Invisível aos olhos escrita por Flávia Monte


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Novo capítulo saindo!! Espero que gostem!!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/691065/chapter/4

—⟰-

— Hum... – Minha barriga dói. Estou com fome. Tento me mexer, mas não consigo muito bem. Meus olhos vão se adaptando a luz do ambiente.

Olho para baixo e Tom está deitado na minha barriga. A respiração dele está bem tranquila e estável, isso significa que está realmente dormindo. Ele está me usando como travesseiro. Tiro a mão dele de mim e tento sair de baixo do garotinho. Saio da cama e pego uma muda de roupa simples. Uma calça jeans e uma blusa branca. Olho para trás, para ter certeza que Tom continua dormindo, e sim, continua. Troco de roupa e saio do quarto. São seis e meia, se sair agora eu vou conseguir passar em casa para escovar o dente e chegar com um bom tempo de antecedencia na faculdade.

Desço as escadas em silêncio para não chamar atenção, no entanto, tanto Caleb quanto Dylan estão acordados, e fazendo uma bagunça na cozinha. Penso em dizer bom dia, mas eles ainda não me viram. Acho que é como Winston Churchill disse: se você está atravessando o inferno, não pare. Não tenho mais como evitar a existência deles, mas posso tentar passar despercebida enquanto estiver aqui. Meus passos são lentos, mas determinados. Quando estou na metade da sala, os gêmeos se viram para mim.

— Ei, onde você vai? – Diz um deles. Continuo andando, sem olhá-los. Pelo o que Billy disse, eles são Incubos. Um tipo de demônio. É bom que eu não fique perto. — Ei, espera!

Dylan me segura pelo braço e eu o olho. Caleb ainda está na cozinha.

— Se está com pressa, ao menos leve isso aqui. – Dylan me solta e tira uma mecha dos olhos, estica a mão e me dá uma sacola com alguma coisa dentro. – Tem um sanduiche. Não sei se você vai gostar, mas também tem biscoito...

Biscoito? Demônios fazendo biscoito?

— Ok. - Ando até a porta. – Obrigada, Dylan.           

— Ainda quero saber como ela nos diferência. – Escuto Caleb assim que fecho a porta.

Desço as escadas, rápido, e bato contra uma pessoa. Olho para cima, para pedir desculpas, mas é Amon. O lobisomem. Tento andar para o lado, no entanto o homem continua parado. Meus olhos encontram o seu e ele sai da frente, mas eu não me mexo. Ele cheira o ar perto do meu rosto e volta a ficar reto.

— Seu cheiro está diferente de ontem. – Vejo que em suas mãos está um regador e uma pá. É ele quem cuida do jardim? Um lobisomem é quem rega as plantas? Onde está o sentido disso?

— Não acho que esteja diferente. – Termino de descer as escadas e saio correndo, para pegar o metrô.

Acho que passar despercebida é um pouco mais difícil do que imaginei. Não vi meu irmão, ele ainda deve estar dormindo. Meus pais me adotaram em uma visíta ao Canadar. Pelo o que Billy diz, eu havia acabado de nascer quando minha mãe biológica morreu. Então, quando fui morar com minha tia avó no Canadar, conheci um pedaço da minha família biológica. Todas eram mulheres, apesar de poucas. Nyx morreu ano passado, então voltei a Ohio. Comecei uma nova vida, tendo apenas dezeseis anos. Consegui um trabalho numa lanchonete perto de casa e entrei na faculdade. Sou a mais nova que vi por lá, mas não tem problema, já que pareço mais velha do que dezesete anos.

Quando meus pais me adotaram não estavam pensando que já tinham setenta anos e um filho adulto, e sim que tinha um bebê chorando do outro lado da rua. Meus pais tinham ido ao Canadar a trabalho e foi lá que conheceram a minha mãe. Pura e estranha conhecidência. Willian já tinha idade para ser pai, mas me cuidou como irmã. Mamãe dizia que meu irmão seria um péssimo pai. E quando não conseguiu minha guarda, eu concordei.

— Ei, moça. Você viu meu cachorro? – Escuto uma criança e olho para o lado. É um menininho da idade de Tom. Suas roupas estão sujas e um pouco rasgadas.

Me abaixo para ficar na altura dele.

— Desculpa, não vi nenhum animal hoje... – Quando começo a andar, o menino fica na minha frente.

— Você me respondeu! – Seus olhos brilham e ele parece bem feliz. – Me respondeu! Você não sabe onde ele está, mas ao menos você me disse isso, moça!

— É... Eu disse. Não sei onde seu cão está. – Volto a andar quando sua mão fria me toca.

— Moça, ninguém me respondeu até agora. Todos passam direto por mim, não me olham, não me escutam. – Ele parece um menino de rua, devem ter receio de ele as roubarem. Mesmo que o tenham confundido, ignorar uma criança... — Obrigado, por me responder!

E então ele volta para perto da casa que estava. Volto a andar para o metrô. Uma, duas, três quadras até ver a placa indicando as escadas.

—⟰-

Demora um pouco mais que o previsto até que eu chegue à faculdade. Por ser perto do lago Erie, costuma ser mais fresco por aqui. Tem bastantes árvores por aqui, e faz ter um clima mais ameno.

Estou bem focada a chegar na sala que quase não noto um homem dormindo do lado da máquina de refrigerantes. Cada louco que me aparece. Entro na sala e vou para uma das cadeiras perto da janela. Estamos em agosto, as aulas começaram faz quase um mês. Por causa do trabalho, eu mal percebi que já passou tanto tempo. Eu consegui me manter financeiramente bem, por não gastar muito e tentar reciclar ou reaproveitar as coisas, diferente do idiota do Billy.

— “Meu amor, promete uma coisa para a mamãe? – Minha mãe sorriu para mim e me abraçou. – Quando eu e seu pai morrermos, cuide do seu irmão. Não o abandone.”

Lembro me de me perguntar por que teria que prometer algo assim, só que agora faz todo sentido. Será que minha mãe sabia sobre isso tudo? Não acho que qualquer humano saiba. Se fosse assim, eu já teria percebido esses monstros a muito tempo. Não é?

— Hey, morena. O que faz viajando? – Prime se senta na minha frente e se apoia na minha mesa. – Como foi a prova? Acho que me dei mal... Não sabia que iria cair Robert Burns, ele é o que? Venezuelano?

— Escocês, Prime. – Seguro em suas mãos e tento não zoa-la. – Literatura inglesa não é feita de apenas Ingleses. E sobre a prova: acho que fui bem. - Tiro o caderno da mochila e vejo que a sacola que Dylan me deu ainda está ali dentro. - O senhor Stuart está um pouco atrasado, não é?

— Com certeza. E acho até melhor. Não estou com saco para estudar - Prime se vira para frente e começa a mexer dentro da bolsa. Não interessa qual seja a matéria da aula dele, ela não alivia nunca.

Do lado de fora da janela consigo ver aquela macieira enorme que foi replantada no começo do semestre. Acho que tem uma menina em cima do galho. Ela está prendendo alguma coisa ali. Não consigo ver seus olhos, já que as folhas da árvore estão na frente. A garota está colocando alguma coisa no pescoço e... Ela se jogou? Pulou do galho? Seus pés não tocam o chão e a garota está se debatendo. Ela está se enforcando!

Olho para Prime, parece que ela está ouvindo música com seu fone de ouvido. Cutuco e aponto pela janela, minha amiga apenas dá de ombros e volta a ouvir música. Me levanto e corro para o pátio. Algo está errado aqui. Demora um pouco mais de cinco minutos até eu chegar embaixo da macieira. A garota ja parou de se debater.

— Ai meu Deus. Ai meu Deus. - Toco em seu pé e ele está bem frio. - Tenho que tirar você daqui!

— O que está fazendo? - A garota abre os olhos e eles são bem... Vazios. - Estou falando com você, idiota.

— Você não está morta? - Suspiro de alivio. - Ainda bem. Eu estava ali na janela e vi quando você pulou e...

— Cass, o que você está fazendo? - Prime está correndo até mim. Seus fones de ouvido estão arrastando no chão, já que o celular está em sua mão. - O que houve? Você saiu correndo.

— É que eu a vi aqui e fiquei preocupada. – Eu aponto para a garota pendurada pelo pescoço.

— Ficou preocupada com uma árvore? Você realmente veio do interior, amiga. - Prime começa a me empurrar de volta para o corredor e eu só tenho tempo de virar o rosto e ver a garota pendurada dando de ombros.

— Eu estava olhando pela janela quando vi... - Tento me explicar, mas minha amiga só me faz andar ainda mais rápido. - Eu achei que poderia ajudar.

— Você precisa regar para ajudar, Cass. As árvores não florescem apenas por conversa.

Entramos na sala e o Sr. Stuart chega logo em seguida. Assim que me sento, começo a anotar no caderno. Agora estamos estudando alguns escritores estadunidenses. O professor não é tão chato quando Prime reclama, mas ele realmente fala rápido demais. Mas o Sr. Stuart é novo, e não parece ter grandes problemas na vida. Prime tem certa cisma. Acho que é por que ele é o noivo da irmã dela.

— Hey. Reparou que aquele cara não para de te encarar? - Ela sussurra para mim e eu olho para o outro lado da sala. Não tem ninguém me olhando.

— Não to vendo ninguém, Prime. - Volto a cabeça para baixo e continuo a escrever.

— Aquele ali de blusa preta. - Tento ver de novo e metade dos garotos está de preto. - O loirinho, no canto da sala. - Me viro descaradamente e consigo ver quem ela está me apontando. - É algum aluno novo? Que gato! Acho que já o vi pelos corredores.

— Não sei. Acho que é a primeira vez que o vejo. - Amon. Não acredito que ele me seguiu até aqui. Billy está louco se acha que vou deixar que isso continue.

O sinal toca e eu guardo meu material de volta na mochila. A aula tinha duas horas seguidas toda sexta-feira e era bem cansativo. Quando ainda estou colocando a caneta dentro do estojo percebo que Prime já está em pé me esperando.

— Pode ir na minha frente. Te encontro na próxima aula.

— Não vai comprar nada pra comer?

— Não. Trouxe comida de casa.

Sorrio e pego a sacola. Prime olha para mim e depois para o “garoto novo” e sorri mostrando que entendeu. Entendeu errado. Assim que ela sai da sala vou até Amon que está em pé perto da porta, visivelmente me esperando.

— Não esperava que me seguisse até aqui. - Passo pela porta e ele me acompanha. – Achei que tinha deixado óbvio que não quero ficar perto de vocês.

— Hum... Só para você saber, srta. Metida, eu estou nessa faculdade faz três anos.

— Então, como está nessa turma? Repetiu em quantas aulas? – Desço com um pouco de pressa até a praça, onde estava a garota enforcada.

— Bem, eu repeti algumas sim, no entanto você está adiantada também. E antes que você fale que estou te seguindo, é bom você saber que eu estou em muitas aulas que você participa. Também quero me formar em literatura. A diferença é que você nunca percebeu.

É por isso que ele estava agindo tão estranho na casa dele? Ele já me conhecia. Amon tem seis anos a mais do que eu, a chance dele ser da minha turma era nula. Ao menos na minha mente. Já li varias histórias que entra um cara novo na sala, mas a diferença é que ele não é nada novo. Eu apenas nunca prestei atenção nele.

— Você ficou bravo por eu não me lembrar de você? - Me sento em frente a árvore. A garota estranha não está mais aqui. – Acontece que eu realmente nunca te vi.

— Pode se dizer que eu esperava que você não fosse minha tia, só isso. Além do mais, acho bem estranho sua relação com o Willian.

— Eu que tenho uma relação estranha? - Pergunto começando a me irritar. Eu queria passar despercebida, besta.

Ele dá de ombros e tira uma sacola igual a minha. Com sanduiche e biscoito também, mas o meu é de presunto e queijo e o dele parece ter muito mais coisa.

— Os gêmeos também estudam aqui. Mas em outro bloco, já que estão em matérias que possuem exatas.

— Eu faço Financias as terças... Isso significa que vou encontrá-los?

— Bem possível. Pelo visto você não é de perceber as pessoas, menina. Aliais, por que você faz algo que precise matemática? - Termino o sanduiche e começo a pegar alguns biscoitos. Ele também. São tradicionais com pingos de chocolate. Os gêmeos realmente sabem fazer comida.

— Eu morava sozinha... Tinha que saber o mínimo para sobreviver. - Dou de ombros e percebo que seus olhos estão me examinando. - Pare de me olhar assim. É assustador. 

Amon trava o maxilar e parece irritado. Ele se levanta abruptamente e vai embora. Acho que fui um pouco insensível... Mas confiar em monstros é algo difícil para uma pessoa normal. 

— Você não parece ser boa com homens. - A voz vem de cima de mim. Olho para achar o dono. É aquela garota. Ela não está mais com a corda, mas tem uma marca entre o vermelho e o roxo ali. – Eu já o vi por aqui algumas vezes... Ele não é como você. Já me olhou algumas vezes, mas nunca chegou a falar comigo.

— Você sempre está nessa macieira? – Pergunto e ela dá de ombros, mas não me responde. – Agora vou voltar para a sala. Já terminou o lanche?

— Eu não costumo comer nada, não. – A garota dá de ombros de novo. – Menina, apenas um aviso. – Olho para a garota estranha e ela aponta para onde Amon foi. – Esquece. Eu te contaria um segredo, mas não de graça.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentários são bem vindos!!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Invisível aos olhos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.