi, indignada com a ideia.

— Se quiser eu posso fazer isso.

— Não!

— Talvez, o senhor On possa ajudar, pois ele também é o senhor da magia – Su considerou uma solução.

— Então, vamos? — falei e fechando a porta.

— Você vai deixar essa coisa aí dentro? – Su perguntou espantado com minha atitude.

— Não se preocupe, ele não ficará aí por muito tempo, pois, pelo o que ele me contou, logo estará perto de mim, novamente.

A casa de On parecia ter saído de um sonho, o lindo jardim com várias flores, belas árvores e um lago com carpas e onde se podia ouvir o barulho suave de uma pequena cascata, várias lanternas de papel colorido iluminavam o caminho e eram balançadas por uma suave brisa com perfume de jasmim, o caminho de pequenas pedrinhas de cascalho levava uma casa tradicional, não luxuosa, mas muito impressionante. O dono da casa nos recebeu na varanda, ele parecia mais jovem e belo, agora, e ao seu lado dele uma mulher muito bonita, de traços suaves e delicados e lindos e longos cabelos pretos quase como uma pintura, ambos vestindo quimonos de verão, o dele, azul, e o dela, vermelho.

— É uma honra em tê-los na nossa casa – o senhor On expressava sua alegria verdadeira, assim como a mulher ao seu lado, os dois se curvaram para nós que retribuímos o gesto, então eles nos convidaram a entrar na casa, levei um susto ao ver tanta gente.

— Obrigado – Su respondeu com uma profunda reverência.

— Minha família, o melhor, nossa família, pai – On declarou, ao mostrar um punhado de homens e mulheres que pareciam ter várias idades, mas não havia nenhuma criança. Seguiu-se então uma sequência de nomes e rostos, devo admitir que não guardei a maioria deles, Su parecia impressionado.

Entretanto, antes do jantar, On convidou Su para um passeio pelo jardim.

— Alguns dos convidados, ainda não chegaram, podemos aproveitar para conversar, pai. Venha também, Dama da Lua, com certeza, você gostaria de ouvir isso também.

Nós três caminhávamos pelos caminhos de pedras do jardim, uma lua minguante começava a subir no céu, paramos junto ao lago e On começou a contar.

— Sei porque veio para aqui, porém, infelizmente, o tempo da sua Kushi na terra há muito se inspirou. Mas, você sabe que ela era dessa região, então, eu tenho o conhecimento que depois que o senhor partiu, ela sofreu muito. – On parou por um segundo e olhou para o rosto de Su, talvez, esperando alguma reação, que não veio, por isso, continuou: – Felizmente, ela era muito forte, contudo, muitas vezes, o povo fala demais, corria a lenda na região da relação de vocês e que isso poderia trazer má sorte para o homem que se casasse com Kushi. Um dia, chegou um forasteiro, que não se importava com o falatório e se casou com ela, tiveram uma grande e próspera família, até ela morrer muito velha e feliz com a vida que teve, foi quando a encontrou em Yomi.

Vi os olhos de Su brilharem com as lágrimas que não desceram, entretanto, o momento bucólico foi quebrado, quando On avistou algo.

— O que é isso? – On indagou preocupado, apontando para o espectro que acabara de aparecer no jardim.

— Senhor, preciso de sua ajuda – solicitei, assim lhe contei toda a história da luta da estação, de Eres e do espectro que só pensa em mim e aparecia aonde eu estava.

— Você falou com ele? – On perguntou, preocupado.

— Sim, falei. – Não gostei da cara que On fez.

— Esses seres vivem tanto tempo em outra dimensão, em um mundo sem sentimentos, e perdem sua identidade, não sabem quem são, de onde vieram. Lentamente, vão perdendo as feições e a forma até se tornarem parte do ambiente, sem pensamentos ou vontades, são o nada, fazem só o que mandam. Quando, você falou com ele como um igual, você lhe trouxe de volta um pouco de humanidade.

— E agora, ele fica me seguindo o tempo todo – reconheci, aflita.

— Vou ver o que podemos fazer – On declarou, indo em direção à sombra.

Fiquei com Su, observando On junto ao espectro, sem saber o que falar.

— Pelo menos, ela foi feliz – Su falou, pensativo, pegou um galho no chão e mexer com ela a água do lago, aí uma imagem se formou, como em uma tela de cinema, podia ver uma jovem mulher, com um lindo sorriso, compridos cabelos negros em um jardim de flores amarelas,

— Essa é Kushi?

— Sim – respondeu com tristeza.

— Ela era bonita.

— Era – Su remexeu mais forte a água e a imagem desapareceu. – Mas, eu a perdi para sempre.

On voltou e nos avisou.

— Acho que terão que levá-lo até seu lugar, novamente, já que a cada dia, ele retornará mais e mais a sua identidade original.

— Você descobriu quem era ele ou ela? – quis saber, percebendo o espectro um pouco mais claro.

— Não, ele ainda não se lembra quem era ou de onde veio. A única coisa que se lembra é de você, Dama da Lua. – Depois On mudou o tom. – Vamos deixar nosso amigo aqui, já que, ele não poderá entrar na casa, acho que todos já chegaram. Vamos jantar.

A sala parecia mais cheia, pois havia chegado algumas pessoas.

— Su, por favor, gostaria que conhecesse algumas pessoas. – On fez questão. – Esse é o doutor Hiroshi, ele trabalha comigo na clínica e a filha dele, a doutora Hoshi, ela também está trabalhando conosco agora. A doutor Hoshi nasceu aqui, mas estudou fora e voltou, há pouco tempo. Esse é um parente, um sobrinho, Su — On fez as apresentações, que Su não parecia estar muito interessado no médico magro de cabelos grisalhos, nem na moça com os cabelos negros logo acima dos ombros e óculos de aros vermelhos, porém em uma segunda olhada, ele parou como hipnotizado, e eu mesmo fiquei surpreendida quando vi o rosto quase idêntico do que acabamos de ver no lago, a semelhança com Kushi era mesmo impressionante, ela devia ser uma descendente do antigo amor de Su. Agora, sabia porque On era tão bem-conceituado, ele tinha armado toda aquela situação.

Todos sentamos em volta de uma grande mesa para a refeição, Su ficou ao lado de Hoshi, parecia fascinado com ela, que se sentia encantada com aquela atenção. Tudo ocorria bem, quando um dos empregados veio até On, cochichou no seu ouvido, que assentiu com a cabeça.

— Temos mais um convidado para o jantar. – E se levantou quando Gabriel, com uma atitude imponente, entrou na sala.


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