A Garota da Lua escrita por calivillas


Capítulo 34
O TIGRE – O coração vence a razão




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Depois de algum tempo de voo, pousamos em uma pequena pista, que eu tinha certeza que ninguém sabia da existência dela ou que nenhum radar houvesse captado nosso avião, era a magia que nos tornava invisíveis aos olhos e aparelhos dos mortais. Novamente, usamos a motocicleta para nos deslocar para a cidade, como a diferença de fuso horário era de 17 horas e em Vancouver deveria ser o começo da noite, em Tóquio estávamos no meio do dia seguinte.

— Vamos antes até minha irmã, falaremos primeiro com ela, depois se for necessário, poderemos ir até meu pai – Su me comunicou.

Eu imaginava que encontraria uma casa do mais puro estilo oriental de madeira e papel de arroz, cercada com um belo e bucólico jardim, mas ao invés disso, chegamos a um moderno arranha-céu, todo de aço e vidro. Quando paramos na sua frente e olhei para cima para o seu topo, pude observar o sol em seu vértice acima do edifício.

O enorme saguão tinha no centro de seu piso a figura de um imenso sol estilizado feito em mosaico de cerâmica, também havia catracas para controlar a entrada, só permitindo a passagem do pessoal autorizado que portava um crachá, como em um prédio de escritórios de uma empresa, mesmo assim, Su tentou passar, mesmo se autorização.

— Senhor, posso ajudá-lo? – um dos seguranças de terno escuro, luvas brancas e óculos de sol, apesar de estarmos em um ambiente fechado, perguntou a Su.

— Quero falar com a minha irmã! – Su falou com arrogância.

— Senhor Su, tem alguma entrevista agendada com a senhora hoje? – o segurança perguntou, educadamente, parecendo já conhecer com quem estava lidando.

— Não, mas preciso falar com ela agora! – Su respondeu imperioso, então percebi o segurança colocar a mão na orelha, com se escutasse ordens de vinda de algum lugar, através de um minúsculo receptor.

— Lamento, senhor Su, mas a senhora não poderá recebê-lo agora – o segurança comunicou, calmamente, mas em resposta Su se apoiou nas laterais das catracas deu um impulso com os braços, balançando o corpo e voou com os dois pés do peito do homem à sua frente, que não teve tempo para reação caindo de costas no chão.

Su passou por cima dele, tentando chegar a um dos elevadores, porém com um impulso nas pernas, flexionando o corpo o homem se levantou em um salto e os outros dois seguranças se aproximaram, nesse momento começou em cena típica de um filme de Jackie Chan, com golpes de punhos e chutes altos, rodopios, parecendo uma dança coreografada, uma verdadeira aula de vários estilos de artes marciais. Os funcionários, que regressavam do almoço, ficaram parados, assustados, observando aquele improvável embate.

 Porém em um instante que Su parecia encurralado, ele correu e, literalmente, subiu pelas paredes, chegando até quase o teto e com um salto mortal extraordinário chegou perto de um dos elevadores que, neste momento, abriu suas portas, mas antes que ele entrasse, de dentro dele saiu uma jovem mulher vestida com uma executiva em um belo tailleur rosa, cabelos negros presos em um coque e lindas e delicadas joias dourados, muito elegante e refinadas. Todos pararam o que estavam fazendo quando a viram, até mesmo Su. Ela não disse nada, mas o lugar se encheu com uma atmosfera de tranquilidade, então, o homem que estava logo atrás dela, que eu não tinha notado, pois era bem pequeno, entretanto, com uma atitude bastante segura, falou alto:

— Voltem todos para seus lugares! — Depois se virou para o invasor. – Venha conosco, senhor Su – Pensei que ia ficar ali esquecida, poderia ir embora, mas o homem olhou diretamente para mim. – A senhora também, Dama da Lua.

Seguindo as ordens do homem, um dos seguranças, que ainda estava muito decomposto e sem os óculos, passou um cartão e eu pude atravessar a catraca, sem falar, nada apenas os seguir.

Entramos todos no elevador, em silêncio, Su encarava o chão, eu olhava sem graça para a porta, assim como os outros, só se ouvia uma alegre musiquinha do som ambiente, cuja a letra falava de dias ensolarados, podia entender graças a um encantamento, que nos permitia compreender todas as línguas vivas ou mortas. A mulher saiu primeiro, com o andar firme, sem olhar para trás, seguiu para uma porta dupla, que abriu e entrou.

— Por aqui – O homem pequeno nos indicou o caminho.

No momento que entrei na sala, tive que cobrir meus olhos com a mão para me proteger da claridade, até que me acostumei com ela, então pude ver que paredes externas eram totalmente de  vidro, por onde o sol entrava sem bloqueio. Sentada em uma mesa executiva de aço e vidro, uma mulher que não parecia ter mais de 40 anos, vestindo um belo tailleur vermelho, com os cabelos negros na altura dos ombros em um corte moderno e saltos muito altos, então a outra mulher mais jovem, que nos trouxe do saguão, parou ao lado dela e cochichou algo no seu ouvido e olhou, com reprovação, para Su.

— Su, meu irmão, quando vai aprender a controlar seu gênio? – Depois olhou para mim e sorriu, encantadora. – Dama da Lua, é um prazer conhecê-la!

— O prazer é todo meu, Senhora da Luz Celestial! – Su já havia me ensinado qual era o título dela. — Mas, por favor, me chame de Diana – Pedi, mesmo sabendo que eles eram muitos formais.

— Sim, Diana. Por favor, me chame pelo meu nome é Ama. Essa é minha neta, Jin e esse é meu assessor direto, o Senhor Omo. Vamos tomar chá – Ela nos indicou uma mesinha baixa, então nós nos sentamos em poltronas e sofás e o chá foi servido de maneira ocidental e ela prosseguiu.

— Sabe, Diana, tenho muitos negócios com sua família, principalmente com seu irmão Hélio, que é um dos meus sócios – Aquela declaração não me surpreendeu, sabendo que ambos eram ligados ao mesmo elemento. – Mas o que traz você aqui, de forma tão inesperada? – Ama perguntou, enquanto nos servia o chá, como uma boa anfitriã.

— Recebi um convite irrecusável do seu irmão – respondi por eufemismo, Ama olhou Su de forma reprovadora.

— Lamento muito, meu irmão é muito impulsivo, sempre segue seu coração ao invés da razão. Eu providenciarei para que volte para casa com segurança – Nesse momento, Su me olhou cheio de mágoa, por isso tomei coragem e falei:

— Eu fiz uma promessa para Su, que o ajudaria a encontrar Kushi – Nesse instante, percebi que as xícaras pararam no meio do caminho, Omo teve uma tosse seca e Jin arregalou os olhos.

— Lamento ter feito toda essa viagem à toa, Diana. Porém, infelizmente, Su não poderá encontrar mais Kushi.

Su, que estivera de cabeça baixa, até aquele momento, como um bom menino malcomportado, levantou os olhos em fogo.

— Por quê? – ele perguntou cheio de ira.

— Você sabe porque, Su. Já conversamos sobre isso antes, você tem que se conformar – Ama falou com paciência.

— Não, eu nunca me conformarei! – Ele falou em voz alta, eu irei encontrá-la, levantou e saiu pisando forte, ninguém fez nada para impedi-lo — Então, ele parou na porta e virou-se e disse: — Você não vem, Dama da Lua?

Eu fiquei olhando para os outros, indecisa, sem saber o que fazer, poderia voltar em segurança para casa, mas Su continuou, humildemente:

— Você me prometeu.

Naquele momento, me decidi, coloquei a xícara sobre a mesinha, estava preste a me levantar, quanto Jin segurou minha mão, pela primeira vez ouvi sua voz que era doce e suave, enquanto ela olhava nos meus olhos.

— Cuidado, Dama da Lua, o caminho que seguirão trará perigos que nunca imaginou.

—Obrigada, pelo aviso – respondi gentilmente e segui Su, mas, no elevador, eu o confrontei.

— Que perigos imagináveis são esses que Jin falou?

— Minha sobrinha é um pouco exagerada. Agora, vamos conversar com meu pai.

— E onde ele mora?

— Há algumas horas daqui – ele resumiu.

Outra vez, usamos a moto para nos deslocar por uma região muito bonita, até entramos em um local que parecia uma fazenda, com plantações ladeando uma estrada de terra, parecendo pertencer a outro tempo.

— É a fazenda do meu pai – Su falou para mim por cima dos ombros, ainda na moto.

Agora sim, chegamos há uma tradicional casa oriental, de madeira com telhado com as pontas curvas, tinha dois andares, na frente um lindo jardim com um lago de carpas vermelhas brilhantes, flores exóticas e bambus, por um caminho de cascalho, mais adiante podíamos ver algumas outras casas mais simples. E antes de pararmos na porta, Su me instruiu, contando que seu pai se chamava Izanagi.

Uma senhora idosa veio nos receber, se curvou a nossa frente, depois falou animada.

— Mestre Su, que bom que voltou. – Essa cena me trouxe a lembrança da nossa chegada na casa de Gabriel, em Istambul, parecia que aquilo havia acontecido em outra vida.

— Obrigado, Nobu. – Ele também se curvou para ela, depois tirou os sapatos e entrou na casa sem me esperar. – Meu pai está em casa?

— Não – respondeu Nobu, olhando para mim espantada, enquanto eu lutava com minhas botas. – Somente a senhora. O senhor está nos campos, está chegando a época da colheita.

— Su! – Uma senhora que vestia um quimono de verão florido com uma bela estampa de flores de cerejeira apareceu na porta, ela não era mais velha que minha mãe adotiva, parecia um pouco receosa na presença de Su, talvez, pelo seu mau gênio já conhecido, mas ele foi amistoso.

— Senhora! – Ele se curvou até quase o chão.

— O que você veio fazer aqui? – ela perguntou, sem rodeios.

— Preciso conversar com meu pai – ele respondeu sucintamente, depois notou que ela me olhava com um ar de interrogação.

— Senhora, essa é a Dama da Lua.

— Muito prazer – Eu respondi, como não sabia o que fazer me curvei, levemente, e ela repetiu o gesto.

— O que a filha do Senhor do Ocidente está fazendo aqui? – Ela parecia preocupada.

— Ela veio me ajudar.

— Ajudar em quê? – perguntou, apertando os olhos em sinal de desconfiança.

 — Prefiro falar quando meu pai chegar.

— Ele já deve estar chegando, então jantaremos. Dama da Lua deve estar cansada. Nobu, leve a senhora até um quarto para ela descansar e se refrescar antes do jantar.

 Fui levada para um quarto, onde havia um belo painel com o desenho de um tigre, que admirei por algum tempo.

— O Tigre representa o mestre Su, pois ambos podem ser bem excêntricos e difíceis de compreender – Nobu falou ao me ver olhando a imagem.

Ali, sozinha, no silêncio, não consegui descansar, pensando no que estaria acontecendo na minha casa, pois minha mãe ficaria preocupada, então, entraria em contato com Gabriel, porém ele estava muito longe. Será que Bob contaria com quem eu sai? Eles estariam me procurando agora?

Fui apresentada ao Senhor do Extremo Oriente, um homem com aparecia mais velha, respeitoso, um tanto seco, sem muita conversa. O jantar transcorreu quase em silêncio, arroz, carne fatiada, legumes, no final, chá, foi quando ele perguntou:

— O que traz aqui, Su?

— Preciso encontrar Kushi – Su foi direto, todos olharam para ele, houve um tempo de silêncio, até o senhor falar, sem emoção na voz:

— Você sabe que não pode mais encontrá-la. Ela está perdida para você.

— Não, eu não aceito isso – Su falou elevando a voz.

— Você não tem escolha, meu filho. Esqueça! – O senhor insistiu, percebi que as mulheres abaixaram a cabeça na hora da discussão.

— Por favor, pai! Eu suplico! – Su implorou, mas não havia piedade nos olhos do Senhor.

— Eu sei exatamente pelo o que você está passando, pois, já passei por uma dor igual, mas não posso fazer mais nada por você, meu filho!

— Senhor, por que não podem ajudá-lo a encontrar o amor dele? – perguntei com suavidade, mas O Senhor do Extremo Oriente não pareceu gostar da minha intromissão.

— Eu não sei o que você faz aqui, Dama da Lua. Espero que meu filho não tenha usado meios, digamos, pouco educados para trazê-la para nossas terras, não quero discórdia com o seu pai nem com seu companheiro. Mas, somos uma civilização muito antiga, mais antiga do que a sua e tanto como a seu companheiro, no entanto, o que meu filho está me pedindo é impossível.

— Não, não é! – Su levantou se bruscamente. – Eu vou achá-la de qualquer maneira! – gritando, saiu da sala.

 De novo, não sabia o que fazer diante daquela situação tão delicada, então, levantei-me e o acompanhei, mas o Senhor me chamou:

— Dama da Lua, obrigado por cuidar do nosso filho, mas tenha cuidado, pois Su pode ser muito inconsequente, segue seu coração mais do que sua razão e por isso não enxergar o melhor caminho.

Enquanto, saíamos em direção da moto estacionada na frente da casa, Su caminhava chutando as pedrinhas do caminho, parecendo muito zangado.

— Não sei se eu estou ajudando, Su. Até agora, você não conseguiu nada – ponderei, pois, todas nossas tentativas foram em vão.

— Muito pelo contrário, Diana, provavelmente, se você não estivesse aqui, eu já teria sido punido novamente. Você me mantém calmo – Aquela frase me surpreendeu, fiquei imaginando Su realmente nervoso.

— E agora, para onde iremos?


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